REQUIEM PARA TRUFFAUT JULES E JIM é uma ficção que fabrica os seus ingredientes com a lógica hesitante e definitiva dum desfolhar de álbum. O seu relativo happy end (tão happy quanto se poderia suportar) não traz qualquer recomeço latente. Eis pois uma história que não suscita a clássica interrogação «aonde quer ele chegar com isto?». O realizador coloca as questões como se elas se tornassem anacrónicas pelo simples facto de passarem pela ilustração, sempre forte e frívola — e nisso residisse a verdadeira inquietação do filme. Qualquer imagem se precipita para um passado anedótico quando temos a veleidade de a fixar, de a apanhar no «turbilhão da vida». Só que, no caso de Truffaut, não se trata de ressusci tar mas sim, e muito claramente, de enterrar, como se faz com as tesouras. O incómodo prazer do espectador reflecte a romanesca intromissão do realizador nos antes e depois duma história de amor, paginando felicidades e infelicidades. A pompa deste desfile é íntima, as elipses não parecem pois lacunas. Tudo se passa num tempo ideal de perdição, sem presente para desmentir, porque à sua maneira, Truffaut demonstra que é possível desafiar o destino (personificá-lo), dramatizá-lo (embelezá-lo) e sair dignamente derrotado. O criador modera com dificuldade o conflito entre o corpo que dá aos seus fantasmas e o tempo que rouba à vida própria. Truffaut, realizador de ficções «intimistas», tenta a todo o custo ficar por aqui. A leveza com que Jules, Jim e Catherine vão estragando a vida, bem como o coração das razões porque o fazem, reabilitam os medos de quem lhes é exterior e devolvem-lhe, intactos, os seus receios. O cavalo de madeira tem os dias contados no seu carrossel. Será mais bonito que o seu modelo inseguramente real? A premonição do suicídio final é dada pela própria natureza dos pontos de referência no tempo: as fotos, a estátua, as cartas. A morte aparece então como uma homenagem despretensiosa à vida, por ela prematuramente contagiada. R. G.