Defesa da Curta-metragem Leito de Procusto A curta-metragem desapareceu praticamente dos nossos ecrãs; quando falamos de «filmes», associamos a palavra não à sua forma mais corrente, mas à mais valorizada no plano cultural: a longa-metragem de ficção, quando esta modalidade é, em si, se não a mais pobre, pelo menos a mais limitada. Limite de tempo, logo à partida: a sua duração está condicionada pelos imperativos da distribuição — número de sessões diárias nos cinemas permanentes, duração socialmente estandardizada da «sessão da noite», etc. — e, salvo raras excepções, varia entre 1.20 h e 2.20 h, ou seja, uma margem de 75 %. A fixidez da duração condiciona não só a atenção do espectador — têm sido efectuados cálculos bastante precisos quanto às variações de intensidade dessa atenção, independentemente do conteúdo das imagens projectadas — como o desenvolvimento diegético do filme — do mesmo modo que a literatura de grande tiragem, policial, de ficção científica, etc., adopta uma estrutura narrativa fixa, determinada por um número de páginas fixo. Sendo verdade que, na linhagem do romance — cf. estudos de Marthe Robert — o cinema recorre a uma forma imperialista de discursos, caracterizada pela ilimitação do seu campo, acontece que os limites impostos pelo seu modo de distribuição conduzem paradoxalmente a longa-metragem a apresentar um número bastante limitado de estruturas discursivas, seja qual for o conteúdo temático adoptado: em torno de um — estrutura do conto iniciático —, de dois — estrutura dual da narrativa de combate ou de amor —, de três — estrutura edipiana da tragédia — ou quatro personagens, raramente mais. Com efeito, a um limite temporal — número de minutos — corresponde um número limitado de «vedetas», de actores secundários, de cenários e até de planos, etc.; a duração da rodagem varia, em média, entre 5 e 8 semanas, quer dizer, uma amplitude de variação comparável à do produto obtido. Donde uma ausência de surpresa, um reconhecimento das emoções, uma incomensurável banalidade da ficção — este juízo não deve ser tomado no sentido pejorativo: todo o funcionamento social do cinema assenta nessa banalização e nessa fixidez (dá-se o mesmo com o jogo de futebol) únicos garantes do prazer do espectador; o mal-entendido decorre da ambiguidade do estatuto de arte reivindicado pelos cinéfilos, reivindicação baseada numa evidente má fé, visto que se satisfazem com os produtos banais que lhes são oferecidos. A corrida da lebre A duração duma longa-metragem — que corresponde à duração média da generalidade dos espectáculos, do desafio de Futebol à representação de circo — não corresponde em contrapartida a nenhuma outra duração social: mais longa que uma conversa de café, que uma aula, que uma consulta no médico, que uma refeição, que um banho, que uma volta de carrossel, que uma relação sexual. Duração demasiado longa para manter o interesse por uma acção ou a intensidade de uma emoção. Diz-se que a mensagem audiovisual implica uma percepção global mas a memória do espectador é selectiva. Duma longa-metragem perde-se pelo esquecimento uma boa parte das imagens. A duração de uma curta-metragem, pondo de parte o «spot» publicitário, varia entre 5 e 50 minutos — ou seja uma margem de 1000 %. É certo que algumas durações tendem para a esclerose e tomam-se fixas na medida em que os múltiplos de 13 minutos condicionam, por exemplo, a sua difusão televisiva, mas a própria ausência de distribuição permite uma ampla variação. Por outro lado, a curta-metragem é historicamente portadora de uma larga variedade de género: documentário, burlesco, animação, experimentação formalista e ficção, evidentemente. Esta variedade de género corresponde, por sua vez, a uma variedade de estruturas. Os actantes deixam de ser forçosamente personagens, podendo ser, com igual propriedade, objectos, paisagens ou até elementos fílmicos específicos: um movimento, a distribuição da luz ou das cores no campo, um ritmo… por vezes mesmo extra-icónicos: uma peça musical, um texto… Mas trata-se antes de tudo duma diferença de estatuto: apresentada como ante-programa, a curta-metragem não goza do prestígio atribuído à longametragem que assegura a esta última a preguiçosa 'atenção do espectador. Para a curta-metragem é