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A CRISE MORAL NÃO JUSTIFICA O FIM DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
A hipótese é cristalina. Também nesse recinto, os dogmas do Direito Penal do Inimigo vitalizaram a manifestação unânime dos desembargadores do TRF4. O rigor extremo com que elevaram a pena de Lula não cabe na avaliação acriançada de que estariam sustentados por critérios de um Estatuto Repressivo meramente sancionador, de recorte garantista. Nota-se, isto sim, que a Teoria de Jakobs (Direito Penal do Inimigo) incidiu sobre Luiz Inácio, alcançando o Presidente em um suposto mundo futuro para além do momento atual. Na concepção formulada pelo jurista alemão, noticiada por Rogerio Greco, para os que decidiram se distanciar do Direito “a punibilidade se adianta um grande trecho, até o âmbito da preparação, e a pena se dirige a assegurar fatos futuros, não a sanção de fatos cometidos”21 .
Por fim, fechando o traçado desse quarteto, ressaltemos o do TRF-4 e do Juiz Moro, na presteza com que latejaram sobre a liberdade de Lula. Sentimentos de indignação, surpresa e repulsa, se misturaram, diante da violência de sua prisão antecipada, desfigurando um dos mais nobres princípios que fundamentam a República Federativa do Brasil, o princípio da presunção da inocência. A medida pulsou por todos os recantos do país e na comunidade internacional, repercutindo negativamente o modo como o sistema de justiça do Brasil despreza a ordem democrática. Manifestações das mais diversas áreas demonstravam contrariedade ao que se instituiu como a clara afirmação de Luiz Inácio Lula da Silva como preso político, segregado por suas convicções partidárias, ideológicas e probabilidade de ser reconduzido à presidência da República, em 2018, horizonte desagradável às elites no poder. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) mobilizou entidades para defenderem o princípio constitucional da presunção da inocência e repudiarem a prisão após condenação em segunda instância, como decidiu, arbitrariamente, o STF, violando o Art. 5º, LVII, da Constituição em vigor, que expressa: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória.
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Contra a expectativa de que os guardiões do Texto Constitucional não iriam adotar posição violadora de seus princípios, o Juiz Moro tripudiou sobre a possibilidade de embargos contra a decisão do TRF e, sob a alegação de que o recurso é uma “patologia protelatória e que deveria ser eliminada do mundo jurídico”22 , determinou a prisão de Lula, autorizada pelo Tribunal Regional no prazo-relâmpago
21 GRECO, Rogerio. Direito Penal do Inimigo. 2012. Disponível em https://rogeriogreco.jusbrasil. com.br/artigos/121819866/direito-penal-do-inimigo. Acesso em 29 de maio de 2018. 22 Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-abr-06/hc-stj-defesa-lula-critica-gana-encarcerar. Acesso em 29 de maio de 2018
de menos de 20 horas após decisão do STF e expediu a ordem em cerca de 20 minutos após decisão do TRF-4. Sem intimação, sem prazo, sem recurso. Ao arbítrio e ilegalidade dos que estavam no comando do corpo de Luiz Inácio Lula da Silva.
“A presunção de inocência representa talvez a mais importante das salvaguardas do cidadão, considerado o congestionadíssimo e disfuncional sistema judiciário brasileiro, no bojo do qual tramitam atualmente cerca de 100 milhões de processos a cargo de pouco mais de 16 mil juízes”, expressa o Ministro Ricardo Lewandowski, do STF. José Afonso da Silva, jurista renomado e fonte de citação frequente pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, enaltece a relevância da presunção de inocência, em Parecer elaborado por solicitação da defesa de Lula, e reafirma que “O principio da presunção de inocência tem a extensão que lhe deu o inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal, qual seja, até o trânsito em julgado da sentença condenatória. A execução da pena antes disso viola gravemente a Constituição num dos elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito, que é um direito individual fundamental”.
O diálogo estabelecido nestas reflexões não basta para um debate que leve os interessados à solução imediata de uma situação que empalidece a democracia, mas abre espaços para que esse debate se faça, sempre e sempre. A prisão de Luiz Inácio da Silva é circunstancialmente um massacre às liberdades públicas, um roubo qualificado de nossas instancias libertárias e constitucionalmente um escárrnio violento, um corte sangrento nos princípios constitucionais, no Estado Democrático de Direito. Sacraliza o autoritarismo, brutaliza a legalidade, desumaniza a função jurídica e despe o mínimo de conduta ética esperada de quem enverga as vestes talares. Para usar a lei na tentativa de construir espaços de justiça, nunca, para eleger “inimigos” e usar a lei para destitui-los de sua condição humana.
