Magazine Book - Volume 2 - 2018

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Caro leitor Expediente: Editor

Nesta segunda edição, nossa temática é sobre ressignificação, processo natural que ocorre após a significação e que foi o tema da nossa primeira edição.

Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa Pâmilla Vilas Boas Pedro Parisi Projeto gráfico e coordenação gráfica Cláudio Valentin Seção Artigos

Se todos nós temos a capacidade de interagir com as coisas a nossa volta, porque damos significados a elas, somos capazes também de alterar esses significados e modificar completamente a forma como as percebemos. Para conhecer um pouco mais sobre esse tema fascinante do design, convido vocês a percorrerem comigo as doze matérias e quatro artigos que foram, cuidadosamente, produzidos para dar-lhes uma pequena amostra do que o processo de ressignificação pode desencadear nas sociedades atuais e futuras. Nosso objetivo principal é demonstrar como o design e seus processos, podem contribuir radicalmente em questões cruciais da humanidade, como a consciência sustentável, a qualidade de vida, entre outros.

Marcos Maia Capa » Luminárias Contra-capa » Andaime Tempos Modernos Projetos de Thales Pimenta Apoio Acadêmico GESSD Grupo de Estudos em Sistémas Signicos no Design A iDeia Design é uma publicação da Editora PlexuDesign, patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas afins, ao design e formadores de opinião. Contato: contato@revistaideia.com

As matérias e entrevistas perpassam questões como: moda com propósito e afeto; o desperdício de alimentos por questão de preconceito; espaços residenciais e comerciais que são verdadeiras galerias de signos; o design para todos e inclusivo; o impacto que o discurso do design tem sobre as pessoas; os artefatos urbanos e residenciais e suas interações; o desenho dos rituais humanos nos processos de design, todos esses temas vindos pela contribuição de profissionais que são referência no Brasil e no exterior; sem falar da excelente contribuição que os articulistas convidados nos presenteiam. E, para conseguirmos tratar de todos esses assuntos de forma eficiente, aumentamos a publicação de 94 para 108 páginas. Mais uma vez, quero reforçar o carinho com o qual nossa equipe produz essa publicação, para levar aos nossos leitores uma pequena amostra das possibilidades que o design oferece. Não deixe de visitar nossa página e redes sociais: revistaideia.com

Boa leitura. Camilo Belchior

RevistaiDeiaDesign

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Índice 06 Moda com afeto

12 Desperdício por preconceito 20 Uma moda com propósito 26 Espaços ritmados 34 Artigos

35 Ressignificação & Design: arte como potência /

Por Fabio Pezzi Parode

39 É tudo design? /

Por Tarcísio Cardoso

42 Significados no design: entre a apresentação da função e da usabilidade e a representação simbólica no produto /

Por Wellington Gomes de Medeiros

45 Design de Contraponto: imagem e linguagem para sustentabilidade /

Por Lucas Pantaleão

50 O mundo que nos encontrou 56 Design para todos / Entrevista com Paulo Biacchi

64 Projetando sociabilidades:

o discurso do design e seus impactos /

Entrevista com Klaus Krippendorff

72 As ruas dentro de casa 78 Sem nunca envelhecer

86 Mobiliário urbano para redemocratizar a cidade 92 Desenhando rituais 100 Mural Templuz em releitura da arte renascentista

102 Uma atmosfera de inovação



O design ĂŠ uma habilidade humana fundamental, praticada na vida cotidiana


Moda com afeto Por Ana Cláudia Ulhoa

Um conjunto de mãos que desenha, corta e costura resíduos têxteis para criar novas peças e provocar uma reflexão sobre a função social da moda. Esta é a proposta do projeto Trama Afetiva, iniciativa da Fundação Hermann Hering, em São Paulo, que teve início em 2016 e já se encontra em sua segunda edição.

Foto: divulgação

Look da Coleção Nós, criado pela turma da 2ª edição do Trama Afetiva.

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De acordo com a gestora da fundação Hermann Hering, Amélia Malheiros, a ideia do projeto surgiu de um momento de ócio criativo com seu amigo e jornalista, Jackson Araújo. “Naquele café de fim de tarde, falávamos da necessidade de repensar as sobras, o desperdício de tudo, afinal, não tem lugar para jogar fora, tudo é dentro do planeta”, lembra. A partir dessa conversa, o Trama Afetiva começou a ganhar forma. Aos poucos os dois idealizadores chegaram a um modelo que consistia em reunir estudantes e profissionais de design, moda e áreas afins para participar de palestras, oficinas e um desafio: desenvolver uma coleção que fosse baseada na sustentabilidade, cooperação e valorização das pessoas envolvidas. Amélia conta que após chegar a esse formato, não foi difícil escolher um nome para batizar a iniciativa. “Trama veio logo de cara, numa clara analogia ao seu significado, tramar, fazer junto, tecer, entrelaçar. Afetiva foi pelo entendimento de que a velha economia, na qual as marcas e a indústria produzem para outros, sem considerar de fato o outro, está no fim”. Ainda no ano de 2016, a fundação realizou a primeira edição do projeto, que contou com 10 participantes e três designers tutores de peso, Alexandre Hercovith, Marcelo Rosenbaum e Patricia Centurion. O resultado foi a coleção Casca, composta por nove peças de vestimentas e produtos para a casa feitos

com retalhos de jeans. Já a segunda edição, ocorrida entre agosto e setembro de 2018, teve como matéria-prima restos de malha de algodão. Sob a orientação de Alexandre Hercovith, Marcelo Rosenbaum e da nova tutora, Itiana Pasetti, o grupo, também formado por outras 10 pessoas, criou um total de 25 produtos, divididos entre a coleção Nós, de vestuário e objetos, e a linha Novo Básico, de criações com modelagens quadradas e desperdício zero de tecido. Depois de finalizadas as edições, as peças desenvolvidas são colocadas em exposição no museu da fundação, localizado em São Paulo. Amélia também explica que alguns produtos chegam a entrar no mercado, mas apenas através de iniciativas locais. “Muitos possuem potencial de serem reproduzidos, como aconteceu na primeira edição. Os aventais e os cachepôs, por exemplo, hoje são confeccionados por uma cooperativa de Blumenau. Estamos entendendo o Trama Afetiva como uma plataforma de educação, de sensibilização e de ação transformadora”. Segundo a gestora da fundação, os primeiros a serem tocados pelo projeto são os próprios participantes. Ela afirma que muitos relataram ter mudado a maneira de enxergar e trabalhar com moda. “É impossível passar pelo processo sem repensar seus hábitos pessoais num primeiro momento e depois a carreira como um todo. Para alguns trameiros isso efetivamente aconteceu”.

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Jackson Araújo, diretor criativo do Trama Afetiva, com os tutores Patricia Centurion e Marcelo Rosenbaum.

Fotos: divulgação

Exposição da Coleção Casca, desenvolvida pela turma da 1ª edição do projeto.

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Um exemplo é o designer de objetos e mobiliário mineiro, Eduardo Borém. Ele relata que considerou a experiência “única e especial”, principalmente pela oportunidade de compartilhar ideias com pessoas interessadas em sustentabilidade. “Para criar, produzir e consumir daqui pra frente, temos que pensar como ocupamos nosso espaço e como existimos. Repensar a forma de fazer as coisas num grupo diverso e construir uma cadeia de parceiros”, analisa. Para a professora de moda da Universidade Fumec, Carla Mendonça, o mérito do Trama Afetiva está justamente em ir além da proposição de uma ressignificação dos resíduos têxteis. Segundo ela, o projeto também tem a preocupação de criar um novo significado para todo o processo de produção e consumo de moda, o que o aproxima muito do conceito de slow fashion.

Modelos da coleção Casca, desenvolvidos com restos de jeans.

Exposição da 1ª edição do Trama Afetiva, realizada no ano de 2016.

“O slow está ligado à ideia de um produto que seja local, que utilize mão de obra e tecidos, por exemplo, da região onde está sendo confeccionado. A matéria-prima deve ser ecologicamente correta e as pessoas envolvidas têm que receber de forma justa pelo que estão fazendo. Com isso, você fomenta a cultura e os saberes locais e, por conseguinte, tem um produto que não é massificado”, define. Por isso, as peças que são criadas dentro da ideia do slow fashion são consideradas de nicho. De acordo com Carla, seu processo de produção não consegue gerar um número grande de cópias e seu custo também não é tão acessível, sendo difícil concorrer com as grandes marcas. No entanto, ela acredita que projetos como o Trama Afetiva são de extrema importância para mudar um pouco o posicionamento do mercado. 9


Peças da Coleção Nós feitas com modelagens quadradas e desperdício zero de tecido. As estampas entrelaçadas foram criadas com o auxílio de uma impressora digital Epson cedida pela marca.

Turma da 2ª edição do Trama Afetiva, realizada em 2018.

Fotos: divulgação

Durante as edições do projeto, os selecionados participam de oficinas chamadas de imersões criativas com três tutores convidados.

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“Atualmente, conseguimos ver essas iniciativas de uma forma mais clara, elas vão se mostrando cada vez mais interessantes e vão se pontuando de uma forma a empurrar um pouquinho o mercado para olhar para isso”, afirma Carla. Mesmo que esse tipo de produto não tenha como brigar com grandes marcas, a professora recorda que “o mercado da moda é gigantesco e tem lugar para todo mundo”. Ela destaca que o slow deve ganhar cada vez mais espaço, pois a questão ambiental está se tornando urgente. Além disso, explica que existe uma parcela dos consumidores que estão muito mais interessados no significado que uma roupa pode trazer. “Esse consumidor vai buscar uma peça que, além de ter história, não faz parte do padrão. Ela pode não corresponder ao shape ou a cor da estação, mas é uma roupa que vem

carregada de valor simbólico, que está além da materialidade dela. Então, existem valores aí que são muito mais da ordem do afeto do que, necessariamente, de uma satisfação hedonista e imediata de compra”. Amélia Malheiros também tem consciência de que os conceitos trabalhados pela Trama Afetiva ainda vão demorar a ganhar mercado, mas ela se mostra confiante no futuro. “Ainda está um pouco longe de ser uma realidade entendida e praticada em escala, mas há sim um número considerável de pessoas que leva para suas vidas e organizações esse entendimento do ganha x ganha x ganha, no qual o indivíduo, a sociedade e o planeta ganham, sem prevalecer o viés econômico, ainda que seja preponderante equacionar e lidar com essa necessidade”.

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Desperdício por preconceito Por Pedro Parisi Um a cada três produtos agrícolas é jogado fora só porque é feio. Esse dado assustador, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), foi um dos motivos para a criação do projeto Fruta Feia, pela portuguesa Isabel Soares, em 2013. Segundo o integrante do projeto, Hugo Charbonnier, foi preciso apoio e trabalho pesado da equipe para se chegar ao modelo sustentável atual, que favorece econômica e socialmente tanto produtores, quanto consumidores. O Fruta Feia funciona como uma cooperativa agrícola: compra os alimentos dos agricultores portugueses e revende para consumidores locais. Porém, eles adquirem exclusivamente as unidades que seriam descartadas, por terem a aparência fora dos padrões estéticos exigidos pelos supermercados. “Esse projeto foi criado para dar uma resposta ao preconceito dos consumidores dentro das grandes cadeias, que pararam de comprar essas frutas. É um ciclo vicioso, porque se há apenas frutas bonitas no supermercado, o consumidor até esquece que existe fruta feia, quer cada vez menos. Então, acaba sendo muito arriscado, para os supermercados, colocar esses produtos nas prateleiras”, explica Hugo.

Foto: divulgação

O projeto Fruta Feia organiza cestas de 4 kg e 7kg de frutas e legumes fora do padrão estético para serem vendidos em Portugal.

