O MELHOR É SEMPRE O PRÓXIMO Com os cineastas é como com os filósofos: há os austeros e os bulímicos. A obra de uns reduz-se a um punhado de filmes — Tarkovski, Paradjanov, Eisenstein, Welles, Stroheim —, a dos outros é tão vasta que uma parte fica para sempre perdida entre as linhas da filmografia sem que a ela possamos ter acesso — Renoir, Lang, Hitchcock, Godard, Fassbinder. Uns filmam com o tempo, os outros filmam contra o tempo, todos morrem deixando-nos a impressão duma obra inacabada. Acontece que os dois grandes cineastas portugueses são bastante representativos das duas tendências, mesmo não esquecendo que o ritmo da obra de um deles se modificou subitamente há vinte anos e sabendo que há mais indícios que os aproximam — origem geográfica e social, laços afectivos — do que traços que os opõem. Manoel de Oliveira filma actualmente mais depressa do que a nossa revista consegue acompanhá-lo: PARTY ainda não saiu nos ecrãs quando a rodagem do filme seguinte, VIAGEM AO PRINCÍPIO DO MUNDO, já está acabada e pessoalmente sou daqueles incondicionais que defendem todos os filmes de Oliveira — i. e. que neles encontram uma postura original e uma audácia lúcida tais que, tanto enquanto cinéfilo como enquanto cineasta, aprendo sempre algo de novo. Ao mesmo tempo, é inegável que o choque particularíssimo que se sente face a uma obra-prima e que me pôs boquiaberto perante AMOR DE PERDIÇÃO (começo por este porque só mais tarde conheci a obra anterior), FRANCISCA, O MEU CASO, O SAPATO DE CETIM e OS CANIBAIS, não voltou a acontecer-me. Nos filmes mais recentes, tive de cada vez a sensação de haver um aspecto menos dominado, aliás diferente de obra para obra, pequena fraqueza que de algum modo contamina o conjunto do trabalho, apesar dos momentos de génio — assim, a direcção dos actores secundários em A CAIXA, a falta de rigor na luz em O CONVENTO ou até certas cenas menos conseguidas como a do baile em VALE ABRAÃO. Mas sobretudo o NON nada tem a ver com a tal «epopeia das batalhas perdidas da História de Portugal» que Oliveira febrilmente me contava a primeira vez que falei com ele — quando BENILDE era vaiado e AMOR DE PERDIÇÃO estava interrompido. A obra-prima que dessa vez me foi apresentada nunca verá a luz e nenhum filme desde então me consolou dessa falta. Mas Paulo Rocha também escreveu filmes maravilhosos — O NAUFRÁGIO DE SEPÚLVEDA, OS OLHOS VERMELHOS, A RAIZ DO CORAÇÃO — que temo nunca vir a ver. Enquanto Manoel de Oliveira parece resignar-se à ideia de que o seu maior filme — O SAPATO DE CETIM — nunca há-de ser estreado em Portugal por falta de tradução do texto de Claudel, Paulo Rocha refez-se dificilmente da nãodistribuição de O DESEJADO: toda a sua obra se cristaliza em torno da consciência da perda — das ilusões, da juventude — e da expulsão de um paraíso precário; o lado irreversível desse percurso acarretava um fim necessariamente trágico, tanto nos VERDES ANOS como em MUDAR DE VIDA; A ILHA DOS AMORES apontava para uma primeira saída ao nível da domesticação da morte, através do culto da morte das duas mulheres por Wenceslau e através do ensaio que ela fazia da sua própria morte; por último, o DESEJADO acaba inesperadamente com