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PARA AS TREVAS QUE NOS CONDUZEM
E, a depender de nossa visão social do mundo (ou ideologia), os direitos humanos podem ser definidos de forma funcional ou crítica frente a tais situações de desigualdade, exclusão e exploração. As definições gozarão de um maior ou menor grau de “verdade” dependendo de sua capacidade (ou incapacidade) de reagir as mencionadas causas.
Assim, em sede de conclusão, podemos afirmar, que a teoria crítica e compromissada dos direitos humanos nos auxilia na criação de vias de ações capazes de colocar em marcha processos culturais como prática social, como expressão axiológica, normativa e institucional que, em cada contexto, abram e consolidem espaços de luta por uma vida mais digna. Trata-se da emancipação do homo sacer criminal em sua condição de alienado e subordinados aos processos de divisão social típicos do funcionamento do sistema capitalista, da sua reconciliação com a natureza não repressora e com o processo histórico.
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O discurso justificacionista da punição colocado em prática pelo Supremo Tribunal Federal e pelo TRF-4 no julgamento do ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto instituição judicial do sistema penal, revela a atuação do aparelho canalizador da vingança instrumentalizado pelo Estado. Assim, o critério de valor (ainda que encobertos pelo “poder de nomeação” inerente a própria instituição enquanto “reveladora” do direito) utilizado pelos ministros do STF para determinar a execução antecipada da pena criminal obedece aos fundamentos da própria lógica econômica atual, direcionando suas baterias punitivas à neutralização das “classes perigosas”. O resultado da adoção desse critério de valor é nitidamente regulador e repressivo, não representando, em momento algum, avanço no reconhecimento da dignidade humana da multidão oprimida.
Tarso Genro1
A intervenção militar na Segurança Pública do Rio de Janeiro, decidida por um Governo civil ilegítimo, para cuja missão as nossas Forças Armadas não estão constitucionalmente destinadas, nem tecnicamente preparadas; a condenação sem provas do Presidente Lula, após o oligopólio da mídia ter instado o golpe institucional que derrubou a Presidenta Dilma; e a articulação de boa parte do Sistema de Justiça -sem pudor- destinada a inviabilizar a candidatura de Lula (o líder popular mais importante do país) muda a curva “suave” da nossa decadência democrática, para uma vertical ascendente de crise. Sem solução de curto prazo. A soma da crise política com a fragmentação social e o aumento da pobreza, poderá levar a uma ruptura total da confiabilidade mínima no sistema liberal-representativo, logo, da própria Constituição, que lhe molda e lhe dá sentido.
A interpretação da Constituição, nestas circunstâncias, passa a ser o elemento político central da disputa pela hegemonia, para a condução deste processo, onde a política foi criminalizada em bloco e, logo após, plenamente judicializada. Como o constituinte originário – o povo empírico como diz Friedrich Müller- não dá sinais de movimentação suficiente, para obter um compromisso dos Poderes com a letra e sentido democrático e libertário da Constituição, caberá aos órgãos do Sistema de Justiça, dizer “livremente” o que a Constituição fala. “Livremente”, no caso, quer dizer “livre” de toda a influência de uma opinião pública formada numa controvérsia com paridade de armas, que não existe: quem faz a opinião da maior parte do povo, do Judiciário e do Ministério Público, hoje, é oligopólio da mídia. Ele inclusive que já participa de diligências policiais e, frequentemente, adianta
1 Tarso Genro é ex-Governador do Estado do Rio Grande do Sul, ex-Prefeito de Porto Alegre, ex-Ministro da Justiça, da Educação e das Relações Institucionais do Brasil.
condenações de réus e exige ritos processuais, sem a menor consideração com as garantias constitucionais inscritas na lei maior.
A suspensão da ordem jurídica já começou a ser aplicada no Brasil, “quase” nos mesmos termos da emergência proclamada pelo “Decreto para a Proteção do Povo e do Estado”, após o incêndio do Reichstag, na Alemanha de 1933. Este diploma permitia a autoridade “suspender a lei”, amparada no “direito de proteger sua própria existência”. Por que se diz “quase” nos mesmos termos? Primeiro, por uma questão de gradação, na violência estatal, que aqui se torna concreta e sem limites, apenas para determinadas facções políticas e para determinados setores sociais, alocados em determinados territórios. Lá na Alemanha hitlerista – embora o Decreto tenha sido fundado na luta contra os comunistas – ele acabou rapidamente estendido toda a forma de oposição, de qualquer matriz política, o que aqui ainda não ocorre. A “emergência” é uma exceção” concentrada e a “exceção” é uma emergência “permanente”.
O segundo motivo do nosso “quase” é que a emergência, na Alemanha, foi precedida pela violência privada de bandos paramilitares e grupos civis de ação direta, contra as esquerdas e os judeus – declarados em conjunto inimigos do povo alemão – violência esta, depois, assumida de forma institucional e massiva, pelo novo Poder Executivo, já sob o comando de Hitler. Aqui no nosso país, todavia, as violências e as ilegalidades -exceções e emergências pastosas que se convertiam uma na outra – ao contrário do que correu na Alemanha, começaram contra facções, personalidades e partidos, na Primeira Instância dos órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público, para após irem se consolidando – gradativamente- através de novas leituras da Constituição pelas instâncias superiores, que – independentemente da vontade dos seus Juízes – estimularam a emergência da violência marginal de grupos fascistas, ainda hoje minoritários.
É evidente que há uma diferença, também, no potencial de violência das situações “excepcionais” – até agora – entre as ocorridas na Alemanha nazista e aquelas que estão ocorrendo depois do golpe institucional brasileiro. A escassa legitimidade, que ainda possa ter o Governo Temer, está amparada na espetacular manipulação da opinião pública -processada pela mídia tradicional – que engendrou um golpe suave”. Este pretendia legitimar-se através da organização de uma forte bancada de oportunistas, corruptos e neoliberais de toda a ordem, que violentaram a Constituição, aparentando estarem lutando contra a corrupção, dentro dos marcos jurídicos vigentes. Já a utilização do Decreto do Reich alemão, para a emergência – foi fundamental para implementação da ditadura – não precisava de nenhum disfarce democrático, pois o programa nazista propunha que o caminho