9 minute read

PARA QUE PROVA, SE EU TENHO CONVICÇÃO?

acerca de qual teria sido a vantagem obtida pela construtora em troca do suborno. Em declaração feita em um congresso de juristas em São Paulo em agosto (a sentença é de 12 de julho), Sérgio Moro justificou a condenação do ex-Presidente da seguinte forma: “Tenho a seguinte crença: assim como não existe almoço grátis, não há propina grátis. Sempre se espera alguma coisa em troca”.

Em razão das irregularidades expostas e de muitas outras não abordadas neste texto, grande parte dos juristas brasileiros, das mais variadas áreas, entende que todo o processo está viciado de nulidade, e que a sentença que dele resulta também é nula.

Advertisement

Analisando todo o contexto político brasileiro desde as últimas eleições presidenciais no país, que levou a Presidenta Dilma à reeleição, e ao inconformismo do então candidato derrotado Aécio Neves e de todos os setores representados por ele, parece que se instalou no Brasil um processo de golpe parlamentar. Esse processo levou a um impeachment não fundamentado da Presidenta Dilma, à instalação de um governo ilegítimo que está implantando o programa neoliberal que foi derrotado nas urnas, à alienação criminosa dos recursos naturais brasileiros, ao uso do lawfare (uso do direito para perseguição política) para condenar o ex-Presidente Lula, que visa culminar com sua retirada do processo eleitoral. Uma das características do golpe em andamento é o fato de estar travestido de uma roupagem de legalidade, para fins de manipulação da população e da opinião pública internacional. O comprometimento da imprensa brasileira com o processo golpista, atuando como partido político, é um ingrediente salutar.

Não restam dúvidas, portanto, de que o princípio do devido processo legal, previsto no Direito brasileiro e no Direito Internacional, foi frontalmente violado e que todo o processo que gerou a sentença condenatória de Lula está viciada de nulidade.

Leonardo Isaac Yarochewsky1

Quando do julgamento do ex-ministro Chefe da Casa Civil José Dirceu de Oliveira e Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), chamou a atenção o aumento despropositado e absurdo da pena de prisão de 20 anos e dez meses – fixada pelo juiz Federal Sérgio Moro – para 30 anos, nove meses e dez dias de reclusão. O fundamento apresentado pelo desembargador relator João Paulo Gebran Neto, também não passou despercebido. Além de fixar a descomunal pena de 41 anos para José Dirceu, referindo-se ao crime de corrupção, reconheceu e sustentou que: “Embora nesses casos dificilmente haja provas das vantagens indevidas, adoto a teoria do exame das provas acima de dúvida razoável”.

De igual modo, para justificar a falta de provas em processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o procurador da República Deltan Dallangnol e seus asseclas disseram que os crimes perpetrados pelo ex-presidente Lula e demais acusados são de difícil prova, porém afirmam que isso não é apenas fruto do acaso, mas sim da profissionalização de suas práticas e de cuidados deliberadamente empregados pelos réus.

No Acórdão a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, (Apelação Criminal Nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR) – em processo de relatoria do desembargador João Paulo Gebran Neto, que negou provimento a apelação do ex-presidente Lula – ficou assentado que: 20. ‘A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a melhor formulação é o ‘standard’ anglo-saxônico – a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável –, consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal

1 Advogado e Doutor em Ciências Penais pela UFMG.

Penal Internacional’, consoante precedente do STF, na AP 521, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05.02.2015.

No julgamento da Apelação Criminal Nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, prevaleceu na 8ª Turma do TRF-4, o princípio anglo-americano que aceita como critério para a condenação do réu a existência de “prova acima de qualquer dúvida razoável” (beyond a reasonable doubt). Princípio abraçado pelo juiz Federal Sérgio Moro – que o defende em seus livros e o cita expressamente na sentença recorrida – e por procuradores da República como Deltan Dallagnol, o critério se contrapõe a princípios adotados pela Constituição de 1988 – como o da presunção da inocência e o in dúbio pro réu.

Em seu opúsculo sobre “as lógicas das provas no processo” o procurador da República que ficou nacionalmente conhecido à custa de suas exibições, inclusive em templos religiosos, justifica a “atenuação da rigidez da valoração da prova” quando, segundo o autor, tratar-se de crime “cuja prova é difícil”. Em nome da “dificuldade probatória em crimes complexos”, Deltan Martinazzo Dallagnol2 propõe na esteira de Sérgio Moro, a “criação de regras probatórias compatíveis com as dificuldades”, ou seja, “maior elasticidade na valoração probatória”.

O que o procurador da República propõe, na verdade, é uma relativização da prova ou uma inversão dos princípios limitadores do poder punitivista estatal. Os idealizadores da absurda proposta atropelam o sagrado princípio de que se não há prova suficiente para condenação deve o acusado ser absolvido, princípio que se revela no conhecido aforismo jurídico: “in dubio pro reo”, corolário do princípio da presunção de inocência.

