O melhor filme do ano 55

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O MELHOR FILME DO ANO 55 QUIZZ SHOW não é certamente um filme a conservar nas antologias, nem mesmo na minha memória, mas pareceu-me apresentar certas características, quiçá ambições, que fazem dele um bom ponto de referência quanto à evolução estética do cinema americano. 1. REALIZADORES E ACTORES Redford assume-se como estrela hollywoodiana, representante de um sistema de valores que reivindica com boa consciência a aliança entre comércio e espectáculo — «show business». Vendeu a sua imagem mas sente-se, por efeito de ricochete, responsável. Logo, nunca poderia desempenhar um papel neste filme em que as personagens são todas negativas. Por outro lado, Redford tem vindo a abordar, de há alguns anos a esta parte, a realização. Até agora, tratava-se de controlar um pouco mais a sua própria imagem e portanto era a vedeta dos filmes que realizou, i. e., estava essencialmente em frente à câmara. Ora, em QUIZZ SHOW, Redford apaga-se cedendo lugar a um duplo ambíguo — que tinha o papel de nazi em SCHINDLER'S LIST — e a um desses actores que, devido a uma aparência facial peculiar, se assumem como anti-stars e parecem condenados aos papéis de idiota ou de vilão (J. Turturro). O filme é pois uma fita hollywoodiana onde falta a estrela — que continua a ser Redford, desta feita atrás da câmara. 2. DISCÍPULOS E MESTRES Muitos são os actores que passaram à realização. Esta tendência corresponde à deslocação do valor simbólico, da vedeta para o realizador. Isto também significa que os actores tomam a seu cargo a consciência estética do cinema. Redford procura aqui conciliar vários modelos: o filme tradicional de inquérito, por um lado — infelizmente, a parte mais fraca do filme, mais próxima da série televisiva de tribunal do que do cinema clássico dos anos 50; o cinema formalista nova-iorquino, por outro — o drama à porta fechada do jogo televisivo constitui a parte mais viva do filme: Redford multiplica os ângulos, tira partido das distâncias e consegue mostrar subtilmente o sofrimento fingido dos concorrentes. A referência é muito precisa: Scorsese, mais concretamente THE COLOR OF MONEY. Não só Scorsese desempenha um pequeno papel no filme — resultado do processo de inversão dos lugares de actor e de realizador —, como Redford introduz um plano transtrav, muito típico de Scorsese, a ponto de funcionar quase como uma assinatura que, sendo obviamente inútil ao nível narrativo, só tem valor de citação.


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