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face à invasão russa
by Hermínio
O PAPEL DAS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS UCRANIANAS FACE À INVASÃO RUSSA
(FEVEREIRO-MAIO 2022)
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Nuno Rogeiro
Investigador, Autor e Analista Português nas áreas de Defesa e Segurança, RI e Geopolítica
NO INÍCIO ERA O CAOS
No fim de 2015 conheci vários membros do comando do 8º regimento de operações especiais de Khmelnytskyi, Ucrânia.
Estivemos juntos num evento sobre segurança regional, desenrolado num país vizinho. Meses antes o país tinha perdido o controlo sobre a península da Crimeia e sobre cerca de 50% das regiões administrativas (óblasti) de Donetsk e Luhansk.
A primeira fora ocupada por mais de 12 mil homens das forças regulares russas, essencialmente provenientes das bases aeronavais e terrestres de Sebastopol, Kacha, Hvardiiske, Simferopol e Sarych, e unidades de operações especiais (spetsnaz) vindas de Novorossiysk (Krasnodar, Federação Russa), a partir de 24 de Fevereiro de 2014.
As segundas tinham sido tomadas, desde 6 de Março do mesmo ano, no quadro do que já então se chamava «Guerra Híbrida», misturando elementos convencionais, de operações especiais, guerrilha, conflito de informação, operações psciológicas e batalha eletrónica. Nessa campanha a Rússia empregara as suas próprias forças especiais, sobretudo ligadas ao FSB (serviço de informações internas), e diversos grupos de reservistas operacionais, veteranos de outras guerras e voluntários com preparação militar, para além de núcleos locais de militantes separatistas, com diversos graus de treino.
Os comandantes do 8º Regimento queixavam-se de quase tudo, nesse já longínquo fim de tarde de 2015.
Afirmavam não ter equipamento especializado moderno, e referiam que muitos sistemas foram obtidos por doações de empresários locais e «crowdfunding» entre a população. Explicavam que havia escassez de armas e munições adequadas, fardamento e, por exemplo, aparelhos de visão nocturna e veículos, vivendo a unidade às vezes ou da caridade política de Kyiv ou de bens capturados às forças armadas russas, na zona de fronteira (durante os últimos oito anos, o estado ucraniano não controlou cerca de 160 quilómetros da sua fronteira internacional a leste), depois de diversas escaramuças pouco ou nada noticiadas.
O maior trunfo das forças de operações especiais do regimento era, segundo os meus adquiridos contactos, o «factor humano, o entendimento do terreno e a reserva de pessoal com qualidade a que se podia recorrer». Acrescentavam que tinham sempre «quatro ou cinco vezes mais candidatos do que aqueles que podiamos treinar, ou de que precisávamos». Mas o factor material tornava os planos de empenhamento em meros sonhos operacionais. Um jovem capitão chegava a citar Clausewitz, sem o saber: «se o conhecimento não se transforma em capacidade, é inútil».
Estas objecções quanto a equipamento e dotações continuavam para a doutrina então vigente, emprego operacional das tropas e organização das FOE. Segundo os oficiais do 8ºROE, numa opinião entretanto confirmada em vários meios, havia a tendência para usar as FOE como «infantaria de choque» ou «corpo de proteção de infraestruturas críticas e altas individualidades», e ainda como «corpo de intervenção contra tomada de reféns», por exemplo, e existia ainda uma estrutura de altas patentes herdada da URSS, hesitante entre o modelo russo e as boas práticas NATO, que mostrava pouca flexibilidade no emprego táctico e deficiente compreensão das «missões típicas» das referidas forças. Por outro lado estas foram utilizadas em campanhas anti-inssurecionais no Donbass, de forma sistemática, ora por falta de outras unidades operacionais com capacidade de iniciativa, ora por receio de que no separatismo «civil» armado estivessem sempre FOE da Federação Russa, incluindo «conselheiros técnicos» do GU/GRU (informações militares).
Em geral, isto enfraqueceu as FOE ucranianas, atrasando a sua projectada reforma e reequipamento, e embrenhando-as em tarefas impróprias, que minavam moral, desalentavam comandos operacionais e tornavam a especialidade menos atrativa para potenciais recrutas, obrigando à manutenção nos quadros activos de militares já em idade de passagem à reserva.
Oito anos decorridos desde a anexação da Crimeia, quase tudo mudou. A partir de Janeiro de 2016, a modernização material e doutrinal foi conseguida, os quadros orgânicos completados, a experiência em cooperação internacional acelerada, as infraestruturas melhoradas ou construídas de raiz, e a contribuição dos produtos e investigação da indústria militar nacional aumentada exponencialmente.