Mais do que ambíguo ou impreciso, o discurso da lei é enigmático. Ele joga, estrategicamente, com os ocultamentos para justificar decisões, disfarçar a partilha do poder social e propagar, dissimuladamente, padrões culpabilizantes. Conceitos ideologicamente condicionados encobrem práticas de terror racionalmente banalizadas. Utopias perfeitas explicam, com razões, a produção institucional de um sujeito de direitos sem direito à transformação autônoma da sociedade. Enfim, uma enorme carga ideológica que atravessa todo o processo de interpretação da lei23 .
23 WARAT, Luiz Alberto. Epistemologia e o ensino do direito: o sonho acabou. Coordenadores: (Orides Mezzaroba, Arno Del Ri Junior, Aires José Rover, Cláudia Sevilla Monteiro. Florianópolis: Fundação Boiteaux. 2004.
Rafael Faria1
“Há casos em que a sentença já está escrita antes do crime”. José Saramago
Um dos efeitos negativos da operação “Lava Jato” foi a (in)utilização do princípio da presunção de inocência. Isto, porque, basta nos confrontarmos com as premissas utilizadas no acórdão publicado em desfavor do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não há como afastar também os comentários acerca do nóvel modelo inquisitório de prisões com o objetivo cruel de obter-se a delação premiada.
O acórdão é peremptório em reconhecer que o que deveria ser exceção, é regra, tratando do assunto com a naturalidade denunciada no mundo líquido apontado por Bauman.
Leitura do item de nº “6. A determinação de diligências na fase investigativa ou mesmo a condução coercitiva de investigados ou decretação de prisões cautelares fazem parte do cotidiano jurisidicional e não acarretam a quebra de imparcialidade do julgador ou a nulidade do feito”.
É triste, senão lamentável, que, em pleno Século XXI, um acordo de delação premiada tenha a pachorra de (des)qualificar, não só o Ex-Presidente da República, como dezenas de pessoas, sem o material mínimo de corroboração. A intranquilidade trazida no bojo da delação de Leo Pinheiro passa, num só tempo, pela duvidosa constitucionalidade, mas também pelo prazo concedido aos anexos que supostamente dariam azo para a sua homologação.
Não é novidade que, para se obter um bom acordo de colaboração premiada junto ao Ministério Público Federal, é imprescindível que o conteúdo abale a República. Contudo, a sensação que se tem é que a figura de Nero jamais foi tão bem representada como nos dias atuais, pois, em que pesem as descobertas (supos-
1 Rafael Faria é advogado, professor de processo penal da Universidade Candido Mendes-RJ e
UNIG-RJ.
tamente) não republicanas, estas trazem efeitos catastróficos para as tão sonhadas bases constitucionais da carta de 1988.
Perguntados inúmeras vezes sobre tais efeitos, os procuradores e os juízes à frente do caso (operação “Lava Jato” e suas ramificações) fazem como Pilatos, em suma, alegam que nada fizeram, comparativamente, afirmam que não são responsáveis pelos reflexos negativos na Constituição. A divergência fática sobre o real motivo do incêndio de Roma faz com que duas versões surjam também para o atual comportamento daqueles, pois, em Roma, a divergência histórica ainda persiste (i) a de que o imperador Nero teria ordenado o incêndio, com o propósito de construir um complexo palaciano, já que o senado romano havia indeferido o pedido de desapropriação para obras ou (ii) a de se atribuir ao imperador a condição de demente, uma vez que ele provocara o incêndio para inspirar-se, poeticamente, e poder produzir um poema, como Homero ao descrever o incêndio de Troia.
Analogicamente, não necessariamente alternativo, o item (i) serviria para dar um protagonismo que o Ministério Público jamais teve ou (ii) o poético martelo da justiça servira como ferramenta para livros, destaques em periódicos e trampolins para catapultar jovens “juristas” como justiceiros, de um povo tão inocente e cheio de ingenuidade como os brasileiros.
Triste, porque a Justiça depende, para o seu bom funcionamento, do diálogo entre todas as instituições, notadamente, entre aquelas que são, reconhecidamente, indispensáveis à sua Administração, circunstância esta que um juiz de direito, a quem cabe aplicar as leis e fiscalizá-las, jamais deveria desconhecer.
Sendo o Dr. Sergio Fernando Moro indubitavelmente parcial, inepto ao exercício da magistratura, longe da função equidistante que cabe ao juiz “sem rosto” àquele que diz o que é o Direito. O açodamento por poder e seus escusos talentos acusatórios serão lembrados pela história. Exemplo disso é que todos se lembram de Sócrates, mas ninguém se lembra do nome do seu carrasco.
Dante Alighieri, em A Divina Comédia, destaca que os lugares mais sombrios do inferno estão reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral. A história certamente se levantará para tentar traduzir o sentimento do Ex-Presidente.
Convite à leitura ao deboche jurídico incluso no acórdão que chancelou a condenação do Ex-Presidente Lula, parece anedota, mas não é.
Na premissa de nº. 20 “A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a melhor formulação é o ‘standard’ anglo-saxônico – a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer