Welcome a lado nenhum

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WELCOME A LADO NENHUM O contexto de estreia de um filme não é alheio à forma como é recebido e percebido. Nesta nascente mas já mítica era de abertura a leste, os aspectos discursivos da obra de Axel Corti decepcionarão ou confirmarão expectativas. E, se não é falso que, num rebate de consciência, o «espectador» europeu ocidental se lembrou ultimamente de que a História não é só uma coisa que se aprende na escola, também é verdade que WELCOLME IN VIENA, com a sua embalagem de dor e lucidez, chega na altura ideal para o balanço de perdas e danos, ou seja para enterrar, ou, melhor ainda, para a promoção do passado a espectáculo inofensivo. Ora, a meu ver, o filme é virulento porque, sem esconder a vontade apaziguadora, o ímpeto cicatrizante (e a esse nível o número de figuras que optam pela sensata renúncia é um indício muito forte), o cineasta valoriza, na sua narrativa, o problema da indistinção das responsabilidades individuais: o que acontece aos grupos quando a lei é o «salve-se quem puder»? E, na hora dos juízos, eis que os «criminosos» se queixam e apregoam a sua qualidade de vítimas. E, na hora das confidências, eis que as «cabeças» se refugiam na dura regra do acaso e da necessidade. Os generais nazis são apenas generais e os actores colaboracionistas apenas actores. Portanto, ao som dos compassos de Mozart ou do tique-taque dos relógios Mickey, os sãos de espírito sabem que a caça às bruxas não tem sentido mas não ignoram que as feras poupadas partilham o território e especulam sobre os lotes do futuro. No desconforto dos escombros adivinhase o bem-estar de alguns, muitos. E, perante a fúria de reconstrução que sempre emana dos que na destruição participaram, o espírito... ausenta-se. O de Freddy ficará suspenso no lado nenhum, entre Viena e Viena, nem dentro nem fora. A pátria adoptada é mais nítida vista de longe e a pátriaadoptiva não se enxerga de perto. Um filme sobre a sobrevivência, que rivaliza esteticamente com o documento, não deve ser entendido como um trabalho documentado sobre o passado mas como a expressão da urgência de o inventar para conjurar a ameaça do esquecimento. Em 1963, Jehan Mayoux escrevia: «O adolescente que aqui interroga o ancião sobre Verdun, ali ou alhures o pai sobre Estalinegrado, só pode conhecer o ponto de vista do sobrevivente, forjar para si próprio, em função de uma eventual chacina, uma mentalidade, que já consente, de sobrevivente». A humanidade divide-se em humanos sobreviventes e humanos que querem sobreviver a tudo e a todo o custo. R. G.


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