Correr por a gosto

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CORRER POR A-GOSTO AGOSTO é o oposto das chamadas fitas de Verão, como as paixões que lá se contam estão nos antípodas dos amores de praia. No ramo subtil e luminoso de Rohmer, nasceu um fruto pesado e escuro de Antonioni — contudo, é manifesto que este trabalho não vive da receita mas da intuição do autor que nas imagens se traduz pela procura do vibrátil como substituto do latente. A excelente fotografia de Acácio de Almeida dá textura a esta aposta. Ela é quase mimética da ofuscação de Carlos, voyeur hipersensível que se deixa encandear pelas projecções da sua própria solidão. Na base do triângulo passional, a relação de Dario e Alda, tão vulgar que o torpor pode parecer um poço de mistério. Se há pecado a censurar a Jorge Silva Melo, será talvez o excesso de requinte com que sacrifica a caótica expressão da vitalidade das suas personagens — todas elas «jovens» — em favor da cruel ambiguidade dos afectos —, embora as margens do enredo se tinjam com as cores fortes do sangue, do sexo e da loucura e, para além dessas, se erga o cerco fantasmático de um fascismo e de uma guerra. A tensão e a tristeza na maneira de abordar a amizade masculina — trata-se de um abeiramento porque a mulher funciona como amortecedor da tal queda em si que Camus descreveu — faz deste filme um caso raro de contenção e despudor. E, como quem não quer a coisa, Silva Melo coloca-nos nos braços a questão de uma força anímica e inconsciente poder reger melhor a vida do que o diabo a pinta. Na balança, que é aqui o signo solar, pesa-se o estéril e o fértil. E injusto escrever um artigo sobre uma cópia vídeo, visionada em Tróia num gabinete envidraçado quase no pino do Verão (!!!), mas mais injusto é o público estar privado da estreia deste filme feito com talento e ternura. R. G.


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