Sem formalismos

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prefácio SEM FORMALISMOS A presente antologia reconstitui, para o leitor português, a eclosão, no século XIX, de uma nova forma poética na literatura francesa: o poema em prosa. Embora Baudelaire tenha sido o primeiro a ousar essa designação – o «Spleen de Paris» tem como subtítulo «pequenos poemas em prosa» –, nem foi ela a inventá-la – o poeta indica Bertrand como modelo na sua carta a Arsène Houssaye –, nem a concebê-la – o abade abbé du Bos, nas suas «Reflexões críticas sobre a poesia e a pintura», publicadas em 1719, aventa que «é a linguagem poética que faz o poeta e não a métrica e a rima. Pode-se, conforme a ideia de Horácio, ser um poeta em prosa e tão-só um orador em verso» – e assume essa denominação na sua dimensão transgressiva de oxímoro. O citado livro apresenta aliás textos muito diversos do ponto de vista formal, que vão da crónica ao apólogo, e poucos são aqueles que revelam as características que mais tarde, com Rimbaud, se fixarão e constituirão o poema em prosa tal como virá a ser dominante durante um século. Para compreender o alcance e a fecundidade do gesto baudelairiano, é preciso ter em mente vários factores históricos que desembocaram o questionamento do verso. As regras de versificação francesa eram particularmente rígidas, por motivos em que a linguística é inseparável da política: trata-se de uma prosódia silábica e não de acentos – o Francês é, foneticamente falando, uma língua «tensa» (cujas vogais se pronunciam integralmente, independentemente do lugar do acento tónico) porque em parte artificial, criada com vista à ruptura com o Latim (e com a autoridade do clero) e à imposição do «oil» como língua oficial num país em que cada província possuía a sua própria língua; além disso, na época, o léxico ainda está dividido entre registo «nobre» e registo «popular», e o verso, tal como foi regulado por Malherbe e Boileau, deve limitar-se ao primeiro – quando Hugo reivindica as infracções cometidas relativamente à versificação clássica e afirma ter «lançado o verso nobre aos cães negros da prosa», refere-se apenas ao vocabulário «prosaico» que não hesita em utilizar (aliás, toda a sua «Resposta a um auto de acusação» é redigida em alexandrinos regulares). Indirectamente, o poema em prosa é fruto da revolução de 89 e das transformações sociais que se lhe seguiram. Acresce que o recurso ao alexandrino para os escritos a serem lidos perante a corte levou cientistas, pensadores, e até juristas, a redigir epístolas em verso para tratar de qualquer assunto. No século XIX, a versificação já não é exclusivamente mobilizada pela poesia, tornou-se na verdade um exercício de estilo, um malabarismo literário, enquanto os escritos em prosa se foram desenvolvendo – só a universidade mantém o uso da dissertação latina para titularizar os seus «doutores», seja qual for a disciplina –, do romance à enciclopédia, pelo que o próprio estatuto da prosa é objecto de reconsideração. Já Vauvenargues admite que «não há poeta em prosa, mas há mais poesia em Bossuet do que em todos os poemas de La Motte». O verso conserva o seu prestígio – os românticos vão reabilitar e reciclar em função do gosto da época as formas fixas medievais ou renascentistas, em particular o soneto –, mas o século caracteriza-se pelo desenvolvimento das comunicações de massas, revistas e jornais, que já não se lêem em voz alta; ora, originalmente, o verso está ligado à oralidade – embora não seja certo que, como Borges sugere, «a poesia [seja] anterior à prosa» e que «o homem [cante] antes de falar», é seguro que o verso – regularidade métrica e rima – está na origem da forma da oração e tem uma função de litania e de mnemotécnica ao mesmo tempo. Um «bom verso» continua a ser o ideal de todo o escritor, ainda que escreva em prosa: para Flaubert «uma boa frase de prosa deve ser como um bom verso, inalterável, igualmente ritmada, igualmente sonora»; Baudelaire – num dos seus poemas em prosa – reza a Deus para que lhe conceda «a graça de produzir alguns bons versos que [lhe] provem a [si] mesmo que não [é] o último dos homens, que não [é] inferior àqueles que desprez[a]! FF Curiosamente, os primeiros poemas em prosa invocam como justificação a preocupação de fidelidade e a impossibilidade de traduzir em versos regulares poemas escritos numa língua estrangeira antiga. A tradução dos «Cantos de Ossian», a partir da versão de Macpherson, por Pierre Letourneur em 1777 conheceu um tal sucesso – Napoléon fizera dela o seu livro de cabeceira – que não tardou a aparecer uma nova tradução, também em prosa, assinada por Auguste Lacaussade, que acusa o seu


