Daniel schmid entrevista

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DANIEL SCHMID ENTREVISTA Regina Guimarães — No âmbito desta mostra de cinema são exibidos dois filmes teus. Será que nos podes apontar alguns traços distintos do cinema suíço? Para ti existe realmente um cinema suíço num quadro de identidade nacional? É um cinema relativamente desconhecido em Portugal, um pouco como acontece com o cinema português no estrangeiro. Daniel Schmid — Nestes tempos em que se fala em cinema ameaçado, para mim o cinema suíço é sobretudo um cinema de autor. Claro que o cinema de autor é uma actividade ameaçada em todos os sítios do mundo, principalmente nos países pequenos. Falo dum cinema independente, de filmes com uma assinatura. O cinema suíço existe porque há autores independentes que passam pela Suíça. A Suíça é ponto de partida para a obtenção de certas condições de produção, graças a certas instituições, nomeadamente a televisão suíça sem a qual já não seria possível realizar filmes. Não há identidade cultural na Suíça; aliás não há cultura na Suíça. Talvez o chocolate seja a cultura suíça. Há várias regiões e várias línguas: fala-se italiano, fala-se alemão (e a parte alemã vira-se sempre para a cultura alemã), fala-se francês (essa outra parte voltase para a França). O próprio Godard é... suíço. Eu, de certa maneira, represento uma região que antes de mim não estava representada. Uma zona onde se fala uma quarta língua, o romanche, uma espécie de latim vulgarizado. A minha língua facilita o entendimento de todas as línguas de origem latina. Por exemplo, não falo português mas percebo. A minha terra é uma região de montanhas, de traficantes, de contrabando. De algum modo, considero-me um contrabandista. Se tiver um passaporte, será dos Grisons, coisa que não existe. É o tal sítio onde há 40.000 pessoas que falam essa língua. E situo-me na tradição duma cultura regional. Há artistas oriundos da nossa região. O maior, neste século, ao nível de toda a Suíça, vem do nosso vale, é o escultor Giovanni Giacometti. Mas sempre trabalhou no estrangeiro, viveu em Paris. Pessoalmente assumo-me como autor de cinema. Acho que o cinema é uma linguagem internacional. Por exemplo, no Japão onde eu tenho um público, onde todos os meus filmes foram distribuídos, certas obras da minha autoria foram sucessos comerciais: HÉCATE e JENATSCH. Este último saiu com trinta cópias, coisa que nem de longe tenho na Suíça. Quando vou ao Japão, ninguém me pergunta pelo cinema suíço porque para os japoneses eu venho da Europa. E dentro da Europa a minha terra é os Grisons e faço parte do cinema de autor que se produz neste continente. O privilégio de poder continuar a realizar filmes — porque depois do primeiro é preciso fazer o segundo — devo-o à França porque a minha primeira fita, ESTA NOITE OU NUNCA (que quase passou desapercebida na Suíça) estreou em Paris. E foi graças ao eco da crítica francesa e do público em Paris que consegui continuar. É engraçado que na Alemanha, por exemplo, sou conotado com o cinema latino enquanto que em França sempre me relacionaram com o cinema alemão. A minha formação é a juventude passada nos Grisons, depois a frequência da Escola de Cinema de Berlim e por fim uma estada em Paris. Sobre o cinema suíço, diria apenas que temos acesso às mesmas portas do ponto de vista da produção. R. G. — Há pouco dizias que o cinema é uma linguagem universal... D. S. — Um filme regional, se for bom, funciona. Acho que os cineastas devem contar histórias que lhes pertencem. Doutro modo, andamos todos a fazer o DALLAS. As minhas origens são os Grisons, um sítio bem preciso. De certa forma, todos os autores falam da infância. E na origem de qualquer trabalho criativo está sempre um retorno à infância, à formação. Em todo o caso, nos meus filmes, constato que há constantemente um processo de flash-back, de procura da infância. Mas, por outro lado, a minha posição cultural não é fixa: sou um contrabandista entre o norte e o sul da Europa, entre a realidade e a ficção. Entre aspas no tocante à realidade porque não sei bem o que isso quer dizer. Nunca fiz diferença entre o documentário e a ficção. Saguenail — De um país pequeno como a Suíça — onde a priori a situação do autor será porventura mais difícil — conhecemos vários cineastas: o Tanner, o Soutter, Goretta, etc. Vários nomes ocorrem imediatamente em torno da mesma geração. Em Portugal, passa-se um pouco a mesma coisa: Botelho, Rocha, Monteiro, Oliveira (apesar de não serem todos da mesma geração).


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