Coletânea 02 - iDeia Design

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Caro leitor Expediente: Editor Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa Pâmilla Vilas Boas Projeto gráfico e coordenação gráfica Cláudio Valentin A Coletânea iDeia é uma publicação da Editora PlexuDesign, patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas afins ao design e formadores de opinião. Contato: contato@revistaideia.com

Conhecida como o marco que finda a idade industrial e inicia a idade da informação, a década de 80 foi inundada de acontecimentos muito marcantes, tanto em questões políticas quanto sociais. Nesse momento você está recebendo o exemplar da Coletânea iDeia Design – Volume 2, que tem como tema principal os acontecimentos, históricos e atemporais que se iniciaram nessa época e que se refletem ainda nos dias de hoje. Quando falamos de acontecimentos, queremos dizer que o design só existe porque é reflexo de ocorrências na cultura, estilos de vida, formas de pensar e agir, costumes, regionalismos, identidades e muito mais. É claro que seria impossível querer representar uma década numa única edição, mas podemos pincelar coisas aqui e ali, que foram, de certa forma, representativas dentro do contexto de cada sub tema da revista, como: fotografia, design de produto, design gráfico, branding etc. Salientamos, mais uma vez que, por se tratar de um período já distante de nós por quase duas décadas, seria impossível conseguir imagens de alta qualidade, mas asseguramos que o resultado que verão está numa qualidade apropriada. Nosso objetivo não é trazer um material apenas rico em imagens bonitas, mas sim, proporcionar a você, nosso leitor, uma coletânea de informações com conteúdo e que venha a ser importante em sua vida, seja profissional ou pessoal. Em nosso próximo encontro, fechamos a coletânea com o volume 3, com o tema Anos 90. Em 2017 voltamos com as edições regulares da revista. Boa leitura! Camilo Belchior




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arquitetura por Pâmilla Vilas Boas

Arquitetura das

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relações

Rainha da Sucata se tornou ícone do pós-modernismo no Brasil e uma marca dos anos 80


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Azulejos

da arquitetura colonial na face oeste. Chapas de aço em referência aos prédios do período Art déco e ao Fiat 147, que passou a ser fabricado em Belo Horizonte/MG na década de 80. Revestimentos com diferentes pedras de Minas Gerais. O tipo de esquadrilha é o mesmo do edifício do Oscar Niemeyer na Praça 7, também em BH, com basculantes colocados na vertical. A laranja gigante é uma ventilação do banheiro de baixo, já projetado na época com acessibilidade. É também uma referência ao artista sueco Claes Oldenburg, ícone da pop arte americana. A Rainha da Sucata, de Éolo Maia e Sylvio de Podestá, condensou todos os exageros da década de 80 em um edifício que marcou a pós-modernidade na arquitetura brasileira. “Essa quantidade de referências, esse exagero! Se olhássemos como as pessoas se vestiam, era tudo colorido, sobreposto, desconstruído. Quisemos colocar tudo isso na Rainha da Sucata”, afirma Podestá.

A Rainha da Sucata transcendeu a ideia de síntese do modernismo ao incorporar referências regionais, o diálogo com obras do entorno e o contexto local. Foto: divulgação

O apelido do prédio, construído em 1985 e inaugurado em 1992, se deu pela utilização de chapas de aço, cuja propriedade mais visível é sua oxidação controlada, ficando com aspecto de ferrugem, que remetia à sucata. “Mais do que isso, Rainha da Sucata era um objeto ícone que transcendeu a ideia de síntese do modernismo, trouxe à tona referências regionais, o diálogo com as obras do entorno e as especificidades de cada contexto na obra arquitetônica” afirma Sylvio.

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Com um olhar mais atento, como aponta o arquiteto, é possível perceber que a Praça da Liberdade abriga construções de várias épocas, como a “Casa do Bispo”, neoplasticista de Raffaello Berti ou o Edifício Tancredo Neves, modernista de Oscar Niemeyer. Para Sylvio, todas as décadas estavam ali representadas de alguma forma e ficou para a Rainha da Sucata a responsabilidade de contar a história dos anos 80. “Anos pluralistas, de grande efervescência e discursos cheios de adjetivos e substantivos. Você pode criar o objeto com uma temporalidade maior, percebida durante mais tempo, como se tivesse sido feito hoje. Ou, então, datar. Decidimos que a Rainha seria datada. Tudo o que a gente imagina dos exageros da década de 80 eram para estar contidos ali”, revela. Não se trata, no entanto, de inserções gratuitas ou apenas figurativas, defende o arquiteto. Ele explica que a obra foi fruto de um estudo geral da praça e seus edifícios, no que diz respeito à volumetria, elementos formais, massas, aberturas e possibilidades representativas. “O projeto da Rainha da Sucata poderia ser chamado de arquitetura odontológica. Já havia ali uma arcada de prédios e faltava um dente. Você pode colocar um dente de ouro ou fazer uma cópia simulada dos projetos existentes, um pastiche e daqui a 100 anos seriam vistos como iguais, o que é uma tragédia”, afirma Sylvio. O “espalhafatoso” edifício na praça mais importante da capital mineira foi alvo de críticas e debates. “Aquilo criou uma polêmica. Não havia meio termo. Ou as pessoas amavam ou odiavam”, afirma a arquiteta Jô Vasconcellos, sócia de Éolo e Sylvio no escritório Três Arquitetos. Ela ressalta que, naquele local, poderia ter sido construído, por exemplo, um prédio alto como o de Niemeyer, já que na época não havia legislação que se preocupasse com as volumetrias do entorno. A proposta foi justamente criar um prédio baixo, da mesma altura e volumetria dos prédios existentes na praça. “Havia um respeito pela arquitetura da época. A cúpula, por exemplo, dialoga com o prédio de mineralogia logo ao lado. Além disso, foram incorporados vários materiais, quase nunca usados na arquitetura, como o aço corten e as pedras sabão e São Tomé”, afirma.

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Edifício Tancredo Neves de Oscar Niemeyer localizado na Praça da Liberdade em Belo Horizonte Foto: divulgação


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A Rainha da Sucata retratou os exageros de uma época e conta a história dos anos 80 na arquitetura. Foto: divulgação Sylvio de Podestá

Para o pesquisador Carlos Brandão, professor da Escola de Arquitetura da UFMG, Jô, Sylvio e Éolo beberam em diversas fontes na tentativa de renovar a linguagem da arquitetura e rearticulá-la ao contexto urbano e tradições construtivas. “A Rainha da Sucata articula vários tipos de materiais, várias linguagens, para abandonar a ideia de síntese do modernismo e também uma atenção ao urbano, no sentido de que a cidades modernas perderam a referência, ficaram burocratizadas demais em demarcar lugares amorfos, eles tentaram enriquecer esse contexto”, ressalta.

Fora da cartilha Brandão explica que a arquitetura da época estava pressionada por uma corrente de São Paulo, marcada por uma espécie de funcionalismo mais rigoroso, o brutalismo de Vilanova Artigas e pela corrente mais plástica do Rio de Janeiro, liderada por Niemeyer. “Minas Gerais, desde o barroco do século XVIII, se faz um pouco fora dessas correntes. Minas teve liberdade de não se subordinar muito ao que era imposto. Era livre para brincar com essas tradições, conjugá-las e não apenas imitá-las. O pós-moderno em Minas dá uma alavancada mais radical que em outros lugares”, ressalta. Jô explica que, no período, só se falava na arquitetura paulista e carioca, como se o Brasil tivesse apenas dois Estados. “Vários outros lugares desenvolveram uma arquitetura importante, como Pernambuco, Bahia e Amazonas. Em Minas Gerais

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éramos nós, que trabalhávamos também com uma arquitetura muito boa. Então, a crítica ao modernismo vem um pouco em cima disso, como uma reação. Na época, chegamos a fundar a revista Pampulha (1979/1982), para divulgar a arquitetura feita aqui”, ressalta. “Acreditava-se, no modernismo, que o capital unido a um conceito pragmático de arquitetura e uma tecnologia de fabricação massificada iria resolver os problemas da humanidade”, afirma Sylvio. Para ele esse conceito não funcionou e os arquitetos passaram a usar o modernismo, do ponto de vista formal, em construções que se espalharam pelo mundo de forma padronizada, sem levar em conta a diversidade da cultura, da geografia e do patrimônio no qual seria inserido. “Resultados formais de arquitetura iguais em qualquer lugar no mundo”, aponta. Carlos Brandão explica que uma das questões fundamentais que o pós-moderno inaugura é uma relação com as cidades que estavam sendo destruídas pela intensa renovação modernista, sobretudo no pós-segunda guerra. Um exemplo é o arquiteto italiano Aldo Rossi, que queria reabilitar a relação da arquitetura Salão externo da Rainha da Sucata construido para promover a interação das pessoas com o espaço. Foto: Sylvio de Podestá

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com o contexto local e com a cidade. Rossi é autor de dois livros fundamentais para o entendimento do pensamento arquitetônico pós-moderno: “A Arquitetura das Cidades” (1966) e “Autobiografia Científica” (1981). O arquiteto americano Robert Venturi também foi um crítico da arquitetura moderna, tendo publicado, em 1966, o manifesto “Complexidade e Contradição na Arquitetura”, que se tornou uma das bases para as transformações na arquitetura nas décadas de 1970 e 1980. “Vejo o pós-moderno também como uma fase de muita pesquisa, numa tentativa de abrir caminho em vários campos na arquitetura”, afirma Brandão. Sylvio explica que surgiu uma reação leiga à excessiva massificação imposta pelo modernismo em diversas vertentes e uma delas ficou conhecida como arquitetura neocolonial ou “coloniosa”, que utiliza elementos típicos da época colonial na arquitetura contemporânea. “Chamavam os profissionais que faziam essas repetições de Ouro Preto de geração do pau velho,” afirma. *Disponível em http://goo.gl/vocqiX

A laranja gigante é uma ventilação do banheiro de baixo e uma referência ao artista sueco Claes Oldenburg. Foto: Sylvio de Podestá

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O movimento pósmoderno no Brasil foi influenciado por diversas obras em reação ao modernismo no mundo.

A ideia de Jô, Éolo e Sylvio, no entanto, era romper com a cartilha modernista, mas sem se fixar em estilos do passado, como acontecia com o neocolonial. “Era comum o cliente, cansado do teto plano ou da asa de borboleta do modernismo, chegar e falar que queria uma casa colonial. A gente respondia que não era possível fazer uma casa de 1700 ou 1800, só era possível uma casa republicana, de preferência da sexta república. Acho que você está querendo é usar um pouco mais de madeira, fazer o teto diferente e essa conversa foi se estendendo para as cidades”, brinca Sylvio. Para o arquiteto essa escuta mais profunda das necessidades do cliente trouxe também uma mudança de perspectiva do olhar da arquitetura. “Numa escola infantil, os clientes são as crianças. Começávamos a projetar na escala deles e isso muda tudo. A arquitetura sempre se baseou no homem ideal que, para Le Corbusier, tinha 1,70 (depois 1,80) de altura e olhava o mundo numa perspectiva de 1,60 m. Só que existem milhões de formas de ver o mundo”, revela. Outro aspecto importante, como relata Sylvio, foi voltar a trabalhar com cor e textura dos materiais. “Teve uma época que tudo virou 10


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Imagem interna da Rainha da Sucata revela a diversidade de referências do edifício. Foto: Sylvio de Podestá

branco com vidro verde e todo mundo morria de vergonha de usar cor”. Sylvio explica ainda que esses princípios foram aplicados não apenas em situações mais complexas, como a Rainha da Sucata e a Casa do Bispo, em Mariana/MG, e sim em casas, prédios, hospitais. “Para abrir a discussão e para que as pessoas pudessem entender que elas não precisavam estar sujeitas ao que era imposto e tivessem condições de reagir a um projeto apresentado por um arquiteto”, aponta.