predecessor – especialista de Shakespeare – «de ter adaptado demasiado ao francês a áspera e inculta musa do norte, e de se ter vergado demasiado ao gosto da época a beleza nativa do texto e o seu esplendor selvagem». Entretanto, Évariste de Parny publicara as suas «Canções madécasses» e Prosper Mérimée «A Guzla», que se configurava como «uma selecção de poesias ilíricas». Durante todo o século, inúmeros autores cometeram poemas em prosa: Judith Walter – «O livro de jade» –, Pierre Louÿs – «As canções de Bilitis» –, Victor Segalen – «Estelas» –, etc. Uma outra curiosa fonte de inspiração parece ser a imagem: não só todos os poemas do livro de Bertrand – que serve de modelo a Baudelaire para a certidão de nascimento da nova forma – estão associados a uma gravura de Rembrandt ou de Callot, como os primeiros poemas em prosa de Charles Cros são consagrados às águas-fortes de seu irmão Henry Cros e, por outro lado, ao título «Iluminações» dado aos poemas de Rimbaud acrescentava-se a especificação «painted plates» – pelo que «Iluminações» deve ser lido no sentido pictórico de iluminuras e não da acepção metafísica de visão ou de inspiração (enlightment). Como se o motivo icónico suscitasse uma forma de evocação que escapa aos modelos textuais da narração ou da descrição. Voltamos a encontrar essa aliança poema/imagem nos últimos poemas de André Breton intitulados «Constelações», suscitados por uma série de quadros de Joan Miró. Embora no momento da sua aparição o poema em prosa provocou reacções muito negativas – sobretudo no círculo dos poetas «parnasianos», de Théophile Gautier que qualificava a nova forma de «loucura moderna que tende para nada menos nada mais que o aniquilamento da própria arte» (e, no entanto, a sua própria filha, Judith Walter, esposa de Catulle-Mendès, publicara dois anos antes «O Livro de jade») a Théodore de Banville que a condena «porque se pode sempre acrescentar ou retirar à prosa algum elemento que desse modo a tornará mais perfeita» (e, no entanto, alguns anos mais tarde, também praticou a nova forma) –, na verdade ele praticamente dominou, durante um século, a produção poética –, Huysmans nele via «o osmazoma da literatura», o ícone da «modernidade». A influência exercida pelo surrealismo, que se situava na linhagem directa de Rimbaud e Ducasse, terá porventura contribuído para isso – os poetas que escolheram essa forma no século XX, de Paul Éluard a Yves Bonnefoy, passando por René Char, Henri Michaux e Francis Ponge, estiveram todos ligados ao movimento, ainda que a maioria deles tenha rompido ou mesmo combatido os surrealistas. Se bem que a experimentação formal tenha continuado – o poema em prosa constitui, para Max Jacob, o «laboratório central» da escrita –, a forma canónica do poema em prosa já se encontra fixada no início do século XX, quando poetas tão diversos quanto Claudel, Reverdy ou o citado Jacob – todos eles preocupados em pensar e definir, teórica e praticamente, a poeticidade tanto do verso como da prosa – o adoptam. Entretanto Mallarmé, que formulou a paternidade e o primado, em poesia, do verso sobre a prosa – «Não existe prosa. Só existem versos mais ou menos ritmados.» –, Jules Renard, que não escreveu propriamente poemas, quando definiu a prosa como «um verso que não muda de linha», ou Paul Valéry que, apesar da sua veneração pela poesia, só dela retém, o carácter único do seu enunciado, seja ela versificada ou não – «É prosa o escrito que tem um objectivo passível de ser expresso por outro escrito» – teriam subscrito este postulado paradoxal. FF Convém pois definir, enquanto forma, o poema em prosa tal como se