Em traços gerais, as FOE1 passaram a construir um comando integrado mas autónomo, já não sob direcção do serviço de informações militares do estado-maior (HUR/GUR2), como no modelo russo e ex-soviético.
1 Oficialmente «Sily spetsial'nykh operatsiy Ukrainy», ou «Forças de Operações Especiais da Ucrânia, também designadas pelo acrónimo romanizado SSO ou SSOU, a ainda SSPUO. Seguiremos aqui a designação comum de SSO.
2 O HUR, sob comando de , recuperou a sua FOE, sob forma regimental, ao recrutar elementos qualificados da «Legião Estrangeira» das forças armadas da Ucrânia, a partir de Março de 2022. AS REFORMAS E A ESTRUTURA ACTUAL
Em 2014 havia cerca de 4.300 elementos de OR nas forças armadas ucranianas (FAU), todos ligados por contrato profissional ao estado. Existiam ainda unidades de OE, com vocação anti- e contra-terrorista, na Guarda Nacional3, Polícia e Serviços de informações internos (SBU4).
A Marinha Nacional alargou também a sua unidade de FOE, oriunda de selecção no Corpo de Fuzileiros, o chamado destacamento de acções especiais N. 73, sediado em Ochakiv (Mikolaiv-Odessa), com funções semelhantes aos SEAL americanos ou ao DAE português. O quartel possui extensões operacionais nas ilhas fronteiras, foi modernizado antes do actual conflito e é informalmente conhecido como «Alexei Zinchenko», o nome do comandante da unidade, morto na primeira guerra do Donbass, em 2014.
Uma ajuda substancial no processo de rejuvenescimento e reforma deu-se com o regresso de spetsnaz incluídos em missões internacionais (Atalanta, ISAF, Kosovo, R.D. do Congo).
A criação do Comando de Operações Especiais5 , conhecido como C-SSO, em Janeiro de 2016, foi o momento-chave para a remodelação que conduziu à actual estrutura, iniciando-se um processo de cooperação e treino operacional no âmbito NATO (sobretudo na Alemanha, EUA, Reino Unido e Turquia), aquisição de novo equipamento e criação de um centro operacional, o chamado COE N. 140.
3 A GN formou as suas próprias unidades de OE, a partir de novo recrutamento e treino próprio, desde 2015, integrando ainda, por selecção dita «rigorosa», ex-batalhões de voluntários de 2014. Criou-se assim uma rede, sobretudo de base territorial, e correspondente à «linha da frente» ou às novas sedes administrativas pós-invasão e sucessão de 2014. Inclui o 18º Regimento Operacional Reforçado de Mariupol, o 1º Batalhão de Patrulha e Reconhecimento, os Regimentos de Acções Especiais Donbass (RAE 2), Azov (Unidade 3057 ), com sede em Kyiv, o Destacamento de Operações Especiais «Escorpião», de protecção da infraestrutura nuclear, o DOE «Omega» de Novi Petrivsi, vocacionado para acções contra-terroristas, e ainda os DOE "Vega", de Lviv, «Ares», de Kharkiv (recolha de informações em combate) e o DOE «Odessa», sediado a SE da cidade, dedicado às acções contra sabotadores, e ainda, na mesma cidade, os destacamentos «Titã» e «Chita», entretanto fundidos e reintegrados na unidade principal.
4 A unidade de OE por excelência do SBU é o Grupo Alfa. Este foi envolvido nas operações para travar os militares chechenos («Kadyrovistas») da Guarda Nacional da República Federada (Regimento Motorizado 141), sob comando do General Magomed Tushaev. As unidades chechenas tentaram ocupar o aeroporto de Hostomel e progredir para sudeste, na direcção de Kyiv, em Fevereiro de 2022. Segundo Kyiv, Tushaev terá sido morto, mas Grozny desmente a informação operacional, sem apresentar provas definitivas.
5 O patrono do Comando é o príncipe medieval Svyatoslav o Bravo, bem como o seu lema: «Aqui Venho Até Vós!».
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Elemento do 3º ROE em operações de montanha
Este foi certificado pela Aliança Atlântica em Junho de 2019, no tangente a boas práticas e processos reconhecidos, e ainda pensado como possível integrante da Força de Resposta da NATO6 .
6 O COE é não só um centro de comando, controlo e comunicações, análise operacional e tratamento de informações, centro de experiências apreendidas e núcleo de contacto com unidades estrangeiras congéneres, mas também uma verdadeira unidade de combate, herdeira da tradição Spetsnaz do Estado-Maior, e ostentando no brasão o morcego típico das unidades russas e ex-soviéticas. Entre as unidades das SSO que se submeteram a processos de certificação NATO (NEL-1 e NEL-2) está a chamada SOLTG (Grupo Táctico de OE), que participou nos exercícios Silver Saber e Rapid Trident 21, e ainda no exercício de comando «Joint Efforts 21». A Aliança tem ainda mantido em Kyiv um Representante Consultivo para questões de Forças Especiais, geralmente um oficial na reserva de um dos países NATO (caso de Michael Ripass).
