UMA LUZ AO FUNDO DO TÚNEL Existe na Arménia um cineasta que, por só ter realizado curtas-metragens, talvez nunca venha a ser reconhecido pelo público. E no entanto, Artavazd Pelechian abre ao cinema um campo tão vasto que no meu entender surge como a renovação — i. e. enquanto herança e reinvestimento — do que há de mais avançado nas pesquisas estéticas e semânticas desde Eisenstein. O livro de Pelechian — O meu cinema — não está traduzido. Por isso estas linhas limitar-se-ão a esboçar um inventário grosseiro das dimensões que os filmes de Pelechian exploram duma forma exemplar: 1. A ABSTRACÇÃO SIGNIFICANTE Um ponto branco sobre fundo preto. Percebemos que se trata do fundo dum túnel. Durante quase um minuto, o ponto sofre alterações mínimas até que aumenta rapidamente e inunda de luz o ecrã, engendrando uma imagem sobreexposta. Esta «saída», que dá o título ao filme, só adquire sentido graças à duração da presença desse ponto branco que «infinitamente» se aproxima. 2. A RECUSA DO ESTETICISMO Antes de penetrarmos no túnel, vimos rostos de passageiros — divertidos ou cansados, felizes ou inquietos, diversos. Curiosamente, a câmara parecia procurar afanosamente obstáculos em primeiro plano — moldura de janela, cortina, etc. —, logo as caras surgem algo «mal enquadradas», cortadas pela intrusão incómoda do tal primeiro plano. Ora, para além do chavão da vida assimilada a uma viagem, estes enquadramentos desconcertantes tornam patente o verdadeiro sentido do filme: a precariedade dos rostos humanos levados pelo comboio. 3. O RITMO E A COERÊNCIA A velocidade de cada plano dos filmes de Pelechian parece ter sido trabalhada em pós-produção de maneira a colar perfeitamente aos acordes musicais que acompanham todos os seus filmes. Esta adesão rítmica total faz com que nem as imagens nem a música pareçam ilustrar-se mutuamente, surgindo antes como uma associação homogénea. Da mesma maneira, os ramos das árvores que desfilam sob forma de linhas puramente pictóricas pelas janelas do comboio em alternância com as caras e depois com os reflexos no mar deum sol poente exprimem o esbatimento da oposição interior/exterior, humano/natural, e passam a evocar, nesta viagem abstracta, tão-só a fugacidade. Este meu breve levantamento incide apenas sobre o filme END, nove minutos de puro cinema nos quais todas as formas de expressão humana não-verbal, do traço à música, passando pela mancha, pelo retrato, pelo movimento, pelo contraste, etc., são convocados. Mas poderia ter-me debruçado sobre qualquer outro filme de Pelechian, de NOCALO — em que a marcha (revolucionária) se transforma, aos poucos, em corrida louca, passando sucessivamente do ajuntamento à dispersão para, no fim, representar somente a ideia de movimento da história humana; a LIFE — onde a utilização da cor traz uma dimensão complementar ao discurso, o verde do sofrimento e da ansiedade em luta contra as cores quentes do esforço e da alegria, num parto mostrado unicamente através do rosto em grande plano da mãe; ou NOTRE SIÈCLE — em que o valor do progresso tecnológico é, facto sem precedentes, medido em função dos repetidos insucessos e celebrado através de acidentes e de falhanços! Sete filmes de Pelechian — ou seja, dois terços da sua obra — foram apresentados no Festival de Curtas-metragens de Vila do Conde que, quanto mais não fosse por isto, merece ser considerado um dos grandes Festivais deste país. S.