foi constituindo no decorrer do século XIX. O texto de referência para a maior parte das abordagens contemporâneas continua a ser a tese de doutoramento de Suzanne Bernard, que data de 1959. A estudiosa define o poema em prosa distinguindo-o dos outros textos em prosa que obedecem mais ou menos a regras de construção formal – tais como o conto ou o panfleto, o prospecto publicitário ou o modo de usar –, segundo três critérios: a organicidade – o poema tem de formar um todo coerente, de não saltar de um tema para o outro conforme a inspiração do momento (por oposição ao modelo epistolar), de não ser dividido em partes distintas (por oposição à dissertação), de não remeter para informações exteriores (por oposição à reportagem), etc. ‒; a gratuidade – o poema não pode visar uma consequência prática da sua leitura, ao nível comportamental, nem solicitar uma convicção no plano moral, nem mesmo fornecer uma hipótese ou uma explicação relativamente a fenómenos exteriores à sua própria diegese ‒; por fim, a brevidade que permite diferenciá-lo de outras formas de prosa poética. Qualquer parentesco com o verso, sua métrica e seus jogos fónicos, é deliberadamente ignorado quando esses três critérios são aplicáveis à maioria dos textos


pertencentes ao campo poético, mesmo sob a forma versificada clássica. Para dar conta da especificidade formal do poema em prosa, a ferramenta da poética jakobsoniana, embora seguramente mais difícil de manejar, revela-se mais precisa – a poética analisa numa mensagem (um texto) a parte que joga sobre as componentes internas da mensagem, independentes das suas referências, do seu emissor ou do seu receptor, logo a organização das suas unidades não significantes, sendo que essa dimensão da comunicação existe em todas as mensagens e que o poema só se distingue por lhe atribuir o primado na composição do seu enunciado. Só ela permite compreender que haja poetas que vão buscar o seu cânone em textos não poéticos – não é apenas por provocação que Claudel vai buscar exemplos do «balanço dos nossos versos clássicos» ao Código Penal; não é por acaso que Roubaud, interrogando-se sobre o desaparecimento do verso alexandrino, o encontra nos cabeçalhos das primeiras páginas dos jornais, ou que Max Jacob, fingindo rejeitar a paternidade rimbaldiana – quando não apenas lhe dedica um «Poema num gosto que não é o meu» e quase o plagia noutro (basta comparar o «Poema da lua»: Há na noite três cogumelos que são a lua. Tão bruscamente como canta o cuco dum relógio, de maneira diferente se dispõem à meia-noite de cada mês. Há no jardim flores raras que são homenzinhos deitados e que despertam todas as manhãs. Há no meu quarto escuro uma nova luminescência que ronda, a seguir duas... aerostatos fosforescentes, são os reflexos no espelho. Há na minha cabeça uma abelha que fala.» à terceira secção do poema «Infância» de Rimbaud. «No bosque há um pássaro, No bosque, há uma ave cujo canto nos faz estacar e corar / Há um relógio que não toca / Há um lodaçal com um ninho de bichos brancos / Há uma catedral a descer e um lago a subir / Há um carrinho abandonado nas sarças ou a descer o caminho velozmente, enfeitado com fitas / Há uma trupe de pequenos actores trajados, que se avistam na estrada através da orla do bosque / Há, por fim, quando se tem fome e sede, alguém que nos escorraça») – o atribua a um prosador não poeta, Jules Renard – parece difícil não estabelecer uma relação entre «O Pirilampo» de Desnos em «Chantefables» (poema versificado: A lua, ninho de pirilampos, / No céu segue o a sua rota. / Semeia sobre as crianças, / Belas crianças dormindo / Sonho em sonho, gota a gota») e o texto aforístico com o mesmo título em «Histoires Naturelles» (« Essa gota de lua na erva!»). F Jakobson mostrou que as regras internas de formação dos versos escapam aos teóricos clássicos e que a sua musicalidade ultrapassa a construção em torno da cesura e o eco sonoro produzido pela rima. Figuras muito mais complexas, tais como a simetria fonética, por vezes intervêm de modo aparentemente involuntário, escapando à consciência dos autores – Jakobson analisa o verso de Malherbe «et Rose elle