Ao processo de saída das FOE militares do âmbito do serviço de informações do Estado Maior para um comando separado correspondeu também um aumento de efectivos, chegando hoje a mais de 5.500 homens, embora o número seja classificado.
As discussões internas às forças armadas ucranianas sobre o processo de reforma, largamente não documentadas ou classificadas, coincidem num ponto: a criação de um comando independente que agregasse todas as FOE/SSO correspondeu a uma opção políticoestratégica que afastou o país do modelo pós-soviético/ russo e o aproximou de experiências ocidentais, relativas à OTAN e à União Europeia, mas também de contactos com outros exércitos, incluindo o da Coreia do Sul e do Japão.
Há ainda consenso quanto ao reconhecimento do papel renovador do Tenente General Ihor Lunyov, que em grande parte presidiu ao processo reformista, enquanto responsável pelas SSO no período de transição, que acabava precisamente quando se deu a invasão russa.
A presente estrutura inclui:
*Comando
Comando das Forças de Operações Especiais (C-SSO, Unidade A0987), sediado em Kyiv Batalhão de Comando e Apoio N.99 (Unidade A3628), de Berdychiv, em Zhytomyr Centro de Ensino e Treino N. 142, sediado em Berdychiv, Zhytomyr
*Unidades Terrestres 1º, 2º e 3º DOE, em Kyiv e Lviv
Unidade Logística
Unidade de Comunicações e Informações 3º ROE (Unidade A0680) «Príncipe Sviatoslav O Bravo», de Kirovograd. 8º ROE (Unidade A0553) «Iziaslav Mystyslavych, sediado em Khmelnytskyi
COE N. 140 (Unidade A0661), de Khmelnytskyi
*Unidades Navais
Centro Naval de Operações Especiais N.73 (Unidade A3199), denominado 'Kish Otaman Antin Holovaty' , com sede na ilha de Pervomaiskyi e outros quarteis, Ochakiv, Mykolaiv.
Unidade de Mergulhadores Sapadores N1
UMS N. 2
Unidade de Reconhecimento N.3
Unidade Logística
*Unidades Aéreas
Esquadrão Misto N.35, Base Aérea de Havryshivka, em Vinnytsia7.
Destacamento de UAV, com meios nos comandos das Regiões Militares (Oeste, Rivne, Norte, Chernihiv, Sul, Odessa e Leste, Dnipro)8
*Unidades de Guerra de Informação, Operações Psicológicas e Assuntos Civis9: 16ª (UNidade A1182), em Huiva, Zhytomir 72ª (A4398), de Brovary, Kyiv 74ª (A1277), de Lviv 83ª (A2455), em Odessa
*Outras A estrutura das SSO comporta mais alguns
7 Integrado, para fins administrativos estruturais, na Brigada Aérea de Transporte N.456, opera aviões Antonov 26 adaptados para precursores páraquedistas e reconhecimento, e helicópteros Mi-24/35, Mil-8/17 e Mil-2 para funções CSAR/exfiltração, apoio aéreo próximo, ataque ao solo e guerra eletrónica, etc. Esperava-se que a unidade pudesse começar a receber novos meios aéreos, feitos pela indústria nacional, quando começou a actual invasão.
8 Com Bayraktar TB-2, configurados para recolha de informações, vigilância, busca e reconhecimento, e ainda acções armadas específicas.
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«Sniper» das SSO em acção na frente do Donbass
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Visita de uma autarca de Kirovograd ao regimento local das SSO
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refinamentos, incluindo unidades e sub-unidades de reserva, guerrilha e contra-subversão, com ou sem capacidade expedicionária, listadas de forma classificada e não forçosamente incluidas aqui.
A VERDADEIRA GUERRA: AS SSO NA ACTUAL INVASÃO
Um largo catálogo
A invasão russa da Ucrânia começou formalmente em 24 de Fevereiro, com o anúncio madrugador do Kremlin de que se desencadeara uma «operação militar especial», a pedido das «Repúblicas Populares» de Donetsk e Luhansk, e com objectivos político-tácticos, estratégicos e territoriais importantes.
Na lista de primeiros alvos, na tentativa de desarticular a capacidade de resposta ucraniana, estiveram os quarteis, campos de treino e infraestruturas conhecidas das SSO, incluindo em Kyiv, Khmelnitsy, Ochakiv e Kirovograd.
