Manoel de oliveira 105 anos

Page 1

O que aqui hoje nos junta, para além da «vã glória» de expor abundantes vestígios da presença de um homem e de uma obra nas páginas da imprensa, é o centésimo quinto aniversário no nosso mestre Manoel de Oliveira. O género humano está, excepcionalmente, de parabéns. Recordo com emoção ter visto e ouvido (no meu caso pela última vez) o saudoso cineasta Jean Rouch afirmar, no nonagésimo aniversário do mesmo artista, comemorado do Rivoli (então Teatro Municipal) que Manoel de Oliveira representa «a nossa esperança de vida». Há que ler esta feliz formulação no sentido mais lato que a nossa imaginação conseguir atribuir-lhe, até porque um dos traços distintivos do nosso amado conterrâneo é a sua capacidade sui generis de alargar o horizonte do desejo dilatando até ao extremo as esferas do indizível. Todavia, o tom de festa a que esta data naturalmente convida, não deve apagar das nossas memórias os heróicos esforços que Manoel de Oliveira teve de desenvolver durante a sua fértil existência para que a sua obra - bela porque necessária e necessária porque bela , sempre urgente por ambas as razões se cumprisse. Se é verdade que a justeza do cinema de Oliveira não escapou a gente perspicaz como José Régio (que bem cedo elogiou os seus talentos), nem sempre fomos muitos a saudar as inúmeras qualidades dos seus filmes avassaladores e o imenso contributo da sua reflexão, acutilante e inquieta, para a cultura portuguesa e para o saber universal. Recordemos, com nietzschiano alvoroço, que foram precisos infinitos prémios, distinções, louvores e recensões críticas entusiásticas, vindos do estrangeiro,


para o senso comum que nos desgoverna duvidar da sua própria mesquinhez, quando não da sua baixeza militante, e admitir a grandeza da Oliveira. Lembremos que nunca nenhum criador português levou o melhor de Portugal na bagagem a tão diversos lugares do planeta. Ora, ainda há relativamente pouco tempo, ouvi o mestre interrogar-se: será que as multidões se interessam pelos meus filmes ou pela minha longevidade??? Pela parte que me toca, muito me apraz que Manoel de Oliveira tenha podido ao longo da sua longa vida, passar rasteiras à sobranceria dos seus pequenos ou poderosos detractores... Porém não me canso de esperar pelos próximos filmes porque preciso deles como se precisa de água. ÁGUA SIM. Tenho sabido, pelas páginas dos jornais das dificuldades com que Manoel de Oliveira se está a debater na busca de financiamento para o seu «Velho do Restelo» pronto a rodar... Oh ironia das ironias!!! Sendo apenas admiradora do mestre e não íntima sua, desconheço os pormenores desta recente epopeia que tem, a meu ver, causado insuficiente indignação. Impedido de filmar na flor da idade por um regime obscurantista, eis que de novo Oliveira tem de enfrentar a desrazão da lei da selva a que chamam da oferta-e-da-procura, num sistema em que ninguém oferece ou procura nada a não ser a destruição do humano por todos os meios. E porque compreendo a que ponto o exercício da arte é vital a este artista, além de felicitar Manoel de Oliveira neste 11 de Dezembro de 2013, não resisto a convocar um poema de Sophia que iluminou a minha tenra idade em tempos duros e não tão distantes:


PRANTO PELO DIA DE HOJE Nunca choraremos bastante quando vemos O gesto criador ser impedido Nunca choraremos bastante quando vemos Que quem ousa lutar é destruído Por troças por insídias por venenos E por outras maneiras que sabemos Tão sábias tão subtis e tão peritas Que não podem sequer ser bem descritas.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.