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A cooperativa tem crescido, e quebrou, em maio deste ano, a marca de um bilhão de quilos de alimentos salvos do desperdício. No início, eram apenas duas pessoas. Hoje, já são 11, que distribuem 300 cestas por semana cada uma. No total, são 13 toneladas de frutas, legumes e outros produtos revendidos para 5 mil associados, a um preço mais baixo que o dos revendedores comuns, mas mantendo a qualidade. Os alimentos são organizados em cestas de 4kg e 7kg, e distribuídos pelos funcionários em 11 pontos,

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As frutas e legumes comercializados pelo projeto, geralmente, possuem um tamanho menor do que os que estão no mercado ou alguma deformidade, como a da cenoura mostrada na foto.

As cestas são organizadas e distribuídas em 11 pontos, nas regiões de Lisboa e Porto.

Os produtos ofertados nas cestas são escolhidos de acordo com o que os produtores locais têm disponível.


Fotos: divulgação

sete na região de Lisboa e quatro no Porto. “Eu, por exemplo, tenho um local, onde vou todas as semanas com as cestas. Isso é importante para criar laços com os consumidores. É uma das partes sociais do projeto. As pessoas se sentem mais em casa. Conversam, vêm com a família. É um verdadeiro ponto de encontro”, conta. Essas pessoas, segundo Hugo, adquirem sensibilidade sobre o preconceito e se tornam multiplicadoras dessas ideias, conversando sobre isso com

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Depois de montadas, as cestas sĂŁo levadas para os pontos de encontro, onde os clientes podem retirar as suas encomendas.

O projeto sempre tem a preocupação de oferecer cestas com produtos variados.

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Fotos: divulgação

outras pessoas sempre que têm oportunidade. “É ali que você dissemina a mudança de paradigma, para mudar a consciência”, diz. Mas, conscientizar os consumidores é apenas metade do trabalho social do Fruta Feia. Eles se preocupam também em fazer esse trabalho com os 158 agricultores parceiros e realizar um comércio justo, pagando valores honestos. É comum, de acordo com Hugo, que os supermercados procurem os pequenos produtores para comprar fruta feia a um preço muito baixo. “O ideal seria que a cadeia de revenda comprasse a produção inteira dos produtores, sem discriminar por calibre, cor ou qualquer outro elemento estético”, avalia Hugo. “Não é muito lógico você criar o problema, só para resolvê-lo depois. Além disso, hoje há leis na Europa, que não permitem aos supermercados misturar os calibres nas prateleiras. Cada calibre é classificado de uma forma e têm preços diferentes. E, isso cria mais preconceitos”, completa.

Um dos objetivos do Fruta Feia é valorizar o produtor rural, pagando um preço justo pelos produtos que são disponibilizados.

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O Fruta Feia consegue distribuir 13 toneladas de frutas e legumes por semana, diminuindo o desperdĂ­cio de alimentos em Portugal.

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Fotos: divulgação

Hoje, o projeto conta com 5 mil associados e cerca de 14 mil pessoas na lista de espera para receber as cestas.


Flaw4Life Em 2015, o Fruta Feia obteve um apoio importante da União Europeia e passou a fazer parte do programa Life, que investe em projetos sustentáveis no continente. Isso permitiu que eles aumentassem consideravelmente todos os indicadores de resultados. De 2015 a 2018, passaram de 80 para 487 voluntários e aumentaram de 3 mil para 13 mil quilos de CO² economizados por semana. Os ativistas também utilizaram o financiamento para criar a submarca Flaw4Life, que inclui um site bilíngue (inglês e português) com todas as informações sobre o projeto, além de material para divulgação e merchandising. A designer Sara Silva Soares, responsável pelo desenvolvimento criativo do Flaw4Life, destaca a importância da comunicação no processo de ressignificação dos preconceitos em relação aos alimentos feios. “A comunicação e a vertente pedagógica do projeto foram aspectos que cresceram e ganharam importância

com o apoio europeu. Os elementos de comunicação gráfica revelaram-se fundamentais na transmissão dos valores e metodologias da Fruta Feia”. De acordo com ela, a conscientização em relação ao desperdício se traduziu em um sentimento de pertencimento. “As pessoas identificaram-se e queriam passear com os seus ecobags da Fruta Feia ou usar crachás ou imãs nas suas geladeiras, porque se sentiam parte de um movimento de atitude útil e importante para a sociedade. O logotipo transformou-se num selo de compromisso positivo e chegou tanto aos consumidores urbanos como aos agricultores rurais”, destaca. A parceria com a União Europeia tem duração de três anos e será encerrada com o lançamento de um manual para que outras pessoas executem projetos parecidos em outros lugares. Hugo acredita que organizar o modelo de negócios e transmiti-lo com qualidade é importante para manter os valores embutidos nele.

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Uma moda com propósito

Por Ana Cláudia Ulhoa

Desde que se formou na Universidade Feevale, a estilista gaúcha Vitória Cuervo desenvolve peças dedicadas para pessoas com deficiência.

Holofotes ligados, passarela decorada e música tocando. O desfile começa e revela homens, mulheres, negros, albinos, plus sizes, cadeirantes, deficientes visuais, pessoas com nanismo ou amputações subindo na passarela com peças que seguem apenas um padrão, vestir bem qualquer tipo de corpo. Através de modelagens mais neutras, tecidos com materiais elásticos e aviamentos variados, a estilista gaúcha Vitória Cuervo criou a coleção Plastic e provou a todos que é possível usar a moda para ressignificar preconceitos.

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Desfile da Coleção Plastic, em agosto de 2017, na XX Semana da Pessoa com Deficiência de Porto Alegre.

Para chegar aos modelos apresentados na “XX Semana da Pessoa com Deficiência de Porto Alegre” de 2017, Vitória teve que percorrer um longo caminho. De acordo com a estilista, suas primeiras experimentações nessa área aconteceram quando ela ainda estava cursando moda na Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. “Eu estava buscando um tema para meu trabalho de conclusão de curso, em 2009, quando um guri passou por mim em uma cadeira de rodas. Pela primeira vez na vida, questionei várias coisas sobre vestuário. Comecei a pensar se essas pessoas tinham dificuldades para vestir uma roupa e se elas se interessavam por moda”, recorda.

Fotos: divulgação

A partir daí começou a conversar com pessoas com deficiência para entender a realidade de cada uma delas. “Elas me contaram que tinham muitos problemas para encontrar roupas que ficassem bem nelas. Sempre é preciso fazer alguns ajustes. Também deixavam de usar várias coisas que gostariam, por que sabiam que não ficariam bem em seus corpos”.

Vitória desenvolveu modelos que podem ser usados por qualquer tipo de corpo, sejam de homens ou mulheres, cadeirantes ou pessoas sem deficiência.

Após essa experiência, a estilista decidiu que esse seria o norte de sua carreira. “Me formei e tive a certeza de que esse não era mais um projeto que seria esquecido em * Apresentados na “XX Semana da Pessoa com Deficiência de Porto Alegre”, em agosto de 2017

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Na Coleção Plastic, Vitória usou tecidos com base em PET, bambu e neopreme.

breve. Era com isso que eu queria trabalhar: fazer roupas para todo mundo”. Desde então, ela desenha peças sob medida, desenvolve coleções, participa de eventos de moda inclusiva e realiza palestras sobre o tema. Segundo Vitória, o segredo para a criação desse tipo de roupa está na atenção aos detalhes. No caso de quem usa muletas, por exemplo, a estilista procura fazer roupas que não tenham muito volume e não atrapalhem a andar. Os deficientes visuais são auxiliados com etiquetas em braile que indicam os detalhes da peça. Para quem tem nanismo, ela busca uma modelagem proporcional e com cores e estampas mais adultas, já que esse público muitas vezes precisa recorrer às sessões infantis das lojas. 22

As peças de Vitória Cuervo foram desenvolvidas para unir funcionalidade e beleza.

Os cadeirantes exigem um pouco mais de zelo. Vitória explica que é preciso evitar mangas muito longas com o objetivo de não atrapalhar a pessoa na hora de manusear a cadeira de rodas; não colocar costuras nas costas para não causar escaras; substituir os botões comuns por opções de pressão, ímãs, zíperes ou velcros; além de criar aberturas e fechamentos estratégicos para facilitar a vida dos cadeirantes que usam sonda. De acordo com a estilista, a moda é um instrumento para que essas pessoas sejam finalmente vistas pela sociedade. “Há mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência só no Brasil. Nós temos que


O casting do desfile da Coleção Plastic contou com todos os tipos de corpos para mostrar a versatilidade das roupas criadas por Vitória.

Fotos: divulgação

falar sobre isso. Essas pessoas existem e têm os mesmos direitos que todo mundo”, ressalta. Esse número representa 21,6% da população brasileira. No mercado da moda, ela conta que “ainda existe muito preconceito, seja por desinteresse ou falta de informação. Porém, esse é um nicho de mercado promissor”. Para que o setor possa evoluir de fato, Vitória diz que é necessário que as grandes empresas enxerguem a necessidade desse vestuário. “Por que elas não se juntam a nós, estilistas ou marcas de pequeno porte, que trabalham com isso e têm bastante conhecimento, para então lançar pequenas coleções com essa proposta de inclusão? Assim, ganharíamos mais força, espaço e a população teria mais

acesso a essas roupas. Elas seriam mais fáceis de encontrar e teriam um preço justo também”, questiona Vitória. Mesmo que a moda inclusiva ainda esteja caminhando a passos de formiga, já é possível ver algumas iniciativas, tanto no país quanto no exterior. “Logo quando comecei, mal se falava nisso, e quando era falado todo mundo ficava surpreso. Hoje, temos até cadeiras sobre o tema em algumas universidades e concursos em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Recentemente, as marcas americanas Tommy Hilfinger e Target lançaram coleções inclusivas que estão fazendo o maior sucesso. Além disso, tenho visto vários modelos com deficiência nas passarelas mundo todo”. 23


Tecido com estampa criada a partir do lixo recolhido por Vitória nas praias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Com o objetivo de tentar continuar a fomentar a produção desse tipo de moda, Vitória tem trabalhado em novos projetos. “Estou em processo de desenvolvimento de uma pequena coleção com algumas peças adaptadas. Meu intuito é fazer uma coleção em parceria com alguma grande loja popular. A cabeça está sempre a mil, nem consigo acompanhá-la (risos)”.

Ressignificação de materiais Outro viés do trabalho da estilista é a sustentabilidade. Na coleção Plastic, Vitória não se preocupou apenas em desenvolver modelos que vestissem qualquer tipo de corpo. Ela usou também materiais que foram descartados no litoral do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, para criar acessórios, como broches, e a decoração do desfile. A inspiração para essa iniciativa veio de um trabalho que ela conheceu nos Estados Unidos. “Há uns 10 anos, vi uma exposição na Califórnia com obras de arte e instalações só com coisas encontradas na praia. Achei incrível e disse que ainda faria uma coleção inspirada naquilo. Durante o verão de 2016/2017 eu, amigos e familiares decidimos juntar tudo o que encontrávamos”. 24


Broche criado pela estilista com resíduos plásticos.

Vitória trouxe um ar de sustentabilidade para a colação Plastic ao usar objetos que estavam se acumulando nas areais das praias da região sul do país.

Ao recolher restos de lixo para usar em sua coleção, Vitória encontrou materiais com as mais variadas cores.

