UM FESTIVAL ADULTO A melhor parte dos Festivais de Cinema é sempre constituída pelas retrospectivas. A edição deste ano do Festival de Vila do Conde não escapou à regra e, do conjunto dos filmes projectados, os mais interessantes terão sem dúvida sido as primeiras curtas-metragens de Peter Greenaway nas quais descobrimos a elaboração da sua estética (cf. artigo e entrevista neste número) e os cinépoemas de Chris Marker — infelizmente esta segunda retrospectiva foi ainda bastante incompleta. Igualmente interessante foi o visionamento de algumas maravilhas cedidas pela Cinemateca Portuguesa (UN CHANT D'AMOUR de Jean Genet) ou pelo coleccionador Serge Branberg (ONE WEEK de B. Keaton e NOW YOU TELL ONE do seu sósia C. Bowers). Em contrapartida, os «pequenos filmes de grandes realizadores» não passavam de medíocres programas de televisão que não mereciam ter sido tirados do esquecimento onde haviam mergulhado. Last but not least, o magnífico RETURN TO GLENNASCAUL em que Orson Welles desempenha o seu próprio papel e penetra vivo no mundo das improváveis aparições; filme todo ele feito de subtis pinceladas, sem trucagens nem grandes meios, que obtém eficazmente os efeitos pretendidos graças a um simples raio de luz ou a um raccord de montagem; filme a ler no segundo ou até no terceiro grau, a relacionar com F FOR FAKE e FILMING OTHELLO realizados trinta anos depois. Os prémios também distinguiram porventura os filmes mais interessantes: BREATHING LESSONS: THE LIFE AND WORK OF MARK O'BRIEN (embora a situação vivida pelo protagonista seja mais forte do que o seu discurso e apesar de o filme talvez não estar à altura do seu objecto); THE END OF THE WORLD IN FOUR SEASONS que fragmenta o espaço do ecrã e faz proliferar as imagens em dimensões variáveis — uma experiência de há muito encetada pela B. D.; SUBWAY COPS AND THE MOLE KINGS, tão bem enquadrado que custa a crer que se trata dum documentário, e THIRTY FIVE ASIDE (porventura o único sobre o qual pessoalmente emitimos algumas reservas, posto que o humor assumido pelo autor nos deixa a impressão de «déjà vu» — no entanto a fita fora justamente já premiada em Clermont). Sobretudo, o júri da competição nacional teve a coragem de atribuir dois prémios ao filme MARGENS de Pedro Sena Nunes que, a despeito de algumas fraquezas técnicas, revela um verdadeiro empenhamento estético — num sector praticamente inexistente em Portugal: o documentário — e um interesse apaixonado pelos humanos que se oferecem à objectiva da câmara. O resto da programação nacional ia dos valores de há muito reconhecidos — Edgar Pêra e Abi Feijó, bem como o seu cameraman Pedro Serrazina que por sua vez se lançou na realização (ESTÓRIA DO GATO E DA LUA) — aos produtos de escola, tendo estes oscilado entre o academismo — DESVIO, DO OUTRO LADO DO TEJO — e a indigência — O APARTAMENTO, VENCER A SOMBRA, NÃO BASTA SER CRUEL, O REGRESSO DO HOMEM QUE NÃO GOSTAVA DE SAIR DE CASA (no caso deste último, com a agravante de se tratar da obra de um professor de cinema e não dum aluno). O cúmulo foi decerto atingido com o vaziíssimo PASSEIO COM JOHNNY GUITAR de João César Monteiro que terá, ao que parece, sido apresentado em Cannes. Snobismo, até onde nos levarás? S.