O PAPEL DAS FORÇAS DE OPERAÇÕES ESPECIAIS UCRANIANAS FACE À INVASÃO RUSSA (FEVEREIRO-MAIO 2022)
Nuno Rogeiro Investigador, Autor e Analista Português nas áreas de Defesa e Segurança, RI e Geopolítica
NO INÍCIO ERA O CAOS No fim de 2015 conheci vários membros do comando do 8º regimento de operações especiais de Khmelnytskyi, Ucrânia. Estivemos juntos num evento sobre segurança regional, desenrolado num país vizinho. Meses antes o país tinha perdido o controlo sobre a península da Crimeia e sobre cerca de 50% das regiões administrativas (óblasti) de Donetsk e Luhansk. A primeira fora ocupada por mais de 12 mil homens das forças regulares russas, essencialmente provenientes das bases aeronavais e terrestres de Sebastopol, Kacha, Hvardiiske, Simferopol e Sarych, e unidades de operações especiais (spetsnaz) vindas de Novorossiysk (Krasnodar, Federação Russa), a partir de 24 de Fevereiro de 2014. As segundas tinham sido tomadas, desde 6 de Março do mesmo ano, no quadro do que já então se chamava «Guerra Híbrida», misturando elementos convencionais, de operações especiais, guerrilha, conflito de informação, operações psciológicas e batalha eletrónica. Nessa campanha a Rússia empregara as suas próprias forças especiais, sobretudo ligadas ao FSB (serviço de informações internas), e diversos grupos de reservistas operacionais, veteranos de outras guerras e voluntários com preparação militar, para além de núcleos locais de militantes separatistas, com diversos graus de treino.
Os comandantes do 8º Regimento queixavam-se de quase tudo, nesse já longínquo fim de tarde de 2015. Afirmavam não ter equipamento especializado moderno, e referiam que muitos sistemas foram obtidos por doações de empresários locais e «crowdfunding» entre a população. Explicavam que havia escassez de armas e munições adequadas, fardamento e, por exemplo, aparelhos de visão nocturna e veículos, vivendo a unidade às vezes ou da caridade política de Kyiv ou de bens capturados às forças armadas russas, na zona de fronteira (durante os últimos oito anos, o estado ucraniano não controlou cerca de 160 quilómetros da sua fronteira internacional a leste), depois de diversas escaramuças pouco ou nada noticiadas. O maior trunfo das forças de operações especiais do regimento era, segundo os meus adquiridos contactos, o «factor humano, o entendimento do terreno e a reserva de pessoal com qualidade a que se podia recorrer». Acrescentavam que tinham sempre «quatro ou cinco vezes mais candidatos do que aqueles que podiamos treinar, ou de que precisávamos». Mas o factor material tornava os planos de empenhamento em meros sonhos operacionais. Um jovem capitão chegava a citar Clausewitz, sem o saber: «se o conhecimento não se transforma em capacidade, é inútil». PONTO DE REUNIÃO
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