a vécu ce que vivent les roses» (e Rosa viveu o que vivem as rosas) e a sua construção em redor do [s] central: [ᴙᴐᴢ ᴌ ᴠ ᴋ] [ᴋ ᴠ ᴌ ᴙᴐᴢ] –; ora, encontramos essa mesma figura nas frases finais de alguns poemas em prosa de Rimbaud – com [a s + nasale] a repetir-se nas duas metades do octossílabo «Voici le temps des assassins»; [ᴍ ᴢi ᴋ ã] [ᴍãᴋ ᴢi] distribuído pelos dois hemistíquios do alexandrino «La musique savante manque à notre désir» –, deixando entrever que o verso não foi varrido pela prosa, antes pelo contrário a invadiu, disseminando os seus jogos sonoros, multiplicando os seus ecos, deslocando-os para unidades mais discretas – é nesse aspecto que Max Jacob tem razão quando diz confrontar-se em Rimbaud com a «banca do joalheiro», ou seja a reserva de diamantes e metais preciosos e não propriamente com a «jóia» acabada (nesse sentido, são os sucessores de Rimbaud que virão a fixar definitivamente a forma do poema em prosa). Chegados a este ponto, abeiramo-nos que questões mais minuciosas e os limites deste prefácio não permitem que empreendamos um inventário exaustivo das figuras poéticas detectáveis, sob outras aparências, nos poemas em prosa, do refrão à inversão, passando pela anáfora. Há já mais de trinta anos, lançámo-nos na análise desse funcionamento em Baudelaire, Rimbaud e Ducasse, («De la prose en le sachant»), estudo para o qual remetemos o leitor curioso, e passamos directamente para as conclusões que aí enunciávamos: a poesia é uma forma da linguagem no âmbito da qual são manipuladas unidades não significantes – letras, fonemas – ou abstractas – figuras, comparações, metáforas – do discurso, com vista à construção irracional do sentido; ora, esse funcionamento e essas unidades correspondem precisamente ao trabalho do inconsciente tal como Freud o descreve quando se


debruça sobre a elaboração do sonho ou sobre a orgânica do dito espirituoso. O poema em prosa derrama aquilo que a regularidade métrica ocultava, a saber: a essência pré-consciente de toda a poesia. Assim sendo, não é de pasmar que o século XX tenha assistido ao fulgor desta fórmula, que tanto se presta ao trocadilho do tipo «calembour» enquanto matéria-prima, em Max Jacob (ver também o nosso artigo «A função poética do humor» em que se analisa esse jogo com as palavras em «Le cornet à dés») como se presta ao «ditado do inconsciente» e se torna espontaneamente o modelo formal dos textos automáticos dos surrealistas – quem não conhece as condições de produção dos textos de «Poisson soluble» de Breton pode julgar que eles partem de uma opção deliberada pela estética do poema em prosa, dada a sua grande coerência interna. A mudança de unidades de produção de sentido suscitou aliás pontualmente outras formas para além dos poemas em prosa: Raymond Roussel tem toda a razão quando declara que o seu procédé – desmembramento das palavras em unidades fonéticas seguido da sua reconstrução dispersa em elementos lexicais fundadores da diegese – «parente da rima» (estudámos em detalhe esse procedimento no estudo: «La rime millionnaire de Raymond Roussel»). A polissemia é uma qualidade intrínseca da linguagem e intervém em todos os lexemas. Ela é o alicerce da sobreposição semântica que, em lugar da comparação, extrai a metáfora do trocadilho em Max Jacob e um imaginário inédito de fragmentos homófonos em Roussel, mas mesmo no caso dum poeta que pretende ser objectivo e objectal como Ponge, de um objecto corriqueiro extrai uma dimensão literalmente cósmica: a partir da palavra «croûte» (em português côdea) que, embora eliminada na redacção final, coloca em paradigma o pão e o planeta Terra, o primeiro cresce até nos oferecer uma vista «quase panorâmica», «como se tivéssemos à nossa disposição os Alpes, o Taurus ou a Cordilheira dos Andes» enquanto o cosmos, por seu lado, inversamente, se reduz a um «forno estelar»... Recorde-se que essas mudanças de escala já surgiam em Rimbaud. FFF Ducasse ocupa um lugar à parte nesta reflexão sobre o nascimento do poema em prosa por vários motivos: primeiro, por causa da própria dimensão dos «Cantos de Maldoror» que contradiz a tal «brevidade» apontada como traço distintivo