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A CONDENAÇÃO DE LULA POR SÉRGIO MORO NA VISÃO DE UM ADMINISTRATIVISTA
A CONDENAÇÃO DE LULA POR SÉRGIO MORO NA VISÃO DE UM ADMINISTRATIVISTA
Tarso Cabral Violin *
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O juiz midiático Sérgio Moro, herói para alguns, vilão para outros, juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, expediu sentença em 12 de julho de 2017 que condenou o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), Presidente do Honra do Partido dos Trabalhadores, a nove anos e seis meses de reclusão. A sentença cita os crimes de corrupção passiva, por suposto recebimento de vantagem indevida do Grupo OAS, em decorrência de contratos com a Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A.; e lavagem de dinheiro envolvendo suposta ocultação e dissimulação de titularidade (e suposto benefício em reformas realizadas) de apartamento tríplex, situado no condomínio Solaris, no Guarujá, litoral de São Paulo. O juiz de primeira instância entendeu que nas investigações da Operação Lava Jato foram colhidas provas de que empresas privadas contratadas pela Petrobras, uma sociedade de economia mista que faz parte da Administração Pública federal indireta, pagariam vantagens indevidas a dirigentes da empresa estatal, mas que também surgiram “elementos probatórios” de que o esquema criminoso serviu para corromper agentes políticos como o ex-presidente Lula. Segundo o Ministério Público Federal e o juiz Moro aos agentes políticos cabia dar sustentação à nomeação e à permanência dos cargos da Petrobras dos referidos diretores e, para tanto, recebiam remuneração periódica. Para o Ministério Público e Moro, Lula teria participado conscientemente do esquema criminoso, inclusive tendo ciência de que os diretores da Petrobras utilizam seus cargos para recebimento de vantagens indevidas em favor de agentes e partidos políticos. Lula teria recebido o valor de R$ 3.738.738,00 por meio do tríplex reformado, com “estratagemas subreptícios para ocultar as transações”. Foi externalizado na sentença que segundo o Ministério Público, Lula era o responsável pela indicação dos nomes dos diretores da Petrobras ao Conselho de Administração da empresa estatal e que Lula dirigiu o esquema criminoso. Ficou famoso o dia em setembro de 2016 quando o Ministério Público apresentou uma “arte” no PowerPoint mostrando Lula no centro de várias acusações como chefe de todo o esquema do que eles chamam de “propinocracia”, e a frase de que não havia provas, mas convicção de que o ex-presidente era culpado. A defesa de Lula alegou, entre outras questões, que o ex-presidente não tinha conhecimento dos crimes ocorridos na Petrobras e que não houve qualquer ato de ofício de Lula nas licitações e contratos citados, e pediu a absolvição. Estranhamente, durante o processo Moro negou (28.10.2016) pedido da
* Advogado em Curitiba, professor de Direito Administrativo em diversas instituições no Estado do Paraná, mestre em Direito do Estado e doutorando em Estado e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná, vice coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito do Terceiro Setor do PPGD-UFPR, membro da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná, e autor dos livros “Gestão de Serviços Públicos” e “Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica”.
defesa de Lula de juntada pela Petrobras de todas as atas de reuniões de Conselho de Administração, conselho Fiscal e das comissões de licitação no período de 2003 a 2016. Negou também a juntada integral de cópia dos documentos relativos aos processos de licitação e contratos relativos ao que se discute na operação. Analisando as 218 páginas da sentença, não há qualquer prova de que o ex-presidente ele, pessoa física - tenha recebido o tríplex de presente da empreiteira. Não há também qualquer prova de que algum membro de sua família tenha recebido esse presente. Mas, mesmo se houvesse alguma prova contra algum familiar de Lula, não há qualquer prova contra o ex-presidente. Moro chega a confessar na sentença que sobre termos de adesão sem assinatura encontrados na residência de Lula “não foi possível identificar a autoria dos manuscritos ou o momento temporal das rasuras”, mas o próprio magistrado tenta demonstrar como prova contra Lula, pasmem, várias matérias jornalísticas do jornal “O Globo”. Não há qualquer prova de que Lula fez tratativas com a empreiteira sobre o apartamento e, ainda, não há provas de que supostamente seus familiares teriam tratado com a empresa. Mesmo assim, o juiz alega na sentença de que “sobre esses fatos, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não apresentou explicação concreta nenhuma”. Varias testemunhas citadas na sentença dizem que “ouviram falar” que o imóvel era de Lula. Prova concreta, contra Lula, nenhuma. Ou seja, Moro inverte o ônus da prova e quer que Lula explique algo que ele não teve qualquer gerência. A única prova no processo contra Lula é testemunhal, de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, criminoso confesso que, para não cumprir pena restritiva de liberdade, disse, em delação premiada, que tratou com Lula sobre as reformas no tríplex. Moro confessa: “não há nenhuma dúvida de que os depoimentos de José Adelmário Pinheiro Filho e de Agenor Franklin Magalhães Medeiros são questionáveis, pois são eles criminosos confessos que resolveram colaborar a fim de colher benefícios de redução de pena. Mas isso não significa que os depoimentos não possam ser verdadeiros”. Claro que é possível que os depoimentos sejam verdadeiros, mas a sentença não pode se basear apenas nesses depoimentos. Mas mesmo se houvesse alguma prova nesse sentido, contra Lula, não há qualquer prova no processo de que houvesse crime de corrupção nesse recebimento. Sobre como Lula seria, supostamente, um corruptor passivo, Moro se utiliza, das 218 laudas da sentença, de apenas 32 laudas (p. 153-184) para tratar da corrupção e tentar demonstrar uma prova inexistente e, pasmem, apenas 19 páginas sobre a suposta corrupção de Lula (p. 166-184). Segundo a denúncia do Ministério Público, a OAS participava de cartel de empreiteiras, ganhou, mediante ajuste, obras contratadas pela Petrobras por meio de três contratos com valor aproximado de R$ 6,5 bilhões, e teria pago propina de três por cento a agentes públicos da Petrobras e a membros de partidos políticos e políticos. O mais interessante é que 3% de R$ 6,5 bilhões é R$ 195 milhões, e o suposto “chefe da quadrilha” teria recebido apenas 3,7 milhões. O art. 317 do Código Penal determina que é corrupção passiva solicitar ou receber para si, em razão de sua função, vantagem indevida ou aceitar promessa. Não há qualquer prova no processo de que Lula tenha exercido ato de ofício com o intuito de oferecer vantagem indevida a quem quer que seja.
