Saguenail entrevista

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ENTREVISTA COM SAGUENAIL Pedro Ludgero — Em primeiro lugar, queria declarar uma certa filiação espiritual, o que não é novidade nenhuma, com tudo o que isso traz de repercussões de fascínio, respeito e, ao mesmo tempo, duma certa rebeldia... E se calhar não sou o único. O que é que o Saguenail sente enquanto pai espiritual de alguém? Saguenail — Acho que o que mais me convenceu na altura em que me preocupava com essas coisas foi o final do primeiro livro do «Assim falava Zaratustra». O Zaratustra desce a montanha e diz: «Vocês não sabem se eu vos menti. Agora, desconfiem, sigam o vosso caminho e, se por acaso concordam comigo, descubram por vocês próprios e não por ensinamento». Quer dizer, não acredito poder ser exemplo seja do que for para alguém. P. L. — Não é uma questão de exemplo, mas de gerar alguma coisa noutra pessoa! S. — Sim, mas o gerar pode ser... antipatia... É óbvio que há em qualquer relação humana um jogo de sedução. Dou-te um exemplo. Eu precisava de conseguir seduzir a Né para lhe arrancar uma imagem mas, para mim, o importante era essa imagem. Quero dizer que não sei em que medida é que esse meu trabalho de sedução, um bocado vampiresco, não será sempre frustrante para os outros. P. L. — Considera-se um cineasta maldito? S. — Maldito implica dito, e por alguém. Não posso ser eu a considerar por alguém, nem eu sei quem é que me vai considerar. Ando há muitos anos preocupado com essa ideia do Rimbaud: «c'est faux de dire je pense, c'est on me pense qu'il faudrait dire». Não só ser dito mas ser pensado. Onde está o eu? É aí onde o Descartes esbarra. O Descartes assume o eu como uma consciência individual de maneira óbvia, quando não me parece nada óbvio. Nisso só pode haver procura, nunca pode haver certeza, e nunca pode haver uma consideração do próprio agente activo que seria eu pensar por mim, ou qualificar-me, ou reconhecer-me. Esse é sempre um agente fantasmático. Por isso, maldito... Quem é que me poderia maldizer? P. L. — Talvez não tenha utilizado a palavra correcta. O que eu queria dizer é que não é conhecido, não o deixam filmar, não é considerado um autor... S. — Está bem, estou a trabalhar em condições difíceis! Mas acho que não tenho razões de queixa. Em vinte anos, produzi cinco longas-metragens, o que, neste país (fora o caso do Manoel) é uma média admirável. Isso implica que, de uma forma ou de outra, nunca deixei de trabalhar. Por outro lado, de facto, até ao MA'S SIN, não há dúvida de que os resultados se ressentem da falta de condições. O MA'S SIN foi uma terrível prova de força: reunir as condições para poder ir até ao fim. De todos os meus filmes é aquele em que os resultados estão mais próximos do projecto. Mas, ao mesmo tempo, um dos filmes mais remendados é o AMOUR EN LATIN e talvez seja o filme que mais gosto, no qual mais me investi, mais me expus. Uma coisa é certa: a ausência total de produção não só acarreta uma multiplicação do


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