O senhor dos aflitos

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O SENHOR DOS AFLITOS Passion uma fita que utiliza arquitectonicamente a impressão de inacabamento para traduzir uma gradação desesperada na ânsia da perfeição 1. Um espaço compartimentado, inquieto, a ser decifrado à luz de «vidas» retalhadas por paixões fracas que já não se compadecem com dialéctica. Na minha pouco humilde opinião, a didáctica godardiana chega com este filme à superfície lisa e perigosa do espelho, estrato esse em que a ficção de um conteúdo coincide totalmente com a aflição do criador 2. Este grau de intimidade chateia o espectador que julga ter deixado a cruz em casa, não estando disposto a vir para o quarto escuro carregar as cruzes de outrem 3. A consciência da impotência dada em espectáculo sob forma de paixão no condicional — «moi aussi j'aurais voulu t'aimer passionnément» — porque condicionada pela devoção dos participantes (do figurante-actor ao figurante-espectador) a cada passo, não incomoda as fortes cabeças. O inventário dos pretextos cristaliza-se numa mística da situação dum cinema que tem (provisoriamente?) de abrir fronteiras a outras formas de expressão e produção 4. O Godard é um Cristo que já ninguém atura por teimar em marcar passo, infligindo-nos um rosário de interrogações verdadeiras através de imagens portadoras de lutas fictícias. Ou a escalada duma exigência infantil que consiste em perguntar aonde e a quem pertencem os cinemas. O ecrã é um grande espelho. Mas tão definitivamente raso que já não há lei nem luz que nos valha. A não ser que o espectador se desprevina de algum voyeurismo e consinta num olhar menos assistido, antes que as luzes se acendam. R. G. 1

Ânsia que Godard demonstra impartilhável nesta estranha digestão de Le mépris. O passo seguinte dá-o Godard ao encarnar a figura do realizador em Prénom Carmen. 3 Os primeiros espectadores da paixão de Godard são os actores com os quais mantém (e revela) uma relação tensa — o esforço de participação no filme deve ir até à mutilação. 4 Ao levantar as questões da luz e dos espaços que esta abre pela via da reconstituição de objectos pictóricos, Godard põe o dedo na ferida. Ainda que desajeitadamente Godard coloca a questão: o que é que dói ao cinema? A cavalgada no cenário Delacroix confere evidência às interrogações ingénuas do cineasta polaco. Filmar a morte ou a ressurreição? 2


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