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Constância na cultura do militar de Operações Especiais: que futuro? O papel das forças de operações especiais ucranianas
by Hermínio
QUE FUTURO ?
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"When the hour of crisis comes, remember that 40 selected men can shake the world." Yasotay (Mongol warlord)
António Martins Pereira, TGEN
Comandante do Instituto Universitário Militar Comandante das Forças Terrestres entre Jan20 e Mar22
1. Caracterização das Forças de Operações Especiais
A grande utilidade das Forças de Operações Especiais (SOF) está ligada a dois fatores fundamentais que lhe são intrínsecos – a economia de forças e o alargar das opções estratégicas pelo seu emprego adequado.1 Estas qualidades estão plasmadas na sua organização flexível, na sua dimensão e possibilidades de atuação em pequenas equipas, no seu largo espetro de possibilidades de atuação, sem grandes constrangimentos do ambiente operacional e, sempre para além do que é possível e fiável para as forças convencionais. Por essa razão, devem ser sempre entendidas como complementares a estas forças e nunca concorrenciais. Também por isso são consideradas um excelente retorno do investimento que nelas é efetuado2 .
Assim, o termo “especial” está ligado a vários aspetos das suas características sejam elas por ser exclusivas no tipo de riscos a assumir, diferentes na forma de planear, conduzir e atuar, únicas para emprego em determinadas circunstâncias associadas a riscos, não convencionais ou irregulares nos procedimentos de atuação, próprias de uma elite de militares que devem dispor de determinada robustez, perseverança, treino especializado, com elevado valor operacional e capazes de se empenhar em operações de cariz extraordinário sobre alvos ou objetivos de elevado valor estratégico para o esforço das campanhas, ou mesmo do conflito em que estão envolvidas.
1 Gray, Colin (1999) Handfuls of Heroes on Desperate Ventures: When do Special Operations Succeed? Parameters, Spring 1999, p. 2.
2. A adaptação das Forças de Operações Especiais ao ambiente operacional
A atual conjuntura internacional, onde proliferam crises internas em países em situação de elevada fragilidade, crises internacionais, guerras limitadas e atividades de terrorismo com impacto na segurança global, reproduz um ambiente operacional com ameaças diversificadas de atores nacionais e transnacionais, riscos de elevada complexidade e tipologias de guerra híbrida que conjugam ações assimétricas de atores de valores e cultura societal muito afastada da preconizada pela sociedade internacional onde nos integramos. Esta sociedade internacional, baseando-se numa legitimidade dos valores da Carta das Nações Unidas, defende os valores dos direitos humanos e a consolidação de uma segurança humana assente primordialmente nos conceitos de “freedom from want” e de”freedom from fear” que ditam de forma simplificada a igualdade de tratamento e oportunidade e a liberdade de viver protegido, de forma justa, de regimes de governação incapaz, ilegítima ou autoritária ou da agressão belicista de ator internacional, constituído como adversário da sua nação ou Estado. Esta “espécie de mundo atingível no seu próprio tempo e geração.” visionado por Roosevelt3 no seu célebre
3 Roosevelt, Franklin D. (1941, Janeiro) STATE OF THE UNION ADDRESS “THE FOUR FREEDOMS” (Voices of Democracy, The US Oratory Project). Retirado de http://voicesofdemocracy.umd.edu/ fdr-the-four-freedoms-speech-text/.
discurso ao Estado da União, em 6 de janeiro de 1941, continua em risco.
E, como refere Clausewitz, ainda que na guerra, a sua natureza se mantenha constante no objetivo (impor a vontade a um adversário), o seu carácter muda em função do contexto, que é ditado pelos vários fatores do ambiente operacional.
O ambiente operacional é assim hoje uma das variáveis que mais muda na equação do planeamento estratégico, seja na estratégia genética para edificar capacidades que respondam às necessidades de emprego, seja na estratégia operacional e consequente modo de fazer o combate.
As SOF têm-se conseguido adaptar ao longo dos últimos anos a essa volatilidade do ambiente operacional, conjugando um triângulo de resposta capaz, precisa e ágil, muito segundo uma linha de conceção de operações baseada no que é a “teoria das operações especiais” do Almirante McRaven – “As SOF são capazes de atingir uma superioridade relativa sobre o inimigo se preparar um plano simples, cuidadosamente concebido, repetidamente treinado e executado com surpresa, velocidade e propósito.”(tradução do autor).4
Tem sido essa “superioridade relativa”, frequentemente garantida à conta da disciplina de obediência aos fatores críticos do sucesso, que lhe tem permitido o êxito nos últimos anos nas campanhas do Iraque, do Afeganistão, e em todos os teatros de operações, nomeadamente, contra o terrorismo global, seja em missões de reconhecimento especial (RE) e de ação direta (AD) seja em operações de assistência militar (AM) a forças de operações especiais ou em lugares remotos e de difícil sobrevivência no apoio a estados frágeis na busca de os dotar de capacidade de combater de per si as suas guerras e conflitos.
As SOF de Portugal assim o têm feito, a título de participação individual de militares de Operações
4 McRaven, William H. (1996) Spec Ops, Case Studies in Special Operations Warfare: Theory and Practice. New York: Random House USA Inc.