Fotos: divulgação

Vitória Cuervo conta que conseguiu recolher uma variedade bem grande de resíduos, entre eles embalagens de shampoo, produtos de limpeza, escovas de dente, isqueiros, brinquedos, entre muitos outros. “Lavei um por um e deixei as marcas que surgiram com o tempo de exposição ao sol. Era como um arco-íris. Eu separava por cores, e não posso negar que era incrível de ver”. Mesmo não considerando sua coleção totalmente sustentável, Vitória diz que buscou abordar, de uma forma divertida, esse assunto tão sério. “Mostrei a importância da

Brinquedos, isqueiros, tampas e produtos de limpeza serviram de inspiração para as estampas.

conscientização de manter as praias e oceanos limpos, além do descarte de forma correta, eliminando os impactos resultantes da acumulação de lixo, resíduos plásticos e materiais descartados, como a ingestão fatal desses objetos pelos animais aquáticos, que os confundem com alimento”. Segundo a estilista, hoje se faz necessário produzir uma moda mais consciente do começo ao fim do processo de criação. Citando o publicitário, professor e autor de livros sobre moda, André Carvalhal, ela explica que esse ramo deve ser trabalhado com propósito e que esse é o caminho para o futuro.

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Espaços ritmados Projeto utiliza tecnologia de ponta para materializar a música em ambientes integrados Por Pâmilla Vilas Boas Ondas sonoras se espalham pelo cenário, pela iluminação e disposição do espaço. Esse é o conceito principal do projeto da Todos Arquitetura para o Estúdio Sol, em Belo Horizonte. A música é o elemento central do estúdio, que gerencia os maiores portais do ramo do país, como o Cifra Club; Letras.mus.br e Palco MP3 somam mais de 5 milhões de acessos diários. Esse conceito faz parte do dia a dia de seus mais de 60 colaboradores e se revela nos instrumentos musicais dispersos pelo ambiente de trabalho, na paixão que move o negócio e que foram traduzidos também no projeto arquitetônico. A arquiteta especialista em gestão de projetos da Todos Arquitetura, Laís Delbianco, explica que a proposta foi compor esses elementos de forma inusitada em todos os espaços do Estúdio. Um exemplo foi a utilização de caixas de madeira no teto para embutir a iluminação: com diferentes tamanhos, criam desníveis que remetem ao desenho das ondas sonoras. “Trouxemos, figurativamente, essas ondulações de ondas sonoras por meio de elementos de forro, que são o ponto focal do espaço central. Formado por caixas de madeira em diferentes tamanhos, o forro, além de possuir propriedades acústicas, conta também com 26

iluminação automatizada, que se transforma de acordo com o cenário desejado”, explica. Laís revela que as caixas são mais baixas e adensadas nas áreas onde existe maior concentração de pessoas e mais altas nas áreas de circulação, criando uma ondulação que cobre todo o espaço. “O piso segue a mesma lógica se tornando mais claro nas áreas de maior concentração e vai escurecendo em seus arredores”, complementa. A construção recebeu certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) por suas soluções energéticas, que vão desde a iluminação até os eletrodomésticos e computadores.


Foto: divulgação

Discos de vinil se tornaram adornos no teto do Estúdio Sol em Belo Horizonte

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O projeto conta, por exemplo, com sensores de luminosidade externos que dimerizam as luzes de acordo com a luminosidade natural do edifício, de forma que a luz artificial possa complementar a luz natural. “Trabalhamos um ciclo que imita a luz solar na luz artificial, que é o mais saudável para nós, de forma a não afetar nossa rotina de produção de hormônios, não nos deixar estressados, além de uma série de outros benefícios que a tecnologia oferece ao simular essa curva de luz natural “, revela. O acesso aos banheiros se dá por um corredor tecnológico com linguagem de programação de computadores, criada pelos próprios designers do Estúdio Sol. Essa linguagem conta a história da empresa em códigos que apenas

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Caixas de madeira foram utilizadas para embutir a iluminação: com diferentes tamanhos, criam desníveis que remetem ao desenho das ondas sonoras.

O projeto conta, por exemplo, com sensores de luminosidade externos que dimerizam as luzes de acordo com a luminosidade natural do edifício.

O conceito do projeto se revela também nos deslocamentos dos objetos.


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Fotos: divulgação


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O acesso aos banheiros se dá por um corredor tecnológico com linguagem de programação de computadores.

Ao longo da grande área de trabalho foram inseridos sofás para dar ritmo e leveza ao espaço.

Guitarras foram utilizadas como adornos no teto, criando uma textura única.

Arquitetura e narrativa

Fotos: divulgação

programadores conseguem decifrar. O mesmo artifício é usado dentro dos banheiros, onde a cor da luz se modifica de acordo com o consumo de água, alertando para seu uso consciente. A cor verde significa que está tudo ok, o amarelo pede atenção e o vermelho sinaliza a necessidade de economia urgente. A principal sala de reunião é um aquário de vidro com cortinas automatizadas que podem revelar ou esconder seu interior. É equipada com tecnologias de áudio e vídeo, mobiliário de apoio à reuniões e iluminação dimerizável. “O projeto é todo certificado, tudo tem alguma composição de material reciclado e uma história por trás da escolha de cada material. Automatização em todo o sistema de fechamento de cortinas, teto solar, sala de reunião, som ambiente etc”, ressalta.

O conceito se revela ainda nos deslocamentos dos instrumentos musicais: pandeiros, pratos de bateria e guitarras são utilizados como adornos no teto criando, uma textura única. A arquiteta explica que cada sala tem um elemento de forro diferente. “Elas receberam instrumentos musicais pendurados no teto por cabos de aço, sendo uma repetição de instrumento diferente para cada sala. As paredes foram revestidas com painéis de marchetaria que remetem aos estúdios de gravação da empresa. Nas portas dessas salas existem backlights que as intitulam com palavras e nomes do universo musical. Trouxemos a identidade do estúdio de gravação, onde são filmadas as aulas do Palco mp3, que eles tanto gostam, para dentro das salas”, complementa.

A arquiteta explica ainda que a iluminação foi automatizada para acender apenas onde existem pessoas trabalhando. “Eles não têm um horário fixo de trabalho, então é muito flutuante. Os sensores de presença do espaço identificam onde há pessoas e apenas acendem as zonas onde estão trabalhando”, completa.

Ao longo da grande área de trabalho foram inseridos sofás e outros respiros, dando ritmo aos 500 m² pensados para ser a segunda casa dos funcionários. Os ambientes intercalam ilhas de trabalho, salas para reuniões formais e informais e ambientes descontraídos que incentivam a integração da equipe. Esses 31


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A copa social permite a interação e convivência entre os funcionários.

O projeto recebeu certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) por suas soluções energéticas, desde a iluminação até os eletrodomésticos e computadores.

elementos foram projetados também para que as pessoas possam realizar reuniões rápidas e sem a burocracia de agendamento ou disponibilidade de uma sala específica. “Temos uma copa quase social, diferente dos escritórios que fazem aquela copa pequenina, que não dá nem para comer. Começamos a trazer isso para dentro do espaço do trabalho para que as pessoas se sintam à vontade de permanecer. Um espaço para almoçar juntas, fazer uma pausa, tomar café ou jogar videogame”, relata.

Fotos: divulgação

Para Laís, um projeto arquitetônico precisa levar em conta o universo das marcas e revelar o que elas têm de mais significativo. “Quando entendemos que a arquitetura traduz uma narrativa, no caso do mundo corporativo, a narrativa da marca, o espaço precisa traduzir esses valores: se a marca acredita nas pessoas, se respeita os horários dos funcionários. E, as traduções são múltiplas, cada empresa tem seus próprios valores, então cada projeto vai ser exclusivo”, exemplifica. No caso do Estúdio Sol, o principal ponto é a valorização do funcionário, que tem a flexibilidade para trabalhar em seus próprios horários; é estimulado a interagir e tem possibilidades de descontrair dentro do ambiente de trabalho. “É dessa forma que a arquitetura opera num discurso que é da empresa”, afirma.

Projetar de forma a traduzir o conceito da marca aponta também para as alterações das formas de se trabalhar na atualidade. Se, antigamente, o profissional era contratado por uma empresa na qual passava a vida inteira, hoje essas relações se tornaram mais dinâmicas. Para a arquiteta, o que motiva as pessoas a permanecerem num trabalho é justamente esse alinhamento de ideias entre eles. “O grande desafio de algumas empresas, principalmente as de tecnologia, que contam com profissionais muito jovens, é reter esses talentos. A ideia de projetar espaços que imprimam a identidade da marca é justamente a de possibilitar o bem estar. Existem diversos estudos que comprovam que, se a pessoa se sente à vontade para trabalhar da forma como considera mais apropriada, ela produz melhor”, ressalta. É por isso que Laís acredita na arquitetura também como uma forma de solucionar problemas dos diferentes tipos. “O funcionário precisa se sentir à vontade para conversar, cruzar com o chefe no corredor, trocar uma ideia, fazer uma reunião rápida. A arquitetura é um suporte para essa nova lógica de negócios e para a necessidade das marcas exporem o que elas verdadeiramente acreditam”, completa.

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Artigos Na Seção Artigos desta edição, aumentamos a quantidade de textos, desta vez dialogando com o tema central: ressignificação. São reflexões que buscam entender os processos de ressignificação ocorridos com os objetos do design, em perspectiva com seus usuários e públicos diversos. São eles: Fábio Parode trabalha com o design de autor, propondo a ressignificação da experiência do próprio design, buscando, no referencial da arte, no simbólico artístico, trazer ao design de autor a resistência ao modelo massificante do sistema industrial, ainda que mantendo alinhamentos de alguma forma à lógica do capitalismo. Tarcísio Cardoso afirma que tudo é signo, na medida que, enquanto signos, objetos não são boas ou más peças de design, são signos instaurados por contextos, instauradores de redes de relações. Trata-se, sempre, de um redesign, eterno reelaborar do mundo em que já se vive. A semâtica e a semiótica são duas faces do design, conforme Wellington Medeiros, e que precisam ser consideradas de forma conexa e simultânea na criação e no estudo dos produtos. São dimensões inseparáveis e que devem se manifestar no processo de design. Lucas Pantaleão traz a noção de design de contra-ponto: a proposta consiste em ressignificar objetos, a fim de criar artefatos, cujo propósito visa estimular a conscientização eco-lógica. Sua abordagem Walkeriana propõe a dissolução das fronteiras entre arte e design, associando a linguagem verbal com a visual, na criação de artefatos que produzam uma expressão estética crítica. Convido os leitores a experimentarem diferentes análises e reflexões sobre design, a partir de paradigmas que extrapolam o tangível do mundo material, buscando, nas interrelações com outras áreas, a construção de conhecimento e ideias para novas práticas.

Por Marcos Maia

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Ressignificação & Design:

arte como potência Por Fabio Pezzi Parode

Foto: divulgação

Poltrona Suchi IV dos Irmãos Campana.

A sociedade contemporânea vem passando por um momento de confronto com seus limites. Limites revelados pelos impasses do sistema industrial, pelas contradições do sistema econômico, pelos efeitos nocivos das emissões de gases e dos dejetos da indústria no meio ambiente, pelos novos padrões agressivos de consumo reveladores de estéticas e éticas orquestradas pelas mídias e pelo marketing etc. Nesse contexto, onde toda ordem natural é gradualmente substituída pela lógica industrial e, evidentemente, pela lógica de produção, retenção de bens, fluxo de riqueza e consumo de mercadoria, os estratos sociais se veem imersos num sistema de interdependências que evidencia uma lógica de confinamento. De fato, a globalização se revelou como sistema massificador e o fundamento subjacente da indústria, como regime de confinamento. Segundo Bauman, “o significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é (...) a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo. A 35


Cadeira Favela dos Irmãos Campana.

