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MULHERES NA CIÊNCIA
from CH 399
UMA CIENTISTA FUNDAMENTAL
A socióloga Maria Lucia Maciel dedicou a carreira à ciência brasileira e ao seu papel no desenvolvimento do país, sendo também fundamental no conselho administrativo do Instituto Ciência Hoje, que vem, através de sua amiga pessoal e colega de profissão Sarita Albagli, prestar esta homenagem
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Sarita Albagli
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação IBICT e Universidade Federal do Rio de Janeiro
FILHA DE DIPLOMATA e duas vezes casada com diplomatas, Maria Lucia Maciel, nossa querida Luca, nasceu em Londres, na Inglaterra, em 1946, e viveu em diversos países.
Com uma trajetória de pesquisa e ensino de ciência e tecnologia, ela contribuiu para a consolidação dessa linha no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, onde cursou a graduação e, também, atuou como docente, de 1985 a 2000. Na UnB, foi ainda editora da Revista Sociedade & Estado.
Seus estudos de pós-graduação aconteceram no exterior: o mestrado na Universidade Livre de Bruxelas (1981) e o doutorado na Universidade Paris VII (1986), ambos em sociologia.
C&T e inovação local
Em seu pós-doutorado no Istituto di Studi sulla Ricerca Scientifica (1991-1992), Luca se debruçou sobre a experiência de desenvolvimento da chamada Terceira Itália, evidenciando a inovação como uma síntese entre mudanças tecnológicas e sociais. Situada ao nordeste do país, a região distinguiu-se da polarização entre o norte mais desenvolvido e o sul menos dinâmico, com arranjos produtivos formados por empresas, universidades, governos e organizações locais da sociedade civil. Da pesquisa, resultou o livro O Milagre Italiano: caos, crise e criatividade (Editora Paralelo 15, 1996).
Foi na sua vinda para o Rio de Janeiro, em 2000, como pesquisadora visitante do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiros, que conheci Luca. Ambas participávamos da RedeSist – Rede de Pesquisa em Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais, coordenada pelos colegas e amigos Helena Lastres e José Eduardo Cassiolato. Ali transitamos nos anos 2000 a 2003, provocadas, por nossos parceiros economistas, a trazermos aportes da sociologia para o campo de estudos da inovação local, que o grupo então capitaneava no país.
Nossa primeira parceria acadêmica foi em trabalho sobre o conceito de capital social e sua aplicabilidade aos arranjos produtivos e inovativos locais, como ambientes de aprendizado e inovação. Tratamos de relativizar uma perspectiva fundada na associação entre capital social e a ideia de confiança, derivada dos trabalhos do cientista político estadunidense Robert Putnam. Ele, autor responsável por popularizar o conceito, atribuía-lhe papel explicativo para diferentes níveis de engajamento cívico e de cooperação social, vistos como atributos cruciais nas dinâmicas de inovação local. Sob inspiração de Luca, nosso foco recaiu em ressaltar o caráter agonístico do conceito, a partir da contribuição seminal do francês Pierre Bourdieu (1930-2002), em cunhar o termo, relacionando diferentes tipos de capital a distintos recursos de poder.
Um laboratório interdisciplinar
Em 2003, já como professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política na mesma universidade, fundamos o Laboratório Interdisciplinar sobre Informação e Conhecimento (Liinc). A proposta era promover o diálogo interdisciplinar para tratar de agendas e temas emergentes nas formas e dinâmicas de produção, circulação e apropriação da informação e do conhecimento em sua relação com os processos de transformação em diferentes dimensões. Em 2005, lançamos o periódico científico Liinc em Revista, que aglutinou contribuições de diferentes áreas do conhecimento em torno de dossiês temáticos transversais, logrando alçar-se aos extratos superiores na avaliação de periódicos.
Nesse percurso, Luca, então Pesquisadora de Produtividade do CNPq, mobilizou sua ampla rede de conhecimento e reconhecimento entre seus pares das ciências sociais, atuantes no campo dos estudos sociais da ciência, tecnologia e inovação, no país e no exterior, além de alunos em iniciação científica, mestrado e doutorado. No Liinc, esteve à frente da organização de seminários internacionais que se constituíram em marcos no debate de novas agendas e questões nesses campos, resultando em publicações de livros, capítulos de livros, artigos em periódicos científicos e trabalhos apresentados em congressos, dentro e fora do país.
Seu olhar privilegiava o papel da ciência e tecnologia nas agendas de desenvolvimento e suas implicações para desiguais posições no cenário internacional, em circuitos crescentemente globalizados, advogando por uma perspectiva brasileira e latino-americana e por uma abordagem necessariamente interdisciplinar da questão. Sua preocupação dirigia-se para o reconhecimento da crescente privatização da ciência e de seu viés mercadológico.
Ativista pela ciência
Luca foi também uma ativa militante em favor da ciência brasileira, mobilizando esforços e adesões para a causa, com expressiva atuação para o fortalecimento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), tendo contribuído para o debate dos temas da ciência, tecnologia, educação e direitos humanos no processo de elaboração da Constituição de 1988.
Empenhou-se para abrir espaço e reconhecimento das temáticas da ciência e tecnologia no campo da sociologia brasileira, a partir de suas especificidades no país, em fóruns tradicionais de comunicação científica da área, como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e, especialmente, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), juntamente com colegas, amigas e amigos, como Fernanda Sobral, Maíra Baumgarten, Tamara Benakouche, Tom Dwyer, entre outros.
No Instituto Ciência Hoje, integrou o conselho administrativo por 15 anos, dedicando-se a um dos temas que lhe eram mais caros, a divulgação científica e seu papel na interlocução entre ciência e sociedade.
Desde 2010, era docente credenciada no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) em associação com a Escola de Comunicação da UFRJ.
Luca faleceu em outubro de 2019, deixando dois filhos e quatro netos, e uma legião de saudosos colegas, alunos, amigos e familiares. g
CRÉDITO: SARITA ALBAGLI