A TRAVESSIA DO ESPELHO Vem alma errante. Volta dos montes, Da floresta, Dos caminhos Ou das fontes, Das sombras Ou das névoas, Dos lodos Ou do fundo do mar. Por onde quer que tu vagueies, Aqui nada te faltará. Vem comigo alma, Para tua casa, ao abrigo das tempestades, Do vento E da noite escura. poema recitado por António Reis de costas para a câmara mas no alinhamento da objectiva que enquadra uma paisagem montanhosa e agreste em ROSA DE AREIA
I O discurso crítico sobre os objectos artísticos avança e, as mais das vezes, recua por modas. As modas ditam, antes de mais, o interesse por tal ou tal autor, ora referência estável, ora recém descoberta, e não há nada que mais contribua para a afirmação de um crítico, junto dos seus pares e não só, do que a possibilidade de reivindicar uma abordagem pioneira de esta ou outra obra nunca dantes colonizada. Porém, talvez menos passíveis de surtir triunfos mediáticos mas capazes de cultivar louros académicos no própria quintal - ou seja: «quase» à margem ou em «pleno» coração da fortaleza dos especialistas ‒ as «novidades» em termos de ferramentas críticas são alvo de grande cobiça. A «corrida ao armamento crítico» revela-se ‒ e perdoem-me a glosa de Bourdieu ‒ um desporto de combate, cujas causas se definem claramente pela aura conquistada à custa das respectivas consequências. Em tempos recentes, uma nova moda veio, viu e venceu no seio dos que se dedicam à Poética. No seio dos que, ainda que de modo velado, dificilmente se libertarão algum dia de um profundíssimo compromisso com uma concepção mimética da arte, sendo que esse núcleo duro e oculto contamina tanto o seu ponto de vista quanto a sua visão dos objectos submetidos à análise. Se é verdade que os pequenos sismos de salão podem não afectar os artistas que conseguem produzir as suas obras sem se envolverem, fantasmática ou desavergonhadamente, com o aparelho de recepção que é apanágio dos especialistas, não é menos verdade que uma moda do tipo daquela a que nos referimos ‒ a saber: a exaltação de um parentesco entre a escrita poética e a escrita cinematográfica ‒ ameaça ocultar a obra dos autores que, num campo tão minado pelos ditames do mercado quanto o Cinema, enveredaram por práticas de que a Poesia, não sendo absoluta detentora, tem todavia sido relevante guardiã. Assim a obra, breve e resistentemente desconhecida, de António Reis e Margarida Cordeiro. E donde, no nosso entender, a oportunidade do reflexões que a seguir se declinarão. II Dizer que o cinema de Reis-Cordeiro resulta de uma relação amorosa entre dois seres humanos, de um passional envolvimento com a arte, com a pARTE, é uma pobre evidência fértil em frutos na sua obra comum. «No cinema é como se fôssemos uma só pessoa», terá dito Margarida Cordeiro,