A descoberta ou redescoberta desta obra significativa do burlesco americano é sempre uma boa terapia. UMA NOITE NA ÓPERA é uma (pouco) longa metragem da autoria dos Irmãos Marx, furiosamente apostados numa utilização delirante do verbo recém-chegado aos ecrãs, com vista à desarticulação sistemática da ordem reinante e dos valores estabelecidos. Inenarrável, a fita co-dirigida por Sam Wood merece que prestemos atenção aos pormenores que dela fazem um objecto delicado – repare-se que só o sincero sentimento amoroso escapa à justa ira dos irmãos-furacão –, a despeito da «enormidade» dos meios de comicidade envolvidos. Ora, esses meios nunca são, repare-se, colocados ao serviço de moralidades prontas-a-vestir… A desmontagem hilariante do mito do self-made-man acontece de todas as maneiras possíveis e imagináveis, pois as acções radicalmente ilegais e provocatórias do trio infernal Groucho-ChicoHarpo respondem, à letra, ao modus vivendi de uma sociedade assente na violência, na exploração, na hipocrisia, na sedução e no roubo legitimado, opondo às manigâncias calculistas do senhores do mundo – e também do mundo da «arte», dominado por burgueses / burgessos – o comportamento destravado e fraterno daqueles que, irmanados pela adversidade, fazem da improvisação e da insurreição, dentro das estreitas brechas do sistema, a sua melhor arma. Groucho Marx, cujo chiste ficou justamente célebre, terá um dia declarado: «Acho que a televisão é muito favorável à cultura. Cada vez que alguém a liga em minha casa, vou para a sala ao lado (...)». Esta sessão de cinema ao ar livre cabe dentro dessa sala ao lado. Regina Guimarães