Cultura local Em artigo publicado no Vitrivus*, Carlos Eduardo Dias Comas, arquiteto e membro da Comissão Coordenadora do Programa de Pesquisa e PósGraduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que a Casa do Arcebispo de Mariana (1988) é uma espécie de comentário provocativo sobre a interação do popular e do erudito na cultura arquitetônica. “As estratégias de projeto da Casa do Arcebispo se filiam, no plano simbólico, a uma tradição Beaux-Arts revisitada modernamente por Kahn, ao invés de Corbusier. Iconograficamente, rememoram precedentes, via a alusão que recria sem copiar – e, a alusão iconográfica a antecedentes eruditos e populares é 11


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O projeto do Museu da Cachaça de Salinas (2012), de Jô Vasconcellos, também contou com material local, a estética da cor respeitando a arquitetura anônima da região. Foto: Júnia Mortimer

procedimento corriqueiro nos anos heroicos, no Ministério da Educação ou no Hotel de Ouro Preto”, destaca. “Na Casa do Bispo eles estudaram o ritmo das janelas da cidade e a fizeram com um ritmo escolhido entre os existentes em Mariana”, explica Sylvio. Para Jô, a Casa foi feita respeitando a arquitetura histórica do entorno sem fazer uma cópia ou um pastiche do passado. “A casa tem uma proposta contemporânea. Foi bastante criticada, mas ocasionou uma discussão sobre a arquitetura de Belo Horizonte e Minas Gerais que até então não existia”, ressalta. “Bento Gonçalves foi destruído recentemente pela lama e você vai tentar construir igual. É preciso respeitar o local conversando com as pessoas e vendo como essas relações se

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confrontavam antigamente. É muito mais interessante manter essas relações que do que melhorar ou piorar a casa. A casa é de menos quando você está pensando a cidade”, ressalta Sylvio. Jô Vasconcellos e Sylvio de Podestá explicam que muitas das ideias da época ainda se fazem presentes em seus projetos atuais. Jô foi responsável pelo projeto do Museu da Cachaça em Salinas, realizado em 2012, no qual trabalhou com material local, a estética da cor e sem revestimentos. “Trabalhei com paredes duplas para equalizar o calor externo. Não é a estética de Salinas, mas é quase como um respeito à arquitetura anônima daquela região. Jô e o arquiteto Rafael Yanni foram responsáveis pela estrutura externa da nova sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, que


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Projeto da Estação da Cultura Presidente Itamar Franco, complexo desenvolvido por Jô Vasconcellos e Rafael Yanni para sediar os ensaios e apresentações da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e para abrigar a Rádio Inconfidência e a Rede Minas de Televisão. Foto: Júnia Mortimer

integra o complexo Estação da Cultura Presidente Itamar Franco. A sede, que começou a ser projetada em 2013, foi inaugurada em fevereiro deste ano. “Trabalhamos com um grande espaço livre, que é uma praça, volumetria mais baixa e revestimento de pedra São Tomé. Sempre tentando oferecer uma surpresa para as pessoas que visitam o local”, relata. Jô explica que cada trabalho, independente de ser uma casa, um grande prédio ou uma indústria, era encarado como único. “As pesquisas de materiais, a harmonia com o entorno, sempre respeitando as escalas. Até o último projeto que eu fiz com Éolo, antes dele falecer, era uma procura incansável”, revela. Éolo Maia faleceu em 2002, deixando um legado vasto de obras em Minas Gerais.

Sua liberdade criativa, experimentação de linguagens e crítica à arquitetura da época resultaram em inúmeras premiações dentro e fora do Brasil, como o Prêmio Latino-Americano na 2ª Bienal Internacional de Buenos Aires em 1987. Para Jô, apesar de ser o ícone da arquitetura pós-moderna, Éolo não acompanhou movimento algum. “Desde jovem, na Escola de Arquitetura, ele já tinha uma arquitetura muito diferenciada. Uma inquietude, estudava muito para atender as pessoas da melhor forma possível, dialogar perfeitamente com a cidade, sempre usando materiais de Minas; isso veio transformar a arquitetura dele e se encaixou no momento da mudança da arquitetura moderna para pós-moderna, mais historicista. Mas, o desenvolvimento profissional dele não foi especifico e sua linguagem não vem através de um movimento”, aponta. 13


artesplásticas por Ana Cláudia Ulhôa

A década

da volta à pintura Uma pintura com estrutura tridimensional, repleta de cores e uma dimensão de 360x320 centímetros. Composta por materiais como parafina, tela de nylon, feltro, borracha, folha de ouro e metais sobre madeira, a obra “Sem Título”, criada pelo paulista Nuno Ramos em 1989 é um exemplo dos rumos tomados pelas artes plásticas durante a década de 80. De acordo com as pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP), Luciana Leite e Daisy Peccinini, o período foi marcado por um retorno da arte em telas, porém com uma preocupação em libertar-se dos paradigmas estabelecidos até ali. As obras eram caracterizadas pelo “uso abusivo das cores, grandes formatos, uso de objetos do cotidiano adotados como suporte pictórico da obra, gestualidade, figurativismo e expressionismo”, contam no texto A volta da pintura nos anos 80 . As autoras explicam também que essa nova forma de pintar não foi um movimento que surgiu apenas em um local. Devido ao processo de globalização e desterritorialização da produção artística, esse tipo de obra pôde ser encontrada em diversos países, mas com denominações diferentes. Entre os exemplos estão: Transvanguarda na Itália; Neoexpressionismo na Alemanha, Holanda e Bélgica; Pattern ou Bad-Paiting nos EUA; e Geração 80 no Brasil. Segundo José Teixeira Coelho Netto, professor, ensaísta e ex-curador do Museu de Arte de São Paulo (MASP), esse interesse dos artistas plásticos de 80 pela pintura

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pode ser explicado pelo fato das gerações anteriores terem vivido o que ficou conhecido como Arte Conceitual. “O que vemos na história da arte é que, depois de determinados momentos em que prevalece certa opção, há uma necessidade quase que natural, por parte dos artistas, de procurarem alguma coisa diferente. Como as possibilidades de aparecimento do diferente são sempre poucas, você precisa voltar atrás. Então, depois do momento, por exemplo, que prevaleceu muito a intervenção, a performance e a obra sem matéria, volta a pintura”, afirma.

Mercado de Arte O crescimento do mercado de arte, impulsionado pelo consumismo da época, também foi importante para esse retorno. “Se o mercado tinha sido relativamente tranquilo depois da guerra, até mais ou menos final dos anos 60, é exatamente a partir de 80 que você vê uma aceleração muito forte do preço da arte. Ocorre um aumento

Obra Sem Título de 1989 por Nuno Ramos

A obra A Vela (1982) de Gerhard Richter o tornou um dos artistas mais caros do mundo.

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Obra Sem Título de 1987 por Gerhard Richter

das cotações dos grandes artistas e o começo desse movimento de explosão das bienais e feiras de arte por toda parte. Então, é um movimento que faz com que tenhamos essa volta ao objeto concreto à sua frente, com uma mensagem, com uma forma específica. Os artistas voltam a dar preferência a coisas que são materiais fáceis de serem avaliados e de fazerem uma presença”, lembra Teixeira Coelho. Entre os artistas que se destacaram e se tornaram líderes de vendas está o alemão Gerhard Richter. Ícone do Neoexpressioanismo, Richter foi considerado como o pintor mais caro do mundo após sua obra Vela (1982) ter sido leiloada e arrematada por 12 milhões de euros no ano de 2011. Parte de um movimento considerado por Coelho como “fortíssimo e denso”, Gerhard tem como principal propósito discutir a pintura, através de obras que podem ser feitas sobre tela ou por meio de misturas com fotografia e recortes de jornais, por exemplo.

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As obras de Beatriz Milhanez estão entre as mais caras da geração 80.

No Brasil, o professor e ensaísta aponta Beatriz Milhazes como um dos nomes mais fortes dessa geração. Reconhecida internacionalmente, Milhazes utiliza colagens na superfície das telas juntamente com pintura, decalque, justaposição e sobreposições para criar obras bem coloridas e ornamentadas.

Heranças Diante de todo esse cenário, Teixeira Coelho avalia que os artistas de 80 não deixaram nenhuma herança teórica, já que não estavam preocupados com esse aspecto. No entanto, eles foram importantes para fortalecer a pintura como expressão artística. “No Brasil, você sempre encontra gente disposta a jurar que a pintura está morta. Mas o que a gente vê é uma ação constante da pintura. Isso, de alguma maneira, é um legado da geração dos anos 80”, conclui.

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Disponível em: http://goo.gl/kPBHQs

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cinema por Ana Cláudia Ulhôa

A ascensão dos

blockbusters

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Após prender Einstein bem firme no cinto de segurança, Dr. Brown fecha a porta do

DeLorean DMC-12 e, através de um controle remoto, acelera o carro até que ele alcance 88 Km/h. Nesse momento, o veículo desaparece diante de seus olhos e de Marty McFly, deixando apenas um rastro de fogo no asfalto. A partir daí começa a aventura pelo tempo da trilogia De Volta para o Futuro, iniciada em 1985 e dirigida por Robert Zemeckis. A série, que contou com produção executiva de Steven Spielberg, é o retrato perfeito do que estava sendo feito no cinema americano durante a década de 1980. De Volta Para o Futuro é uma obra que transita entre vários gêneros cinematográficos, tem como público-alvo pessoas mais jovens, é repleto de efeitos especiais e foi planejada para ter sequências, já que os três filmes foram gravados ao mesmo tempo e montados separadamente.

Imagem do filme Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca dirigido por George Lucas e lançado em 1980.

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Luta entre Darth Vader e Luke Skywalker no filme Star Wars de 1980.

O fato do longametragem de Zemeckis poder ser classificado como ficção científica, comédia ou aventura é um traço, segundo Robertson Mayrink, professor de História do Cinema da PUC Minas, do que ficou configurado como cinema pós-moderno. “Esse conceito de um cinema diversificado, que rompe com normas padronizadas de narrativa, começou efetivamente nos anos 60, com a Nouvelle Vague francesa e, logo a seguir, em 70, com a Nova Hollywood. Há diretores que fazem filmes mais fragmentados, misturando tempos narrativos, não se apegando muito a convenções de linguagem, de efeitos de montagem e que passam a misturar muito os gêneros, de uma forma que você não consegue mais identificar se aquilo é essencialmente um filme policial ou uma comédia, por exemplo. A partir dos anos 80, isso já é uma marca bem definida do cinema e que permanece até hoje”, diz.

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Porém, Robertson lembra que os filmes de 80 são bem mais comerciais do que os que foram produzidos anteriormente. Com o lançamento do primeiro longa da franquia Star Wars (1977) de George Lucas, Hollywood começou a mudar seu jeito de fazer cinema. “Star Wars introduz um estilo que vai ser a marca dos filmes daí pra frente. Ele cria um furor na indústria devido à criatividade dos realizadores em relação ao uso dos efeitos especiais e à narrativa. O longametragem joga na cara do espectador, o tempo inteiro, sequências muito empolgantes, que é uma coisa que diz muito respeito aos jovens, que são

cinema começam a se desenvolver”, completa o professor. É nesse momento que surgem obras como Tron: Uma Odisseia Eletrônica (1982) de Steven Lisberger, longa de ficção científica que se tornou o primeiro a ter cenas criadas dentro de um computador. Ou Uma Cilada para Roger Rabbit (1988), que incluiu personagens de cartoon dentro de cenas reais. A ideia de cinema seriado também está relacionada ao sucesso da trilogia Star Wars. No entanto, Mayrink explica que

Tron: Uma odisseia eletrônica (1982), do diretor Steven Lisberger, ganhou destaque após se tornar o primeiro filme a criar cenas dentro de um computador.

muito ligados o tempo todo. Então, esse tipo de filme faz tanto sucesso que os diretores acabam se apegando a essas características”, conta. “Depois do longa de Lucas vai acontecer um processo que consiste em realizadores investindo em produtoras de efeitos especiais. Eles vão começar a fornecer, para outros realizadores, possibilidades de tecnologia. Aí temos as primeiras filmagens em formatos eletrônicos, a edição já passa a ser feita em ilha digital e os processos avançados de computação gráfica associadas ao

outros fatores também foram responsáveis pela adoção desse tipo de estratégia. “Nesse momento, vai aparecer uma série de filmes que se configuram como cinema seriado. São três, quatro, cinco, seis longametragens com os mesmos personagens, com a mesma temática. Em 80 se fala muito em uma crise de ideias. Você não tem mais aquelas ideias originais, então, apostar em fórmulas que deram certo é muito mais seguro. Às vezes, o filme nem é feito prevendo uma continuação, mas aquele personagem, aquela história tem um impacto tão grande que eles acabam estendendo pra dois, três filmes”.

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Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988), dirigido por Robert Zemeckis, também trouxe novidades tecnológicas ao unir personagens reais e cartoon em uma mesma cena.

O Exterminador do Futuro (1984), de James Cameron, foi um dos filmes da década de 1980 que ganhou várias sequências após o sucesso do primeiro longa.

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Durante a década de 1980 foram rodados os primeiros filmes das franquias Indiana Jones (1981) dirigidas por Steven Spielberg, O Exterminador do Futuro (1985) de James Cameron, Máquina Mortífera (1987) do diretor Richard Donner, Duro de Matar (1988) de John McTiernan, entre outros. Mas não foram só de blockbusters que foram feitos os anos 80. Rita Ribeiro, professora de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) ressalta obras que se tornaram grandes clássicos do período, como Blade Runner (1982) de Ridley Scott, e Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) de Pedro Almodóvar. Além disso, Rita lembra que, se a década de 70 foi marcada pela renovação dos diretores que atuavam em Hollywood, com o surgimento de Martin Scorsese, Francis Coppolla, Woody Allen, George Lucas e Steven Spielberg, 80 trouxe o amadurecimento do trabalho desses profissionais, “que criaram obras referenciais ainda hoje e que trouxeram o grande público de volta às salas”. De acordo com ela, independente do tipo de filme que esteja em voga o “espaço para um cinema diferente sempre existirá se as pessoas pensarem de forma diferente. E isso fica claro nos anos 80,

Curtindo a Vida Adoidado (1986) foi um dos filmes que consagrou John Hughes e seus filmes com temática adolescente.

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Lael Rodrigues também abordou a temática jovem no cinema brasileiro ao filmar Bete Balanço de 1984.

Os Trapalhões realizaram diversos filmes de comédia durante a década de 1980 no Brasil.