Ao analisar o “problema dos standards probatórios”, Gustavo Henrique Badaró explica que: “A razão de se exigir no processo penal um standard probatório mais elevado que no processo civil é de natureza política, e não simplesmente técnica. No processo penal, em razão da presunção de inocência, do ponto de vista probatório há um desiquilíbrio estrutural entre as posições do acusado, a quem não incumbe nenhum ônus, e o acusador, sobre quem recai toda a carga probatória. Contudo, além de atribuir toda a carga da prova para a acusação, também se adota um standard de prova bastante elevado, tornando o convencimento judicial dos fatos que favoreçam a acusação particularmente difícil”.3

2 DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das provas no processo: prova direta, indícios e presunções. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015. 3 ”. BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 436.

Pelo visto, notadamente, em relação à teratológica decisão que condenou José Dirceu, o procurador da República da “Lava Jato” tem feito escola e o que antes era inadmissível – condenação sem prova – hoje é admitido em nome da “dificuldade probatória”.

Sombrio os tempos em que a prova – certeza da autoria e da materialidade do crime – é desprezada em nome do eficientismo e da lógica perversa de que “os fins justificam os meios”.

Os magistrados precisam compreender, na esteira de Geraldo Prado, que “as garantias do processo penal são, relativamente às liberdades públicas afetadas pela persecução penal, garantias materiais dos direitos fundamentais”.4 Mais adiante, o sempre lúcido processualista, afirma que: “O processo penal, pois, não deve traduzir mera cerimônia protocolar, um simples ritual que antecede a imposição do castigo previamente definido pelas forças políticas, incluindo-se nesta categoria os integrantes do Poder Judiciário”. 5

Em sua instigante obra “Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos” Alexandre Morais da Rosa acentua que: “A história do constitucionalismo é a progressiva ampliação da esfera pública de direitos, de conquistas e rupturas”. Assim sendo, em uma concepção garantista, a Constituição “deixa de ser meramente normativa (formal), buscando resgatar o seu próprio conteúdo formador, indicativo do modelo de sociedade que se pretende e cujas linhas as práticas jurídicas não podem se afastar, inclusive no âmbito do direito e do processo penal.”6

Michele Taruffo salienta que “a principal função da prova é oferecer ao julgador informação confiável acerca da verdade dos fatos em litígio”. Mais adiante, observa que “a valoração das provas tem por objeto estabelecer a conexão final entre os meios de prova apresentados e a veracidade ou falsidade dos enunciados relativos aos fatos em litígio”.7

Segundo magistério de Geraldo Prado, “Provar é atividade de sujeito. Prova-se um fato que tem determinada qualidade, mas se prova por intermédio da atividade dos sujeitos e as Constituições hoje não podem ficar limitadas em sua interpretação, quando se cuida da proibição de provas por meios ilícitos. Também deverão dirigir a atenção à questão a respeito de quem foi o sujeito produtor da prova e o que

4 PRADO, Geraldo. Prova penal e sistemas de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. 5 PRADO, Geraldo. Prova penal e sistemas de controles epistêmicos... ob. cit. 6 ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. 7 TARUFFO, Michele. A prova. Tradução João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

ocorre quando um sujeito que não poderia produzir atividade probatória a produz, fazendo valer o sistema da ineficácia dos atos jurídicos.” 8

A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um juiz incompetente e suspeito conforme já demonstrado alhures, passa à margem da prova.

No famigerado processo do “Triplex do Guarujá” em que o ex-presidente Lula foi condenado pelo juiz de piso a pena de 09 anos e 06 meses de prisão e multa – posteriormente elevada pelo TRF-4 – a acusação a cargo do MPF (Ministério Público Federal) não demonstrou e nem fez prova de que o “apartamento 164-A, triplex, no Condomínio Solaris, no Guarujá” pertenceu, pertence ou pertencerá algum dia ao Ex-presidente Lula ou a qualquer membro de sua família. De igual modo, os falastrões procuradores da República não provaram – pois seria impossível – que o ex-presidente Lula teria recebido qualquer valor ou bem a título de propina ou qualquer vantagem indevida.

Ainda que em hipótese totalmente absurda – ad argumentandum tantum – de que o referido “Triplex do Guarujá” tivesse registrado em nome do ex-presidente Lula, ainda assim, nesta suposição disparatada, caberia a acusação demonstrar que o afamado apartamento do Condomínio Solaris teria sido prometido ou entregue ao ex-presidente Lula a título de propina ou de qualquer vantagem indevida. A acusação com todo malabarismo jamais conseguiria provar o improvável e o que, definitivamente, não ocorreu.

Neste diapasão, asseveram Weida Zancaner e Celso Antônio Bandeira de Mello que: “a sentença que condenou o ex-Presidente LULA escandaliza, desde logo, porque não só se fez sem suporte em prova, mas até mesmo, efetuou-se frontalmente contra a lei. Pretendeu-se, justifica-la atribuindo-lhe imaginosamente, a propriedade de um dado imóvel, conquanto desde logo inexistisse qualquer documento que atestasse propriedade ou ao menos posse. Acresce que a atribuição dela ao ex-Presidente fez tabula rasa da norma segundo a qual a propriedade imóvel se prova pelo registro imobiliário, diante do que, à toda evidência, sem violar tal lei, não se poder irrogá-la a outrem simplesmente por um desejo do acusador, no caso o magistrado”.9

8 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 155. 9 ZANCANER, Weida e BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Condenação por imóvel: sem posse e sem domínio. In Comentários a uma sentença anunciada: O processo Lula. Carol

Proner et al. (orgs.). Bauru: Canal 6, 2017, p. 524-527.

This article is from: