Of films and men

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OF FILMS AND MEN Os Cahiers du Cinéma não inventaram propriamente a noção de «autor», mas fixaram-na enquanto critério de valor estético para a crítica cinematográfica. Este critério tem-se mantido até hoje e garante a distinção entre cinéfilos — os que conhecem o nome do realizador — e grande público — os que só conhecem os nomes das vedetas; é ainda este critério que justifica a constituição dos «dossiers» desta revista, que permite a G. Deleuze analisar a evolução do cinema avaliando a contribuição particular de cada cineasta — é de reparar que, vinte anos antes, E. Morin se limitava a uma classificação por géneros, reunindo imagens e situações «chave» que supostamente traduziam emoções convencionais; foi ainda o critério da «autoria» que tornou possível o desenvolvimento de uma produção independente, ou, pelo menos, mais liberta dos imperativos comerciais do que a produção estandardizada. Curiosamente, porém, esta noção de «autor», que não só confirmava o reconhecimento enquanto «arte» — valor cultural — como o enfeudava na concepção burguesa desse conceito pela negação da realidade «industrial» da produção — ausência de liberdade efectiva em razão dos custos que a mínima imagem acarreta, necessidade da divisão das tarefas devido ao carácter colectivo do trabalho, etc. —, começou por ser brandida em defesa do cinema americano, isto é, da máquina «hollywoodiana». Com esta sua posição, os Cahiers opunham-se claramente à influência hegemónica de uma crítica politicamente comprometida, próxima do partido comunista, que defendia não só o cinema soviético como a ideia de base de que o valor de um filme depende da sua «mensagem». Mais ainda — abriram caminho a uma crítica estética formalista. Apesar de os defensores da noção de «autor» terem consciência do paradoxo que decorre do reconhecimento de «autores» numa massa de técnicos assalariados substituíveis ligados por contrato a uma das «major companies» (não passaria pela cabeça de A. Bazin colocar no mesmo plano os realizadores de western que ele defende com eloquência e Orson Welles, por exemplo) ou até no exército dos especialistas de série «B», o alargamento deste conceito e o consenso que se gera em torno dele — ligados à lei do consumo que obriga a crítica, submetida à actualidade cinematográfica, por muito pobre que esta seja, a manter as suas posições se bem que renovando o rol dos nomes que reconhece (necessidade comum a todas as empresas capitalistas de renovação dos produtos propostos de forma a manter uma certa imagem) — acarretaram uma certa indistinção na escala do valor atribuído a cada realizador. O facto de retomar esta distinção não nos parece comprometer o interesse e o prazer que eventualmente possamos ter com a visão de certos filmes de série «B», nem diminuir as qualidades de técnico, de contador, o humor ou o sentido épico de realizadores aos quais não convém contudo atribuir o «título» de autores. Tanto mais que nas actuais condições de produção, os autores constituem raríssimas excepções e, que tendo em conta o «estado das coisas», já é notável que certos realizadores consigam, no seio do sistema, produzir filmes que não são totalmente medíocres. A distinção pode efectuar-se facilmente pela identificação imediata de uma «marca» do autor — tanto no plano formal como ao nível das ideias transmitidas, indissociavelmente — seja qual for o filme realizado, e independentemente da sua qualidade — pois o facto de o realizador ser autor não o impede de fazer maus filmes. A personalidade do realizador exprime-se com mais pujança numa estrutura de produção independente — nos EUA mais facilmente em Nova Iorque do que em Hollywood. Geralmente os autores não se aguentam muito tempo no marfim das suas torres: ou fazem concessões ou acabam por ser afastados da produção. Welles é decerto o caso mais conhecido, mas abundam outros percursos menos dramáticos mas igualmente exemplares, de J. L. Mankiewicz a E. Kazan, passando por N. Ray, etc. Por todas as razões acima citadas, não podemos arrumar J. Huston na categoria dos autores. Aliás a versatilidade de Huston bastaria para o excluir desta categoria. No entanto, no meio de uma carreira de filmes medíocres, quando não francamente maus, Huston realizou uma boa dezena de bons filmes, alguns dos quais excelentes — ASPHALT JUNGLE, REFLECTIONS IN A GOLDEN EYE... Esta inconstância de qualidade permite-nos situar a sua personalidade ou, pelo menos, as condições em que ela se afirma e se exprime. O nome de Huston continua ligado à eclosão do filme «negro» americano: o seu primeiro filme é, com efeito, a adaptação cinematográfica do primeiro romance