Filme Eles não Usam Black-tie (1981) de Leon Hirszman.

principalmente fora do circuito americano de produção”, afirma. Para Robertson Mayrink, a produção em maior escala de obras comerciais está muito relacionada ao contexto político e social da época. “Se você for pensar na década é muito conservadorismo. Os anos 80 são, basicamente, um retrocesso em termos de todas aquelas conquistas de liberdade dos anos 60 e 70. Justamente por questões como a AIDS, que explode nesse período, e de nomes que ocuparam um papel de destaque no mundo, como Margaret Thatcher, Ronald Reagan e João Paulo II, que são pessoas muito conservadoras. Parece que tem um freio naquela euforia toda e o cinema acaba resvalando mais para aquela coisa de entretenimento”, esclarece. Não foi à toa que nomes como John Hughes acabaram se destacando e se tornando referências do período. Seus longametragens com personagens adolescentes e temas

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leves, como Clube dos Cinco (1985), Curtindo a Vida Adoidado (1986), Gatinhas e Gatões (1984) e A Garota de Rosa Shocking (1986), acabaram arrastando milhões de pessoas para as salas de cinema. Analisando a produção americana da década de 80, Robertson acredita que a maior herança deixada pelo cinema do período foi “a busca pelo entretenimento como estratégia de massa”. Já Rita Ribeiro acredita que “o cinema dos anos 80 abriu as portas para a maturidade que vemos hoje. Revelou grandes atores, criou mitos. Indiana Jones, E.T, Rambo, Rocky Balboa, O Exterminador do Futuro, Alien, Blade Runner. Michael Rourke, Harrison Ford, Robert Downey, Bruce Willis, Tom Cruise, e muitos outros são o retrato dos anos 80. E ainda continuam fazendo sucesso e contando histórias que nos fazem querer voltar às salas de cinema!”, finaliza.


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O filme Pra frente, Brasil, lançado em 1982 e dirigido por Roberto Farias, foi um dos longas históricos do período que abordaram a ditadura militar brasileira.

Enquanto isso, no Brasil... Enquanto o cinema americano arrecadava rios de dinheiro com filmes focados em entretenimento, o Brasil passava por sérias dificuldades para continuar a produzir. Robertson Mayrink, professor de História do Cinema da PUC Minas, conta que os altos índices de inflação, a instabilidade da economia brasileira e o enfraquecimento da Embrafilme, empresa estatal produtora e distribuidora de obras cinematográficas, foram responsáveis pelo que ficou conhecido como a “década perdida do cinema nacional”. “É a chamada pré-morte do cinema brasileiro. Se fizeram muitos filmes, mas é um momento de transição do governo militar para um governo civil e de crise econômica muito forte. O cinema é uma indústria cultural muito cara e o Brasil nunca conseguiu se firmar como indústria autossustentável nessa área. A partir do governo militar, o cinema brasileiro passou a depender muito de regime estatal, através da Embrafilme. Quando os militares entregam o poder em 1985, a estatal gradativamente sai de cena e passa a financiar poucos filmes”, diz Mayrink.

Apesar das dificuldades, Rita Ribeiro, professora de Design da UEMG, lembra que muitos longametragens de qualidade foram rodados no país durante os anos 80, como Pra Frente, Brasil (1982) de Roberto Farias, Nunca Fomos Tão Felizes (Murilo Salles, 1984), Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984), Vera (Sergio Toledo, 1987), Memórias do Cárcere (Nelson Pereira dos Santos, 1982), Faca de Dois Gumes (Murilo Salles, 1989), A Hora da Estrela ( Suzana Amaral, 1985), entre outros. Segundo Robertson, esse período é mercado por longas que tentam resgatar a história recente do Brasil. Ou ainda retratam dramas urbanos ou que são voltados para o público jovem, como os filmes dos Trapalhões, as animações de Maurício de Sousa e obras baseadas em músicas de rock da época, como Bete Balanço, de Cazuza, que originou um longametragem homônimo dirigido por Lael Rodrigues em 1984.

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moda iDeia 80’s >> moda

por Ana Cláudia Ulhôa

Anos 80:

A década do glamour “Eu sou um sucesso”. De acordo com a autora do livro “Breve História da Moda”, Denise

Polini, esse era o recado que todos queriam passar na década de 1980. Roupas, sapatos e acessórios eram usados para revelar não só a personalidade, mas também o quão bem sucedida era uma pessoa. Não foi à toa que o período ficou marcado pela extravagância e pelo ressurgimento da alta-costura. Segundo a autora, os anos 80 contaram com uma intensa prosperidade para boa parte do mundo capitalista, uma geração que acreditava na vitória profissional como forma de realização e uma exibição explícita. “Dinheiro e poder tornaram-se potentes afrodisíacos e a moda refletiu essa nova atitude”, afirma Denise. Gianni Versace, por exemplo, trouxe para as passarelas looks bastante sexys e glamourosos. “A mulher do Versace brilhava. O estilista flertava muito com essa coisa da Itália opulenta, com o dourado, estampas e essa história de mostrar o corpo com peças, como as calças leggings”, explica Heloísa Aline, jornalista de moda.

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Os anos 80 ficaram conhecidos pelo renascimento da alta costura devido ao surgimento de grandes estilistas, como Gianni Versace.

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Essa sensualidade também apareceu na mulher executiva, criada por nomes como Thierry Mugler. A roupa preferida era o tailleur, que ganhou versões bem coloridas e geométricas. Composto por uma saia e um paletó com ombros retangulares, devido ao uso de enchimentos, o traje possuía cintura mais justa, quadril largo e sempre era acompanhado de saltos bem altos e finos. Heloísa conta que esses enchimentos nos ombros, que ficaram conhecidos como ombreiras, são um dos itens mais significativos da época. “A Cristina Franco, que é uma jornalista que tinha uma coluna de moda na TV Globo, falava que a mulher, quando chegava em uma reunião e estava com ombreiras enormes, chegava empoderada. Ela ficava gigante para poder se sentar e discutir de igual para igual com qualquer homem”, ressalta.

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Onda Japonesa 1. Estilistas, como Gianni Versace, criavam mulheres poderosas e sedutoras com suas roupas. 2. O tailleur se tornou peça indispensável do vestuário feminino. Na peça criada por Jean-Louis Scherrer é possível ver a forma triangular do modelo que ficou popular durante a década de 80. 3. As ombreiras se transformaram em um ícone do empoderamento feminino ao deixar as mulheres com ombros enormes e fortes, prontas para enfrentarem um mercado de trabalho dominado pelos homens. 4. Coleção feita pelo estilista japonês Yohji Yamamoto em 1983. 5. O modelo criado por Yohji Yamamoto mostra a preferência por tons neutros, peças assimétricas e acabamentos diferenciados na moda que ficou conhecida como japonismo.

Outros estilistas que despontaram em 80 e ajudaram a trazer a alta-costura de volta foram os japoneses. Entre os nomes que chegaram a Paris nessa década e acabaram se destacando estavam Kenzo Takada, Issey Miyake, Yohji Yamamoto e Rei Kawakubo. Denise Polini lembra que, entre os novos valores trazidos por seus trabalhos, estavam “incluídas as qualidades subjacentes à relação japonesa com a natureza, a valorização dos materiais, a tradição gráfica, que remonta aos estandartes feudais, e, ainda, uma relação inteiramente diferente entre o corpo e a roupa”. A autora ainda completa, “enquanto a Moda Ocidental quase globalmente usava roupas cada vez mais marcadas, apertadas e que ressaltavam a silhueta, esses estilistas apresentavam uma nova relação do corpo com a moda: vestimentas folgadas trabalhavam com a assimetria e criavam roupas que eram verdadeiras esculturas”.

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Issey Miyake fi cou conhecido pelas peças com bastante volume e acabamento com pregas.

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Brasil Os japoneses criaram peças tão inovadoras que se tornaram uma febre entre alguns representantes da moda brasileira. O estilista Renato Loureiro diz que a admiração por esses profissionais foi motivada pelo fato deles terem rompido com essa ideia do que podia e o que não podia na moda. “Coisas que eram cuidadosamente escondidas na época passaram a ficar para o lado de fora. Começaram a aparecer os overlocks, acabamentos, costuras, tecidos tafinados, que eram amassados e que não precisavam ser tão passados como o linho. O que eles estavam querendo era, realmente, mostrar que tinha que haver uma liberdade de criação”. Esse conceito foi reproduzido, principalmente, por uma associação de estilistas conhecida como Grupo Mineiro de Moda. Criado no início da década de 80, o GMM reuniu dez grifes: Artimanha (hoje Mabel Magalhães), Allegra, Art Man, Bárbara Bela, Comédia, Femme Fatale (depois Eliana Queiróz), Frizon (Mônica Torres), Patachou, Pitti (Renato Loureiro) e Straccio. De acordo com Loureiro, a ideia era “chamar a atenção do mercado fora de Belo Horizonte para uma moda mineira que estava acontecendo com características bem especiais. Era uma moda que não era regional, era principalmente internacional. A gente fazia pesquisas fora do Brasil. As características mineiras que tínhamos eram as coisas feitas por artesãos, bordadeiras, moda festa e pinturas feitas à mão por artistas locais”, recorda.

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A reunião de estilistas em grupos também ocorreu fora de Minas. Durante a década de 80 surgiram o Núcleo Paulista de Moda, que contou com estilistas como Gloria Coelho e Clô Orozco, o Grupo São Paulo, no qual se destacaram a Zoomp e Forum, além da Cooperativa de Moda, formada por Conrado Segreto, Jum Nakao, Maira Hilmenstein, Marjorie Gueller, Silvie Le Blanc, Taísa Borges e Walter Rodrigues.

Desfile do Grupo Mineiro de Moda que se realizada duas vezes ao ano em Belo Horizonte.

Segundo a jornalista Heloísa Aline, esse fenômeno ocorreu porque essa ainda era uma época complicada para se fazer moda no país. “É claro que sempre houve confecções e pessoas que trabalhavam no setor, mas era tudo muito diminuto”. No entanto, ela revela que foi exatamente nessa década, com iniciativas como essas, que a moda brasileira ganhou impulso e se tornou o “que a gente conhece hoje como moda brasileira”.

Heranças Para Renato Loureiro, independente do que tem sido resgatado pelos estilistas, é importante lembrar que “antes você lançava uma coisa que ninguém nunca tinha visto. Hoje, você olha para o que foi feito antes e projeta isso para o futuro. Você percebe que já viu aquilo, mas entende que é realmente diferente, com um ar mais fresco. Agora, está voltando de novo essas roupas fora do corpo e com ombreiras nessas marcas internacionais mais conceituais, porém não é a mesma atmosfera mais. Atualmente, o mundo vive um outro clima”, conclui.

Membros do Grupo Mineiro de Moda, formado por grandes marcas de Minas Gerais.

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Projetos Anos 80 por Ana Cláudia Ulhôa

A década de 1980 foi um período repleto de novidades na indústria cultural. O vídeo game, o cinema com seus efeitos especiais e temática jovem, além da moda com todo o luxo da altacostura são exemplos que ficaram marcados no imaginário popular e agora servem de inspiração para projetos de decoração. Se você é fã dos anos 80, confira os trabalhos que a equipe da Coletânea iDeia selecionou para você.

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Fotos: divulgação

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Cadeira inspirada na scooter Vespa Produto do estúdio Bel & Bel Desenhada nos anos 40, a scooter Vespa virou febre mundial apenas quatro décadas depois, quando se popularizou como símbolo de criatividade e liberdade. Na década de 80 foram vendidos 6 milhões de exemplares da motoneta. O estúdio espanhol Bel & Bel reaproveitou peças originais do ícone para criar cadeiras de escritório de altíssimo estilo. Segundo o fabricante, o móvel tem pistões hidráulicos para regulagem de altura, interior reforçado, revestimento de imitação de couro e rodas silenciosas. O destaque da criação são os piscas totalmente funcionais, capazes de levar charme para qualquer escritório.

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Projeto de Paulo Mendes da Rocha O projeto, assinado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, laureado com o Prêmio Pritzker em 2006 e com o Leão de Ouro este ano, fica na praia do Guarujá, litoral sul de São Paulo, possui 525m² e foi concluído em 1983 para servir de casa de praia a uma família. Os destaques da construção são as grandes portas coloridas à frente do pavilhão central e o muxarabiês que protege a privacidade dos cômodos. Ângulos retos e formas geométricas dão um ar bem contemporâneo à casa.

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Fotos: Romulo Fialdini

Casa de praia


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Fotos: James Merrell / Divulgação

Do francês: Dégradé O degradê virou tendência para a decoração este ano. Muito comum na moda da década de 80, esse tipo de estampa invade os acessórios, móveis e objetos dos projetos de decoração em 2016. A designer inglesa fundadora da Designers Guild, Tricia Guild, especialista no estudo das cores para decoração, intensificou o uso do efeito em suas criações, sobretudo nas paredes e portas de armários, explorando tons de azul. O movimento se espalhou e está presente em projetos como esta cozinha com as portas em ton sur ton rosa e esta sala com tons de azul escuro.

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Fotos: divulgação


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Game Room Projeto arquitetônico de Aniela Kalif e design de Pedro Ratis Já imaginou se teletransportar para dentro de um video game, e ainda levar de lambuja uma viagem no tempo para os anos 80? Essa foi a proposta do Game Room, que utiliza jogos da década de 80, como Space Invaders e Super Mario Bros, para criar uma sala de 28m² ao mesmo tempo tecnológica e nostálgica. “Nós queríamos um game room que não fosse apenas voltado para as crianças e adolescentes, e sim para abranger o público em geral, principalmente os pais dessas crianças”, explica a arquiteta Aniela Kalif. Os móveis, com o mesmo formato de peças do clássico jogo Tétris, acomodam consoles de video games mais modernos e uma televisão de alta resolução. Na parede, quadros com referência à cultura da década de 80, como o filme De Volta para o futuro, ficam lado a lado com produtos contemporâneos, por exemplo, o pássaro Red, personagem do jogo Angry Birds. “É um ambiente para divertir e interagir gerações”, conclui Aniela.

