Para uma teoria da montagem

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PARA UMA TEORIA DA MONTAGEM 1. Definição: A montagem é a operação em que se juntam as imagens e os sons registados para dar ao filme a sua forma definitiva. 2. Função: É na etapa da montagem que se define o ritmo do filme. O ritmo final depende do ritmo dos movimentos filmados (encenação) e da continuidade narrativa previamente estabelecida. («découpage» ou planificação). Em certa medida, a montagem pode corrigir, remendar, apagar certos erros cometidos nestas duas outras etapas. A montagem e a mistura das pistas sonoras gozam duma autonomia mais ampla (a maioria das vezes deixada por explorar) para sublinhar ou produzir efeitos de emoção e de sentido. 3. Todo o filme é montado: A capacidade limitada duma bobine de película (inferior à duração dum filme) implica que a dado momento as imagens terão de ser encadeadas com as da bobine seguinte. Esta necessidade condiciona tanto a elaboração inicial (découpage) como a própria rodagem (encenação). 3.1. Numa dada época, por razões ideológicas, o conceito de montagem foi combatido pela crítica. Esta posição era consolidada pela constatação de um aumento da duração média dos «planos» e de uma deslocação do peso relativo das unidades significantes, do movimento para o tempo (cf. G. Deleuze) (1). Contudo, a atitude desfavorável à montagem era na mesma altura denunciada pelos próprios realizadores: «Não creio que a soma de trabalho na montagem dependa da brevidade dos planos. É um erro pensar que os russos trabalhavam muito na montagem porque filmavam planos curtos. Podemos consagrar muito tempo à montagem dum filme com planos longos porque não nos limitamos a colar uma cena após uma outra» (2). 3.2. Exemplos: Existem exemplos extremos em que a montagem poderá parecer reduzida à sua expressão mais simples, ora porque cada «plano» aparece formalmente separado do seguinte e logo relativamente isolado — PARA ALÉM DO PARAÍSO de J. Jarmush, ONCE MORE de P. Vecchiali — ora que o filme dissimule os raccords e simule um plano único para a sua totalidade — A CORDA de A. Hitchcock. No primeiro caso, apesar de desaparecer uma das componentes da montagem — o encadeamento de um plano para outro —, permanece a sucessão dos planos que obedece a uma geometria calculada, a sua duração variável, a adequação do ritmo interno dos planos ao do filme no seu conjunto, a continuidade narrativa, etc. O filme de Hitchcock também está construído em função da montagem: por um lado, os movimentos da câmara tentam compensar a ausência de ruptura na continuidade-imagem; por outro, a encenação está submetida à necessidade da passagem em «cortina» duma personagem no momento do raccord entre duas bobines — uma dessas «cortinas» é, aliás, particularmente mal conseguida porque, ao tirar partido duma


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