Na Petrobras quem assinava os contratos eram seus diretores de área. Não era nem o Diretor-Presidente da estatal, nem os membros do Conselho de Administração da empresa, nem o Ministro das Minas e Energia e, muito menos, o presidente da República. De forma correta, talvez pelo desconhecimento de como funciona a Administração Pública por parte do senhor Moro, Lula explicou em seu depoimento em Curitiba, didaticamente, que o presidente da República indica o Conselho de Administração da Petrobras, que indica os nomes dos diretores. Moro usa essa afirmação contra Lula na sentença, como se isso fosse prova de crime, como se isso não ocorresse em todos os governos de coalização antigos e futuros no Brasil, seja no âmbito federal, estaduais e municipais, ou em outros países ocidentais europeus e americanos. Um fato curioso é que o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras, aprovado pelo Decreto 2.745/1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB, de 1995-2002), pode ter sido desrespeitado. Regulamento que vários juristas, inclusive o maior administrativista brasileiro, Celso Antônio Bandeira de Mello, apontam como um dos responsáveis pelo aumento de corrupção na Petrobras, uma vez que retirou as licitações e contratos da empresa da batuta jurídica da Lei 8.666/93, a lei nacional das licitações e contratos, mais rígida contra desmandos. De qualquer forma não foi Lula que desrespeitou a norma, e não há prova que Lula tenha atuado ou pressionado para que alguém na Petrobras desrespeitasse o regulamento. Sobre o tema, novamente apenas colaborações premiadas de criminosos confessos. O ex-senador Delcídio Amaral (ex-PSDB e ex-PT) declarou que havia distribuição de cargos pelo governo federal na Petrobras para arrecadação para partidos políticos, e que isso era de conhecimento de Lula, mas que não chegou a tratar disso diretamente com o expresidente. Ou seja, nenhuma prova contra Lula, apenas um “ouvi dizer” de um criminoso confesso. Outro criminoso confesso, em colaboração premiada, o ex-deputado Pedro Correa (PP) alegou que já houve intervenção pessoal de Lula pela nomeação de diretor da Petrobras. Mas isso não prova nada, indicações políticas em empresas estatais ocorrem no mundo inteiro, ocorre na Alemanha, na França, os partidos que compõem um governo de coalização indicam nomes a serem chancelados pelo Chefe do Poder Executivo, Ministros ou Conselhos de Administração de empresas estatais. Não há qualquer prova, nem mesmo testemunhal, de que Lula tenha indicado algum nome com o intuito específico de que o indicado participasse de algum esquema de corrupção. Por fim, Moro aduz que “é forçoso reconhecer o mérito do Governo do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fortalecimento dos mecanismos de controle, abrangendo a prevenção e repressão, do crime de corrupção, especialmente nos investimentos efetuados na Polícia Federal durante o primeiro mandato, no fortalecimento da Controladoria Geral da União e na prevenção da independência do Ministério Público Federal mediante a escolha, para o cargo de Procurador Geral da República, de integrante da lista votada entre membros da instituição”. O juiz midiático conclui que “parece pouco estranho” que Lula não tivesse conhecimento do esquema de corrupção, como se isso fosse suficiente como prova contra o ex-presidente. E “puxa a orelha” de Lula pelo ex-presidente não ter concordado com a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 do chamado “Mensalão”. Como se os maiores juristas e penalistas do país também não tivessem sérias ressalvas contra a decisão política e pouco jurídica do STF naquela ocasião. Saliente-se que Moro não decidiu conforme o que alegou o
Ministério Público no famoso PowerPoint, no sentido de que Lula seria o artífice principal do esquema criminoso na Petrobras. Moro, com essa sentença e demais atuações pretéritas e futuras, ficará marcado para a história como o juiz de primeira instância que tentou, com apoio de parte importante da mídia e da elite financeira, sem qualquer fundamentação fática e legal, barrar que o ex-presidente mais popular da história brasileira, líder disparado em todas as pesquisas, tentasse voltar ao poder por meio do voto direto dos eleitores brasileiros em 2018. Rui Barbosa já teria dito que de tanto ver triunfar as nulidades, crescer a injustiça, agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, as pessoas chegam a desanimar. Os juristas que defendem, de forma intransigente, a democracia social contra o punitivismo, o neoliberalismo e o fascismo, jamais desanimarão!