por Suzanne Bernard – embora se encontrem operações formais igualmente presentes em Bertrand, como o jogo de estribilhos e repetições, ou em Rimbaud, como o desenvolvimento dum tropo a partir da sua enunciação, a forma futura que o poeta aponta é, em contrapartida, o «romance» –; depois porque são sobretudo os juízos que emite, impiedosos mas seguros, acerca dos seus contemporâneos (nas «Poesias») e a sua consciência do alcance da experimentação formal que dele retemos – pois os «Cantos de Maldoror» não tiveram, se exceptuarmos uma mistificação, tardia de resto, elaborada a partir dum anúncio de publicação: «Le Tutu», de que posfaciei a tradução portuguesa («A cor do humor»), verdadeira descendência, apesar da vassalagem prestada pelos membros do grupo surrealista. O cânone do poema em prosa é efectivamente o modelo herdado de Rimbaud: é ele que retomam tanto Saint-Pol-Roux («Les reposoirs de la procession») como Marcel Schwob («Mimes»), Pierre Reverdy («Poèmes en prose») e Max Jacob – a despeito das suas críticas provocadoras – («Le cornet à dés»), tanto André Breton («Poisson soluble») como Paul Éluard («Les nécessités de la vie et les conséquences des rêves») e René Char («Le nu perdu»), tanto Francis Ponge («Le Parti pris des choses») como Jean Tardieu («La Part de l'ombre»), tanto Pierre Jean Jouve («Proses») como Yves Bonnefoy («Rue Traversière et autres récits en rêve»), tanto Jacques Dupin («Le corps clairvoyant») como Philippe Jaccottet («Paysages avec figures absentes»), tanto Michel Deguy («Le journal du poème») como James Sacré («Écritures courtes») ou Jacques Réda («Aller aux mirabelles») – ainda que estes três últimos misturem a seu bel prazer versos e prosa nos seus livros. Os níveis múltiplos dos quais emanam o sentido – ou a sensação – são, no fim de contas, tanto mais complexos quanto as suas unidades são discretas, pelo que a escrita, quando não é «automática», dum poema em prosa seja certamente mais difícil do que o malabarismo infantil do verso e da rima – e as tentativas de enriquecer esta última, como Aragon chegou a propor, com «A rima em 1940», se revelaram tão pouco produtivas quanto anacrónicas – de modo que das formas criadas por Rimbaud é porventura o verso «livre» que, ao fim de um século, triunfa – além disso, o verso, livre ou rimado, pelo seu corte funciona, como lembra Réda, como uma pancarta anunciando «Atenção poesia!», com toda a ambiguidade dos terrenos com uma cerca à volta. Mas sobretudo, apesar dos experimentadores do Oulipo, a submissão a figuras formais não é cultivada – as suas produções


literárias e poéticas são acolhidas como epifenómenos ou curiosidades. Assim, não obstante toda a sua eventual simplicidade aparente, o poema em prosa é particularmente difícil de traduzir. É preciso um poeta para assumir essa tarefa. E um poeta generoso (muitos são demasiado egotistas para partilhar mais do que as suas próprias dores). Reverdy formulou lucidamente o que está em jogo: «A obra é um encontro. Não é a sua alma que o autor vos deve mas a sua presença – se a ela acrescentardes a vossa e o que é vosso, a obra viverá. Pois não se exige apenas a sinceridade do autor – também há a sinceridade do leitor, na qual não se costuma pensa.» É esta partilha que ilumina os conceitos do célebre prefácio de Max Jacob: «O estilo ou vontade cria, isto é separa. A situação afasta, isto é excita a emoção artística. Reconhece-se que uma obra tem estilo pelo facto de que gera a sensação de fechamento; reconhece-se que ela está situada graças ao pequeno choque que dela se recebe ou ainda à margem que a envolve, à atmosfera especial onde se move.» Depois de Luiza Neto Jorge, genial tradutora de Jacob e Roussel, é uma outra poetisa portuguesa, Regina Guimarães, que se dedica a esta actividade de tradução. Os poetas desta antologia têm desigual valor, e de longe. As preferências da tradutora saltam aos olhos, porém ela não rejeitou nenhum autor. Cabe agora ao leitor percorrer esta história e fazer as suas escolhas. Com as ferramentas necessárias e em conhecimento de causa, espero eu. F Setembro 2019


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