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Designde produto

por Ana Cláudia Ulhôa

Mais cor, forma e provocação

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Se a velha máxima do modernismo pregava que “menos é mais”1, o Grupo Memphis chegou para mostrar que “menos é chato”2. Fundado em 1981 e liderado pelo arquiteto e designer Ettore Sottsass (1917-2007), esse movimento foi responsável por criações cheias de cores, formas geométricas e muita provocação. A irreverência dos móveis e utensílios domésticos desenvolvidos por nomes como Michele De Lucchi, Andrea Branzi e Barbara Radice era tão grande que chegava a gerar certo desconforto em quem as observava. “Foi a sensação mais estranha. Você estava, em um sentido, repelido pelos objetos, mas também libertado por esse tipo de total quebra de regras”, revelou Jasper Morrison, designer inglês que na época estudava na Kingston Polytechnic, ao jornal The Guardian3. A sensação descrita pelo jovem Morrison, quando viu aquelas obras pela primeira vez, era exatamente

o que os membros do movimento procuravam despertar. De acordo com Giselle Safar, professora de História do Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), os trabalhos dos designers do grupo Memphis tinham como objetivo mexer com o observador e romper com a ideia estabelecida pelo modernismo de que “a forma segue a função”4. “O pós-modernismo, e o Memphis é um grupo da pós-modernidade, diz: Tudo bem pensar nas funções. Mas quem disse que a função de um objeto é apenas a sua função de uso? Vamos dar outros usos para o objeto, como o simbólico ou o lúdico. Então, eles incorporam ao Memphis essa proposta pós-moderna de um objeto não ser criado apenas para a sua função de uso. Ou seja, uma cadeira pode servir pra sentar sim, mas ela pode servir para um monte de outras coisas, até para virar assunto de conversa, ser apenas um discurso”, afirma Safar.

Valentine, máquina de escrever da Olivetti projetada por Ettore Sottsass, um dos fundadores do Grupo Memphis.

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Ivory Pedestal criado em 1984 por Ettore Sottsass.

História Para entender por que o Memphis ganhou todos esses traços, Giselle explica que é necessário lembrar o contexto de nascimento do grupo. Ela conta que desde o final da Segunda Guerra Mundial, a cidade de Milão, que é um dos centros industriais da Itália, estava desenvolvendo uma estratégia bastante articulada para colocar o produto italiano no cenário internacional, o que “acabou criando um espaço adequado para as vanguardas. Mas, com uma diferença, ao invés das vanguardas terem que lutar contra aquilo que está estabelecido e se provar como interessantes, já havia uma receptividade do meio empresarial a elas, porque esse meio as entendia como uma forma de sair na frente no cenário internacional”. A partir daí surgiram movimentos como o Studio Alchimia. “Ele era a iniciativa de um grupo de designers para poder pensar novos rumos para a área, era uma grupo experimental. Justamente nesse grupo, nós temos uma pessoa que vai ser

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1 Frase do poeta Robert Browning, adotada pelo arquiteto alemão Mies van der Rohe e que se transformou no lema do funcionalismo, uma das bases do design modernista. 2 Frase dita pelo arquiteto estadunidense Roberto Venturi em crítica ao “menos é mais” do modernismo. 3 “Love it or loathe it?”, matéria publicada pelo The Guardian em 2001 no site: www.theguardian.com/culture/2001/sep/06/ artsfeatures.arts 4 Frase proferida pelo arquiteto Louis Sullivan que se tornou um dos princípios do design funcionalista, associado ao modernismo.


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Ettore Sottsass desenvolveu durante a década de 80 uma coleção de vasos de Murano com cores e formas alegres e bem diferentes.

muito importante, que é o Ettore Sottsass. Ele vai ter um conflito com o Alessandro Mendini, que é o idealizador do Alchimia, vai sair do estúdio e fundar o Memphis, já com objetivos comerciais”, recorda Safar. A professora conta que, ao longo da década de 1980, o Memphis obteve um grande sucesso, se transformando quase em uma grife. Ela explica que todo esse êxito foi motivado pelo surgimento de uma nova geração. “É preciso lembrar que eram os anos 80, uma época marcada pelo surgimento da geração Yuppie, que quer se distinguir dos outros por ter produtos exclusivos. Essa é uma geração que trabalha muito, é ambiciosa e que, em termos sociais, é muito egocêntrica. É essa geração Yuppie que vai bancar muitas dessas ideias de um design exclusivo, diferente, de vanguarda. Então eles descobrem esse nicho e começam a trabalhar com as exposições, e os produtos começam a vender”.

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Porém, em 1988, essa absorção dos produtos do Grupo Memphis pelo mercado passou a gerar problemas para o movimento. “A vanguarda, na hora que deixa de ser vanguarda, perde sua justificativa. Além disso, a linguagem do Memphis tinha força como transgressão, mas não tinha força de permanência. Aliás, ele nem se interessavam por isso. A proposta não era ser permanente, era ser momentâneo. Só que você há de convir que, quando o pessoal começa a fazer dinheiro, eles acabam criando uma expectativa. Essa expectativa existiu entre alguns e houve um ligeiro mal estar entre membros do grupo, porque alguns entendiam que já tinha acabado e outros ainda queriam insistir em explorar o Memphis como uma marca comercial”.

Heranças Após 35 anos da fundação do Memphis, muitos ainda avaliam os trabalhos desse grupo como alguns dos mais importantes da história do design. “Com poucas exceções, ainda vejo a coleção Memphis original como algo muito difícil de engolir. Não foi a primeira reação pós-moderna para o status quo, mas certamente foi a primeira - e

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Mesa Polar de 1984 feita por Michele De Lucchi


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talvez a única - a ter uma influência no resto do mundo. Foi sobre colocar o mundo do design de cabeça para baixo”, disse Paola Antonelli, curadora do Museu de Arte Moderna de Nova York, ao The Guardian. No entanto, para Giselle Safar, o movimento teve sua importância histórica, mas “em determinado aspecto fez mais mal do que bem, porque bateu tanto na tecla dessa transgressão e conversou tão de perto com a questão artística, que criou uma ideia falsa de que o design era isso, essa criação semi-artística de autoria. Sou de uma linha que é completamente contra isso, se você entender o design como uma coisa que propõe melhorar a qualidade de vida do ser humano. Particularmente, acho que teve uma influência negativa, porque nossa tendência é pegar aquilo como uma verdade absoluta e não como algo que deveria ser questionado e discutido com base em nosso contexto. Memphis se justifica numa Milão dos anos 80”, conclui.

Side Table feita na década de 80 pelo designer Michele De Lucchi

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designgráfico

por Ana Cláudia Ulhôa

A era de

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Depois de dez anos de sua aposentadoria,

Imagem do Batman lutando contra do Super-Homem na obra O Cavaleiro das Trevas de 1986.

Batman ressurge cinquentão, fora de forma e tão psicótico quanto seus inimigos. Em um cenário onde os heróis do mundo são extintos por lei e Super-Homem se torna um agente secreto americano, o homem-morcego vê a criminalidade em Gotham crescer e parte para uma luta muito mais violenta do que nas edições anteriores. Esse é o enredo de The Dark Knight Returns ou, em português, O Cavaleiro das Trevas. Criada por Frank Miller e lançada em 1986, essa série conquistou toda uma geração e se tornou, como ressalta o jornalista e especialista em histórias em quadrinhos, Sílvio Ribas, “uma das obras mais importantes do período”.

Batman se tornou um dos quadrinhos mais consagrados de 80 ao adotar o estilo Graphic Novel.

1 Matéria 30 anos de O Cavaleiro das Trevas | As curiosidades e a importância do Batman de Frank Mille, publicada em: https://goo.gl/u6Xg9m

Ribas conta que isso aconteceu porque Miller trouxe para o mercado americano um produto diferenciado. Enquanto muitos produziam gibis, o autor de O Cavaleiro das Trevas transformou a história do Batman em uma “graphic novel”, um romance gráfico que está entre um livro e uma história em quadrinhos, por possuir um cuidado estético maior e enredos, geralmente, mais profundos e longos. Em matéria sobre os 30 anos dessa obra para o site de crítica cultural Omelete1, Érico Assis explica que “enquanto os gibis da época eram panfletos de 20 e poucas páginas, impressos em papel jornal e grampeados (que custavam 75 centavos de dólar), as quatro edições da minissérie, em ‘formato prestigioso’ tinham 50 e poucas páginas

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impressas em papel acetinado de gramatura alta e lombada quadrada (que custavam US$2,95, quatro vezes mais)”.

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O crítico também lembra que o grid do Cavaleiro era de 16 quadros (4x4), quando o padrão americano era de 4, 6, 8 ou 9. “Na prática, isso queria dizer mais conteúdo por página, um tempo de leitura mais longo do que um gibi normal. Era como se todas as histórias do Batman até então fossem episódios de desenho animado, e agora você estivesse diante de um longametragem de três horas”, afirma. Já em relação ao enredo de O Cavaleiro das Trevas, Sílvio diz que “o personagem Batman também tirou de vez o herói daquela visão idealizada de um cara que está a favor da humanidade, que coloca suas questões pessoais em segundo plano e é um mártir absoluto. Ele faz as coisas motivado por dramas, tem conflitos, pensa de um jeito, depois muda de pensamento”.

2.

Outras histórias Outra HQ que se destacou por seguir o formato de “graphic novel” foi Watchmen (1986), de Alan Moore e Dave Gibbons. Composta de 12 capítulos, a série conta a história de um grupo de super-heróis sem poderes, que combatem o crime e alteram os rumos da história dos Estados Unidos. Além de trazer uma edição com acabamento diferenciado, a história de Moore não era protagonizada por personagens bonzinhos, que travavam uma luta do bem contra o mal. Em um texto sobre os anos 80 para o HQManiacs2, da Uol, Ben Santa revela que “inicialmente, a série era para ser apenas a reintrodução dos personagens da Charlton Comics, recém adquirida pela DC. Mas, o que Moore pretendia fazer não condizia com os planos da companhia, o que é plenamente justificável, já que os personagens comprados seriam mostrados como estupradores, maníacos homicidas e loucos, que achavam que os fins justificam os meios. A DC então pediu para que ele simplesmente não usasse os personagens.

1 - Edição do Cavaleiro das Trevas lançada em 1986 com capa dura e grids diferenciados. 2 - Alan Moore, criador de Wachtmen, outro quadrinho que marcou os anos 80. 3 - Dr. Manhattan, personagem da HQ Wachtmen.

2 Matéria Anos 80 – 25 Anos, disponível em: http://goo.gl/OzB5Q4

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3.

Moore contou sua história com outros, apesar de que, é impossível não enxergar as influências da Charlton. Porém, para Silvio Ribas, nenhuma história em quadrinhos supera Sandman (1989), de Neil Gaiman. De acordo com ele, essa é a obra “hors concours” dos anos 80, pois é a mais rica culturalmente, mais sofisticada esteticamente e mais profunda. “Neil pegou um deus - que faz parte da mitologia de vários países, aquele que joga uma areia nos olhos das crianças para elas dormirem -, e criou um personagem gótico muito interessante, que tem uma família de personagens ao redor dele. O quadrinho é bonito e cheio de referências, tem música de rock, quadros de artistas renascentistas, trechos da literatura inglesa e americana, mitologias de todas as culturas. Então, é uma obra festejadíssima, riquíssima e insuperável”, sentencia.

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iDeia 80’s >> design gráfico

No Brasil

4 - A história de um grupo de super-heróis sem poderes que combatem o crime e alteram os rumos da história dos Estados Unidos, em Wachtmen, ganhou o público por seu roteiro e arte. 5 – Piratas do Tietê, do cartunista Laerte, foi um dos destaques da década no Brasil. 6 - Quadrinho do Geraldão, personagem do cartunista Glauco.

Apesar de possuir uma indústria de quadrinhos mais fraca do que a americana, o Brasil também lançou algumas novidades. Se antes o mercado era dominado pelas obras de Maurício de Sousa, agora o cartunista paulista tinha que dividir espaço com Chiclete com Banana, do Angeli; Geraldão, do Glauco e Piratas do Tietê, do Laerte. Segundo Ribas, eles conquistaram o público por possuírem uma temática muito urbana e bem-humorada. No entanto, tiveram que suar bastante para chegar aonde chegaram. “A indústria alternativa de quadrinhos brasileira sempre foi aquela coisa de guerrilha mesmo. Ela não consegue atingir escala, tem uma produção heroica. De vez em quando tem uma obra ou outra que consegue alguma crítica positiva, algum sucesso comercial, mesmo assim em círculos muito especializados. O que se destaca nessa época é o trio de cartunistas paulistano que, de tempos em tempos, conseguiam juntar suas tirinhas e fazer revistas de grande sucesso”, recorda.

Contexto histórico 7.