policial «negro», THE MALTESE FALCON, de D. Hammett. Não se trata portanto de um argumento original; no máximo podemos admitir a modernidade, quer dizer, a consciência de uma urgência em renovar os géneros, na medida em que lança um novo tipo de fitas do ponto de vista formal. Ora, do MALTESE FALCON ficar-nos-á sobretudo a iluminação, que nem é original — constitui a herança expressionista legada pelos realizadores alemães que emigraram para Hollywood antes da guerra — nem específica de Huston — caracteriza justamente um género, o filme «negro», e corresponde à estética de uma escola de directores da fotografia em Hollywood. Apesar de tudo, este filme apresenta três características, secundárias mas mais originais, que voltaremos a encontrar nos filmes de Huston: A PREPONDERÂNCIA DADÁ AOS ACTORES H. Bogart domina manifestamente o filme mas, por um lado, por muito bom que um actor seja, precisa de ser dirigido, ou pelo menos filmado de forma suficientemente eficaz para que as subtilezas que exprime sejam visíveis; por outro, o resto do elenco, de P. Lorre a S. Greenstreet, também aparece extremamente valorizado. Mais, as atitudes e as palavras estão no centro do drama, mais do que as cenas de «acção» propriamente ditas — os assassínios, por exemplo, são tratados com especial sobriedade. Este apagamento do realizador face ao actor (seja ele Bogart — MALTESE FALCON, TREASURE OF THE SIERRA MADRE, KEY LARGO — Brando — REFLECTIONS IN A GOLDEN EYE — Nicholson e K. Turner — PRIZZI' S HONOR — ou A. Finney — UNDER THE VOLCANO) constitui indubitavelmente uma das qualidades fundamentais de Huston. O CINISMO DO DISCURSO No MALTESE FALCON, o cinismo é directamente fornecido por D. Hammett; podemos contudo sublinhar que Huston optou por adaptar este romance e principalmente adopta uma posição de recuo divertido em relação à situação mítica narrada — tema da demanda. Ora, voltamos a encontrar uma atitude semelhante nos seus melhores filmes, de TREASURE OF THE SIERRA MADRE a FAT CITY, passando por KEY LARGO, ASPHALT JUNGLE ou REFLECTIONS IN A GOLDEN EYE. É aliás esta atitude que pode tornar-se redutora quando Huston se lança na encenação de obras mais ambiciosas como MOBY DICK, à qual ele tira a dimensão épica, ou UNDER THE VOLCANO , da qual é incapaz de traduzir a angústia apocalíptica. O LUGAR FECHADO Corolário dos dois pontos anteriores, Huston encerra os seus personagens, isola-os, quer seja num apartamento — MALTESE FALCON —, numa ilha — KEY LARGO —, num deserto — TREASURE OF THE SIERRA MADRE — ou no oceano —MOBY DICK. Os personagens são portadores do drama que explode na confrontação, sem intervenção do exterior. O drama situa-se precisamente num passado anterior à própria acção do filme, passado do qual os personagens parecem incapazes de se libertar. Esta problemática muito sartriana patenteia o interesse que se atribuiu a Huston pelos personagens derrotados («losers») — o cinismo não é assimilável ao pessimismo — e parece unir praticamente todos os seus filmes — incluindo RED BADGE OF COURAGE e PRIZZT S HONOR. Problemática no fim de contas muito convencional que enxerta a ironia no «fatum» trágico. O mérito de Huston é ter sabido ilustrá-la não sob forma de parábolas pomposas, mas através de dramas anedóticos aos quais a encarnação das personagens insufla vida. S.


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