Cadeira Vermelha dos Irmãos Campana

globalização é a ‘nova desordem mundial...” (BAUMAN, 1999, p. 67). Nesse sistema, algumas instituições funcionariam como agentes reguladores dos níveis de tensão gerados pelas forças e interesses que se opõem. Entre essas instituições, está a arte e todo seu aparato de legitimação. O design contemporâneo, em particular o design de autor, mais próximo da arte, serve-se dos mesmos modelos e marcos reguladores, assim como, enquanto artefato, dispositivo, também funciona, tal como a arte, como catalisador no universo de relações entre corpos, imaginário e estruturas socioeconômicas. De fato, o consumo revelou-se como o grande apanágio da sociedade pós-moderna. Na segunda metade do século XX, período do pós-guerra, o mundo ocidental atravessa um momento crítico e reflexivo quanto ao modelo de racionalidade instrumental. Ora, jamais os limites de experimentação da crueldade e de racionalização do poder tinham sido levados tão longe por uma ordem coletiva, como ocorreu na Alemanha durante esse período. Entretanto, o pós-guerra também foi um

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período de grande desenvolvimento do design industrial e foi quando o modelo de sociedade americana passou a operar como modelo emergente de uma nova ordem mundial. Após a queda do muro de Berlim, em 1989, o neoliberalismo rompeu todas as fronteiras e o mundo econômico passou a funcionar como um sistema interdependente de fluxos de capitais. Esse período foi marcado pelo processo de homogeneização dos sistemas de produção e consumo, evidenciando uma franca hibridização de culturas. Com o final da guerra emergiu no horizonte novas necessidades da indústria, anteriormente estruturada para responder às demandas de um sistema voltado para a defesa, para a guerra. A estandardização de modelos e dos mercados, já fortemente evidenciada pela lógica fordista, com o amplo desenvolvimento industrial impulsionado pela indústria bélica, passou a ser considerado como meio de otimizar os custos de produção e aumentar os lucros dos fabricantes. Contudo, considerando a dinâmica que é própria do capitalismo, a concorrência - matriz de comportamento dentro desse sistema -, revelou-se, contudo, que essa matriz é


contrária à lógica imanente da cultura, ou seja, um quadro de forças em oposição se revela através da estandardização da indústria contra diferenciação pela cultura. Se, por um lado, há um processo imanente das indústrias e empresas em monopolizar os mercados, por outro, a sociedade resiste estruturando regulamentações e normatizações que impedem a formação de cartéis e monopólios. A globalização reflete um estágio bem avançado desse processo de monopolização dos mercados e enfraquecimento das instâncias reguladoras como o Estado afetando diretamente a identidade e a expressão das culturas locais. A partir da década de noventa, com a implementação massiva em sociedade de novas tecnologias, diga-se, mídias tais como os computadores e internet, novos paradigmas e novas estéticas levam a sociedade a novos padrões de comportamento e percepção, consequentemente, exigindo uma nova organização das formas. No final da primeira década do século XXI, revelam-se dois fatores de extrema importância para o surgimento de um campo favorável ao design de autor: a sensação de confinamento das sociedades

de consumo de massa, devido a saturação dos mercados, e o efeito no imaginário das transformações do panorama ambiental em decorrência da grande evolução industrial em escala planetária. Do final da década de noventa até os dias atuais, uma série de sintomas são reveladores de um novo padrão estético que surge no cenário como forma de resistência, entre eles, o design de autor. Uma resistência, por certo, um tanto quanto limitada posto que engajada com a indústria e a própria lógica do capitalismo, mas ainda assim, resistente em determinados níveis ao modelo massificante e confinador que induz a globalização. É durante essa espécie de dobra do sistema industrial e capitalista contemporâneo que surge o design dos Irmãos Campana: Humberto (nascido em 1953) e Fernando (nascido em 1961) Campana. Esses dois designers originários de Brotas, interior de São Paulo, Brasil, conquistaram notoriedade não tanto por serem legitimados por grandes máquinas de produção simbólica, 37


tal como o MOMA de Nova York, mas principalmente, por estarem evidenciando, expressando um sentimento, um quase apelo, de retorno ao corpo, à sensação, às matérias elementares: princípio ativo da arte. Suas formas labirínticas pulsam entre a sofisticação e o resgate do primal. Segundo Reich (1952-1970), “o refluxo completo da excitação na direção do corpo na sua totalidade é o que constitui a satisfação.” (REICH, 1970, p. 89). De fato a grande magia do fazer desses designers paulistas está em revelar a exuberância, a potência criativa da arte na organização do caos e na capacidade lúdica de resgatar valores da cultura popular, tão mais próximos do corpo, da sensação e da simplicidade. O design, por sua natureza aplicativa, é propriamente redutor: redutor à formas, materiais, conceitos, experiências. De fato, o design que busca referenciais, que se potencializa junto ao campo da arte, tende a jogar com os limites entre os significantes produtores de rupturas e os

da funcionalidade, gerando, dessa forma, um estranhamento que tende a intensificar a sensação do corpo, aproximando-o da matéria. O design de autor tanto serve para produzir sensações nos corpos a partir dos objetos, como serve para distingui-los através das cargas simbólicas que lhes são agregadas, projetando-as ao plano das relações sociais. Segundo Baudrillard, “manipulamos sempre os objetos (num sentido bem amplo) como signos que nos distinguem seja em nos afiliando ao nosso próprio grupo tomado como referência ideal, seja nos demarcando de nosso grupo por referência a um grupo de estatuto superior.”1 (BAUDRILLARD, 1970, p. 79). É dessa forma que podemos agregar aos valores simbólicos da produção campaniana, o valor relativo à matéria sensível e à estética barroca como um dispositivo, um conjunto de articulações que nos remetem ao sensível do corpo, e por conseguinte, ao sensível do humano: preservação do humano no design.

1 “On manipule toujours les objets (su sens le plus large) comme signes qui vous distinguent soit en vous affiliant à votre propre groupe pris comme référence idéale, soit en vous démarquant de votre groupe par référence à un groupe de statut supérieur.” (traduzido do francês por Fabio Parode)

Referências Bauman, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. Baudrillard, J. La société de consommation. Paris: Éditions Denöel, 1970. Marcuse, H. L’homme unidimensiionnel. Paris: Les Éditions de Minuit, 1968. Reich, W. La fonction de l’orgasme. Paris: L’Arche, 1970.

Fabio Parode, doutor em Estética por Paris 1 – Panthéon Sorbonne, Jornalista e Mestre em Comunicação, atualmente professor no PPG Comunicação da Universidade Federal do Ceará – UFC.

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É tudo design? Por Tarcísio Cardoso

Grande número de estímulos visuais. Times Square.

Em cada esquina de nossa voraz selva urbana vemos faróis, faixas de pedestres, letreiros de lojas, adesivos, vitrines, cartazes e uma série quase infinita de estímulos visuais que tentam captar nossa fugaz atenção. Isso acontece também com aquela banca de jornal do quarteirão acima – títulos, manchetes, fotos, elementos gráficos, logotipos, cores, texturas, figuras, cada volume de uma revista ou jornal apresenta alguns milhares de estímulos visuais diferentes. O mesmo se passa também com os artefatos ao nosso redor em uma sala, em um escritório, ou aí mesmo, neste ambiente em que você está. Lâmpadas, janelas, paredes, pisos com determinada textura e uma série de objetos que compõem nossa experiência humana, nosso estar no mundo. O que dizer, então, de tábuas e caixas de som que viram carrinhos de café, cartolinas rabiscadas que viram letreiros de venda, que estão sob o guarda-chuva do “vernacular”? Claramente, expressam mensagens pelo código visual, através de determinadas formas, cumprem determinada função. Perguntamos: é tudo design? Quando vemos objetos do dia a dia retirados do contexto de uso e expostos em

museus de design como peças do “design brasileiro” (ou de qualquer nacionalidade), tais objetos parecem ganhar um claro estatuto de design. Mas, daí também fica claro: já eram design. Não precisariam estar ali para sê-lo. Na medida mesma em que simplesmente existem, ainda que inviabilizados pela rotina, tais artefatos propõem experiências, em certo sentido cumprem com os tão batidos requisitos de forma, de função etc. E de metodologia? Perguntariam. Foram projetados segundo um procedimento projetual? Metodologia do projeto parece ser, então, um último requisito essencialmente próprio do fazer design (ou, pelo menos, assim nos ensinaram a pensar). Mas, mesmo aí, não há critérios demarcadores tão claros, pois quando se fala de metodologia, toma-se design como verbo, não como substantivo, de modo que é a ação, o fazer, que está em jogo, não tanto o quê. E, assim, perde um pouco o sentido falar do “isto é design”. Talvez, mesmo esse último critério seguro a separar o design do não-design seja, no fim das contas, um critério que separa o design do design. Bem mais fundamental que buscar uma definição normativa do design é pensálo a partir do seu caráter agenciador 39


Diversidade de artefatos de design

de relações. Nossa história fala bastante do design enquanto atividade industrial. Durante muito tempo, design esteve associado a uma atividade que podia promover o desenvolvimento. Os paradigmas do funcionalismo, construtivismo, racionalismo, expressavam um ideário normativo do bom e do mau design, mas tais propostas sempre tinham em mente um ideal (por vezes oculto) de progresso. Tal ideal, que tem como marco histórico a Revolução Industrial, representou, por anos, a libertação iluminista, isto é, a dominação da natureza pelo humano, o que significa tomar o ser humano como sujeito livre, capaz de criar, progredir, dominar e a natureza como objeto, como algo a ser dominado. O problema atual é que esse modelo moderno, seguido por todas as nações que buscam se emancipar e se industrializar, é o grande responsável pela deterioração do planeta e pela instauração da atual crise ecológica, que toda a humanidade sente, hoje. A resposta de Gaia é bastante clara e os desafios dessa relação entre desenvolvimento e sustentabilidade hoje são bastante mais

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complexos que os do século XVIII. No mundo atual, design não pode ser tomado como construção (em certo sentido, ele poderia ser também destruição). Não se pode mais assumir uma postura progressista, desenfreada, irresponsável. Design não é apenas desígnio, no sentido modernista, mas também no sentido dialógico. Há sempre um diálogo com o contexto, do qual o design não pode se furtar. Falar no caráter dialógico do design é lembrar sua fundamental dimensão semiótica. A própria ideia de signo, ou sign em inglês, nos desperta para a conexão essencial entre o design e a esfera dos significados. De-sign, desse modo, é aquilo que se dá à interpretação, e essa, por sua vez, só pode se dar em um contexto de relações sintáticas, semânticas e pragmáticas. De modo que, enquanto signos, os objetos não são apenas boas ou más peças de design, são, fundamentalmente, signos instaurados por contextos e instauradores de redes de relações. Em se corporificando em agenciamentos, o design de coisas é, no fundo, o design de não-coisas, como diria Flusser. Uma ideia é


muito mais do que o que ela própria veicula quando materializada, pois se conecta com uma rede de interesses, cujos elementos materiais do design se traduzem em uma dimensão política. Por mais que os objetos se transformem em coisas, nunca conseguiriam ocultar questões de interesses por trás dessas coisas, sendo esse o lócus próprio dos arranjos sociotécnicos, já que, como diria Latour, não há o social isolado do técnico, nem o técnico isolado do social. Nessa linha do sociotécnico, vale acrescentar que o design envolve sempre uma ética do design, já que nenhum designer pode se furtar das consequências do seu projeto. Se o jornalista e o cientista ainda poderiam tentar usar o véu da objetividade, repetindo o cinismo do “estou somente relatando aquilo que existe”, o designer não pode se esconder em relatos. Ao contrário, ele é um agente bastante ativo do mundo que o próprio design faz emergir. Cabe acrescentar ainda que nessa emergência de mundo, o design é, necessariamente um devir outro. É sempre um redesign, já que há, em si, um projetar experiências e mundos que opera como um

eterno reelaborar do mundo em que já se vive. Mas, o que isso quer dizer? Quer dizer que as criações do design não podem ser uma criações ex nihilo. Quando vemos um objeto acabado como se tivesse sido feito a partir do nada, vemos, no máximo, uma tentativa (interessada) de ocultar os processos, os meios, as fontes e os atores de uma co-construção. Uma vez que design nunca pode partir do zero, a figura endeusada do criador deve, cada vez mais, ceder à dos agentes em rede que propiciam a emergência do novo que, na verdade, é o velho recombinado. Ao assumir a essência do redesign, podemos dizer com Latour, que design é, antes de tudo, “o antídoto para a arrogância e para a busca de certezas absolutas”. Se considerarmos, agora, todas essas dimensões, ainda cabe indagar: é possível imaginar o design sem os códigos, os significados, as ideias, as não-coisas? E o design sem a alteração nos agenciamentos sociais, éticos, políticos? Existe o design que não seja também um redesign? É isso, então, o que delimita o universo do design? Ou é isso o que o amplia?

