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GEOTECNOLOGIAS E BIGDATA: NOVOS ALIADOS DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO

Pesquisadores brasileiros mostram que a sinergia entre satélites, big data, índices de vegetação e temperaturas superficiais pode ajudar a planejar e gerir recursos naturais do semiárido e da Caatinga, bem como prevenir danos irreversíveis a esses ambientes

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Diego Sperle Adinan Marzulo Carla Madureira Cruz

Departamento de Geografia Universidade Federal do Rio de Janeiro

O SEMIÁRIDO BRASILEIRO é a porção mais seca do Brasil, com chuvas irregulares que podem demorar meses para cair. Neste ambiente, aparentemente inóspito, prospera um bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga.

Tanto as plantas quanto os animais da Caatinga são adaptados à escassez sazonal de água, que ocorre todos os anos, mas que, às vezes, é prolongada por fenômenos climáticos. A vegetação dessa região tem uma característica peculiar: a perda de folhas quando há um longo período sem água disponível.

Sem as folhas, as plantas ganham aspecto esbranquiçado – daí, vem a origem da palavra Caatinga (‘mata branca’, em tupi-guarani). Mas basta chover para a vegetação recuperar em pouco tempo suas folhas.

Esse bioma (figura 1) tem inúmeras espécies endêmicas – ou seja, que só ocorrem nele –, além de ser sensível à intervenção humana. A desertificação está entre os principais perigos que os impactos ambientais no semiárido podem gerar.

Por esse motivo, é fundamental monitorar o estado da vegetação e as atividades humanas nessa região, para poder planejar e gerir os recursos naturais, bem como prevenir danos ambientais irreversíveis.

Um dos grandes aliados dos pesquisadores nessa tarefa são satélites que geram imagens da superfície da Terra, a partir das quais é possível fazer mapeamentos. Mas o semiárido brasileiro e a Caatinga são tão dinâmicos e peculiares que novas abordagens devem ser usadas.

Figura 1. Limite políticos do semiárido (laranja) e sua localização no território brasileiro (amarelo)

CRÉDITO: ELABORADO PELOS AUTORES/SUDENE (2017)/IBGE (2021)/GOOGLE SATELLITE

Novas abordagens

Entre essas abordagens, está o uso de grande quantidade de dados sobre o planeta, o chamado Big EO Data – EO, sigla, em inglês, para Observação da Terra. Com essas informações, é possível entender dinâmicas sutis, aproveitando o grande volume de dados disponíveis.

Plataformas como o Google Earth Engine (GEE) permitem que o processamento desses dados seja feito com o uso simultâneo de computadores, por meio de processamento em nuvem. Isso permite que grande volume de dados seja processado em tempo bem inferior se comparado ao de apenas uma máquina.

Esse panorama tem contribuído para pesquisas em todo o mundo, abrindo oportunidades para que as análises fiquem cada vez mais complexas, graças ao volume de dados massivo.

Esses novos caminhos contribuem para que o semiárido seja estudado por outra perspectiva, possibilitando melhores tomadas de decisão, bem como o monitoramento das secas, dos impactos ambientais, das mudanças climáticas, do desmatamento, entre outros fenômenos.

A figura 2 mostra exemplo da média de temperatura diária para todo o semiárido brasileiro por período de 20 anos. O gráfico é baseado em médias móveis, mostrando os ciclos de aumento e diminuição da temperatura. Vemos que os valores menores e maiores para a temperatura superficial são coincidentes, respectivamente, com as estações úmidas e secas.

Mas, ao longo do tempo, percebemos variações nessas médias que formam padrões associados a secas prolongadas na região. Por exemplo, o período de 2012 a 2017 (área em vermelho no gráfico), foi marcado por seca extrema, influenciada pelo fenômeno El Niño, o qual, como era de se esperar, gerou aumento nas médias de temperatura.

No gráfico, a linha pontilhada destaca o aumento da temperatura média mínima naquele período de seca. Isso sugere que a temperatura de superfície pode ser usada como parâmetro complementar aos dados de chuvas para o monitoramento, a identificação e delimitação dos eventos de secas no semiárido.

Figura 2. Média de temperatura diária para o semiárido brasileiro (2002-2020)

CRÉDITO: CEDIDO PELOS AUTORES

Figura 3. Índice de Vegetação Aprimorado (EVI) de 2002 a 2020

CRÉDITO: CEDIDO PELOS AUTORES

Outro aliado

Outro aliado importante nesse monitoramento são os índices de vegetação. Mas, antes de falarmos deles, é importante relembrar que a vegetação da região é bem sensível à presença de umidade.

Por esse motivo, em períodos de seca prolongada, a vegetação estará com menos folhas quando comparada a período não marcado pela seca, em uma mesma época do ano. Assim, os índices de vegetação são artifícios usados por pesquisadores que trabalham com imagens de satélite para facilitar a identificação, classificação e delimitação de áreas vegetadas.

No geral, esses índices são sensíveis à presença de clorofila, que, por sua vez, está concentrada nas folhas das plantas. Seguindo essa lógica, quando a vegetação da Caatinga, por conta da escassez de água, perde suas folhas – tanto no período seco na região quanto no de secas prolongadas –, encontramos valores mais baixos desses índices.

Há diversos índices de vegetação. Em nosso trabalho, empregamos o EVI (sigla, em inglês, para Índice de Vegetação Aprimorado). Na figura 3, é possível observar as variações desse índice no semiárido ao longo de 20 anos de dados obtidos por sensoriamento remoto orbital.

Quanto mais úmido o período, maiores são os valores do EVI. Usando mais uma vez o período 2012-2017 como exemplo, podemos observar (área verde em destaque no gráfico) que os valores médios máximos desse intervalo são inferiores aos de outros anos.

Contribuição importante

Esses resultados mostram que é possível associar dados de temperatura superficial e índices de vegetação, para conseguir entender as dinâmicas sazonais do semiárido – como é o caso das secas.

Nesse contexto, vale enfatizar que é difícil definir, com precisão, o começo e o fim do fenômeno da seca. Portanto, é importante contribuir para delimitar de forma mais precisa esses períodos críticos.

Espera-se que, com a ajuda dessa abordagem metodológica (baseada em dados gratuitos), uma modelagem programada em ambiente de processamento aberto – a qual pode ser alimentada por longos períodos de observação – possa ressaltar possíveis mudanças no padrão de ocorrência desses fenômenos e indicar áreas críticas que demandam ações emergenciais. g

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