9 minute read
MATADA
O AUGE DO PROCESSO DE LAWFARE DESENCADEADO CONTRA LULA. O DIREITO MORREU. E FOI DE MORTE MATADA Wilson Ramos Filho * Ricardo Nunes de Mendonça **
Há algum tempo, mais precisamente a partir do início do ano de 2015, afirmamos que o Direito morreu. E foi de morte matada. A sentença proferida pelo juiz Sérgio Moro nos autos de ação penal nº 504651294.2016.4.04.7000/PR, é a mais recente manifestação de que as promessas do constitucionalismo e o garantismo do pós-guerra, trasladados para o Brasil, se dissolveram. Haverá, por certo, gente mais qualificada e habilitada a fazer a análise técnica penal e processual penal da decisão proferida pelo “onipotente” magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba, muito embora as ofensas aos princípios, conceitos, regras e categorias elementares como: i) o devido processo legal; ii) o contraditório e ampla defesa; iii) o respeito ao juiz natural; iv) a vedação aos tribunais de exceção; v) a presunção de inocência; vi) distribuição de ônus da prova; vii) a não utilização do processo como ferramenta de perseguição política e prática de Lawfare, etc. saltem aos olhos de qualquer profissional do Direito que esteja minimamente atento às garantias estampadas na Constituição Federal e em Tratados de Direitos Humanos que o Brasil é signatário. A análise do julgado, todavia, não ficará adstrita ao campo do Direito Penal. Aliás, sequer ficará adstrita ao campo do Direito. E goste ou não o mais afamado e midiático juiz brasileiro, a sua síntese no “caso do triplex”, será objeto de meticulosa análise de sociólogos, historiadores, comunicadores, dirigentes sindicais e representantes da sociedade civil organizada, dentre outros que se preocupam com a democracia e que não se curvam ao Poder hegemônico do capital. Para todos os que estão comprometidos com os interesses das vítimas do sistema hegemônico e com os Direitos Humanos enquanto processos de luta por dignidade481 , a sentença proferida por Sérgio Moro é um capítulo da luta de classes e do golpe parlamentar; judicial e midiático que iniciou em 2015. Não se trata de um mero ato técnico que põe fim a uma etapa de uma ação penal, mas um ato político travestido de ato jurisdicional que tem por escopo atender a interesses poderosos dentro e fora do Brasil. Nesse caso, a sentença é o ponto alto de uma sórdida campanha político judicial de ataque à maior liderança política da esquerda brasileira, o ex-presidente Lula.
Advertisement
* Doutor em Direito, professor da UFPR (doutorado, mestrado e graduação) e no Master/Doctorado em Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo (UPO/Espanha). ** Mestre em Direito, professor licenciado do Complexo de Ensino Superior do Brasil - UNIBRASIL, atualmente desenvolvendo projeto de pesquisa no programa de pós-graduação em Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo na UPO, em Sevilha, Espanha. 481 HERRERA FLORES, Joaquín. “La Reinvención de los Derechos Humanos”. Andalucía : Ed. Atrapasueños. Librería asociativa-editorial-materiales didácticos. p. 22.
É parte indissociável do Golpe de Estado. É mais um componente desse processo de aniquilação da democracia liberal que houve no Brasil – sim, o verbo se conjuga no passado – em que uma elite desavergonhada e descomplexada impõe, dia a dia, à força, em um Estado de Exceção, o maior ataque aos direitos da população brasileira, em particular a fração mais pobre, segundo a ONU482 . Lula simboliza o que essa elite abjeta: o trabalhador que luta, cotidianamente, por dignidade. O dirigente sindical que, Presidente da República, transformou a realidade social brasileira e excluiu o país, pela primeira vez em sua história, do mapa da fome no mundo. O Presidente que incluiu o pobre no orçamento público e que ampliou o acesso dos historicamente excluídos a salários diretos, por meio de políticas estatais de incentivo ao pleno emprego, e a salários indiretos, por meio de políticas de distribuição de renda e acesso à moradia, à educação e à saúde, como os programas minha casa, minha vida, bolsa família, FIES, ciência sem fronteira, etc. Um Presidente que tentou cumprir, ainda que em parte, o dever constitucional de promover a progressiva erradicação da miséria e da pobreza, com a redução das desigualdades sociais. Atualmente, talvez o único líder político capaz de reverter o quadro de desconstrução dos Direitos Sociais no Brasil. Por esses motivos, é preciso tirá-lo definitivamente da vida pública brasileira. Derrotados nas últimas quatro eleições presidenciais, a direita nacional, não admite a ideia do “torneiro mecânico” voltar ao posto mais proeminente da República. Como disse o próprio Lula, o golpe não fecha se ele puder disputar as próximas eleições presidenciais em 2018. E o juiz que i) constrangeu a liberdade do ex-presidente em condução coercitiva manifestamente ilegal; ii) que violou o sigilo telefônico do advogado do acusado; iii) que autorizou - de maneira inconstitucional e irresponsável, segundo o supremo – a publicação de conversas privadas de um ex-Presidente da República e, à época, uma Presidenta da República, com o propósito claro de incendiar o país e cair nas graças de uma opinião publicada, oligopolizada e visceralmente compromissada com o golpe em curso; não ignora que a manutenção de Lula na vida política nacional é um obstáculo imenso à concreção do projeto político conservador e capitalista ao qual aderiu. Por essa razão, depois de todo o enredo de abuso do processo com fim manifestamente político que se observou até a prolação da sentença, não havia dúvida de que Sérgio Moro não tinha alternativa a não ser condenar Lula. Em sua decisão, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba confirmou o compromisso que assumiu com a direita brasileira de aniquilar o PT e evitar o risco de Lula frustrar os planos de retrocesso social com uma nova vitória no pleito de 2018. Como bem citou Jessé Souza, Sérgio Moro “(...) representa a incorporação do discurso que faltava para os manifestantes de junho de 2013 incensados pela mídia. As bandeiras
482 A esse respeito veja-se a matéria publicada no site do jornal britânico The Guardian, https://www.theguardian.com/world/2016/dec/09/brazil-austerity-cuts-un-official, acesso em 20/7/2017.
