Palavras sem peso – imagens sem choque

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PALAVRAS SEM PESO/IMAGENS SEM CHOQUE Resnais é certamente um dos cineastas que mais contribuiu para a renovação da estética cinematográfica. Antes da aparição da «nova vaga», à qual foi durante algum tempo assimilado, quando as suas propostas iam precisamente num sentido contrário, Resnais integra um novo elemento à matéria fílmica: o texto, no seu funcionamento literário. É um dos primeiros a deixar de construir o filme por sequências, passando este a ser concebido como um todo, graças à unidade do texto que reúne a diversidade das imagens. A originalidade deste autor reside no facto de, oriundo de uma prática documentarista, retomar, sem negligenciar nenhuma, todas as componentes significantes do filme — enquadramento, som, montagem —, reforçando a expressividade destas através da distância variável que mantêm em relação ao texto. Daí o recurso, em muitos dos seus filmes, à voz off. Com efeito, o actor não é um elemento expressivo em si, enquanto imagem à qual o espectador se pode identificar, mas nas suas relações com um espaço exterior e com um tempo que já não comanda e onde é obrigado a integrar-se. Assim a «leitura» de um filme de Resnais é muitas vezes tida como «difícil», não tanto devido ao «intelectualismo» das intenções, mas por já não poder ser regida pelo modo tradicional da «identificação-projecção». Daí decorre também uma certa tentação didáctica, compensada pela profundidade e pela força emotiva dos temas tratados. Por outro lado, a obra de Resnais caracteriza-se tanto pela renovação constante das opções formais — mistura ficção/documentos de actualidade em HIROSHIMA, MEU AMOR, planos-sequência em travelling em O ÚLTIMO ANO EM MARIENBAD, montagem ultra-rápida em MURIEL, grandes planos do tipo «naturezas mortas» em PROVIDENCE... — como pela preocupação de ser um testemunha do seu tempo, particularmente ao nível da escolha dos autores de «vanguarda» para a escrita do texto fílmico — já não é pertinente falar-se de adaptação nem de argumento tradicional. Nesta perspectiva, MÉLO pode inscrever-se tanto numa lógica de prossecução como numa lógica de ruptura. Começamos por reconhecer em MÉLO a escolha do texto como motor dos elementos fílmicos. Trata-se porém de um texto de natureza um pouco diferente, visto que pela primeira vez Resnais recorre a um texto pré-existente e datado, mas sobretudo por este texto ser uma peça de teatro e logo ser constituído unicamente por diálogos. São estes que determinam, na sua progressão, as relações de força e de sedução que o enquadramento fixa segundo uma série de princípios simples: quem está no plano — utilização do fora-de-campo como exclusão; quem está de frente — utilização do primeiro plano como receptor das réplicas que obriga o espectador a perceber a situação de um ponto de vista exterior, etc. Nesta gramática formal encontram-se igualmente normalizados, de forma significativa, os jogos de luz e sombra, a presença mais ou menos nítida do cenário e, em grau menor, os re-enquadramentos. Em suma o filme revela a carga de intenções contida nas réplicas aparentemente banais e funciona como um magistral exercício de explicação do texto. Ora, este comentário fílmico não traz ao texto nenhum elemento novo, a interpretação fica encerrada no espaço fechado da representação teatral. Chega a parecer redundante nas suas audácias controladas, como aquele plano desfocado durante a leitura da carta da morta. Resnais afirmou ter querido realizar com MÉLO o filme sobre o teatro que sempre desejou ver. O erro advém talvez de uma confusão entre tal ideia de teatro e a teatralidade do cinema cuja relatividade Resnais consegue demonstrar. A própria problemática não constitui novidade — Bazin formulou-a muito cedo — e tem estado recentemente na base de muitas reflexões estéticas, das de J. M. Straub às de M. de Oliveira. Só que para estes dois cineastas a questão era de facto definir o cinema, enquanto para Resnais o suporte cinema é posto ao serviço do texto: o extremismo do parti gris em Straub e em Oliveira força a expressividade da imagem roubando-lhe os meios tradicionais de descrição — mobilidade, variedade dos enquadramentos, etc. —; em MÉLO, estes mesmos meios limitam-se a sublinhar a insuficiência de um texto totalmente traduzível por imagens. No fundo o «falhanço» de MÉLO deve-se à escolha do texto de Bernstein; enquanto teatro, não passa de «boulevard», enquanto melodrama, os conflitos entre o amor e a morte não transcendem a paupérrima convenção. Isto afigura-se-nos tanto mais grave quanto o filme aparece como um duplo da fita anterior, AMOR ETERNO — cf. crítica no nº 4 de «A Grande Ilusão» —: o mesmo quarteto


de actores e acima de tudo uma acção estruturalmente idêntica (suicídio de S. Azéma, morte e ressurreição de P. Arditi). Esta reiteração contribui aliás para orientar a nossa «leitura» do filme e leva-nos a tê-lo como uma demonstração da técnica do comentário no cinema, como um protótipo de um «novo academismo» em que o domínio dos meios formais da significação se limita a gerir as soluções estéticas que já cá (lá) cantam. Resnais pode renunciar a exibir a sua já conhecida inteligência; a sua capacidade de explorar novas vias está por demais documentada nos seus filmes; resta-nos esperar a estreia do seu próximo filme na convicção de que MÉLO não terá passado de um exercício de escalas, cujas qualidades devem ser analisadas (favoravelmente?!) em função da mediocridade geral da produção do momento e não da expectativa que Resnais pode legitimamente suscitar. S.


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