Promessas de felicidade

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PROMESSAS DE FELICIDADE UNE IDYLLE À LA PLAGE e IMAGES D'OSTENDE de Henri Storck são duas obras que decorrem duma mesma corrente de inspiração, de uma mesma energia do olhar, muito embora a primeira se apresente como uma curta ficção e a segunda como um ensaio documental. No princípio era a luz, essa luz marítima da qual Storck se esforça por restituir e reconstituir a matéria diáfana. Assim, ambos os filmes podem ser lidos como discurso de glorificação do próprio cinema, ou não fosse a luz a sua matéria-prima. Trata-se no entanto de uma luz específica — a luz estival, particularmente apreciada no "plat pays" — triunfo da força solar sobre as brumas (ou a chuva que logo no início de UNE IDYLLE À LA PLAGE afugenta os banhistas). E tanto a força brutal dos elementos — vento, mar, sol, areia — como o seu sensual esplendor propiciam encontros amorosos. O encontro de uma câmara rendida ao desejo de desenhar o e no espaço o seu objecto. Não falta à paleta de Storck um certo colorido populista e o gosto por uma simbólica primária, mais próxima a priori dum Prévert do que do surrealismo à Breton. Aliar a sensualidade naïve, que exalta a pujança do amor, a uma tentativa de figurar o abstracto e a uma prática da montagem construtivista sem que o resultado pareça contraditório, contra-natura ou carente de evidência poética, eis o que Storck maravilhosamente consegue; e a isso os surrealistas purs et durs não podiam deixar de ser sensíveis, quanto mais não fosse por solidariedade ideológica. Tudo se passa como se a natureza enquanto objecto – dos filmes e das vidas – fosse dada ao homem a fim de que este dela possa tirar o maior prazer estético e físico, confundindo-os na aura do amor e da criação, faces complementares da mesma utopia para a qual o homem estaria não "vocacionado" mas apto. Toda a hostilidade natural e elementar se encontra ausente da tela – décor, coisas e sujeitos parecem conjurar-se com vista à felicidade – do olhar e do casal. Realizados em 1929 e 1931, estes dois pequenos grandes filmes são também - e tão comovedoramente – testemunhos de um imaginário anunciador das aspirações que o Front Populaire (de 36) efemeramente tentará satisfazer em França, antes de termos uma Europa devastada pela 2ª Guerra Mundial. E não é certamente por acaso que Storck faz do namorado de UNE IDYLLE À LA PLAGE um soldado, tanto mais que o espectador apenas descobre esta sua condição quando, no final do primeiro dia de voo nupcial, o jovem amante é literalmente devorado pelo crepúsculo e roubado à companhia da sua amada. O efeito de surpresa é perfeito posto que no idílico cenário da praia dificilmente concebemos a caserna e o que ela significa. IMAGES D'OSTENDE e UNE IDYLLE À LA PLAGE são dois filmes partitura; a sua orgânica interna aparenta-se claramente à música, esquivando a todo o instante o modo narrativo e o modo descritivo. Storck revela-se mais preocupado em criar com o seu espectador uma empatia na esfera dos sentidos do que em confrontá-lo com um discurso ideologicamente estável. Mas não será justamente partilhando o olhar que se divide o horizonte pelo maior número, sem contudo feri-lo na sua íntegra linha? Regina Guimarães


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