Referências FLUSSER, Vilém; CARDOSO, Rafael. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Editora Cosac Naify, 2007. LATOUR, B. Um Prometeu cauteloso? Alguns passos rumo a uma filosofia do design (com especial atenção a Peter Slotedijk). Agitprop: revista brasileira de design, São Paulo, v. 6, n. 58, jul./ago. 2014.

O autor é professor adjunto do Departamento de Comunicação da UFBA. Doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) pela PUC-SP com bolsa CAPES (2015). Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP com bolsa CNPq (2010). Membro do grupo de pesquisa TransObjeto e do Grupo de Pesquisa em Semiótica e Culturas da Comunicação (GPESC).

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Significados no design:

entre a apresentação da função e da usabilidade e a representação simbólica no produto Por Wellington Gomes de Medeiros

Este artigo discute, brevemente, os significados no design, identificados a partir de duas dimensões: uma de apresentação da função e da usabilidade (semântica do produto); e outra de representação de valores simbólicos (semiótica do produto). A literatura sobre o assunto e a prática do design sugerem que essas duas dimensões são distintas e devem ser compreendidas e exploradas separadamente. O texto a seguir argumenta que, embora apresentem características próprias, a semântica e a semiótica do produto são as duas faces significantes do design e devem ser consideradas de forma conexa e simultânea na criação e no estudo dos produtos. A história do design moderno não contempla, satisfatoriamente, o aspecto dos significados na criação de produtos. Apesar de ter que explorar, por exemplo, formas e cores com o objetivo da comunicação, os designers ainda expressam dificuldades na abordagem sistemática dessa questão em seu processo criativo. De fato, esses profissionais têm lidado com a complexidade dos aspectos semânticos sempre que decidem por uma forma que faz com que o produto pareça 42

o mais adequado ao seu propósito pretendido. Isso porque devemos levar em conta a função de produtos como veículos de significados, incorporados ao longo do tempo ou convencionados. Caso contrário, seria como projetar dinheiro como meros pedaços de papel com imagens. A questão dos significados no design transcende a ordem visual e os significados planejados. O usuário também percebe nas coisas aquilo que reflete sua própria experiência de vida. Nesse sentido, os produtos alcançam uma dimensão além daquela relacionada às suas qualidades inerentes, instaurando também significados conectados ao que os usuários acreditam. Podemos então identificar duas possibilidades de significados em produtos: (1) nãorepresentacional ou de apresentação - ligada a qualidades inerentes aos produtos; e (2) representacionais – que proporcionam conexões simbólicas com os produtos. A primeira diz respeito ao que denominamos de semântica do produto, enquanto a segunda seria a semiótica do produto. Apesar de distintas, essas duas dimensões são inseparáveis e assim devem se manifestar no processo de design.


Projeto “Barraca Melancia”. Elaborado pelos alunos Ana Carolina Lacerda Martins, Nadisa da Silva Morais, Vaniele Ramos e Taiuan Filgueira. Orientação: Professor Wellington Gomes de Medeiro, PhD.

Entre a Semântica e a Semiótica A semântica do produto é baseada na suposição de que as pessoas tendem a perceber e entender significados nos produtos, ao invés de, meramente, ver seus atributos físicos. Em vista disso, material, forma, cor e demais atributos perceptíveis funcionam como meios de mensagens. Segundo essa perspectiva, o designer não criaria produtos apenas, mas projetaria mensagens. Essa ideia aproxima a semântica do produto de uma abordagem semiótica. No entanto, a relação entre a semântica e a semiótica é uma questão complexa e muitas vezes considerada de forma desconexa nos cursos de design e na prática do designer. A principal contribuição para a identificação sistemática da semântica no design foi estabelecida com a definição do termo “semântica do produto” no início da década de 1980 (KRIPPENDORFF, 2006). Seus criadores defendem que ela não deve estar vinculada à semiótica tradicional. A semântica do produto seria, portanto, diferente das abordagens que consideram os artefatos como signos, pois ela estaria fortemente conectada à função e à usabilidade, não incluindo a dimensão representacional dos significados. A semântica do produto é apresentada como um dos princípios basilares do Design (BAXTER, 1995: 218), uma vez que sua essência estaria na

comunicação de suas qualidades práticas e funcionais na interação com as pessoas. Nesse sentido, um produto deve parecer (entenda-se comunicar), estar bem equipado e ser de fácil compreensão para o uso adequado, mesmo que, quando em uso, falhe por diversos motivos. Isso levaria à diferenciação entre a semântica do produto e a semiótica do produto. Os propositores da primeira advogam que ela não substitui nada – não sendo representativa ou ligada a convenções externas - e, como tal, não deveria estar alinhada com a semiótica tradicional, ou seja, produtos como signos. A semântica do produto estaria vinculada aos processos de uso, conectando a interação emocional à usabilidade criada ou destruída em um processo semelhante ao modo como a linguagem cria e destrói as coisas (WITTGENSTEIN, 2001). A noção de produtos criados e destruídos na linguagem parece fundamental. No entanto, a associação da semântica do produto à usabilidade dissociada de seu caráter representacional é limitadora do potencial significante das coisas. As pessoas interpretam além dos significados que os produtos foram projetados para instaurar, entendendo de forma simultânea possíveis significados simbólicos. O uso de coisas para fins utilitários também opera no âmbito simbólico da cultura. Os objetos 43


relacionados às necessidades mais utilitárias da casa, como água corrente e eletrodomésticos foram considerados artigos de luxo quando introduzidos. Desse modo, é difícil separar a função relacionada ao uso dos significados simbólicos até mesmo nos objetos mais práticos (CSIKSZENTMIHALYI & ROCHBERG-HALTON, 1999: 20). Portanto, parece difícil conceber produtos como separados do relacionamento simbólico com as pessoas. Esse debate nos leva à compreensão de que os produtos têm um papel ativo e simultâneo na interação, tanto no nível semântico quanto semiótico. Ou seja: a propriedade de os produtos incorporarem significados externos a ele é tão relevante quanto suas qualidades físicas e suas funções inerentes. Assim, a consideração de um certo paradigma semântico para o design implica em uma mudança na concepção da área:

do foco principalmente baseado na materialidade, na função e na ergonomia para o foco na constituição de significados e no processo de compreensão. Isso representa um deslocamento da percepção puramente da materialidade do objeto para a percepção e compreensão de seus significados. Essa nova forma de pensar e executar o design descarta a exclusividade semântica da função e valoriza a conexão das diversas interpretações. Os significados em produtos de design são tão abertos quanto as vastas possibilidades de compreensão por parte dos usuários (VIHMA, 1995). A semântica do produto e o produto enquanto signo, devem ser partes inter-relacionadas e complementares. Essa conexão deve estar presente na prática do Design e precisa ser melhor investigada em pesquisas de cunho acadêmico.

Referências BAXTER, M. Product Design. London: Chapma & Hall, 1995 KRIPPENDORFF, K. The Semantic Turn. New York: Taylor & Francis, 2006. CSIKSZENTMIHALYI, M.; ROCHBERG-HALTON, E. The Meaning of Things: Domestic Symbols and the Self. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. VIHMA, S. Products as representations. Helsinki: UIAH, 1995. WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. Oxford: Blackwell, 2001.

Wellington Gomes de Medeiros é professor Associado da Universidade Federal de Campina Grande, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Design da UFCG e consultor do CNPq e da FAPESP. Doutor em Design pela Staffordshire University, Inglaterra; Mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Graduado em Design pela Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área do Design e Semiótica com participação em eventos no Brasil, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Portugal e Estados Unidos.

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Design de Contraponto:

imagem e linguagem para sustentabilidade À medida que os objetos viram dejetos, aquele projeto que ontem operava como solução, hoje se apresenta como obstáculo e problema. [...] Saber compreender os artefatos é saber que eles mudam no tempo, impelidos pela ação dos usuários e condicionados pela força do ambiente, até os limites suportados por sua materialidade. [ Rafael Cardoso ]

Por Lucas Pantaleão Em sua evolução, o design produziu uma série de ramificações1, a partir da articulação de diferentes áreas do conhecimento (arte, ciência, tecnologia) sem nunca ter eliminado questões de âmbito estético. As configurações estéticas, por incorporar e propiciar satisfação e a formação de novas necessidades, sejam elas objetivas ou subjetivas, configuram-se como ferramenta essencial à conscientização em prol de um novo modo de vida, no contexto do atual paradigma de consumo predominante na cultura material contemporânea. A produção contínua de novas expressões estéticas, aliada a companhas publicitárias agressivas e ao marketing implacável, destina-se a criar um sentimento constante de insatisfação com as posses, movimentando o ciclo de substituição de antigos produtos por novos. Enquanto a produção e o consumo satisfazem os atuais paradigmas econômicos através do crescimento dos negócios e a satisfação do prazer temporário do usuário (consumidor), mergulha-se na direção de que tal concepção de cultura material se torna, cada vez mais, fundamentalmente insustentável.

Autores como Victor Papanek, Stuart Walker, John Thackara, Christopher Crouch, entre outros, apostam no advento de uma “nova estética”2, mais precisamente de uma “estética sustentável”3, ou, ainda, de uma “nova estética de sustentabilidade”4 . A qual deverá, inevitavelmente, emergir como resposta às implacáveis imposições socioambientais e ecológicas, já que a continuação da vida neste planeta, sendo primordial, pode ser auxiliada ou entravada pelo design. Nessa direção, o professor e pesquisador inglês, Stuart Walker5, defende que o design não deve apenas resumir-se à uma disciplina que se ocupa exclusivamente da definição de coisas materiais e transitórias. Ao propor um distanciamento temporário entre a academia/universidade e as considerações de ordem econômicas, defende o aprofundamento de conceitos ligados a significados pessoais de foroíntimo, no sentido de resgatar fundamentos relativos à sustentabilidade. Dentre a gama de abordagens pedagógicas, originalmente desenvolvidas por Walker, destacamos aqui a que o autor denomina “Design de Contraponto” (‘Counterpoint Design’). A proposta consiste 45


em ressignificar objetos, a fim de criar artefatos, cujo propósito visa estimular a conscientização eco-lógica. Como artifício para fazer emergir um certo “conhecimento tácito”, capaz de “materializar” o pensamento sustentável, um processo de design intuitivo toma como premissa uma profunda consciência humanitária, ao passo que valoriza a contemplação silenciosa (solitude), a reflexão introspectiva, o contato com a natureza e a paz interior. Aspectos esses, inegavelmente vitais à criatividade.

também declararão um posicionamento, e por isso serão retóricos. Além disso, quando o trabalho de design e seus argumentos declaram uma posição que contrasta e desafia as normas estabelecidas e as direções atuais, esse será, inerentemente, polêmico. Embora isso possa ser problemático a partir de uma perspectiva objetiva, acadêmica, não obstante a subjetividade, a expressão tácita de valores e a afirmação de uma posição, são fundamentais tanto para o desenvolvimento tecnológico, como para a disciplina do design e, portanto, correspondem a características críticas

Dissolvendo as fronteiras entre a Arte e o Design, a abordagem walkeriana procura associar a linguagem verbal (analítica, racional, linear, etc.), de predominância no hemisfério cerebral esquerdo, com a imagem visual (sintetizante, emocional, holística, etc.), cuja predominância se dá no hemisfério direito do cérebro. Por meio de um processo criativo cíclico (“thinking-anddoing”), que vai da reflexão teórica à concepção/ contemplação introspectiva, constantemente intermediada pela autoavaliação reflexiva, o estudante de design deve desenvolver um artefato associado a um pequeno texto, no sentido de produzir uma expressão estética crítica, que evoque um significado relacionado com a sustentabilidade.