Mas as forças operacionais estavam há muito fora das bases e em áreas de combate nas frentes previsiveis, para as quais se prepararam desde 2015, e em ritmo mais intenso desde que, em 2019, chegaram às estruturas de comando informações credíveis de uma intervenção russa de larga escala10.
Por outro lado, as unidades de SSO, seguindo um plano geral iniciado em 201711, seguiram muitas recomendações técnico-operacionais de outras unidades e comandos, com a instalação de uma rede de instalações redundantes, «fantasmas» ou falsas, que
10 Com base em muita matéria classificada na altura sobre esta possível operação, escrevi para a revista Sábado um estudo extenso, intitulado «Cenários de Uma Guerra Impossível».
11 Operações «Prymanka» (engodo) e «mysholovka» (ratoeira), entre outras. Algumas implicaram o fornecimento, pela indústria nacional de armamento (incluindo várias empresas do conglomerado empresarial estatal Ukroboronprom), de réplicas de equipamento, com ou sem sensores de calor e outros elementos que poderiam denotar actividade, e complexos inteiros a simular bases aéreas, instalações portuárias, trincheiras, casamatas e postos de comando. permitissem a exaustão de meios e munições inimigos contra alvos inúteis.
Desde Fevereiro que as SSO têm desenvolvido intensa actividade operacional, num longo catálogo que não é conhecido publicamente, e que geralmente só se entende quando determinados resultados são alcançados, como golpes de mão na rectaguarda inimiga, resgates em combate e sobretudo os famosos «acidentes misteriosos» em instalações adversas, incluindo em território da Federação Russa12 .
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Operações de acção directa
Passando em revista as actuações das SSO neste conflito, tem de se começar pelas operações ditas de «acção directa».
Estas são geralmente traduzidas em empenhamentos de curtíssima ou curta duração, essencialmente ofensivos ou contra-ofensivos, incluindo ataques localizados ou em pequena escala, com o objectivo de capturar, ocupar, destruir, recuperar ou alvejar combatentes, equipamento ou posições de especial valor táctico. Isto tem acontecido sobretudo nas frentes de Karkiv-Izyum e Severodonetsk-Lysyschnsk, eixos fundamentais para a campanha russa de tentativa de ocupação de todas as regiões administrativas do Donbass (Donetsk e Luhansk).
Durante a fase «Donbass pura» da operação russa, o QG de Moscovo tentou, desde 14 de Abril até fim de Maio (data deste escrito), alterar o equilíbrio de forças territoriais na região, que era de cerca de 55/45% em favor dos ucranianos, a 24 de Fevereiro, e passou de 70/30% a favor da Rússia, a meio de Maio.
A opinião do estado-maior ucraniano13 era a de que, face à grande desproporção de meios a beneficiar a Rússia, e ao facto de a Ucrânia não controlar quase 200 km da fronteira a leste, o Kremlin teria pensado que a tomada do Donbass ucraniano demoraria cerca de duas semanas. O falhanço temporal deste objectivo terá ficado a dever-se em grande medida, segundo as mesmas fontes de Kyiv, ao «excepcional papel de enquadramento de forças convencionais e milicias de defesa territorial e ao carácter retardador e dissuasor das manobras de acção directa das SSO dos três ramos»14 .
Nas operações de acção directa há a registar incursões e surtidas beneficiando do efeito de mobilidade, surpresa e capacidade de dissimulação, incluindo em meio marítimo e fluvial15, acções de eliminação de objectivos materiais e humanos considerados «prioritários» (incluindo unidades de
12 Um relatório classificado (de 12 de Maio) indica o papel sozinho ou cooperativo das SSO em pelo menos 2.500 acções desde o início da agressão ao território ucraniano.
13 Entrevista com responsáveis de patente Tenente-General no activo, Maio de 2022.
14 Fonte citada.
15 Casos apontados de Berdyansk, golfo de Obytichna, baías de Biriyuchii e do Parque Nacional Pryyavovsky, na ilha de Dzharyllach, e no vital Golfo de Dniprov’ska, que controla as aproximações a Kherson e Mykolaiv.
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Equipa do COE 140 com armas anticarro Panzerfaust, de fabrico alemão, durante a invasão russa
comando e responsáveis de unidades que se deslocam em inspecção16), incluindo pelo destacamento de equipas de assalto e atiradores de precisão, e numerosas sabotagens em território inimigo ou ocupado.
Adquirem aqui especial importância as operações contra o aeródromo de Chornobayivka, na zona ocupada de Kherson, consistindo em pelo menos dez a quinze ataques com meios combinados, a partir de 27 de Fevereiro, e até meio de Maio17 .
