9 minute read
O CTOE e as Operações de Paz: Uma perspetiva histórica e quantitativa
by Hermínio
O CTOE E AS OPERAÇÕES DE PAZ
UMA PERSPETIVA HISTÓRICA E QUANTITATIVA
Advertisement
2.º COMANDANTE Jorge Rodrigues
TCor Inf SARGENTO-MOR
Rui Teixeira SMor Inf
1. Breve síntese das Operações de Paz
As operações de paz, tal como as conhecemos nos tempos modernos, e pese embora segundo alguns autores tenham transitado na forma e no conteúdo por diferentes gerações, começaram em 1948, com uma missão de observação no Médio Oriente, designada por United Nations Truce Supervision Organization (UNTSO).
Nestes últimos 74 anos as operações de paz marcaram a história das relações internacionais, na procura de um mundo mais seguro e mais estável, pelo que é de inteira justiça realçar, nesta edição da revista Ponto de Reunião, o “pequeno” contributo do Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE) em prol da paz e da estabilidade, nestes últimos 25 anos e em locais tão diversos do nosso planeta.
2. Participação do CTOE nas operações de paz
O CTOE iniciou a sua participação em operações de paz na década de 90, mais precisamente em 1997, na Bósnia e Herzegovina, integrando uma missão de imposição de paz, designada por Implementation Force (IFOR). Volvidos 25 anos, esta Unidade tem participado, de um modo ininterrupto, nas mais diversas missões de operações de paz, quer seja ao abrigo das Nações Unidas, NATO e União Europeia, deixando deste modo a sua “pegada” em vários teatros de operações espalhados por quatro continentes, designadamente, África, América, Ásia e Europa.
Numa perspetiva mais abrangente, o CTOE, através da participação em atividades de cooperação no domínio da defesa (CDD), anteriormente designada por cooperação técnico-militar (CTM), também tem contribuído para a estabilidade de um conjunto de países amigos, participando na reforma do sector da segurança e no desenvolvimento das suas capacidades no domínio da defesa e segurança.
Ainda no âmbito das operações de paz, esta Unidade tem contribuído significativamente com a formação a militares de outras Unidades do Exército Português, quer se constituam como elementos nacionais destacados (END), quer estejam integrados em forças nacionais destacadas (FND), nas mais diversas áreas, como por exemplo o survival, evasion, resistance and escape (SERE), tiro, adaptação a climas frios, entre outras. Não menos importante tem sido a cedência de material da sua estrutura orgânica (EOM) a FND/END, sendo este material, por norma, de “ponta” e único no Exército Português.
a. [NATO] Bósnia e Herzegovina (IFOR/SFOR)
No ano de 1997, o CTOE participou na IFOR e, mais tarde, na Stabilisation Force (SFOR), com três equipas de operações especiais que tinham como missão primária a condução de missões de reconhecimento especial (RE). Estas equipas estavam integradas no 9th Paratroopers Assault Regiment "Col Moschin" (Unidade italiana de forças especiais) e participaram no planeamento e condução das operações executadas por este Regimento.
[BiH] Treino cruzado com militares italianos, no âmbito dos sapadores
b. [UN] Saara Ocidental (MINURSO)
De 1998 a 1999 e de 2000 a 2001, o CTOE marcou presença com dois (02) Oficiais, como END, na Missão das Nações Unidas para o Sara Ocidental (MINURSO), constituindo-se estes como observadores desta organização, numa missão que tinha como finalidade garantir o cessar-fogo, o recenseamento, o referendo e a entrega do poder político à entidade que tal ato democrático viesse a vencer.
c. [NATO] Kosovo (KFOR)
O CTOE contribuiu para a prossecução da paz no Kosovo com a participação de 28 Destacamentos de Operações Especiais (DOE) na Kosovo Force (KFOR), em dois momentos diferentes, designadamente, de 1999 a 2001, com 04 DOE, e de 2005 a 2017, com 24 DOE. Com a finalidade de se impor os acordos estabelecidos entre as partes envolvidas no conflito, os primeiros 4 DOE executaram missões de reconhecimento de área (de destacar o estudo inicial de área), HUMINT e ligação à população. No segundo período, os DOE constituíram-se numa Unidade especializada, muito versátil, que garantia ao comandante de batalhão, onde estava inserido, uma resposta rápida e diferenciada às inúmeras solicitações que iam desde o reconhecimento, vigilância de zonas fronteiriças, missões no âmbito da capacidade sniper, recolha de informações, proteção a altas entidades, apoio à Close Protection Team do Comandante da KFOR e atuação no âmbito do Plano Brasil (evacuação de cidadãos nacionais, se necessário).