Todas essas histórias foram fortemente influenciadas pelo contexto histórico do período. Através delas é possível perceber traços sociais, culturais e políticos da década. O lado sombrio do Batman, a censura à Moore, quando esse resolveu utilizar os personagens da Charlton, e as referências artísticas de Sandman, por exemplo, mostram uma época dominada pela Guerra Fria e a paranoia de uma guerra nuclear, a volta do conservadorismo político e moral e a tendência de mistura de teorias e estilos proposta pelo pós-modernismo.

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8. Quadrinho sobre política publicado por Angeli na revista Chiclete com Banana durante os anos 80. 9. Tirinha Os Skrotinhos, publicada na Revista Chiclete com Banana de Angeli. 10 - Tirinha Wood e Stock do cartunista Angeli. 11 - Angeli também foi autor de outros quadrinhos, como Luke e Tantra.

Outro acontecimento que teve reflexos diretos na produção de quadrinhos foi a intensificação do processo de globalização. Silvio Ribas afirma que foi a maior conexão entre os países que possibilitou a criação de “graphic novels” nos Estados Unidos. “Frank Miller, que foi o grande nome quadrinhos americanos dessa época, conta, em suas memórias, que foi a Paris quando jovem e se assuntou, porque foi comprar uma revista em quadrinhos e não as encontrou. Havia livros mesmo, como até hoje há lá. Na Europa as revistas são grandes, com capa dura, papel couchê. Então, teve esse intercâmbio, esses talentos, e a indústria começou a se abrir para isso. Caiu esse muro, essa divisão, aí os quadrinhos atingiram sua plenitude”.

Heranças e estado da arte De maneira geral, Ribas avalia os anos 80 como o período mais importante da história das HQs. Para o jornalista essa década representou “a ruptura definitiva dos quadrinhos com a visão estereotipada e limitada que as pessoas tinham em relação a essa arte. Ela era vista como um meio menor, infantilizada, e passou a ser uma mídia com plenas potencialidades criativas, sem qualquer limite para temas, técnicas e formatos. Então, foi explorada e recebeu tanto reconhecimento comercial quanto de crítica e academia. Foi um período em que ela rompeu com todas as limitações, atingiu seu auge e introduziu obras clássicas, que até hoje são insuperáveis e continuam exercendo influência”. No entanto, comparando com os tempos atuais, Silvio conclui que, ao longo dos anos, ocorreu uma acomodação criativa. “As inspirações eram múltiplas e estimuladas. Hoje, há uma preocupação em acertar para um público maior, então se evita ousar muito”.

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Fotografia

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por Pâmilla Vilas Boas

Arte do documental A fotografia de expressão em novas possibilidades de relação com as artes

Canecas, botões, pregos, cacos de vidro, sapatos, uniformes. Em 1985, o fotógrafo Walter Firmo fotografou a vida e obra do artista Bispo do Rosário, na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Walter, acompanhado do jornalista José Castello, foi produzir uma reportagem para a revista IstoÉ e não imaginava que seria um dos únicos fotógrafos a registrar o trabalho de um dos artistas plásticos brasileiros mais singulares do século XX, que ficou por mais de 50 anos como interno na instituição psiquiátrica. “Voltei à Colônia e fiquei três dias lá. Queria observar melhor o artista e ter tempo para fotografá-lo em lugares diferentes. Consegui tirá-lo daquele cárcere, onde era ‘guardado’ e ir com ele pelas cercanias do manicômio. Foi um trabalho e tanto”, relata. Em 2013, o projeto se transformou no livro: “Walter Firmo: Um Olhar sobre Bispo do Rosário” e, em 2014, ganhou os museus com uma exposição de 28 fotografias. Para o fotógrafo, antropólogo e curador, Milton Guran, coordenador do Foto Rio, era muito comum fotógrafos aproveitarem pautas de jornais ou revistas para produzirem trabalhos que fossem além das redações, já que a década de 80 marcou também uma maior inserção da fotografia brasileira no campo das artes plásticas e nos museus. “Walter fez a pauta da IstoÉ, viu que rendia e investiu para produzir um material maior. Esse trabalho foi um exemplo dessa relação”, ressalta.

A imagem de Milton Guran faz parte da

Em 1984, Milton Guran fotografou a aldeia Kamyurá no Parque Nacional do Xingu. A foto foi exposta no Museu da Casa Brasileira e integra a exposição “Filhos da Terra”, realizada no Centro Cultural Correios em 2013. Milton explica que esse trabalho traz à tona uma fotografia de reflexão que foi além da proposta de documentar uma cultura diferente. “Aparentemente essa foto mostra uma cena comum, em que aparecem alguns índios perambulando pelo pátio central da aldeia. Mas, se você prestar atenção na sequência dos

exposição “Filhos da Terra” que retratou cerca de 16 etnias indígenas no Brasil.

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personagens, no sentido dos ponteiros do relógio, você verá à direita um índio ajeitando a faixa da perna, nu com seus adornos; a seguir vem uma menina envolvida em um plástico; dessa menina você passa a uma outra criança que arrasta outro saco plástico e tem aspecto flagrantemente doentio, por fim, sai pela esquerda do quadro um índio todo vestido com as roupas da nossa sociedade. Simbolicamente, essa é a trajetória do encontro da cultura indígena com a nossa cultura”, relata. Para o fotógrafo, o desenvolvimento dessa fotografia de reflexão no campo das artes também foi uma compensação pelo fato de a fotografia documental ter perdido prestígio nos anos 80. Os jornais deixaram de ser o veículo da primeira informação com a concorrência da TV, que passou a documentar e transmitir “ao vivo” os principais acontecimentos do país. “Enquanto o equipamento de TV era mais pesado e ficava no estúdio, o fotojornalismo cumpria um papel documental e informativo importante. Com essa mobilidade, ele deixa de ser a principal fonte da primeira informação”, aponta. Nesse período, como explica Guran, diversas manifestações artísticas, como o body art (no qual o corpo do próprio artista pode ser utilizado como suporte) e o land art (pautado

O mundo em colorido O mundo de Walter Firmo se tornou colorido em 1964, quando ele saiu do Jornal do Brasil e foi trabalhar na revista Realidade. “Comecei a usar cor em ensaios de uma fotografia mais permissiva em que podia fantasiar as coisas. O ensaio não é nada mais do que a fantasia do fotógrafo. A gente viajava, comprava o filme colorido, mandava revelar ou enviava para as revistas publicarem em reportagens coloridas, era um mundo à parte”, relata Walter. O dia 17 de maio de 1861 ficou marcado pela exibição da primeira fotografia em cores do mundo. Em 1914 o Jornal do Brasil já imprimia em colorido, mas foi só na década de 80

O inventor, desenhista e polígrafo, Hércules

A primeira fotografia a cores no

Florence, foi um dos precursores da fotografia

mundo foi exibida em 1861

colorida no mundo.

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na fusão da natureza com a arte) utilizaram a fotografia como meio de expressão. “Esse tipo de trabalho alimentou a criação dos festivais de fotografia. Nos anos 80 Jean-Luc Monterosso, diretor da Maison Européenne de la Photographie, criou o mês da fotografia em Paris, que ocorre até hoje. Essa proposta se difundiu pelo mundo e atualmente temos mais de 50 festivais importantes”, revela. Milton cita os festivais “Foto Rio” que ele organiza no Rio de Janeiro, o “Foto em Pauta” organizado por Eugênio Savio em Belo Horizonte, o “Paraty em Foco”, dentre outros.


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Foto da aldeia Kamyurá realizada durante a pesquisa de Milton Guran, em 1984, e que integra a exposição “Filhos da Terra”. Foto: Milton Guran

Foto da luta pela anistia no Congresso Nacional de Milton Guran que fez parte da exposição “Brasília ano 20” e que marcou a fundação da AGIL Fotojornalismo em 1980. Foto: Milton Guran

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que as imagens adquirem papel central no jornalismo impresso, tornando-se fundamental a utilização de cor em todas as páginas e na maioria dos jornais do país. Até então era lugar privilegiado das revistas. “Foi para vender mais publicidade, a impressão colorida não foi para melhorar a informação”, opina Milton. Com a introdução dos computadores na redação e a editoração eletrônica, o aparato visual ganhou ainda mais importância nos veículos impressos.

O artista Andy Warhol, ícone da Pop Art, também foi fotografado por Edo Bertoglio durante a década de 1980. Foto: Edo Bertoglio

Para Milton a difusão da cor na imprensa diária implicou também na perda de qualidade em termos de linguagem fotográfica. “Havia, por exemplo, dois tipos de filmes coloridos: um para luz natural e outro para lâmpadas de tungstênio. Você está fotografando na rua, entrou em casa, onde precisou acender a luz, a cor já não sai como ela é. Isso não era problema para publicidade ou moda que trabalhavam em situação controlada, mas na reportagem de rua já não dava. A forma de resolver isso foi a utilização de flashes super poderosos. O que dá qualidade é a maneira como o fotógrafo trabalha a luz. A partir do momento que todas as fotos passam a ser feitas com flash direto, houve uma pasteurização da estética da luz na fotografia”, ressalta. Milton explica que outra consequência do uso excessivo do flash foi a ideia de que não era mais preciso ter conhecimento técnico apurado para a produção de uma boa fotografia. “Se é para dar um flash

na cara dos outros, não precisa de um fotógrafo de qualidade. Isso também levou a uma pasteurização da qualidade da fotografia”, opina.

Um mergulho na cena de Nova York O fotógrafo e diretor de cinema Edo Bertoglio vivenciou a cena artística de Nova York nos anos 80 e capturou momentos íntimos de celebridades, estrelas e pessoas que faziam parte dos movimentos artísticos do período. Em 2015, ele lançou o livro “New York Polaroids 19761989” com uma coleção de fotos inusitadas de artistas como Andy Warhol, Basquiat, Grace Jones, Debbie Harry e Madonna. A ideia do livro surgiu de uma revisitação recente do material produzido no período em que esteve imerso na “cena de Downtown”, no final da década de 70 até meados dos anos 80. “Naquela época eu trabalhava para uma revista de entrevistas do Andy Warhol e para gravadoras. Meus arquivos incluem vários retratos de artistas, músicos e pessoas da época. Parecia natural ter um livro de fotos em Polaroid publicado como um primeiro passo, que será seguido pela publicação de um livro pessoal, mais completo e mais amplo, que será chamado de ‘New York diaries, 19761990’ de pessoas e lugares retratados em preto e branco e cor”, revela. Edo explica que o que mais o marcou

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Artistas como Madona e Debbie Harry foram fotografadas em polaroide durante a imersĂŁo do fotĂłgrafo na cena artĂ­stica de Nova York Foto: Edo Bertoglio

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naquela década foi o senso de comunidade e criatividade no qual trabalho e diversão eram entrelaçados. O fotógrafo relata ainda que Nova York estava saindo da recessão econômica e que era uma cidade de serviços escassos e com altos índices de criminalidade. “Mas existiam comunidades de criação musical e expressão artística principalmente no centro, East Village, onde artistas de todos os tipos viviam com rendas muito baixas. A música era o que nos mantinha unidos, muitos clubes estavam abrindo e íamos formando uma comunidade de pessoas trocando ideias e compartilhando projetos”, relata. O fotógrafo afirma que a opção por utilizar câmera Polaroid, muito difundida no período, se explicava pela portabilidade, a durabilidade e a instantaneidade do objeto. “Sinto que o que foi importante (e ainda é), foi meu ponto de vista e deixar a câmera produzir o que foi programada pra fazer, sem adicionar nuances ‘criativas’ ou estilos que não eram meus. Acredito em documentar, uma espécie de diário da minha vida e isso está refletido em todas as minhas fotografias”, ressalta.

E se os anos 80 fossem hoje? Inspirado por suas fotos de infância e pelos álbuns de família, o fotógrafo americano Robbie

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O projeto “Glamour & Headshots” do fotógrafo Robbie Augspurger recupera a estética dos anos 80 em uma série de retratos produzidos a partir de 2009. Foto: Robbie Augspurger

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Augspurger criou o projeto “Glamour & Headshots”, uma série de fotos iniciada em 2009, em que utiliza amigos e anônimos para criar retratos idênticos aos da década de 80. Robbie explica que os anos 80 fazem parte de sua infância e é, possivelmente, o período de seus sentimentos mais fortes de nostalgia. “Comecei a brincar com as cores e pensei que seria legal se as imagens parecessem que tivessem estado no painel do caminhão do meu pai por 20 anos, como velhas e danificadas pelo sol, fotos de carteira que as pessoas deixam jogadas por aí”, afirma. Para ele, o mais marcante no “retrato de família” do período era o uso de adereços em que as pessoas faziam questão de ter uma foto com um objeto de valor para que pudessem sempre se lembrar. “No caso de sua casa ser incendiada, por exemplo. Ou, se fosse um animal de estimação, para que pudessem valorizar a memória do animal, sabendo que um dia ele iria morrer”, explica. Roupas marcantes, óculos, cabelos, um kit de iluminação profissional e o domínio das técnicas e tendências fotográficas do período. Robbie explica que esses são os principais elementos que permitem que seus retratos transportem as pessoas para a década de 80. “Muito do que nós associamos hoje em dia com a fotografia do período são as cores desbotadas de uma Polaroid. Muitas das nossas fotos de família e que meus pais tiraram foram com câmeras Polarid”, afirma. “Acredito que o tratamento de cor na pós-produção, as precisas técnicas de iluminação da época e equipamentos, styling e figurino são todas as coisas que identificam minha série “Glamour & Headshots” como parecendo da década de 1980”, completa.

