ENCONTRO COM PETER GREENAWAY Saguenail — A minha primeira pergunta seria: como aconteceu a mudança? Vejo uma grande diferença entre os primeiros filmes que estão a ser apresentados aqui no Festival de Vila do Conde, filmes esses com uma marcada vertente experimental — pesquisa sobre o ritmo, por exemplo — e os seus filmes mais recentes que, embora distintos da maioria das produções comerciais, já não apresentam essa particularidade. Digamos que o lado experimental passou a ser um aspecto oculto... a partir de O CONTRATO. Peter Greenaway — Há muitas razões para isso que está a dizer. Mas antes de mais gostaria de questionar a sua noção de experimental, porque acho que os meus filmes continuam a ser muito experimentais. Acho que são experimentais ao nível do conteúdo, porque provocam as sensibilidades em relação aos tabus e às atitudes do poder, por exemplo. A minha posição no que diz respeito à neutralidade darwiniana é pouco usual no cinema. A maior parte dos filmes forçam uma identificação entre o público e a ficção, coisa que duma forma geral não acontece com os meus filmes. São aliás frequentemente acusados de parecerem muito frios e cerebrais. Essa postura intelectual e cerebral é verdadeiramente rara. Ao nível da organização estrutural, os meus filmes utilizam o espaço do enquadramento e inscrevem-se numa linhagem tipicamente pós-moderna de releitura da História. Todos estes elementos são incomuns no cinema e alguns revestem carácter experimental. No entanto, há um aspecto chave que você referiu na sua pergunta: os filmes mais antigos são bastante despojados. A preocupação com as estruturas e as formas está mais abertamente exposta. Um filme como MARIDOS À ÁGUA possui uma organização estrutural muito rígida que está intimamente ligada com o VERTICAL FEATURES REMAKE. Há quem diga que O CONTRATO é uma espécie de 2ª versão do VERTICAL FEATURES REMAKE com actores. Portanto há imensas correspondências que se podem estabelecer dentro da minha obra, para a frente e para trás. Há também uma razão de ordem social. Eu não quero ser um cineasta obscuro, a trabalhar na sombra, e a mostrar os meus filmes apenas a outros cineastas. Acho que é importante para todos nós darmos uso às nossas imaginações na praça pública. Doutro modo, o cinema será tão maçador, tão monolítico como o de Hollywood. Por conseguinte, é nossa responsabilidade, vossa e minha, levar as nossas preocupações pessoais para o mainstream. S. — Claro. P. G. — E também acho que os filmes «underground») serão sempre filmes «underground». A pintura «underground» acaba sempre por transformar-se em pintura «overground», mas há muito poucos filmes «underground» que conseguem romper o círculo. Talvez o ERASERHEAD do Lynch... É uma obra que emergiu do «underground» para a superfície. Mas há milhares de realizadores, que você e eu conhecemos, que nunca se impuseram. E isso