Tratou-se primeiro de destruir helicópteros de combate deixados pelos ucranianos, quando do avanço
16 Até 17 de Maio, as SSO e forças associadas teriam eliminado ou ferido, segundo o EM ucraniano e alguns observadores independentes, pelo menos 12 Oficiais Generais e algumas dezenas de coronéis russos, embora o reconhecimento dos óbitos nem sempre tenha sido público, em Moscovo. A Ucrânia diz que toma conhecimento das baixas ou através de observação por sensores, interrogatório de prisioneiros e intercepção de comunicações. Há também aparentemente alguns casos (raros) de identificação dos inimigos pelos próprios militares ucranianos. No dia 6 de Maio, e como reacção a um artigo no «New York Times», o Dept. de Defesa dos EUA reconheceu estar a ajudar Kyiv na identificação de objectivos e no fornecimento de informações por sensores (as aeronaves de vigilância e reconhecimento americanos voam incessantemente sobre a região, para já não falar no sistema de satélites), mas ressalvando que a «escolha de alvos específicos é ucraniana».
17 Os ucranianos reivindicaram a destruição de dezenas de helicópteros russos, incluindo Mi-28 e Ka-52, baixas importantes em unidades de nível companhia e batalhão do 8º Exército Inter-Armas de Guardas, do 49º Exército Inter-Armas e do 22º Corpo de Exército russo, e ainda a neutralização de dois generais e doze coronéis e tenentecoronéis das Forças Armadas Russas. russo, depois de sabotar e armadilhar instalações, a seguir de conduzir fogo de artilharia a partir de «drones» e forças de precursores e controladores tácticos no terreno, depois ainda de infiltrar grupos de atiradores de precisão para atingir altos comandos, e por fim de utilizar grupos de sabotadores para regularmente imobilizar forças invasoras, quer aéreas quer terrestres.
Terão participado nas operações elementos do 3º ROE e dos SEALS da Marinha ucraniana, e ainda a unidade de reconhecimento em combate dos fuzileiros, unidades já referenciadas.
Um sub-oficial de OE de Ochakov referiu que a «maior dor» dos seus homens é a destruição forçada de infraestrutura ucraniana de uso civil, para que não possa ser usada pelo inimigo, e aponta a acção das SSO na sabotagem de pontes e nós ferroviários a leste, oeste e norte de Severodonetsk e Lysyschansk, e ainda próximo de Rubizhne, impedindo a progressão de importantes colunas de infantaria motorizada e artilharia para o ataque frontal ou tentativa de cerco das forças ucranianas na linha da frente do Donbass.
O mesmo para a destruição de pelo menos nove pontes militares no rio Siversky Donets, também para impedir aquela manobra de cerco, acções onde terá estado empenhada uma série de equipas do 8º ROE, essencialmente na direcção de fogos, colocação de
engenhos e ataques de infantaria na rectaguarda, de forma a bloquear grandes concentrações de homens e blindados18 .
De igual modo com a destruição da ponte que viabilizava a passagem de tráfego militar da Crimeira para Melitopol, as pontes de Izyum e da região de Kharkiv, onde participaram o 3º e o 8º ROE’s, e para acções de resposta a franco-atiradores e «snipers», em diversas cidades que estiveram sobre quase cerco, como foi o caso de Kyiv, Sumy, Chernihiv ou Mikolayiv.
Relevantes ainda as operações de acção directa em torno do aeroporto de Hostomel/Antonov, quer pelo combate a spetsnaz ocupantes, incluindo unidades chechenas, quer pela emboscada a diversas colunas que se preparavam para avançar desse QG precoce da invasão para a capital, e que acabaram por ocupar Bucha, Irpin, Blystavitsya, Dmytrivka, de onde foram expulsas também por flagelação a partir de pequenos grupos.
Por fim, o elemento mais classificado: acções fora do território ucraniano, sobretudo contra alvos militares russos em Belgorod, Bryansk e Millerovo, incluindo oleodutos, depósitos de munições e combustíveis, centros de comando e comunicações e até bases aéreas.
Praticamente nenhum destes ataques foi reivindicado oficialmente pelos ucranianos, mas relatos informais e testemunhos operacionais indicam que as FOE podem ter estado presentes, quer como controladores tácticos quer como sabotadores na rectaguarda do inimigo, quer como equipas de protecção helitransportadas em aparelhos de ataque ao solo (neste caso, dois a quatro Mil Mi-24/35 modernizados, no raid a Belgorod de 29 de Março).
Reconhecimento e recolha de informações
As SSO têm também funcionado como olhos e ouvidos dos combatentes, na tarefa diária de recolha de informações, muitas vezes debaixo de fogo ou em território controlado pelo inimigo.