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Iluminação

por Pâmilla Vilas Boas

A luminária “On From The Heart” de Ingo Maurer é uma peça ícone dos anos 80. Foto: divulgação Ingo Maurer

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Uma nova

estética tornou-se

possível

Novas tecnologias e possibilidades construtivas marcaram uma revolução no design de iluminação A luminária “On From The Heart” é uma das criações históricas de Ingo Maurer e reflete, para além do amor, a extravagância e o uso da cor em peças de iluminação na década de 1980. Produzida em 1989, ela foi umas das primeiras equipadas com o sistema Touch Tronic, um simples toque liga ou desliga a luminária, e outro, prolongado, permite o ajuste da quantidade de luz. Outra peça icônica é a luminária Ilios (1983), desenhada por Ingo em parceria com o designer Franz Ringelhan. A luminária de chão difunde a luz indireta suavemente dentro de um ambiente e, mesmo com mais de 30 anos, ainda é produzida. Mas foi a brincalhona YaYaHOO leve, flexível e funcional, o divisor de águas no trabalho de Maurer e no mercado de iluminação da década. Criada em 1984, ela utilizava um sistema halógeno de baixa voltagem, tecnologia que marcou o design de iluminação do período. Ele explica que foi na década de 80 que os designers começaram a usar lâmpadas de halogéneo de baixa tensão em produtos, e como não era preciso mais isolar os cabos e sim utilizar partes da estrutura da lâmpada para conduzir eletricidade, uma nova estética tornou-se possível. “Halogéneo de baixa tensão não era novo mas, para nosso trabalho, foi uma grande mudança”, revela. Ele relata que a YaYaHOO foi muito aclamada pela crítica e que, após sua entrada no mercado, vários sistemas foram baseados no princípio básico de dois fios. O designer explica ainda que a partir desse produto ele passou a ser requisitado para criar instalações com a YaYaHOO, trazendo à tona uma nova forma de trabalhar. “Não só projetar luzes individuais para qualquer ambiente, mas o planejamento de luz para o quarto onde ele será instalado. Então, começamos a criar objetos de iluminação, ou configurações de luz para os espaços, além de continuar a criar lâmpadas para nossa coleção”, ressalta. Outro desdobramento dessa tecnologia, quase uma brincadeira com as novas possibilidades construtivas da época, é a luminária BaKaRú desenhada por Ingo em 1986. Trata-se de um sistema de iluminação de baixa tensão com três fios, que pode ser instalada na parede ou teto. As lâmpadas podem ser montadas na horizontal, vertical ou na diagonal e podem ser movidas, ao longo dos cabos, em qualquer direção.

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iDeia 80’s >> iluminação

Outro desdobramento do sistema de baixa voltagem é a luminária BaKaRú desenhada por Ingo em 1986. Foto: divulgação Ingo Maurer

A YaYaHOO de Ingo Maurer foi um divisor de águas no mercado de iluminação do período. Foto: divulgação Ingo Maurer

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“Ainda é muito bom ser capaz de usar fontes de luz de baixa tensão, porque dá mais liberdade ao projetar. Se você não está apenas criando protótipos ou esboços de ideias, mas produtos que são feitos em pequenas séries e vendidos em todo o mundo, é preciso ter certeza de que funcione e, claro, também seja seguro”, afirma Ingo.

Inspiração brasileira “Quando estava terminando a faculdade de Design e me deparei com esse objeto, foi uma revolução”, afirma o designer Fabio Falanghe. Para ele, as lâmpadas halógenas permitiram peças muito importantes para a década de 80, como a YaYaHo, principal inspiração para sua primeira luminária: a Flight, de 1986. A peça, que só foi produzida no final dos anos 80 pela Arquitetura da Luz, que já comercializava algumas peças do Maurer, também foi uma exploração

desse conceito da baixa voltagem. “Dois cabos flexíveis e duas hastes com uma molinha, que permitia que eu pudesse subir e descer com ela ao longo da haste. Uma peça em equilíbrio que, ao mesmo tempo, podia capotar: a luz direta passava a ter efeito de luz indireta. Ficamos muitos encantados com esse trabalho”, afirma. Partindo desse mesmo conceito, Fabio criou a “sss...” com seu sócio Giorgio Giorgi, uma luminária de mesa com uma mola, em que era possível projetá-la para frente, para cima e girar. A peça foi produzida na Itália pela Artemide, rebatizada de Floppy, e vendida para o mundo inteiro. No Brasil, foi produzida pela Lumini em 1988, e aqui ficou 25 anos no mercado. A peça foi premiada pelo Museu da Casa brasileira, no mesmo ano, e também na Bienal de Design, em Curitiba. “Não tínhamos esse um milhão de luminárias na época, então foi possível perceber que era uma coisa inédita, que abriu portas

A luminária Constanza de Paolo Rizzato completou 30 anos em 2016 e marcou o primeiro grande sucesso da empresa Luceplan. Foto: divulgação

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para uma experiência italiana de trabalho. Foi a primeira luminária que fez o caminho contrário ao da tendência de ir para a Itália e copiar o que estava sendo feito. Um produto vendido no mundo inteiro e criado no Brasil, em nosso estúdio. Projetada na cozinha, com o refletor virado em um cabo de vassoura, de modo precário e que, no final, virou uma peça de plástico injetado”, revela. Essa tecnologia já havia permitido a criação de luminárias como a Tizio, de Richard Sapper, em 1972, que só foi entrar no mercado na década de 80. “Entra a lâmpada halógena de baixa voltagem e aparece essa luminária que não tem mais fio. Ela demorou um bom tempo para cair no mercado, mas começou a fazer grande sucesso em virtude dessas possibilidades construtivas”, ressalta.

Novas impressões A Costanza (1986), do arquiteto Paolo Rizzatto, foi a primeira luminária que trouxe o filme policarbonato para a iluminação e primeiro grande sucesso da empresa Luceplan, fundada em 1978 na Itália, explica Fabio. O perfil fino, mas estruturalmente sólido, possibilita que o abajour se adapte a qualquer ambiente e a haste telescópica permite controlar a altura da lâmpada.

A luminária Ilios (1983), desenhada por Ingo em parceria com o designer Franz Ringelhan, está em produçao a mais de 30 anos. Foto: divulgação Ingo Maurer

“Começaram a fabricar luminárias em policarbonato, que é outra tecnologia que apareceu nos anos 80. Constanza foi muito vendida no final de 80 e começo de 90. Um filme policarbonato usado nos painéis dos automóveis, um material que te permite impressão e aproximação de lâmpadas incandescentes no qual havia o problema do calor, um plástico de engenharia bastante sofisticada e esse abajour, com toda essa secura que me agrada”, explica. Com cinco pares de filtros de policarbonato é possível variar as cores do seu corpo de lâminas. A Titania (1989), de Alberto Meda e Paolo Rizzatto, pode ser colorida manualmente a partir de um simples movimento de encaixar os filtros. A luminária é formada por uma série de elipses vazadas, que permitem a mudança de cor. “A Titania foi a primeira luminária projetada no computador. Eles conseguiram fazer um produto que tem essa característica fortemente decorativa, sem perder nada na

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A Titania de Alberto Meda e Paolo Rizzato foi a primeira luminária projetada no computador. Foto: divulgação


iDeia 80’s >> iluminação

A premiada “sss” de Fabio Falanghe e Giorgio Giorgi foi vendida para o mundo inteiro e ficou por 25 anos no mercado. Foto: divulgação

questão de iluminação e conforto. Você põe uma peça dessa em cima da mesa e tem a possibilidade de interagir mudando de cor, o que hoje virou uma banalidade por causa do RGB. Naquela época foi extremamente impactante e por muitos anos a Titania foi a peça referência da Lalampe”, afirma Fabio.

Movimento Memphis Cores brilhantes e uma forma decisiva: a luminária Callimaco, de Ettore Sottsass, é capaz de comunicar ideias em qualquer ambiente, além questionar a relação entre a forma e função do objeto. Produzida em 1982, a luminária ícone do design italiano dos anos 80 questiona o papel da iluminação com suas cores brilhantes e sua postura alegre. A lâmpada, virada para cima, produz luz indireta, o corpo de alumínio pintado e a base de aço expressam novos signos culturais, marcando a influência do movimento Memphis no design de iluminação do período. Antes do Memphis, Sotssas já desempenhava um papel fundamental

no pensamento sobre o design italiano. Ele integrou o Studio Alchimia, criado em 1976, grupo que enfatizava o papel conceitual dos objetos. Nesse período, os fatores emocionais, mais do que os elementos racionais, passaram a ter grande influência no design, potencializando relações sensíveis dos usuários com aqueles objetos, de forma que sua funcionalidade não desempenhava mais o papel primordial nessa relação. Para Fabio Falanghe, o design de iluminação nos anos 80 foi impactado, por um lado, pelas novas tecnologias e por outro pelo movimento Memphis na Itália. “Essa peça é exatamente do período em que acabei a faculdade e fui para a Itália. Quando cheguei lá o movimento Memphis estava pegando fogo. A Artemide, que sempre foi uma referência muito grande, estava produzindo o grosso das luminárias da Memphis e também fiquei muito seduzido por todo esse espírito da época, no qual começam a aparecer objetos que rompem com o conceito forma e função e começam a ser produzidas peças muito coloridas”, aponta.

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vídeoclipes&tv

por Pâmilla Vilas Boas

O mundo se tornava pop

Os artistas utilizavam os videoclipes nos anos 80 como estratégia de diferenciação.

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Abertura política e ascensão da juventude marcaram a década dos videoclipes e do experimentalismo Favela, mulheres de biquíni, satélite, Brasília, a fita roda, a prensa do jornal. Planos rápidos, recortados e com menos de um segundo traziam à tona a urgência do período. Cada frame era único, com uma história a ser contada no ritmo do riff de guitarra mais emblemático do Brasil. No ano de 1985 o videoclipe da música “Que país é esse” da Legião Urbana, dirigido por Jodele Larcher, estreia em pleno domingo no Fantástico. O programa da TV Globo é considerado um dos primeiros espaços de exibição do videoclipe brasileiro. Larcher explica que, na década de 80, o Fantástico produzia cerca de quatro videoclipes por semana. Essa produção era feita pela própria emissora até o final da década, quando passou a ser coproduzida pelas gravadoras. Jodele explica que, além dos videoclipes, o Fantástico exibia musicais com gravação do áudio ao vivo, principalmente para artistas que não tinham música gravada, nem contrato com gravadora. “O videoclipe era gravado com o playback da música, mas o Fantástico tinha espaço também para os musicais, no qual o fonograma era produzido durante a gravação das imagens. A Globo era uma potência musical. Na época, José Itamar de Freitas, diretor artístico do Fantástico, foi peça fundamental na divulgação de novos artistas”, relata. Cenas em preto e branco se misturam com o colorido, efeitos de distorção, transparência e imagens em fundo infinito. Para Jodele, conhecido pelo uso de grafismos e efeitos especiais, a estética era de renovação. “Colocava uns efeitinhos, comia um frame para parecer filme. A gente rodava com vídeo, mas queríamos o look do filme. Usávamos fumaça, contraluz, imagem com mais contraste”, descreve. Para o diretor, a ascensão e importância do videoclipe na década de 80 está diretamente ligada ao fortalecimento da cultura pop e ao rock nacional. Ele explica que, a partir dos anos 90, com a entrada da MTV no Brasil, o Fantástico mudou sua linha editorial já que o canal passou a dominar o mercado da música e, principalmente, dos videoclipes. “O Fantástico foi para uma outra linha e os clipes musicais perderam espaço. Começou a ser um clipe formatadinho que nem sempre era da produção do programa, com uma matéria gancho e ficou mais ligado ao jornalismo. Foi

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nessa época que surgiu o programa Aqui e Agora e começou a mudar a TV brasileira por causa da audiência. Música não dava ibope em relação a violência”, aponta.

Multiplicidade de linguagens O pesquisador Eduardo de Jesus, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas, explica que a década de 80 marca o período de surgimento de artistas com identidades muito diferentes, que utilizaram o videoclipe como ferramenta fundamental de diferenciação. É também o período de surgimento da MTV Internacional, em 1981, tornando-se um espaço fundamental de difusão desses conteúdos. “Também tem a ver com um momento de profusão das formas musicais que precisava criar diferenciação no próprio mercado. Um jeito de diferenciar era construir o que a gente chama de semblante midiático, ou seja, a imagem do artista. Quem inaugura isso de forma incrível é a Madona. Em cada álbum e videoclipe ela aparecia com um semblante. Dentro do pop, por exemplo, você vai ter um mais engajado e dançante, um pop bem imbecil. O videoclipe vai servir para diferenciar essas coisas”, aponta. O pesquisador ressalta que o videoclipe é um dos fenômenos contemporâneos que tem origem difusa e que vai assumir importância enquanto fenômeno midiático na década de 80, extremamente ligado à linguagem televisiva. “Videoclipe é televisão. Está na estética e nas formas de circulação da TV”, ressalta. Na década de 80, o videoclipe começa a ser influenciado

A década de 80 marcou o surgimento da MTV internacional que transformou o mercado de video clipes.

também pelo campo da vídeo arte. “É uma multiplicidade, vai ter tanto videoclipe careta que vai representar a música, quanto esses que têm a performance do artista e outros bem inventivos. Na passagem dos anos 70 para os 80, começam a aparecer essas estéticas ligadas ao vídeo. Justamente um momento que começa a popularizar as câmeras VHS, a aparecer as TVs piratas. Nos EUA, começam a aparecer as TVs comunitárias e alternativas. O vídeo nos anos 80 era uma palavra fetiche. Tinha uma questão juvenil ligada a uma nova forma de produção de imagem em movimento. O cinema era impossível, mas uma câmera VHS não. Havia um certo deslumbramento e o videoclipe era um caminho natural”, ressalta. Para Eduardo, o videoclipe é, ainda hoje, uma multiplicidade de linguagens e um espaço de experimentação. Para o pesquisador, atualmente, vivemos uma outra profusão dos videoclipes na internet e no youtube. “O primeiro videoclipe que passou na MTV Americana, da Banda The Bubbles, dizia que o vídeo matou a estrela do rádio. Hoje, podemos dizer que a internet matou a estrela do vídeo. Por isso a MTV fechou”, revela.