Vejamos a explicação do autor acerca do “Design de Contraponto”:

da prática do design. [...] Considerando que o design comercial comum, reforça implicitamente as normas e expectativas do sistema [pós-industrial, capitalista, globalizado], orientando-o para o

mercado do qual faz parte, o design de contraponto é usado para levantar questões sobre esse sistema, ao expressar uma posição contrária. [...] Nesta abordagem de design, uma questão abstrata geral, como “mal-estar existencial” ou “racionalidade instrumental”, é transformada em questão específica e, através do processo criativo, expressa em termos concretos através de objetos ou arranjos tangíveis. [...] Ao invés de tentar analisar, explicar e apresentar os vários pontos em uma ordem lógica e linear, os objetos gerados por esta prática sintetizam ideias a partir de uma composição integrada, que é percebida quase que instantaneamente6.

Descrições e explicações de um determinado trabalho de design naturalmente procurarão justificar os argumentos em torno dos quais um determinado projeto se baseia, ao passo que

HAUFLE, 1996 PAPANEK, 2014, p. 263 3 WALKER, 2006, p. 186; CROUCH et. al. 2015 4 THACKARA, 2008, p. 206 5 Stuart Walker, cuja obra foi objeto de estudo de nossa pesquisa de doutorado, a qual compõe o referencial teórico deste artigo, é professor e pesquisador de design para sustentabilidade no laboratório de pesquisa Imagination pela University of Lancaster, Reino Unido. Passou grande parte de sua carreira acadêmica no oeste do Canadá, onde foi decano associado da Faculdade de Design Ambiental na Universidade de Calgary. Sua pesquisa tem como foco a estética do design de produtos sustentáveis e seus trabalhos concentram-se na “estética sustentável” do produto e sua re-significação. Desenvolve um design conceitual que tem sido exibido em apresentações exclusivas no Design Museum em Londres, Canadá e Europa. A pesquisa de Walker explora uma variedade de temas relacionados como “Design for Sustainability” e “Design and Meaning and Aesthetics”, nos quais emprega o próprio processo criativo do design como metodologia de investigação, priorizando tanto a prática experimental, quanto o potencial criativo do ato de projetar (“designing sustainability”). Paralelamente, o pesquisador tem publicado livros e artigos em revistas, entre os quais destacam-se: “Sustainable by Design: Explorations in Theory and Practice” (2006); “The Spirit of Design: Objects, Environment and Meaning” (2011); The Handbook of Design for Sustainability (2013); Designing Sustainability: Making Radical Changes in a Material World (2014), Design for Life: Creating Meaning in a Distracted World (2017) e Design Roots: Culturally Significant Designs, Products and Practices, (2018). 1 2

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WALKER, 2017, p. 53-4 – Tradução nossa


Não obstante, no 2º semestre letivo de 2017 replicamos a abordagem descrita com alunos do curso de Design da Universidade Federal de Uberlândia - MG (FAUeD/UFU). As composições a seguir correspondem a alguns dos resultados que julgamos mais profícuos: ISTO NÃO É UM CABIDE Você considera sua vida mais importante que a vida de um animal? O hábito de consumir produtos de origem animal desequilibra o ecossistema, maltrata outros seres, causa o consumo de muita água e libera gases na atmosfera que destroem nosso planeta. O vegetarianismo e o veganismo, longe de serem uma dieta simples, consagram uma ideologia de vida em que os seres humanos espiritualizam suas escolhas, com empatia para com seus irmãos menores: os outros seres vivos. Repense suas ações, sua comida, suas roupas... Sua vida! Materiais: Gancho de abate, jaqueta de couro artificial, maça. Estudante: Yasmin Rotondo

CUBO TRÁGICO O Cubo Trágico é um jogo de quebra-cabeça que evoca, em cada uma de suas faces, algumas das grandes tragédias da história humana. Doenças, guerras, fome, depressão, poluição e avanço tecnológico inconsequente representam rostos feios de nossa sociedade. É preto e branco porque esses eventos horríveis deixam para trás uma vida sem cor, enquanto se tornam cada vez mais difíceis de serem solucionados, esses enigmas encerram grandes obstáculos para a nossa civilização, “pensante”. Materiais: Quebra-cabeça tridimensional reutilizado (Cubo de Rubik 1974), papel adesivo, design gráfico, memórias tristes. Estudante: Stênio Rodrigues

MUNDO DESCONECTADO Em qualquer lugar, a qualquer hora, todos os dias... Não podemos nos livrar dele. Artefatos tecnológicos, supostamente usados para nos conectar com o mundo, com amigos, com o trabalho, com a vida... Você tem certeza? Qual é o limite da moderação entre a conexão e a dependência? A capa para smartphone mundo desconectado representa escravidão e a falsa sensação de conexão que esse tipo de aparelho nos dá. Materiais: Capa de Smartphone descartada, algemas. Estudante: Clara Saraiva.

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Uma das lições mais valiosas que extraímos, ao verificar os resultados da aplicação do “Design de Contraponto” junto aos alunos, foi a de que, quanto mais reconhecermos a origem contextual de nossa cultura material frente às necessidades humanas e ao ambiente, mais apreciaremos o significado de nossos objetos.

Dessa constatação, poderíamos concluir que nosso sistema econômico contemporâneo vende, mais do que qualquer coisa, infelicidade e descontentamento. Se esse raciocínio estiver correto, enquanto não rompermos esse ciclo vicioso, a felicidade, ainda que relativa, será para nós algo efêmero ou inacessível.

Embora as iniciativas de design com vistas para o desenvolvimento sustentável logrem cada vez mais espaço no cotidiano, tanto acadêmico quanto comercial, é forçoso reconhecer que, na atual conjuntura pós-industrial capitalista globalizada, o design promove mais consumismo do que sustentabilidade.

Nesse sentido, acreditamos que a natureza das abordagens walkerianas não apenas sintetizam um fronte visionário para o design, como também revelam um abismo, quase intransponível, entre as práticas dominantes do projeto de produto lucrativo, diante da mudança substancial que nossa sociedade necessita urgentemente transpor rumo à sustentabilidade planetária.

Referências CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Ubu Editora, 2016 CROUCH, C., Kaye, N. and CROUCH, J. An Introduction to Sustainability and Aesthetics: The Art and Design for Environment. Florida: Brown Walker Press, 2015 HAUFLE, Thomas. Design: an illustrated historical overview. New York: Barron´s Educational, 1996 PANTALEÃO, Lucas. Farinelli. Stuart Walker: A Função Estética Sustentável – Mediações entre Arte, Design e Espiritualidade. 2017. 288 p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2017 PAPANEK, Victor. Arquitectura e design: ecologia e ética. Lisboa: Edições 70, 2014 TACKARA, John. Plano B: o design e as alternativas viáveis em um mundo complexo. São Paulo: Versar, 2008 WALKER, Stuart. Design for Life: creating meaning in a distracted world. Abingdon: Routledge, 2017

Lucas Farinelli Pantaleão Doutor em Design pela Universidade Estadual Paulista (FAAC/UNESP). Professor do curso de Design da Universidade Federal de Uberlândia (FAUeD/ UFU). Coordenador do Núcleo de Design para Sustentabilidade.

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O mundo que nos encontrou Casal ressignifica o lar para abrigar projetos criativos de Belo Horizonte Por Pâmilla Vilas Boas

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O corredor funciona tambĂŠm como uma galeria de fotos do casal.


A casa Avivah é a porta de entrada para uma grande ressignificação que envolve novas formas de morar, trabalhar e projetar na contemporaneidade. A casa, localizada no bairro Serra, em Belo Horizonte/MG, é o habitat do casal Amora (Bruno Lobo e Fabi Senra) apaixonado por moda, arte e design. Além de lar, a casa é um espaço conceito que une moda, design, arte, decor, música e fotografia e abriga um estúdio de design e birô criativo onde são desenvolvidos diferentes tipos de projetos, juntamente com outros profissionais da área. “Além de colaborar com outros artistas a materializar projetos coletivos, também temos o nosso escritório que desenvolve ações, produtos e serviços para empresas desses setores”, afirma Bruno.

Fotos: divulgação Avivah

A fachada da casa é como outra qualquer, mas quando as portas se abrem é possível adentrar a um universo de possibilidades. A sala de estar, integrada com a sala de jantar e a cozinha, funciona também como recepção e um local de exposição. “Aqui já aconteceram várias atividades, como exposição de vídeos, joias, reuniões. É também o local que recebemos familiares e amigos, onde todos interagem como se estivessem em um mesmo ambiente”, completa Fabi. Atravessando a cozinha está um corredor que funciona também como uma galeria de fotos do casal. As molduras foram todas recicladas, fruto de doações ou achadas nas caçambas de lixo da cidade. Cada moldura, um material diferente (mdf, pvc, fuan, canvas, osb, papel cotele, aço escovado, tecido), que apresenta um ensaio de moda e uma cenografia criada por eles. “A galeria de fotos é um produto que também comercializamos e que envolve a produção de moda, fotografia e cenografia. Pensamos num sistema de design de superfície, pois cada impressão se adapta a uma superfície diferente”, explica Fabi.