Um dos envolvidos diz que, apesar de terem sido interrompidos muitos programas de desenvolvimento, produção e aquisição de sensores por parte da indústria local19, as forças especiais foram ainda assim beneficiadas com sistemas que permitiram «aperfeiçoar funções, alargar capacidades e cumprir missões planeadas».
18 O balanço destas acções, segundo observadores independentes, redundou em pelo menos 80 veículos destruidos e 500 baixas. Muitos militares ucranianos das SSO encararam isto como uma «retorsão natural» pela emboscada do Verão de 2014 em Ilovaisk, quando um batalhão de Kyiv foi dizimado depois de lhe ser concedido um corredor de retirada pelas forças russas. Os ucranianos sofreram então entre 400 e mil mortos e feridos.
19 Muitos dados sobre as empresas da indústria de defesa são compreensivelmente classificados, mas entre os fabricantes e gabinetes de investigação de sensores estão o Fotoprylad (imagem), Iskra (som), LRS (satélites), Ukrspetsproject (drones) e cerca de 20 entidades filiadas na AUDM, que agrupa as empresas de defesa.
Importante para compreender os processos e a dinâmica deste sector é o estudo prospectivo Ukraine Defense Market - Attractiveness, Competitive Landscape and Forecasts to 2026, GlobalData, Londres Junho 2021.
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Mil Mi-17 especialmente equipado, EM35
Mas o elemento humano é aqui decisivo, na condução e aproveitamento da técnica sensorial e dos equipamentos terrestres, navais e aéreos de visão nocturna e diurna, da identificação de alvos ou ameaças, e da realização precisa de ataques direccionados.
Incluem-se no «elemento humano» as patrulhas de reconhecimento e de longo raio de acção de todas as unidades das SSO, cuja missão tem sido secreta, mas que inclui incursões de vigilância em território ocupado e inimigo, sabendo-se que as bases do ataque à Ucrânia se encontram fora da mesma, mas nas imediações, em sítios como Rostov no Don, Belgorod, Bryansk, Shakhty, Taganrog, Novorossysk, Voronezh, Kursk e Klimovo, na Federação Russa, ou Gomel, Mazyr e Baranovichi, em Belarus (Bielorússia).
As SSO possuem um plano metódico, em parte derivado de pedidos do Estado Maior, em parte derivado das próprias «determinações de missão», em parte adaptada a circunstâncias novas ou à «chegada de informações por meios exógenos» (incluindo resultados de interrogatórios ou delações voluntárias), que insiste «na verificação de entrada de novo equipamento ou contingentes em território nacional, de estacionamento operacional de forças iminentemente intervenientes, de condições para a progressão de forças ucranianas, evacuação de feridos ou civis, de destruição efectiva de alvos humanos e materiais, ou de mudança de atitude, direcção ou postura de unidades inimigas»20 , sendo certo que «em muitas situações nada substitui a actuação de patrulhas humanas, ou botas no terreno».
A mesma fonte refere que uma «enorme vantagem é o conhecimento prévio do terreno, incluindo um difícil mapa de obstáculos naturais, com um dédalo de rios, albufeiras, lagos naturais, pântanos ou cursos de água sazonais».
No campo da «recolha de informações em combate», adquire relevância «a demonstração da presença de determinadas forças, oficiais de comando e equipamento, reportados ou não previamente, e ainda
20 Agradecimento especial ao TC S. e ao intérprete D por esta secção.
a determinação rigorosa das perdas inimigas e da eficácia das armas e sistemas usados»21 .
Guerrilha e Contra-Guerrilha
Há muitos anos que as SSO preparavam o que chamam de «Movimento de Resistência», que acabou por passar de objectivo táctico a disposição parlamentar, através do Projecto Lei 6486, de Janeiro de 2022.
Tratava-se de enquadrar civis aptos em acções de resistência a um invasor, através de técnicas testadas de guerrilha, guerra psicológica, operações de informação, espionagem e sabotagem.
Os elementos destacados das FOE ucranianas actuam, desde a criação dessa linha (em 201722), como mentores, instrutores e «instrutores de instrutores», refrescando noções e fornecendo treino regular, havendo hoje um processo unificado que liga as SSO, a Guarda Nacional e as recentemente criadas forças de defesa territorial.
Estas constituiram-se a partir de 2021 como embrião de um segundo Exército de combate em toda a Ucrânia, por um lado auxiliar das forças armadas e da Guarda Nacional, por outro usado em acções que requerem menor especialização, como guarda de edifícios, controlo de vias, vigilância, trabalho médico e paramédico, etc.23
Segundo a fonte, «o problema maior esperado seria o de encontrar formas de actuação comum de organismos paramilitares e de defesa da sociedade civil, que se destinam a fornecer consciência combativa a toda a comunidade, e as forças militares, paramilitares, policiais e os corpos especiais de tropas, que estão na primeira linha dos enfrentamentos. Mas em larga medida o estado de guerra e a lei marcial definiram regras e linhas de comando, facilitando também a tarefa dos nossos instrutores»24 .
