O mostrador de marionetas DÍPTICO in memoriam João Paulo Seara Cardoso
A organização do espectáculo decompõe-se em duas partes distintas: uma de natureza sonora, outra de natureza visual. A primeira, por razões essencialmente técnicas, deve ser pré-gravada: uma só pessoa, modificando a sua voz, deverá proferir as deixas de todas as personagens, exceptuando o público. À medida que a peça se vai desenrolando, como a acção se vai acelerando, as personagens devem poder ser brutalmente interrompidas umas pelas outras, ou mesmo falar ao mesmo tempo, de maneira a que, a partir do fim da cena 7 (a guerra), o ambiente seja confuso, sem que o texto deixe todavia de ser perceptível. Exemplo: no início da cena 8, a mesma voz, deve também soltar os gemidos dos corpos em agonia. A segunda é uma espécie de coreografia de costas, cada vez mais veloz e virtuosa, porque o mostrador tem de manipular, além das personagens principais, pedaços de cenário, figurantes, etc., dos quais só vemos a introdução no palco / entrada em cena. É durante o fornecimento dos adereços e das personagens secundárias que os dois ajudantes do manipulador se enganam, correm incessantemente para cima e para baixo, sempre aos encontrões um com o outro. O cenário representa as traseiras e a trave superior de um teatro de marionetas (castelet em francês). O cenário é pois constituído por complicados mecanismos (uma espécie de mini-teia, cruzetas, ganchos, roldanas, etc.) visíveis quando habitualmente o não são num espectáculo de marionetas. As cruzetas das marionetas de fio estão pousadas nos ganchos (só elas se vêem e não os bonecos). Durante o espectáculo, a dada altura, uma marioneta pode saltar. O marionetista-manipulador, é imponente – muito grande ou muito gordo –, de venerável barba branca, comporta-se como Deus Pai. Quer, pode e manipula. Os seus ajudantes-aprendizes são criaturas franzinas e ágeis. Um deles, de aparência angélica (asas, túnica acetinada de cores claras) e comportamento bajulador, não pára de correr dum lado para o outro porque tem de preparar marionetas e adereços mas não conhece de antemão o espectáculo. O segundo é um diabrete (asas de morcego, porventura cauda pendendo entre as nádegas, vestido de cores escuras) e, ao tempo que vai ajudando o espectáculo a avançar, não deixa de pregar partidas e de lançar apartes que revelam uma espécie de agenda escondida.