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CONSTITUIÇÃO ÀS FAVAS, O AUTORITARISMO TOGADO CHEGOU: O CASO DE UMA SENTENÇA VICIADA

CONSTITUIÇÃO ÀS FAVAS, O AUTORITARISMO TOGADO CHEGOU: O CASO DE UMA SENTENÇA VICIADA

Gladstone Leonel Júnior *

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No melhor estilo Luis XIV, o qual declarava: “O Estado sou eu” na França do século XVII, se observa o juiz Sérgio Moro na condução e finalização do processo relacionado ao expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, atual postulante a presidência da República para as eleições de 2018. Por outro lado, o postulante a “Rei Sol”, se coloca em posição superior à própria Constituição Federal ao sentenciar esse caso, o que deveria ser visto como conduta grave. A sentença do caso específico é daqueles documentos a serem guardados para que se possa daqui a um tempo constatar, com maior distância histórica, como se aplicavam elementos de um Estado de Exceção em um período que vigia uma Constituição asseguradora de um Estado Democrático de Direito. Deixarei aos penalistas e processualistas uma análise mais detida sobre as inconsistências da sentença, relacionadas a essas temáticas, e me pautarei em uma abordagem a partir de alguns princípios constitucionais completamente menosprezados na sentença em questão. O artigo 5° da Constituição Federal é suficiente para resguardar a argumentação necessária a preservação do devido processo legal no Estado Democrático de Direito. A prática judicial trata esses princípios como secundários e mantêm a lógica de um Poder pouco republicano e superficialmente democrático. Essas são as consequências quando se gesta um Poder Judiciário afastado do povo em todas suas dimensões, seja na sua formação e ingresso até na manutenção dos seus privilégios. O mero autocontrole do sistema judicial demonstra-se cotidianamente insuficiente. O Poder Judiciário passou por vários regimes políticos, sejam ditaduras ou democracias, sem ter se estruturado por uma transversalidade democrática. Por mais que terminassem os regimes autoritários e iniciassem regimes democráticos, como ocorreu no Brasil, os profissionais da Justiça se mantiveram nos cargos reproduzindo uma lógica própria de um poder quase intocável e distante do povo. Tendo por base esse cenário, não é tão complexo constatar que o uso dos artigos constitucionais nem sempre constituem um compromisso e respeito ao Estado Democrático de Direito na prática judicial. Vejamos o que oferece o artigo 5° da Constituição, iniciando a análise a partir do menosprezo dado à ampla defesa no processo e, consequentemente repercutido, na sentença que condena o ex-presidente Lula: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

* Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília. Pós-Doutorado em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade de Brasília.

(...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; O princípio da ampla defesa não deve ser considerado somente desde o ponto de vista formal, mas obviamente material, ou seja, as provas apresentadas pela defesa devem ser consideradas no processo, quer o julgador queira ou não. O magistrado não pode se esquivar dessa premissa sob o risco de prejudicar o direito de defesa e um julgamento justo. Além desse, o princípio da imparcialidade é outro que merece destaque nessa análise. Ao longo do processo e no decorrer da sentença, esse talvez tenha sido o princípio constitucional mais achincalhado pelo magistrado Sérgio Moro. Esse princípio, atrelado a outros princípios constitucionais, permitem visualizar os abusos contidos nesse processo. Vejamos o que diz o artigo 5°, inciso XXXVII: Art. 5°. (...) XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; O princípio do juiz natural é correlato ao do devido processo legal, o qual determina a observância das regras objetivas e já existentes para a fixação de competência, ou seja, tendo a possibilidade de exercitar a jurisdição em algum caso, algo que de alguma forma pressupõem a independência e a imparcialidade do órgão julgador. Um magistrado imparcial é condição sine qua non para um adequado julgamento a partir do exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, pois assim, se garante o respeito e a prudência necessária ao estabelecimento do devido processo legal. Esse inciso deixa clara a vedação ao julgamento parcial. Desde a perspectiva formal, não se montou um tribunal de exceção para julgar Lula, mas considerando o julgamento desde o âmbito material, a parcialidade ficou evidenciada por se tratar da figura do expresidente. Ao longo de todo o processo, o juiz Moro apresentava-se unido aos acusadores, conforme se destacava nas manchetes jornalísticas, no caso o Ministério Público Federal capitaneado pelo senhor Deltan Dallagnol, enquanto qualquer estudante de direito teria condições de constatar que o juiz deveria manter uma distância tanto da acusação quanto da defesa. Defesa essa, que tinha tratamento completamente distinto, sobretudo no seu exercício em audiência, onde o juízo adotava uma postura autoritária e desprezível em relação ao exercício desse direito. Algo que comprometeu a ampla defesa. Uma das situações mais viscerais dessa parcialidade exercida no decorrer do processo foi a interceptação e gravação ilegal das conversas entre os ex-presidentes/a Lula e Dilma Rousseff. Trata-se de fato notório, que o grampo e a posterior divulgação em um momento político tumultuado em que Lula e Dilma poderiam ser prejudicados, além de um ato irresponsável, configuraram uma usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, que deveria ser a Corte julgadora desse tipo de ação. Da mesma forma, a parcialidade e o interesse político ficou claro na consideração das delações, sobretudo aquelas que atingiam o ex-presidente Lula, e no episódio abusivo e desarrazoado da condução coercitiva contra o mesmo, sem qualquer necessidade.