Ao descer as escadas, na parte inferior da casa, está a sala Amora, uma estação multimídia que funciona como o escritório do casal, abriga reuniões e algumas ações pedagógicas. Fabi explica que o ambiente foi criado de forma modular e que pode ser customizado de acordo com as necessidades. “A gente consegue transformar esse ambiente em um grande vão para 30 pessoas em uma palestra, por exemplo, ou adaptar para uma reunião com 10 pessoas”, completa Bruno. Um vidro separa a Sala Amora do Quintal Criativo, um espaço externo que recebe eventos de pequeno porte para até 130 pessoas. Nesse espaço eles realizam projetos como o Gastronômica no Quintal; Níver no Quintal; Holofotes … etc, que ocorrem anualmente. Escambo no quintal que é uma feira de novos talentos locais, além de alugar para festas e casamentos. “O quintal criativo é a extensão da sala amora. Aqui recebemos chefs, eventos corporativos, lançamento de produtos, até comemorações de aniversário. Já fizemos gravações de clipe, eventos com banda ao vivo etc”, ressalta Bruno. Fabi relata que o casal sempre teve o desejo de abrir as portas da casa para receber pessoas e transformar num colab de interesses artísticos, onde pudessem

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juntos colaborar, co-criar e desenvolver projetos com outras pessoas que comungam do mesmo propósito. “Nossa casa é uma ressignificação porque abrimos as portas, literalmente, para envolver pessoas, criar projetos e tudo. Transformamos o espaço em escritório, fábrica, showroom, atelier e até um canto para morar”, afirma.

enquanto uma pessoa que acabou de se formar, ou um casal sem filhos, com um ritmo de vida urbana, não têm essa demanda. Outros exemplos são pessoas ligadas ao esporte, ao ciclismo, muito diferentes dos intelectuais, músicos, pessoas ligadas à arte. Tudo isso pressupõe espaços muito diferentes”, ressalta em entrevista para a edição 12 da revista iDeia

O arquiteto e professor do departamento de Arquitetura e Urbanismo da USP, Marcelo Tramontano, coordenador do Núcleo de Estudos de Habitares Interativos (Nomads.usp), chama a atenção para a necessidade de se projetar espaços customizáveis, flexíveis e que se adaptem às demandas dos moradores. “Imagine, por exemplo, uma senhora com mais de 70 anos. Ela precisa de muito espaço de estocagem, a vida inteira nos armários,

É para atender essas diferentes demandas que surge a necessidade de projetar habitações que sejam programáveis, flexíveis e que possam se adaptar a esses diferentes grupos. “Ou eu faço projetos completamente diferentes, ou penso em habitações que não vão ser como as que temos hoje no mercado”, avalia. Uma das possibilidades, como explica o arquiteto, é pensar em moradias flexíveis com grandes espaços multifuncionais, “temos cada vez

A casa Avivah é um ambiente cenográfico que recebe projetos, eventos e abriga o estúdio do casal.

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Além disso, é preciso ressaltar a importância da customização dos espaços por parte de seus moradores. “O espaço de habitar pode ser desenhado por arquitetos e designers, mas deve ser customizado por quem mora nele”, afirma. Para o pesquisador, essa história de paredes flexíveis ou um mínimo de flexibilidade é justamente para abrir esses espaços de interação. “Essa ideia já está na cabeça das pessoas quando se fala de mobiliário e seria muito importante se pudesse ser feito também na edificação

O casal optou por ressaltar elementos que guardam a história e a memória da construção, que data dos anos 70.

propriamente dita. Não é difícil, mas demanda uma série de cuidados. Uma divisória móvel, por exemplo, precisa resistir a essa mobilidade. Precisamos definir se vai ser móvel todos os dias, ou se vai ser móvel só quando a pessoa mudar para o local, ele customiza e não mexe mais, ou se terá mobilidade uma vez por ano, um momento de receber pessoas e fazer uma festa,” exemplifica.

Desviando os significados Fabi e Bruno explicam que a casa foi comprada de um casal de velhinhos que se mudou para uma fazenda. Ao invés de uma grande reforma, o casal optou por customizar a casa, deixando elementos que guardam a história e a memória da construção, que data dos anos 1970. “O mais interessante foi descobrir a história de

Fotos: divulgação Avivah

mais essa ideia dos dormitórios misturados com espaço de recepção e cozinha, por exemplo, quanto com paredes móveis e divisórias de correr. É justamente nessa área que vamos encontrar os maiores avanços no uso dessa tecnologia para a reconfiguração do espaço”, aponta.

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cada móvel e de cada objeto”, afirma Bruno. “Essa casa tem uma coisa especial que são as histórias, em cada canto, cada objeto tem uma história”, afirma Fabi. O casal relata que a opção foi por ressignificar a casa a partir de materiais reciclados. “Tirando a tinta de parede, tudo foi doado ou garimpado na rua. Todo o material que usamos para construir o quintal criativo também foi doado ou trazido do descarte. As madeiras, a escada, os vasos, os vidros das laterais são vitrines de lojas e restos de obras de shopping. O toldo que abriga a estação gourmet é um banner de lona de um espetáculo da Filarmônica, as luminárias do muro são antenas de TV à cabo. A casa foi 75% trazida do lixo”, ressalta. O casal é apaixonado pela sustentabilidade e dissemina essa ideia desde o guarda-roupa à casa que habitam. “A gente já falava sobre reciclagem há muitos anos, mesmo antes dessa bandeira da sustentabilidade ter se tornado tão recorrente. Para repaginar o visual ou o ambiente da sua casa, não precisa de gastar muito dinheiro. A reciclagem não é só material, mas comportamental”, revela Fabi.

A luminária foi construída a partir de uma hélice, alterando o contexto de uso do objeto.

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Ainda no quintal criativo foram inseridos containers modulares em parceria com uma empresa de locação de containers, que está oferecendo o produto para eventos e mostras, além da construção civil. Eles abrigam um palco para atrações musicais e um lounge com estações de bebidas e sofás. “A casa se tornou completamente cenográfica, cada canto tem uma história pra contar, e cada canto dá pra se aproveitar como fotografia. O pôr do sol morre bem aqui e cada dia nos deparamos com uma paisagem diferente”, afirma Bruno.

Desvio de função “A casa Avivah é um ambiente onde podemos encontrar quase todos os tipos de ressignificação como o desvio de função, deslocamento, upcycling e dowcycling”, destaca o designer Camilo Belchior, professor da Universidade Estadual de Minas Gerais. Ele explica que a ressignificação por deslocamento de função ocorre quando o entendimento sobre a origem do artefato se mantém, mas a forma de utilização se altera e isso


Camilo Belchior explica que ressignificar é tornar coerente o objeto para o sujeito sob novo ponto de vista, transformando-o para o contexto vigente, contexto que sempre se modifica. A futurista e especialista em economia criativa e colaborativa, Lala Deheinzelin, aponta que todo tipo de projeto que atua ressignificando os objetos, é sustentável e fundamental para a

Todo o material utilizado para construir o quintal criativo foi doado ou trazido do descarte.

Economia Criativa, pois não usa recurso para criar coisas novas, mas sim para reaproveitar o que já existe. Ela ressalta que um dos fenômenos mais interessantes relacionados ao desenho de projetos, processos, empreendimentos e negócios é a percepção de que, mais do que criar novas coisas, o sentido está em encontrar novas funções para o que já existe. “Isso é altamente sustentável porque, ao invés de criar novos hardwares, você cria outros softwares que rodam nesses mesmos hardwares”, afirma. Além disso, como explica Lala, quando você transforma o que é considerado lixo em objeto de desejo, além de trazer novos significados para o objeto, outras questões importantes são também ressignificadas. “A natureza que consideramos lixo pode ser ressignificada e se tornar preciosa. Aquelas pessoas que você acha que são lixo podem ser ressignificadas também. É importante que esse processo se amplie para outras áreas da sociedade. Não vamos nunca chegar, de fato, numa situação de sustentabilidade se nossas ações não forem integrais”, revela a futurista.

Fotos: divulgação Avivah

nos faz percebê-lo de forma diferente, ainda que seja possível identificar sua função original. Esse é o caso do latão que se transformou numa mesinha para o telefone ou mesmo os containers que mudaram de função ao se tornarem palco e lounge. O deslocamento pode ser ilustrado pela luminária construída a partir de uma hélice, na qual alteramos o contexto de uso do objeto. Mas, o mais usado na casa é o upcycling visível no processo de customização da Avivah. “O Upcycling é considerado o processo que transforma resíduos ou produtos, sem utilidade ou que foram descartados, em um novo artefato, com valor, uso e qualidade completamente novos” afirma o pesquisador.

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Design para todos Por Ana Cláudia Ulhoa

Paulo Biacchi é designer de produto e fundador do canal Tente Isso em Casa.

Um cano de PVC se transforma em luminária, uma raquete de tênis velha dá lugar a um quadro de recados e uma boia de privada vira um cabideiro em estilo náutico. Criatividade para ressignificar peças é o que não falta ao designer paranaense Paulo Biacchi. Em suas mãos, o que seria considerado sucata se torna algo belo e arrojado, que poderia figurar em qualquer loja de decoração pelo país. E, o melhor: as formas de fazê-las estão disponíveis para qualquer um no canal no YouTube “Tente Isso em Casa”. Criado no ano de 2016 por Biacchi, a página já possui mais de 160 mil inscritos e 200 vídeos. Além de ensinar técnicas para criar peças para compor qualquer residência, ele também dá dicas de decoração e publica os episódios do Desafio de Design Braskem, uma espécie de reality show apresentado por ele e estrelado por alunos de design de diversas universidades de São Paulo. O trabalho desenvolvido por Paulo Biacchi no “Tente Isso em Casa” chamou tanta atenção que rendeu ao designer a oportunidade de levar sua proposta para a televisão. No canal por assinatura GNT, Biacchi protagonizou um quadro do programa Decora durante três temporadas. Após encerrar sua participação nessa atração, ele foi convidado para ingressar na equipe do É de Casa, exibido na emissora aberta Rede Globo. Como trabalho pouco é bobagem, o designer toca mais um outro projeto. Junto com sua sócia, Carol Armellini, Paulo Biacchi comanda um estúdio chamado Fetiche Design. Fundada em 2008, a empresa se propõe a desenvolver produtos industriais para grandes marcas. Apesar de possuir um processo diferente, Biacchi conta que essas peças também carregam a essência do que ele acredita ser seu papel como designer, o de dar vida a algo que seja criativo e desperte o interesse das pessoas pela área.

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O design é um processo mesmo. Você começa com uma missão, seja desenhar uma caneta, um avião, um eletrodoméstico ou mudar um processo industrial. Desse objetivo nasce uma pesquisa muito grande, na qual você vai descobrir proximidades.


Para começar, queria saber como foi a sua formação e o que te levou a escolher o design como carreira?

Fotos: divulgação

Desde pequeno eu desenhava, sempre fui muito criativo, mas não sabia disso. Acho que foi uma coisa que fui exercitando com o tempo. Eu tinha um irmão que era tetraplégico e sempre brincava com ele, só que ele não se mexia, então eu tinha que tentar inventar brincadeiras. Meu pai também sempre foi um cara que usava muito a criatividade. Ele é cirurgião dentista, protético e criou muita coisa dentro de casa na base do improviso. Por exemplo, quando uma maçaneta quebrava, ao invés de comprar outra, ele fazia a mesma peça, só que usando seus materiais de protético. Ele tirava um molde de gesso e preenchia com acrílico, igual quando fazia uma dentadura. Mais um exemplo que gosto: minha mãe tinha uma agulha de tricô, daquelas grandes, com uma bolinha na ponta. Quando aquela bolinha quebrava, ele colava um dente molar na ponta e a agulha dela ficava com um baita dentão. Então, de certa forma, isso foi me levando a olhar para as coisas de outra maneira, acho que isso tem muito a ver com a ressignificação. Chegando na escolha do curso, fiquei dois anos tentado medicina, até que a mãe de um amigo meu falou: ‘Nossa! Por que você vai fazer medicina? Não tem nada a ver. Você é um cara tão criativo, inventa coisas, tem humor, sarcasmo. Por que você não tenta esse curso aqui?’ Foi ela quem me apresentou o desenho industrial, que ainda não conhecia. Na época, acabei me inscrevendo em Desenho Industrial com habilitação em Projeto de Produto, na Universidade Federal do Paraná. Então, sou especialista em desenvolver produtos. E, foi assim que entrei e fiz quatro anos de curso. Depois, fiquei oito anos em um escritório que desenvolvia projetos para a indústria, lá em Curitiba. Entrei como estagiário e saí como sócio, comandando 25 pessoas. Em seguida, abri meu próprio negócio com a Carolina Armellini, o Fetiche Design, para fazer produtos que acreditavamos.