Para além do treino ministrado na resistência a um ocupante, as SSO têm também desenvolvido missões típicas de guerrilha e contra-guerrilha, quer criando células combativas infiltradas por trás das linhas inimigas, quer detectando e eliminando o mesmo tipo de estruturas implantadas em território nacional.
Estas acções foram de extremo relevo e continuam nas áreas ocupadas de Kherson, Melitopol, Berdiansk e Energodar, segundo as mesmas informações. Aqui, mais uma vez a tónica é a de detecção ou eliminação de figuras político-militares da ocupação, sobretudo as que têm protagonizado práticas desumanas, crimes de guerra e actuações específicas contra activistas locais ucranianos, funcionários públicos e eleitos autárquicos25 .
21 Fonte citada.
22 Programa «zalyshatysya pozadu», que traduziriamos como «resistência na rectaguarda», ou «permanência nas costas do inimigo». Fonte: Oficial do 3ºROE, Kirovograd.
23 A Ucrânia instituiu em 16 de Julho de 2021 uma «Lei Sobre os Fundamentos da Resistêcnia Nacional», em Janeiro de 2022 a Lei 6521, sobre a organização da defesa territorial.
24 Fonte citada. O informador refere que é uma «tradição ucraniana» a remontar a 1917 ou antes a de manutenção de prontidão combativa» de muitos sectores, incluindo associações de agricultores, clubes desportivos, agremiações de caçadores, etc. Entretanto, «tudo se complicou com a emergência nascida em 2014, em que a carência de forças armadas estruturadas deu papel natural e relevo a todo o tipo de batalhões de voluntários; estes continuam a existir, mas agem sobretudo a nível de consciência cívica e preparação pré-militar para quem queira alistar-se, por exemplo». Precursão e Controlo Aéreo Táctico
Outra dimensão altamente secreta e fundamental é a de actuação das SSO, sozinhas ou em coordenação com outras forças armadas, na construção de zonas de encaminhamento de tiro e identificação de resultados deste (seja de artilharia seja de meios aéreos), e ainda na missão de descoberta de caminhos de infiltração para missões convencionais e empenhamento de largos contingentes, tendo uma fonte referido ter havido grandes sucessos neste campo nas regiões de Sumy, Chernihiv, Kharkiv e Severodonetsk, todas no norte nordeste do país.
As equipas de controlo aéreo táctico das SSO têm-se queixado de falta de meios aéreos especializados (por exemplo, helicópteros como plataforma de condução de tiro, em vez de veículos ou equipas terrestres), mas confirmam a recepção, a partir de Janeiro deste ano, de muito equipamento individual e colectivo que «alterou radicalmente os níveis de desempenho, sobretudo nas acções que requerem instrumentos de visão nocturna»26 .
Salvamento, exfiltração, resgate
Tem também havido emprego do 3ºROE e em parte do COE 140, apoiados nos meios aéreos atrás referidos, em missões de busca e salvamento em combate, sobretudo de pilotos e tripulações tombadas muito próximo da linha da frente, mas também «na rectaguarda inimiga».
Operações arriscadas envolvendo as mesmas unidades e elementos dos SEAL tiveram menos sucesso na área de Mariupol, como a tentativa de resgatar pessoal gravemente ferido, entrincheirado na metalúrgia Azovstal, nos dias 26, 27 e 28 de Março27 .
O mesmo se diga para a acção da A3199 (tratada em separado neste texto), que tem desempenhado funções de CSAR e exfiltração de elementos nacionais ucranianos de zonas de perigo, incluindo nas costas do Mar Negro e do Mar de Azov, embora aqui as operações tenham sido menos frequentes depois da tomada de Berdiansk e de Mariupol.
Operações em meio aéreo, fluvial e marítimo
As SSO têm também desenvolvido operações especiais aerotransportadas e helitransportadas, algumas já tocadas, em todo o espectro de missões típicas das FOE, mas mais uma vez sentem-se limitações extremas face à carência de meios aéreos, pilotos e peças28 .
26 Fonte do EM35.
27 Uma destas operações redundou na perda de pelo menos dois Mil Mi-17 de evacuação médica, já carregados com os feridos exiltrados da siderurgia.
