O VALOR DA IMAGEM MARX REVISITED A elaboração de uma teoria materialista está ligada, no século XIX, ao desenvolvimento prodigioso do sector secundário («revolução industrial»). Baseia-se ela no cálculo do valor de uma mercadoria material em função dos custos de produção. Descreve o funcionamento de um sistema em que o valor de uso é substituído pelo valor de troca: duas mercadorias são iguais desde que o seu valor seja, financeiramente, equivalente. O padrão de cálculo é a força de trabalho e a sua reconstituição. Ora o fenómeno mais marcante do século XX é o desenvolvimento de um sector terciário, não produtivo — no tocante a mercadorias materiais —, logo parasitário, e do qual as utopias sociais do século passado previam a supressão. O carácter imaterial da produção do sector terciário obriga a uma revisão da noção de trabalho tal como fora definida por Marx: com efeito, o trabalho deixa de ser analisável em termos de dispêndio de força de trabalho, passando a ser avaliável em função do dispêndio de tempo; este último não pode ser «reconstituído», no máximo poderá ser «compensado». Assistimos, no fim do século XX, à expansão, nos países super-desenvolvidos, de uma indústria do lazer, indústria essa que, conquanto sempre tenha existido como actividade de «distracção» — i. e. de «défoulement» das emoções reprimidas durante um período de trabalho extenuante: do «panem et circenses» ao moderno futebol —, era, enquanto «ocupação dos tempos livres», reservada às classes dirigentes — as únicas que gozavam de um privilégio de ócio. A mudança de função social altera, como é óbvio, a própria essência do lazer: enquanto a distracção encena, de maneira simbólica, um combate no decorrer do qual o espectador projectará a sua raiva e assim a esgotará, o lazer deve encorajar o papel passivo do público — nesse sentido, é assimilável a outros logros que servem de alicerces à ordem social, tais como as eleições, a informação, etc. Mas, sobretudo, o lazer deve apresentar uma imagem do mundo que glorifique a ordem estabelecida e justifique a existência do sector terciário, aparecendo este como principal consumidor da ficção que produz, uma vez que tende a dominar numericamente os sectores produtivos ao nível material.
O sector terciário não produz mercadorias mas imagens — sejam elas sob forma de contabilidade, de estatística, de reportagem, de aula ou qualquer outra aparência. Essas imagens determinam o valor dos objectos — materiais ou abstractos — representados: com efeito, o aumento do custo devido à necessidade de fazer viver um sector parasitário implica a impossibilidade de calcular o valor de um objecto em função do trabalho ligado à sua produção, e introduz a obrigatoriedade da elaboração de uma ficção para justificar o valor — fictício — do objecto doravante decorrente da sua imagem. O próprio «capital», valor material por excelência, vale menos do que a sua imagem: o crédito. Todo o processo de produção se modificou: o objectivo já não é o objecto acabado (finito) — cujo valor material era passível de cálculo — mas o objecto inacabado (infinito), i. e., cujo conjunto de qualidades inclui a necessidade da sua renovação após consumo. A materialidade está ligada à duração; ora as imagens produzidas têm apenas um valor de actualidade: esgotam-se no próprio acto de consumo. Porém, tal consumo cria uma necessidade, uma procura, que justifica a sua produção