DAVID E GOLIAS Durante muito tempo a visão de Malraux falseou o problema — somos alguns a clamar por esse mundo fora que o cinema também é uma arte! Não se trata todavia de uma evidência: o cinema é antes de tudo uma indústria do espectáculo divorciada das preocupações estéticas. Produto da revolução dos media, produto de "série", o filme só acidentalmente se oferece como obra de arte. Nem a rádio, nem a televisão reivindicam esse estatuto, limitando-se ambas ao papel de difusoras. Ora, um punhado de iluminados continuam a querer exprimir esteticamente as suas preocupações através do medium cinematográfico. A crítica, valorizada por essa promoção "artística", alimenta voluntariamente a confusão. A contradição agudiza-se ao nível da distribuição... A curta-metragem de Nanni Moretti abre e fecha com a ilustração dessa contradição pelo enumerar dos resultados do box-office — desfasamento gritante entre as entradas pagas no filme de Kiarostami e as da produção "corrente" (americana). Só por malentendido o filme iraniano e os outros passam no mesmo circuito. Coloca-se pois o problema duma distribuição paralela... Moretti inventaria rapidamente as condições necessárias à apresentação de um filme-obra de arte: o entusiasmo de quem informa, a qualidade do acolhimento, a facilidade de acesso ao local de exibição, o cuidado posto na excelência técnica da projecção, o militantismo pelo respeito da versão original (legendada), etc. O que está em causa é formar um público. Essa actividade inglória de resistência, de infiltração no sistema, é forçosamente assumida por apaixonados individualistas — donde a separação das obras críticas no mostruário — e, ao mesmo tempo, solidários: o excerto de Close-up remete claramente para as sequências morettianas de scooter (aliás, tanto Kiarostami como Moretti praticam um cinema de reconstituição, o último sob o modo da irrisão, o primeiro sob o modo dramático...). Sem discurso didáctico, através da simples enumeração das suas preocupações, em sete escassos minutos, Moretti mostra-nos em que consiste o seu trabalho. O resto cabe ao espectador. Saguenail