abstratas anticorrupção das jornadas de junho tornaram-se concretas com a Operação Lava Jato. Agora a articulação do partido da elite estava completa: o partido da rapina econômica tinha não apenas seus braços de sempre na mídia e no Congresso, mas possuía uma base social engajada e motivada e um discurso potente e concreto (...)”483 , qual seja, o discurso antigo do “combate à corrupção”. Sérgio Moro personificou a figura afetiva do “galã” e “herói” de telenovela que “refundará o Brasil”, “doa a quem doer”484. Com esse status e nessa posição de líder da direita brasileira e grande opositor de Lula, ele não poderia agir de forma distinta, sob pena de sofrer todo o ódio e violência daqueles que se sentiriam enganados por ele. Seria algo como venire contra factum proprium, dada a conduta do magistrado ao longo de todo o processo de Lawfare que empreendeu e continua empreendendo contra Lula. A condenação, portanto, não surpreende, na medida em que já estava decidida há muito tempo. Aliás, não é a primeira vez na história da humanidade, que, sob a égide de uma ordem constitucional violada, parte do Judiciário serve a interesses alheios aos que deveriam movê-lo. Já dissemos em outras oportunidades que as mesmas forças políticas que promoveram o Golpe de 1964 se rearticularam agora para atacar a democracia, e, entre elas, não faltaram, como agora, atores jurisdicionais comprometidos com o projeto de toma do poder à revelia da vontade popular e das urnas. E não se trata, como sugere Moro em sua prolixa e cansativa tentativa de justificar o injustificável, de “mero diversionismo” da defesa, mas de contestação jurídico-política à óbvia e inegável conduta de guerra político-jurisdicional que ele se propôs a conduzir. Aliás, se há alguém que se utiliza de “diversionismos” nos autos de ação penal, é o juiz da causa, que, em 218 páginas – uma dissertação - não conseguiu indicar objetivamente e sem apelar a fantasias e sofismas jurídicos sofríveis quais são os meios de prova que confirmam a tese do Ministério Público Federal. Observe-se que sequer os tradicionais meios de mídia que o apóiam, e que são os maiores interessados na condenação de Lula, indicaram quais são as provas cabais do crime que este haveria cometido. Por que será? Moro e os procurados que compõem a operação Lava Jato não escondem que tem lado na luta de classes e não é o da classe trabalhadora. Estão afinados com um discurso coorporativo de uma parte – e não todos, obviamente - de servidores oriundos e componentes das classes média e alta brasileira que, desesperados, perceberam que nas urnas não venceriam e que já estavam cansados de uma derrota atrás da outra. Diversamente do que entoam em seus empolados discursos, não são imparciais. Aliás, ninguém é. A diferença é ser, ou não, consciente disso e, sobretudo, não enganar ou mentir com propósitos distintos do que se afirma perseguir. Portanto, a conduta de Sérgio Moro ao longo do processo desmente todo o discurso plasmado em sua sentença. A maneira como continua agindo, midiática e politicamente – porque não há dúvida de que é parte de um Judiciário politizado que se arvora em esferas alheias à sua competência constitucional – não deixa dúvida de que assumiu, no
483 SOUZA, Jessé. “A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro: LeYa, 2016. p. 119. 484 SOUZA, Jessé. op. cit. 120.
seu íntimo, o papel de ator preponderante da direita brasileira nesse processo de conflito do capital com a democracia liberal. Além disso, não há dúvida de que essa sentença preocupa a todo jurista comprometido com os Direitos Humanos no Brasil, porque significa o auge da desconstrução do garantismo constitucional. A partir de agora ninguém está livre de condenações arbitrárias ou poderá, com alguma segurança, acreditar na falsa promessa dos direitos e garantias civis e políticas oponíveis ao Estado. Juízos de exceção que, a pedido de membros do Ministério Público, usam métodos contestáveis e heterodoxos de restrição de liberdade – crítica partilhada (só atualmente, é verdade) até pelo ministro Gilmar Mendes485 -, que confundem Direito e Moral (e uma determinada moral, importante que se diga), que apelam ao Direito Penal do Inimigo e se socorrem da opinião publicada para justificar suas arbitrariedades, que abusam do Lawfare, que crêem poder tudo, inclusive dizer publicamente, como fizera o então presidente do supremo (em minúscula), Ministro Ricardo Lewandowski, em palestra proferida em Curitiba, na UniBrasil, “que o século XXI é o século do Poder Judiciário”, a despeito do caráter nada democrático e republicano de tal assertiva, que condenam sem provas, como fez Sérgio Moro, nos fazem crer que, infelizmente, o Direito morreu. E foi de morte matada. Mas, como as tensões sociais não se anulam, ao contrário, compõem a luta de classes, esse capítulo do combate não põe fim ao conflito. Há, e sempre haverá, esperança e luta. Ademais, a história será implacável com os que estão tentando desconstruir a Democracia e os Direitos Humanos no Brasil. Continuamos, conscientemente, do lado certo da história.
485 Veja-se, por exemplo, a seguinte matéria jornalística cuja manchete é “STF tem que discutir prisões que Moro determinou, diz Gilmar Mendes, disponível na internet, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/02/1856558-stf-tem-que-discutir-prisoes-que-morodeterminou-diz-gilmar-mendes.shtml, acesso em 20 de julho de 2017.