Uma televisão experimental “A estreia da Olhar Eletrônico foi uma farra. Goulart fez um discurso de abertura e entregou para Deus. O programa teve de tudo: dois começos, porque achamos que faltou ritmo na largada, desfile de moda com alguns dos meninos dos Titãs como modelos e uma câmera na rua pedindo para as pessoas falarem sobre a morte delas próprias” (Marcelo Tas)

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Marcelo Tas esteve a frente da produtora de vídeo Olhar Eletrônico e de diversos programas com formatos inusitados e experimentais.


iDeia 80’s >> vídeoclipes e tv

As matérias de rua viraram uma referência para o

Social da Universidade Federal de Minas Gerais, os

programa Olhar Eletrônico, que foi ao ar pela TV

anos 80 marcaram a década mais inventiva e criativa

Gazeta em 1983. Como explica Marcelo Tas, em

da televisão brasileira. “Até o final dos anos 70 você

texto publicado em seu site, o programa criou formas

tem um regime de censura dentro das redações e

inusitadas de entrevistar pessoas com os temas mais

a inventividade era muito limitada. Quando veio o

inesperados. “Renato e Paulão eram autênticos

processo de abertura, isso vai mudar radicalmente.

pescadores de filósofos populares pelas ruas de São

Você tinha um monte de jovem produzindo vídeos

Paulo. Sabiam como ninguém criar silêncios entre

também em formatos televisuais. Abertura política e o

a pergunta e a resposta, gerando longas pausas

avanço tecnológico, autonomia e experimentação a

reflexivas que desconcertavam os entrevistados e os

baixo custo possibilitaram uma nova fase da televisão”,

telespectadores. Era um timing bem esquisitão para o

revela.

padrão da TV da época. Como quase toda a obra da Olhar, ainda é um material bastante vivo e inusitado

Para Regina Mota essa relação entre a produção

de se ver”. A Olhar Eletrônico foi uma produtora

videográfica e a TV vai permear muito a linguagem

independente, pioneira em conteúdo audiovisual para

da época. “Completamente diferente essa câmera

televisão. Foi criada em 1981 por Fernando Meirelles

entra no real e se perde nas coisas. Isso traz uma outra

(1955), Marcelo Machado (1958), José Roberto (Beto)

nova forma de ver o mundo. A gente precisava disso,

Salatini e Paulo Morelli (1956).

estava tudo muito engessado”, afirma.

Marcelo explica que a grande novidade do Brasil

Regina cita o programa “Abertura”, criado por

do início dos anos 80 foram as primeiras câmeras

Fernando Barbosa Lima no final dos anos 70, que iria

portáteis, compradas por particulares. “Com esses

influenciar toda uma linguagem da década seguinte.

novos equipamentos entrando no país, nem sempre

O Abertura era uma grande revista em movimento,

pela Alfândega, surgia um novo tipo de empresa, no

no qual cada jornalista ou especialista fazia seu

qual toda moçadinha descolada queria trabalhar:

quadro. Para a pesquisadora, os anos 80 permitiram

as produtoras independentes de vídeo. Assim como

uma reinvenção de formatos. A abertura política

‘internet’ hoje; ‘vídeo’ era a palavra da hora naquele

permitiu o retorno de antigos programas jornalísticos

princípio dos 80”, relata.

de entrevistas, o surgimento de novos programas de discussão e debates em vários formatos. “A televisão

Para a pesquisadora Regina Mota, professora-adjunta

é muito interessante na época pela liberdade que

do programa de pós-graduação em Comunicação

se cria, não só pelo fim da censura, mas a liberdade

O programa CQC é um exemplo atual de experimentação de linguagens na televisão brasileira

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iDeia 80’s >> vídeoclipes e tv

e capacidade de invenção. Ela teve também um papel

Acho que o jornalismo ainda é um campo muito aberto

fundamental na possibilidade do Brasil voltar a se ver como

para experimentar com as tecnologias que temos hoje”,

tal depois dos anos de fechamento”, aponta.

opina.

Regina explica que o período foi marcado pelos programas

O programa CQC (Custe o Que custar), produzido pela

ao vivo pouco editados, com falas naturais e personagens

Eyeworks e exibido pela Rede Bandeirante desde 2008,

reais. “Isso vai pegar muito e vai ter uma série de programas

foi encerrado em 2015. O programa semanal, baseado

que vão explorar esse aspecto. Era como se a TV espelhasse,

no original argentino, tratava os fatos políticos, artísticos e

para a sociedade, essa possibilidade de abrir o debate

esportivos da semana, do Brasil e do mundo, com pitadas

sobre o país novamente. Você continua a ter o Jornal

satíricas e humorísticas, brincando com as informações. De

Nacional muito careta, novelas das oito, mas tinha uma

acordo com a Band, o cancelamento do programa será

diversidade que fazia as pessoas começarem a pensar.

um descanso para que o formato retorne com mais força

Com 15 anos de ditadura, a população se desconectou

em 2017. Como afirma Marcelo Tas, em carta de despedida

completamente”, ressalta.

do CQC, o projeto revelou talentos e virou referência para o humor e o telejornalismo brasileiros. Mesmo considerado um

Para Regina, a partir da década de 90, houve um

programa humorístico, ele se destacou por discutir temas

empobrecimento da linguagem televisiva, que foi

relevantes e se distanciar do mito da imparcialidade do

se distanciando progressivamente do público jovem.

telejornalismo atual. “Me sinto sortudo demais por conviver

Atualmente, esse público prefere assistir conteúdos na

com gente tão talentosa com quem aprendi a reinventar

internet. “Seria muito mais econômico se cada emissora

minha própria trajetória na TV. Quero abraçar e reconhecer

colocasse um telejornal uma vez por semana. São idênticos,

a Band, que teve a ousadia de botar essa bagaça

chatos, repetindo essa ideia de imparcialidade muito

fumegante no ar e depois acolher minha decisão e propor

armada, numa verossimilhança que o jornal já não tem.

novos horizontes”, afirmou.

Alguns videoclipes que fizeram história na década de 80

Michael Jackson – Thriller (1983) Um videoclipe de 13 minutos em que é impossível desgrudar o olho da tela. É considerado o vídeo de música pop mais influente de todos os tempos e um divisor de águas para a indústria da música em sua fusão sem precedentes com o cinema. Figurou, em 2006, no Guinness Wold Records como o “vídeo musical mais bem-sucedido” e foi o primeiro vídeo com estreia mundial na MTV.

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Madonna – Like a Prayer (1989)

Madonna e sua ousadia, que se revela nas inúmeras facetas e semblantes dos seus videoclipes na década de 80. Like a prayer é considerado o mais ousado de sua carreira, por tratar de temas tabus para a época, como sexo, religião e racismo. Após seu lançamento, embora tenha sido bem recebida pela crítica, a gravação foi condenada pelo Vaticano, com famílias e grupos religiosos protestando sua exibição.

R.E.M. - Fall On Me (1986)

REM lançou clipes experimentais e emblemáticos nos anos 80, apontando para novas possibilidades de narrativas visuais que o videoclipe poderia permitir em sua interação com a vídeo arte. Fall on me foi precursor no que ficou conhecido como lyrics vídeos, nos quais as palavras da canção são o principal elemento do vídeo.

Pink Floyd The Wall (1982)

O filme, baseado no álbum The Wall, da banda Pink Floyd, foi produzido pelo diretor britânico Alan Parker e o roteiro escrito pelo vocalista e baixista da banda, Roger Waters. O filme é repleto de cenas metafóricas e sequências de animação, que ainda hoje impressionam em sua adaptação das canções para o cinema.

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trilhassonoras

iDeia 80’s >> trilha sonora

por Pâmilla Vilas Boas

Uma febre mais quente do que nunca A trilha sonora do filme “De volta para o futuro” marcou a década de 80 e a estreia de Alan Silvestri no universo das grandes produções cinematográficas.

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iDeia 80’s >> trilha sonora

Trilhas épicas marcaram os filmes da década de 80 Você pode até não se lembrar imediatamente do filme, mas as primeiras notas da melodia são capazes de te levar “De volta para o futuro”. A trilha sonora parece estar intimamente ligada aos dilemas da máquina do tempo de Christopher Lloyd e a saga do jovem Michael J. Fox. Produzido em 1985, o filme, primeiro da trilogia do diretor Robert Zemeckis, marcou também a entrada do compositor Alan Silvestri ao mundo das trilhas sonoras para grandes produções cinematográficas. Silvestri estreou nos cinemas em 1972, com a trilha para o filme “The Doberman Gang” e já tinha feito programas de televisão, mas foi sua primeira grande orquestra de filme. Uma estreia que resultou em uma das trilhas sonoras mais marcantes dos últimos 30 anos. “No primeiro encontro os produtores me disseram que não tinham grandes cenas, grandes paisagens, mas que o filme era mitológico e gigante com relação aos temas. Disseram para tocar o sentimento épico de amizade e de amor entre os personagens e não me preocupar tanto com o fato de que eles estavam numa pequena cidade. Foi um jeito incrível de começar o processo. Esse foi o primeiro tema que escrevi, porque sabia que ele tinha que capturar toda a essência do filme”, explicou o compositor em entrevista ao canal Fox News.

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iDeia 80’s >> trilha sonora

O músico Alan Silvestri estreou nos cinemas em 1972 e, a partir de então, produziu trilhas épicas para clássicos do cinema com temas que são lembrados até hoje. Foto: divugação

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iDeia 80’s >> trilha sonora

Já o roteirista da trilogia, Bob Gale (junto com Robert Zemeckis) conta que Steven Spielberg, produtor executivo do filme, estava inseguro em ter um novato tomando conta de uma trilha tão grande. “A primeira prévia do filme não tinha música, a segunda estava com alguma trilha do Alan incluída. Ao escutar, Spielberg falou: ‘essa é que deveria ser a trilha original do filme’”. Hoje em dia é difícil sair de uma sala de cinema cantarolando uma trilha tão marcante quanto as produzidas nos anos 80. Para Silvestri os filmes estão e vão continuar passando por mudanças sensíveis. “As coisas vão estar em voga, fora de voga e depois vão circular novamente. Esse tipo de sensibilidade tem diminuído, mas, mesmo assim, quando fui chamado para fazer a trilha do “The Avengers (2012)”, foi pedido especificamente uma coisa temática. Penso que isso vem acontecendo mais e mais. As pessoas estão entendendo o poder de um tema memorável. Algo que irá, sonoramente, trazer as pessoas de volta à memória do filme que eles amam”, explica.

O filme “The Doberman Gang” marcou a entrada de Alan Silvestri no universo das trilhas sonoras para cinema.

Para Missionário José, produtor musical, compositor e baixista da banda brasileira Mombojó, o cinema, no final das décadas de 70 e 80, retoma a ideia de trilha clássica dos primórdios da indústria cinematográfica, em uma linguagem mais romântica, muito influenciada pelo drama musical do compositor alemão Richard Wagner. José acredita que Silvestri explora o conceito de um tema para cada motivo do “De volta para o futuro” e um principal, que representa determinadas situações, como a relação entre passado, presente e futuro. “Vi esse filme com 10 anos de idade. Tenho uma relação afetiva muito forte. Esse tipo de linguagem fez parte da minha formação, mas acho que isso mudou”, relata. Ele acredita que hoje é mais importante a experiência sensorial, estímulos auditivo e visual, efeitos sonoros, 3D. “O cara sente o Homem Aranha passando por cima de sua cabeça, é uma coisa diferente. Hoje, a música para cinema sofre uma influência grande de ferramentas em que é possível criar combinações sonoras que misturam tudo. Minimalismo, música étnica, orquestra, tudo numa mesma trilha. Toda a cultura do ser humano pode ser expressa em um filme de duas horas. Uma consequência de nosso tempo”, aponta.

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iDeia 80’s >> trilha sonora

Alan Silvestri foi convidado para fazer uma trilha temática para o filme “The Avengers” (2012).

O futuro é uma grande abstração Em 2015 Alan Silvestri celebrou os 30 anos do primeiro filme da saga com o projeto “Back to the future in concert”, um tour apresentando a trilha sonora ao vivo, com orquestra. Para a turnê ele escreveu 20 minutos adicionais de música. Alan explica que, quando surgiu a ideia de fazer ao vivo, havia um empecilho, pois, a primeira parte do vídeo tinha pouca música. “A trilha se tornou um evento icônico na cultura americana. Por isso, tive que ver se os produtores concordavam, o que aconteceu de imediato. A trilha a mais só foi feita para aumentar a experiência do filme sendo tocado ao vivo. Foi de arrepiar ver uma orquestra completa tocando a música. Foi como ver o filme pela primeira vez novamente”, completa.