d. [UN] República Democrática de Timor-Leste (UNTAET/UNMISET)
Entre 2000 e 2004, o CTOE participou na missão de paz que, possivelmente, mais sensibilizou a opinião pública portuguesa. Na United Nations Transitional Administration in East Timor (UNTAET) e, mais tarde, na United Nations Mission of Support in East Timor (UNMISET), os DOE, inicialmente integrados nos batalhões e posteriormente à ordem do Contingente Nacional em Timor (CNT), conduziram missões de RE, HUMINT e missões no âmbito da capacidade sniper.
e. [NATO] Afeganistão (ISAF/RSM)
A presença do CTOE fez-se sentir em dois momentos distintos: numa primeira fase, na International Security Assistance Force (ISAF), de 2007 a 2014; e numa segunda fase, na Resolute Support Mission (RSM), entre 2017 e 2021.
Na ISAF o CTOE garantiu a capacidade sniper à FND portuguesa, que se constituía como Quick Reaction Force (QRF), com uma equipa de Operações Especiais garantiu a segurança pessoal próxima ao porta-voz das forças aliadas, de nacionalidade portuguesa, e com END garantiu cargos na estrutura superior da NATO.
Na RSM destacou forças para garantir a segurança da Branch School Advisory Team (BSAT) e participou na assistência militar das forças de operações especiais afegãs com três (03) Special Operations Advisory Team (SOAT), mantendo END em cargos no NATO Special Operations Component Command – Afghanistan (NSOCC-A).
[Kosovo] Patrulha de reconhecimento a uma property with designated special status (PrDSS)
[Afeganistão] Posto de vigilância e segurança à base da NATO
[EUTM Mali] Sessão de tiro
[EUTM Mali] Apoio ao treino dos militares malianos
f. [EU] Somália (EUTM)
O CTOE contribui para a formação de militares da Somália realizando missões de assistência militar entre 2011 e 2013, inicialmente no Uganda e depois na Somália e, mais tarde, entre 2016 e 2017, apenas na Somália. Os principais objetivos da European Union Training Mission in Somalia (EUTM-S) passavam pelo aconselhamento militar, reforço das capacidades no domínio da formação, por ministrar treino especializado e formar Somali Trainers.
g. [EU] Mali (EUTM)
Esta participação na EUTM Mali consiste em missões de assistência militar às Forças Armadas (FFAA) do Mali e decorre desde 2013 até à atualidade. Inicialmente com a Sniper Training Team (STT) ministrava-se o curso de sharpshooter. Desde 2017 constituíram-se as Mobile Training Team (MTT), as quais ministram os mais variados cursos, decorrentes das necessidades das FFAA do Mali e que vão desde: tiro, combate em ambiente urbano, contra-IED, realização de checkpoints, Tactical Combat Casualty Care, sharpshooter, curso básico de infantaria, entre outros.
h. [Relações bilaterais] Iraque [OPERATION INHERENT RESOLVE)
Em 2015 foi nomeado um Oficial Superior para ocupar o cargo PRT NMR/Staff Officer, no âmbito da Operation Inherent Resolve (OIR), no Iraque.