A sentença faz o uso dessas delações e escancara a utilização parcial das mesmas, principalmente, ao nos deparar com o acordo de colaboração, que consistiria em uma delação informal, que sequer foi homologada, realizada pelo empreiteiro Léo Pinheiro. Acordo esse que só foi reconhecido, depois que Léo Pinheiro atribuiu conduta criminosa ao ex-presidente Lula. Na sentença essa parcialidade se evidencia nas considerações a respeito da constituição probatória. Para a caracterização do Triplex, como sendo propriedade do ex-presidente Lula, não se apresentou em nenhum momento, qualquer registro de propriedade que pudesse indicar que ele ou Dona Marisa tivessem a propriedade, de fato. A constituição da prova documental foi realizada a partir de nove trechos da sentença contendo matérias do Jornal O Globo, usadas como consistentes o suficiente para essa caracterização. Pasmem! A partir dessas provas documentais, de acordo com o magistrado, seria possível auferir o presidente Lula como proprietário, de fato, do apartamento no Guarujá. Não resta dúvida que os danos causados por juízes que maculam a decisão em razão da parcialidade tem um potencial superior ao de um simples funcionários público em alguma atuação ilegal. Pois, esse simples funcionário público, diferentemente do magistrado, não coloca em risco o processo por não exercer a jurisdição. O magistrado, agindo parcialmente, uma vez que opta em se manter no processo excedendo as suas funções judiciais por agir com evidenciado interesse político particular, não possui condições de exarar uma decisão jurídica capaz de ser considerada legítima. É nesse tipo de situação, que se verifica o abuso da jurisdição, visto que há um afastamento do interesse público para a preservação, no caso, de interesse político particular. Na prática, o que se verifica é um tribunal de exceção que se materializou com a sentença de condenação de Lula. A fábula intitulada A roupa nova do Rei, nos fornece a possibilidade de apresentar a metáfora quando sentencia a farsa: “O rei está nu!” Por fim, cabe destacar a parte final da sentença em inglês. "be you never so high the law is above you". (não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você). Esse trecho ilustra bem a atuação do magistrado. Era como estivesse rendendo homenagem aos ensinamentos e orientações que teve nos Estados Unidos para tocar esse processo. Ao colocar que ninguém estava acima da lei, esqueceu de si mesmo, aquele que ignorou a Constituição e comprometeu gravemente o devido processo legal. Essa última passagem, só demonstra como o Judiciário continua a agir a partir da colonialidade do saber e concebe a figura do magistrado como um produto pronto para o exercício da colonialidade do ser. Mesmo diante dessas afrontas constitucionais, espera-se que o Tribunal Regional Federal reforme a sentença, absolvendo o ex-presidente Lula, não por convicção, mas por questão de Justiça.

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