28 Quanto a sobressalentes e reparações, um esforço muito grande foi feito a partir de Abril por parte dos países da NATO que já pertenceram à URSS ou ao Pacto de Varsóvia, e que montaram pontes aéreas de fornecimento de peças desmontadas dos seus próprios Mig-29,
No domínio fluvial e marítimo, a A3199 e a companhia de reconhecimento em combate dos fuzileiros desempenharam importantes funções, incluindo na formação de equipas de protecção e contra-sabotagem nos rios e afluentes que servem Kharkiv, Kyiv e Lviv, e em constantes surtidas, emboscadas e golpes de mão em instalações portuárias e nas ilhas ocupadas ou sob ameaça pela Rússia, em particular Zmiiniyi, no Mar Negro Ocidental, Berezan, frente a Ochakov, e Trukhaniv, na região de Kyiv, ou Khortisya, no rio Dniepr.
Apesar da destruição inicial ou do afundamento voluntário da pequena frota militar ucraniana, na primeira semana de invasão, as FOE de domínio marítimo e fluvail usaram pequenas embarcações de reserva, outras requisitadas a indivíduos e empresas, outras ainda apresadas ao inimigo, e pelo menos um esquadrão de ataque em «zebros» especialmente equipados, que se encontravam camuflados e operacionais, e nunca foram verdadeiramente assinalados pelos sensores russos.
Os SEAL executaram também acções fluvais de contra-terrorismo, interceptando grupos de sabotadores e «comandos» alegadamante de execução de membros do estado ucraniano, e começam a treinar com navios não-tripulados de defesa costeira (USV), fornecidos pelos EUA a partir de Abril.
Outras operações
Libertadas que foram de tarefas históricas para as quais não estavam vocacionadas, as SSO desempenharam outras missões relevantes, que podem em parte incluir-se nos domínios já apontados, mas que as fontes locais gostam de referir de forma autónoma.
Incluem-se aqui operações médicas em combate, no escalão pelotão mas ainda em subunidades maiores, contra-propaganda pelo uso de sensores especiais e distribuição de informação, tradução imediata de um amplo espectro de dados de combate, incluindo nomes de individuos e equipamento, formação de equipas especiais para detecção de baterias de mísseis tácticos capazes de alvejar grandes cidades e centros populacionais29, manutenção de oficiais de contacto e ligação com aliados e fornecedores de ajuda e serviços, dentro e fora de território ucraniano e a manutenção de núcleos de operações irregulares, pensados para o pior cenário de ocupação total do território ucraniano.
Uma referência ainda a operações em domínio de ameaça química, bacteriológica, virulógica, nuclearradiológica e «ambiental» (por exemplo, com a propagação de fogos em florestas e equipamentos, para travar avanço de forças, ou a destruição de barragens), que têm requerido especial atenção e a criação uma subunidade particular, guarnecida por combatentes, analistas e cientistas, que teve entre outras funções a
Mil Mi-8/17 e Su-25 Frogfoot. Iso permitiu ujma renovada actuação da força aérea ucraniana e da componente aérea das FOE, a partir de 3 de Maio.
29 Que um interveniente compara aos «anti-SCUD teams» da Operação Tempestade no Deserto, no Golfo, em 1991.
ligação com grupos da NATO e da ONU, na troca de informações, recolha de dados e amostras, e protecção de perímetros onde existem centrais nucleares. Embora muitas destas competências caibam a uma unidade especial da Guarda Nacional, as SSO precisam também se manter operacionalmente activas e actualizadas neste domínio, incluindo pela recepção de equipamento de protecção e prevenção e tratamento de doenças conexas.
O comando das SSO gosta ainda de salientar a aptidão das suas mulheres e homens nas operações de montanha (sobretudo treinadas na zona de Hoverla, mas ainda Rib, Petros e Gutin-Tomnatyk) e na preparação para campanhas na neve e combate a muito baixas temperaturas.
Uma conclusão provisória
Fica assim passada em revista uma área menos conhecida das operações militares em curso no território ucraniano e na Rússia. Embora já muito longe dos tempos de caos de 2014, e de penúria de 2015, as SSO possuem ainda muitas limitações técnicas e materiais, mas ergueram-se, temperadas no combate, como um actor decisivo no universo das FOE na Europa e no mundo.
Um dos elementos de comando das SSO diz que «seria óptimo que no Dia Nacional da Força (29 de Julho) pudéssemos iniciar, já em paz, um seminário sobre lições aprendidas e expansão dos nossos horizontes».
Ou seja, os responsáveis pensam agora na definição de missões pós-guerra, sobretudo num ecossistema estratégico em que mudaram ou mudarão estruturas de aliança e hostilidade, mas em que o domínio militar letal, silencioso, eficaz, flexível e de resposta rápida ganha relevo, se é que isso precisava de ser demonstrado.
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