A banda brasileira Mombojó interpretou ao vivo a trilha sonora dos dois primeiros

Aqui no Brasil, em janeiro deste ano, a banda Mombojó foi convidada para interpretar, ao vivo, a trilha sonora do primeiro filme no projeto “CineConcerto” do Sesc Belenzinho, em São Paulo. Missionário explica que a proposta era brincar com alguns temas originais, inserindo músicas da banda. “Projetávamos o filme em DVD e o som passava pelo meu computador. Eu tinha o controle

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filmes da saga “De volta para o futuro” Foto: divulgação


iDeia 80’s >> trilha sonora

para fechar e abrir o som e processá-lo como quisesse. Em vários momentos, tirava o som completamente do filme e a banda tocava, em outros momentos criávamos uma textura sonora e interferências nos diálogos”, ressalta. O compositor conta que, em 2015, eles também tocaram, ao vivo, o segundo filme da saga. “Foi a mesma proposta, mas a narrativa do segundo filme é muito diferente. O filme conta muito mais história e é mais cortado. Futuro, passado, presente e presente alternativo. Fizemos coisas mais fragmentadas com momentos de improviso. Brincamos muito com a questão da versão dublada e legendada. Havia momentos que estava rolando o áudio original, Marcelo lia a legenda do filme e eu soltava pedaços do áudio em português. Uma coisa meio caótica, dentro dessa ideia do futuro que tem no filme e que a banda tem também. A gente pensa sempre no futuro que, na verdade, é uma grande abstração”, relata.

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iDeia 80’s >> trilha sonora

O cinema, no final das décadas de 70 e 80, retoma a ideia de trilha clássica em uma linguagem muito influenciada pelo drama musical do compositor alemão Richard Wagner.

Desde Stanley Kubrick em Laranja Mecânica (1971) já se utilizava uma mistura de teclados com sons orquestrados que continuará importante na estética das trilhas sonoras da década de 1980.

Narrativa musical O compositor e produtor musical Otávio de Moraes é um fá incondicional de Alan Silvestri. Ele foi responsável pela produção do som da campanha de lançamento do novo Mitsubishi Lancer, em 2012, inspirada no filme “De volta para o futuro”. Para a produção do áudio, Otávio teve acesso às tracks originais da trilha de Alan Silvestri. “Tive a honra de pegar o material bruto da trilha do filme. Ouvi a gravação original, as cordas, percussão, os metais. Foi realmente muito legal ter acesso a esse tema que marcou minha juventude”, relata. Moraes também criou e produziu a trilha sonora original para as cerimônias de abertura e encerramento da Copa do Mundo 2014. Além disso, vem criando trilhas para o mercado publicitário, para clientes como Itaú, Mitsubishi, Philips, Vivo, Nestlé e, em 2014, foi quem mais faturou com direitos autorais, superando nomes como Roberto Carlos. Ele explica que, na produção de trilhas para vários comerciais, teve referências de trilhas de filmes como a Dama de Vermelho (1984) e Top Gun (1986). “Certamente, já usei muita coisa dos anos 80 como referência”, ressalta. O compositor explica que é comum os criativos resgatarem a década nos comerciais de TV para trazer recall para a marca. “É uma época engraçada de transição, que influencia as pessoas até hoje. Os anos 80 muitas vezes são lembrados pelo lado trash e pela proliferação de comédias”, afirma. Atualmente, o compositor está terminando de produzir a trilha sonora

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Filmes de aventura como “Indiana Jones e os caçadores da arca perdida” (1981) foram inteiramente escritos à mão e executados por uma orquestra.

original do longa metragem “Elis”, que será lançado no segundo semestre deste ano. Detalhes do filme ainda não podem ser revelados, mas ele explica que a trilha sonora contará com muitos fonogramas originais da cantora e composições especiais que ele produziu. Para ele, o roteiro é fundamental no momento de composição de uma trilha sonora. “A música precisa fazer parte de uma história, de uma narrativa. É possível pensar a trilha com o roteiro antes do filme ficar pronto e depois, com a imagem, você ajusta tecnicamente a instrumentação, as nuances que vai ter. Se toca forte, fraco, piano, uma voz ou um assobio”, explica. Moraes conta que a década de 80 foi marcada pelo que ele chamou de “compositores de caneta”. Eles escreviam para orquestras e era preciso ter um grande domínio técnico musical, já que os recursos tecnológicos eram embrionários. Um exemplo é a trilha do filme “Indiana Jones e os caçadores da arca perdida” (1981) do compositor John Williams. “Os teclados estavam começando no final de 70. Os filmes do Indiana Jones, por exemplo, foram inteiramente escritos à mão e executados por uma orquestra. Isso foi muito utilizado, principalmente nas trilhas de aventura. Claro, sempre teve uma mistura de teclados, desde Stanley Kubrick em Laranja Mecânica, o rei da mistura dos teclados com algo orquestrado. De forma geral, tinha a obrigação de contratar uma orquestra e escrever uma partitura, como um compositor erudito”, ressalta.

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Otávio de Moraes se inspirou em filmes como Dama de Vermelho (1984) e Top Gun (1986) para a produção de trilhas sonoras de diversos comerciais na atualidade.

Para ele, a dinâmica entre compositor, editor e diretor mudou sensivelmente a partir de 80. “A técnica evoluiu demais. Antigamente não havia uma edição digital, não se recebia um arquivo como ocorre hoje. Era preciso uma moviola para tocar o filme e os metrônomos eram cintas de magnético perfuradas. Houve uma mudança técnica radical e um período de transição muito grande em 80. Dos anos dois mil para cá, se não souber lidar com computadores, vai ser muito difícil trabalhar com audiovisual”, avalia. Moraes lembra que era comum cantores e compositores da Música Popular Brasileira assinarem as trilhas dos filmes. O filme “Bye Bye Brasil (1980)”, por exemplo, é marcado por canções de diversos compositores. A música tema foi interpretada e escrita por Chico Buarque, em companhia de Roberto Menescal. “Eles não Usam Black-tie” (1981) também contou com canções de vários compositores, como Adoniran Barbosa, Guerra Peixe e Orquestra,

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As músicas do filme “Gabriela, Cravo e Canela (1983)” foram compostas por Tom Jobim.

O filme “Bye Bye Brasil (1980)” é marcado por canções de diversos compositores brasileiros.

regida pelo maestro Damiano Cozzella. Já as músicas do filme “Gabriela, Cravo e Canela (1983)” foram compostas por Tom Jobim. A principal faixa de Garota Dourada (1984) é a “Como uma Onda (Zen-Surfismo)” de Lulu Santos e Nelson Motta. O filme contou ainda com a canção “Menina Veneno”, do cantor Ritchie. Bete Balanço, de Cazuza e Roberto Frejat, foi a trilha principal do filme de mesmo nome, lançado em 1984. “A meu ver, a canção no cinema brasileiro da década de 80, era muito importante. Não que não seja importante no cinema americano e europeu, mas é um pouco diferente o trato do ponto de vista de composição. Você não tinha o profissional que compõe música para o cinema como há hoje, com profissionais que vivem compondo música especialmente para o audiovisual”, completa.

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Retrato falado 88

A importância do design no desenvolvimento e redesenho de marcas na década de 80


branding por Pâmilla Vilas Boas

“Antes de desenhar, vou escrever o que irei desenhar”. A técnica “retrato falado”, que o designer Lincoln Seragini criou na década de 80 para desenvolver e redesenhar marcas, já indicava um desejo de ir além da estética visual para retratar uma ideia de negócio. Para o designer, nesse período se consolidou a importância da marca gerenciada por sua identidade visual. “A diferença é que a inspiração do desenho não tinha a ótica do branding de hoje, que busca transmitir uma ideia. Chamava isso de retrato falado da marca para, não apenas por tentativa e erro, fazer uma marca bonita. Já era uma forma de começar a retratar um pouco de algo a ver com o negócio. Mas, só fui aprender essa história de expressar uma ideia depois. Naquele período isso ainda não era uma premissa. Mesmo assim, fizemos marcas lindas”, ressalta. Lincoln Seragini é formado em engenharia química e começou a trabalhar com projetos de embalagens em 1968. Em 1981, o grupo norte-americano de comunicação Young&Rubicam o convidou para gerenciar uma filial no Brasil. Em 1985, por uma questão estratégica, a filial passou a adotar o nome SERAGINI/ Y&R. “Mudamos o padrão do mercado de embalagens no Brasil ao aumentar, em dez vezes, o preço de venda dos projetos de design”, ressalta. Lincoln relata que, no processo de desenvolvimento de embalagens, quase automaticamente aparecia também a necessidade de atualizar marcas de empresas ou produtos. A partir dessa demanda, ele criou um departamento de identidade visual na empresa. “Em 35 anos, a Seragini Design desenhou mais de 200 marcas. “Tinha uma tese: marca notória não muda, evolui”. Lincoln explica que os casos mais frequentes eram de redesenho de marcas já existentes. “Redesenhamos marcas como Unilever, Lux, 25 mil desenhos de embalagens. Sou o maior embrulhão vivo do Brasil”, brinca. Nesse sentido, era possível realizar

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pequenas mudanças para não gerar impactos nem riscos para a empresa; médias mudanças com baixo impacto e as grandes mudanças, sempre mais arriscadas. “Quando tinha muito risco, fazíamos pesquisa com o consumidor para saber se ele entendeu a mensagem que queríamos passar”, ressalta. O designer afirma que, nessa época, quando a proposta era desenvolver marca para empresa nova, se discutia um pouco do negócio e de seu significado ainda do ponto de vista do design de logomarca ou logotipo. “A marca era feita a partir de uma busca, típica do design da época, da integração das letras, do logotipo e do símbolo. Era mais baseado na estética e não no significado”, afirma. Nesse contexto, as empresas contratavam grandes designers para desenhar suas marcas. “Eles tinham sua própria visão e propunham um desenho. Como ele era uma autoridade, ele definia. A notícia era, por exemplo, que a marca da Unimed foi desenhada por fulano, o nome do criador. O processo ainda era centrado na autoria”, revela. Segundo Seragini, o branding é uma evolução da chamada identidade visual,

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que historicamente era feita por arquitetos ou designers gráficos e também uma nova categoria de serviço, que reúne designers, criadores de histórias, estrategistas e pesquisadores. “Foi um período de transição. Mesmo que historicamente existam belas marcas, nem todas tinham, como hoje, essa ideia de transmitir uma essência e um espírito do negócio. O branding virou quase uma consultoria de marca, um processo com várias atividades”, afirma.

Novas corporações

Lincoln Seragini foi um dos responsáveis por mudar o padrão do mercado de embalagens no Brasil. Foto: divulgação

O designer Delano Rodrigues, professor e consultor de branding e inovação, explica que a palavra branding apareceu pela primeira vez em 1988, no livro Branding: a key marketing tool de John Murphy, com o sentido que será explorado nas décadas seguintes. “Mas a ideia já existe há muito tempo. Em minhas aulas, falava do caso do Leite Moça, que é um projeto de branding iniciado na década de 20. Mas, não se usava a palavra com esse sentido. A primeira vez que a encontrei, como as pessoas falam hoje, foi em 1988, com um conceito já obsoleto, mais vinculado à ideia de marketing do que a de construção da identidade de marca,” ressalta.

Em 35 anos, a Seragini Design desenhou mais de 200 marcas e 25 mil embalagens para clientes como Unilever, Lux, Condor, Garoto, etc. Foto: divulgação

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Rodrigues explica que, nos anos 80, empresas como a norte-americana Siegel&Gale tiveram grande importância na construção do cenário mundial do branding. Um de seus fundadores e também presidente, Alan Siegel, ficou conhecido ao conceber o conceito de “voz corporativa”, que tornou mais ampla a noção de gerenciamento de identidade e fortaleceu a ligação com planejamento e estratégia corporativa. Ele explica que, na Europa, o gerenciamento de identidade de marca ganhou certa importância na Inglaterra, com a fundação, em 1974, da Interbrand que, originalmente, atuava apenas no segmento de naming e, posteriormente, ficou mundialmente reconhecida como pioneira entre as consultorias de marca a trabalhar com o conceito de brand valuation. Para o designer, a década de 80 marcou ainda a consolidação de vários grupos de comunicação, que passaram a

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comprar agências de publicidade, marketing e empresas que trabalhavam com identidade corporativa. O que, posteriormente, irá culminar nas consultorias de branding. Nessa época ainda se trabalhava com conceitos fortes da década de 70, como o de identidade e design totais. “Foi a consolidação de um cenário no qual se formam grandes grupos de comunicação, com várias bandeiras de agência e começa-se a pensar na possibilidade de oferecer pacotes integrados para grandes corporações. Há ainda o surgimento da comunicação corporativa junto com a ideia do fomento de um design corporativo, que passou a incentivar o investimento em uma identidade global”, aponta. Delano Rodrigues destaca, no entanto, que a ideia de construir um conceito de marca e transferir para todos os elementos de identidade não é nova, mas foi intensificada nos últimos anos. “Em 1980, ninguém se vendia como consultoria de branding”, afirma.


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