Especiais ou de forças em AM, designadamente, no Mali, no Afeganistão, onde os seus créditos foram amplamente reconhecidos pelos seus pares, congéneres, aliados e países amigos. Cremos, pelo conhecimento que temos das SOF portuguesas e dos militares que as integram, pelos méritos e reconhecimentos tesmunhados, pessoal e institucionalmente, que esta constância de êxito operacional é muito fruto das características do militar de operações especiais.
Essas características, que o Centro de Tropas de Operações Especiais preconiza no perfil do operacional que está na base da formação do militar de Operações Especiais, na labuta da sua preparação diária e no treino operacional das suas forças que lhes outorga a tenacidade, a robustez física e psicológica, a capacidade de conceção rápida de soluções não convencionais e a sua discrição que fundam uma capacidade de durar e de atuar em qualquer situação.
São também estes atributos que permitem o pioneirismo da sua ação quando se lhes apresentam situações novas, ou da sua iniciativa na visão para obtenção das tecnologias de apoio às informações, à sua precisão, à sua velocidade e à sua sustentação em combate, visível na modernidade que hoje ostenta no seu armamento e equipamento, na internacionalização do seu emprego e no seu compromisso com o elitismo da sua formação e do seu treino operacional.
3. Futuro, que exigências às Forças de Operações Especiais
O futuro, que o ambiente operacional perante a atual agressão na guerra da Ucrânia já fez presente e levou à participação das SOF portuguesas no esforço de resposta da OTAN na frente leste, exigirá a mesma cultura organizacional e a mesma capacidade de adaptação?
De facto, o presente demonstra já a proliferação de adversários, atores transnacionais e assimétricos que atuando em zonas urbanas, fruto da imensa conurbação que concentra cerca de 80% da humanidade em cidades até 60 milhas do mar, e 75% das cidades junto à costa, centros extremamente ligados internamente e entre si. Nestes verdadeiros ninhos em rede, exacerbamse os riscos ambientais e é onde se criam verdadeiros impérios de crime organizado, que utilizam de forma exímia a eletrónica de consumo e democratizada, criando ameaças instantâneas físicas e virtuais que se sucedem, tornando-se resilientes e que exigem muito das respostas dos Estados e muitas vezes das SOF no combate ao terrorismo e aos tráficos que o sustentam5 . Porém, muitos destes procedimentos, técnicas e táticas, como o “hacking”, próprias de estados falhados e senhores do crime, têm vindo a ser adoptadas no âmbito da guerra híbrida e no apoio à guerra convencional por grandes potências.
É neste ambiente operacional que se foi apurando na complexidade e diversidade, que as SOF irão atuar
5 Killculen (Março de 2016), Future Conflict: Implications for NATO SOF. Strategic Research LLC. Conferência em Bucareste.
...será fundamental a discrição, a humildade e a capacidade para inovar, para aceitar esta abordagem cooperativa e disputar com o adversário de diferentes constrangimentos legais e éticos, a criatividade para buscar, criar e desenvolver inovações na forma de combater que garantam o sucesso.
e onde há necessidade de se adoptar uma estratégia que permita um conjunto de escolhas de natureza operacional, que se possam empenhar nesta diversidade e que garantam o sucesso para as operações das SOF. É fundamental perceber que mesmo a cultura organizacional se deve adaptar para poder captar talento na seleção e escolher não o melhor, mas o candidato mais adequado para desenvolver o saber, treinar e combater com a mesma vontade de cumprir e vencer que os seus antecessores.6
Saíndo de uma predominância de atuação como força apoiada, em teatros de operações votados ao combate global contra o terrorismo, para guerras entre grandes potências, as SOF irão certamente desenvolver mais operações de apoio, na área Intel, em zonas remotas e de dissuasão, em prol das forças convencionais e terão de sobreviver e manter-se prontas para atuar em ambientes remotos de elevada intensidade em digitalização e captura de imagem que dificultam o anonimato e a ação coberta.
Neste período será fundamental a discrição, a humildade e a capacidade para inovar, para aceitar esta abordagem cooperativa e disputar com o adversário, de diferentes constrangimentos legais e éticos, a criatividade para buscar, criar e desenvolver inovações na forma de combater que garantam o sucesso. Esta abordagem deverá preservar um “mindset” não convencional, não previsível na sua atuação, mas preparado para lidar com a incerteza, o risco elevado e a mudança, através da criatividade, iniciativa, inovação adaptabilidade e grande flexibilidade – fundamental para a sua sobrevivência em combate, mas também para a sua cultura organizacional.7
6 Taft,John et al.(2022) Future of US Special Forces and the great power competition. Retirado de | Deloitte Insights.Retirado de https:// www2.deloitte.com/us/en/insights/industry/public-sector/future-ofspecial-operations-forces-great-power-competitionhttps.hmtl consultado em 23mai22.
7 Danielsen, Tone (2018) Making warriors ina Global Era: An Etnographic Study of the Norwegian Naval Special Operations Commando. Maryland: Lexington Books, Rowman &Littlefield Publishing Group citado em Taft, John et al.(2022) SOF culture is the mission. Retirado de htpps//www2.deloittecom/us/en/insights/industry/publicsector/ethics-in-military-leadership.html/#endnote-4.
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