No Reino dos Cegos
Convém mencionar rapidamente a projecção no A.N.C.A. dum ciclo de dez filmes de John Ford, organizado pela Cinemateca Portuguesa, prenda demasiado rara — uma ou duas vezes por ano — e beneficiando de pouca publicidade — donde a lamentável situação de um número de espectadores inferior ao dos arrumadores, agravada pelo facto, de que praticamente todos os filmes foram anunciados sem legendagem, quando no fim de contas apenas quatro filmes se encontravam neste caso; em contrapartida, várias cópias eram de formato 16 mm, facto que no Carlos Alberto implica desfocagem constante e som inaudível. Se bem que Ford dispense apresentação e mereça uma abordagem aprofundada, podemos felicitar-nos pela ocasião, por um lado de ver alguns filmes mais raros — The informer, The fugitive — e por outro de rever uma boa parte da sua obra em ordem cronológica, verificando deste modo um trajecto com clara determinação. Assim, foi-nos possível constatar um domínio precoce dos meios técnicos e narrativos — admirável The informer — mas também uma nítida preferência por certos domínios que acabou por fazer valer — utilização da paisagem como suporte participante; sobretudo, um discurso social muito comprometido paralelo à recusa de numerosas convenções formais — a figura do campo-contracampo é quase inexistente nos filmes de Ford. Ford pertence aos «clássicos» — aqueles cujos filmes só se vêem na televisão —; verificar em boas condições que a sua fama é merecida, é também restituir a dimensão (o valor) de prazer à cinefilia. S.