Entre 2019 e 2020, o CTOE, no âmbito das relações bilaterais com Espanha, destacou Oficiais e Sargentos para o Comando e Estado-Maior (EM) do SOTG espanhol que integrava a Operation Inherent Resolve.
i. [UN] Colômbia
Na Missão de Verificação das Nações Unidas na Colômbia (UNMV), o CTOE participou com um Oficial Superior, entre 2016 e 2017, contribuindo deste modo para a verificação do cessar-fogo e para a cessação das hostilidades entre as partes envolvidas neste conflito, que é um dos mais antigos da América Latina.
j. [UN] RCA (MINUSCA)
De 2018 a 2021, militares do CTOE integraram o EM dos Batalhões que se constituíram como FND na Mission in The Central African Republic (MINUSCA), reforçando a área das informações em duas vertentes principais: planeamento de missões “tipo” RE; e construção de uma rede de informações.
k. [NATO] Lituânia (Assurance Measures)
De 29 de maio a 29 de setembro de 2017 o CTOE participou com uma Special Operations Task Unit (SOTU), integrando as Assurance Measures, na Lituânia, tendo como missão conduzir ações de treino e participar em exercícios combinados com as FFAA deste país, a fim de reforçar a presença da NATO nesta região.
[Lituânia] Demonstração de capacidades aquando da visita S.Exa. o Presidente da República
l. [NATO] Roménia
Em abril de 2022 o CTOE projetou para a Roménia um Destacamento de Operações Especiais, composto por 20 militares, para participar em treinos e exercícios no âmbito da Tailored Forward Presence.
3. Cooperação no domínio da defesa
Desde 1994 o CTOE tem participado em missões de CDD com diversos países amigos PALOP, designadamente: Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Desde 1998 até à atualidade, a CDD com Angola assenta na assessoria permanente: à Direção de Forças Especiais (DFE), com a elaboração de estudos, pareceres e propostas; à Brigada de Forças Especiais (BFE), com o acompanhamento do treino operacional e planeamento e condução de exercícios; e à Escola de Forças Especiais (EFE), com apoio aos cursos de operações especiais. Neste período também ocorreram assessorias temporárias afim de apoiar cursos em áreas muito específicas, como por exemplo no âmbito da formação sniper.
De 01 de outubro a 20 de dezembro de 2018, o CTOE realizou uma assessoria técnica temporária para a implementação da Unidade de Operações Especiais nas FALINTIL – Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL).
Entre 1994 a 2013, a CDD em Moçambique, inicialmente em Nacala e mais tarde em Nampula, teve como principais objetivos: o apoio ao aperfeiçoamento e consolidação do Centro de Formação de Forças Especiais (CFFE); o apoio à consolidação dos cursos de Oficiais, Sargentos e Praças; e o apoio à criação do Comando de Operações Especiais. Neste período foram formados 3983 militares de Forças Especiais (98 Oficiais, 198 Sargentos e 3687 Praças).
[Angola] Cooperação técnico-militar com Angola – Formação de sapadores
[Angola] Cerimónia de encerramento curso OE
4. Considerações finais
A atividade operacional do CTOE está bem marcada nas operações de paz, que se iniciaram em 1997, com a participação na IFOR (e, mais tarde, na SFOR), na Bósnia e Herzegovina, e se têm mantido, de um modo contínuo, nos últimos 25 anos. Quer integrados em FND, quer como END, os militares desta singular Unidade trilharam, em operações de paz, terras de dezasseis países, dispersos por quatro continentes.
Várias centenas destes militares puderam validar, ao longo destes 25 anos, a sua formação e o seu treino operacional, muito do qual adquirido em múltiplos e diversificados exercícios conjuntos e combinados, nas operações de apoio à paz supracitadas, mas também nas missões de CDD, em outras atividades no âmbito das relações bilaterais e nas missões de evacuação de cidadãos nacionais que decorreram na década de 90.
Esta já longa participação em operações de paz proporcionou ao CTOE uma maturidade operacional consolidada, um incremento permanente da capacidade de “Operações Especiais” pelo intercâmbio com outras forças congéneres, garantindo ainda a introdução de boas práticas na formação e no treino operacional desta Unidade.
Todos quantos servem nesta Unidade querem crer que o CTOE, à sua dimensão, teve um papel de relevo nas operações de paz em que participou e que o seu contributo para a paz mundial está presente na memória de muitos, especialmente daqueles que sofreram com as consequências de um conflito. Crentes de que estes militares dignificaram Portugal e os Portugueses, também estamos conscientes que muito ganhamos com estas missões, designadamente, experiências pessoais e profissionais, amizades, novas vivências e até saudosismo. E foi, e continua a ser, nestes momentos, por vezes mais difíceis e exigentes, que nós que servimos no CTOE pudemos sobrelevar o nosso lema…