Vocês criaram o Fetiche em Curitiba, mas, em 2014 se mudaram para São Paulo. Como surgiu essa oportunidade? Foi uma escolha de vocês ou alguém os convidou? A gente tinha o escritório em Curitiba desde 2008. Ficamos seis anos trabalhando ali, desenvolvendo projetos para a Tok Stock e outras grandes marcas. Nesse período, também tivemos um grande destaque em premiações nacionais e internacionais. Ou seja, o escritório já era bem reconhecido no segmento de desenvolvimento de produtos. Então, no fim das contas, o Marcelo Rosenbaum nos convidou para um projeto voltado para a área social, em uma comunidade indígena na Amazônia. Realizamos uma co-criação dos escritórios para desenvolver produtos junto com os índios e levar as peças para uma exposição em Milão. Ficamos entre 20 e 30 dias com eles nessa imersão na floresta. Depois, quando voltamos, ele mesmo falou: ‘Olha! A gente se deu super bem desenvolvendo esse projeto juntos’. A partir daí, começamos a realizar vários trabalhos para a indústria a convite dele. Até que chegou um momento que estávamos desenvolvendo muitos projetos em parceria e ele nos convidou para vir pra São Paulo. Ele disse: ‘Não querem vir pra dentro do escritório? A gente toca as coisas juntos, mas seria ideal aqui em São Paulo’. Daí a gente veio, em 2014.

Queria falar um pouco sobre a sua visão de design. Vi que, em quase todas as suas entrevistas, você afirma que o design é um processo. Fale um pouco sobre esse processo e qual é a importância dele? Sempre acreditei nisso, porque tem muita gente que acha que design é insight. Você tem uma ideia brilhante e simplesmente põe em prática. O design é um processo mesmo. Você começa com uma missão, seja desenhar uma caneta, um avião, um eletrodoméstico ou mudar um processo industrial. Desse objetivo nasce uma pesquisa muito grande, na qual você vai

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descobrir proximidades. Depois, há uma conceituação e uma história pensada para esse projeto. A partir daí, começa o desenvolvimento ativo ali no papel, que é a criação mesmo, o suor no papel em branco até encontrar uma solução para ser apresentada para esse cliente ou para o mercado. Não acredito nesse instalo genial do designer. O desenho industrial segue esses passos, e depois de uma ideia aprovada ainda tem toda uma parte técnica que é você executar a peça para ser seriada. A premissa do desenho industrial é que ela tenha alcance massivo, que seja industrializado, que tenha escalabilidade. Então, o pensamento do projeto é um processo por conta disso mesmo.

Olhando para seu trabalho é possível ver uma preocupação grande com a ressignificação, acessibilidade e a inclusão. O que te fez seguir esse caminho de criar um design com essa cara? Desde que começamos o estúdio Fetiche, tivemos a ideia de criar coisas que fossem visualmente inéditas. Nós estávamos tentando olhar para os materiais de 58

uma outra forma. Tem um banquinho que a gente fez que é mundialmente reconhecido, que a Renault francesa usou para criar a parte interna de um carro conceito, lançado no Salão de Genebra. É um banquinho feito com aqueles espaguetes plásticos, que eram usados desde a década de 60 em cadeiras de varandas aqui no Brasil. De certa forma, esse era um material barato, que tinha uma conotação de um produto do interior. Mas, na verdade, possuía uma riqueza cultural muito grande, porque era usado no país inteiro. A gente olhou para esse material e pensou: ‘Por que não fazer uma peça que se inspire nessas cadeiras e tenha um design um pouco mais contemporâneo?’ Então desde lá do começo, por mais elitizados que fossem esses produtos que estávamos fazendo naquele momento, a gente já olhava para o material de uma outra forma. Aconteceu também com uma outra peça que fizemos, que é a mesa vergalho. A gente fez o produto inteiro utilizando barras de vergalhão, uma tinta emborrachada e demos um outro status para esse material. O tiramos das obras, botamos em casa e o transformamos em uma mesa com alto valor comercial. Acho que desde ali,

Paulo Biacchi durante a realização de uma luminária com cano de PVC para seu canal no YouTube.

Para Paulo design é mais trabalho e menos insight.


Queríamos que aquela pessoa que não tivesse recursos financeiros pudesse colocar os conteúdos em prática em sua casa e pudesse ter produtos bonitos, como se tivesse comprado em uma loja cara. quando a gente montou a Fetiche, já tinha esse pensamento. Acredito que a virada foi agora, quando decidimos comunicar isso não só com produtos, mas através de conteúdo montando o canal no YouTube. Nós imaginamos que poderíamos falar com as pessoas, mostrando que elas poderiam olhar para as coisas dessa forma e ensinando que é interessante reaproveitar. Queríamos que aquela pessoa que não tivesse recursos financeiros pudesse colocar os conteúdos em prática em sua casa e ter produtos bonitos, como se tivesse comprado em uma loja cara. É quase um ensinamento sobre o olhar mesmo.

Fotos: divulgação

No caso do canal do YouTube, como é esse processo? Como vocês escolhem os temas que vão abordar, como é a gravação, o contato com o público? Como é todo esse processo de criação para o canal? Quando começamos, o canal era muito focado no faça você mesmo. Eu realmente tinha um foco em criar produtos que não parecessem artesanais, não desmerecendo o produto artesanal, mas a ideia é que você tivesse em casa algo que parecesse industrial. Assim, todas as pautas, no começo do canal, eram olhando para o material e tentando fazer outra coisa. Olhar para um cano de PVC, por exemplo, e fazer uma luminária. Mas, que ela não lembrasse que era um cano de PVC. Então sempre teve essa ressignificação em cima de um objeto, de um material industrializado. Com o passar do tempo, como a gente tem um vídeo por semana, fomos abordando outros caminhos que fossem de interesse do público do canal. Começamos a abordar decoração e dicas rápidas que tinham a ver com o universo da casa. O processo, para nós, foi novo, mas acho que o desafio

mesmo foi pensar em conteúdos interessantes para esse público. Ao mesmo tempo, percebi que o público para o qual eu queria falar era quem quer fazer uma decoração econômica, inteligente, para todo mundo. Tenho usado essa hashtag inclusive #DecoraçãoPraTodoMundo, então, era uma coisa buscando essa igualdade. Pra mim, o belo tem que ser pra todos, era esse o discurso das pautas. Não importa se você tem grana ou não, dá pra fazer uma coisa bonita gastando pouco. Hoje, tenho uma equipe comigo que é a Micha e a Lena, que seleciona, estuda os temas e tal. Nós fazemos o texto juntos e finalizamos. Se o assunto exigir comprar algo, por exemplo, temos a realização da produção. Mas, se for só pauta, texto e imagem, fazemos internamente.

Qual é a importância de um profissional de design procurar um diálogo com o conceito de ressignificação? Acredito que o profissional é importante para mostrar que isso é possível, porque, quando o leigo tenta trabalhar com esse conceito, ele acaba levando para um outro caminho. Dentro do estudo do design, conseguimos entender como um objeto pode parecer uma coisa ou outra. Ou como pode ser transformado através de um processo manual, para resultar em outro, que pareça industrial. Esse é o ponto. Em alguns programas que faço em meu canal, às vezes, não falo sobre material descartado. Eu compro algo na Leroy Merlin, mas, tive um olhar para um pote de cachorro, por exemplo, que poderia virar outra coisa. Então, o olhar do designer é muito importante, porque talvez essa transformação não seja tão fácil ao olhar do leigo. Com o estudo do design, você consegue ver possibilidades e, com base em referências, se aproximar de outros objetos já existentes naqueles segmentos, conseguindo dar uma outra cara para ele.

Você e a Carol também participaram 59


do Decora, no GNT, com uma proposta bem parecida com a do canal no YouTube. O que você acha de ter a oportunidade de levar esse tipo de conteúdo para a televisão? Levando em consideração sua experiência tanto na web quanto na TV, como esses dois meios podem ser importantes para ajudar a difundir o design? Quando entramos no Decora, a ideia era seguir a linha do canal e ensinar as pessoas que elas poderiam fazer coisas que se encaixassem nos projetos de decoração que estavam sendo feitos no programa, sem entrar com uma peça alienígena ali no espaço. Era como realizar um “faça você mesmo” bem-acabado e que fosse para a vida toda. Então, fomos para o ar com esse objetivo e deu super certo, fizemos três temporadas. Depois do Decora, eu saí e fui para o É de Casa, da Rede Globo, que é onde estou atualmente. O programa tem outra pegada e estou achando muito mais interessante, porque ele é muito mais abrangente. Conseguimos divulgar para as pessoas um ensino do design mesmo, mais democrático. Sobre a diferença entre os meios, a internet tem uma aproximação maior com o público e é mais colaborativa. A gente escuta o que eles estão falando, pede sugestões, opiniões e vai mudando o conteúdo de acordo com esse retorno. O conteúdo vai sendo construído junto com nossa audiência, isso é muito legal. De certa forma, é um aprendizado muito grande também ouvir o que as pessoas querem e gostam. No YouTube, o público é muito fiel, então tem uma troca muito intensa. A TV já tem uma abrangência gigantesca, você sai na rua e é reconhecido, só que você não tem esse retorno efetivo. Agora, no É de Casa, por exemplo, não faço só ressignificação. Há pouco tempo, por exemplo, reformei um berço de 1932. Nessa reforma, mostro que é possível trazer uma peça que antes deixada de lado, ocupando espaço ou que ia parar no lixo, para uma decoração mais atual. Você pode trazer a história desse móvel junto ou ir mudando. Acho que existem várias formas de abordar essa questão do design em si, não só ressignificando o objeto ou o material. Também já usei uma técnica japonesa de carbonização da madeira para dar uma cara nova a um móvel. Você carboniza todo o móvel, depois usa um óleo para selar, que é uma impermeabilização 60

natural. Então, vamos colocando conteúdos e coisas novas para as pessoas que, talvez, anteriormente, falariam: ‘Ah! Isso aí é muito sofisticado, eles não vão ter interesse’. Vão ter interesse sim, porque é acessível, entendeu? Ensinei a pegar um banquinho e dar uma aparência linda de carvão, que vai durar a vida toda impermeabilizado. Acredito que é como aconteceu com o movimento culinário aqui no Brasil. Antes, todo mundo comia estrogonofe e era chique. Agora, temos o Master Chef mostrando que todo mundo pode comer um angus ou uma coisa mais elaborada, que ele está ali para todo mundo, entendeu? Você tem uma democratização da linguagem. Esse é um dos meus objetivos.

Passando agora para o Desafio de Design da Braskem, eu queria que você me contasse como surgiu a oportunidade de participar desse projeto. No quarto desafio, que foi no Rio de Janeiro, fui convidado para ser mestre de cerimônia da premiação, então fui ao Rio de Janeiro e apresentei os vencedores. Na ocasião, teve um bate-papo improvisado, onde tive que conduzir tudo ali na frente do palco, dos convidados e com os designers. Consegui gerar um conteúdo interessante, perguntas meio no improviso, o que acabou chamando atenção da Braskem. Eles falaram: ‘Ah! Poxa, você tem estúdio, tem canal, tem tudo. Você não quer tocar o desafio junto com a gente?’ Naquele momento, pensei: ‘Nossa! Será? Não é nossa praia, mas vamos ver’. Elaboramos juntos e fizemos o quinto desafio em um novo formato. Chegamos com uma proposta de fazer o desafio aqui dentro do estúdio, com uma estrutura maior, geração de conteúdo mais abrangente e mais efetivo. Tocamos o quinto desafio no ano passado e, ao mesmo tempo, desenvolvemos um reality aqui dentro do estúdio que passaria no meu canal. Essa foi a grande mudança. Agora, estamos na segunda edição aqui dentro do estúdio, que é o sexto desafio.

Eu vou te perguntar sobre o sexto daqui a pouco, porque primeiro eu queria que você explicasse, para quem não conhece o Desafio de Design Braskem, como funciona esse projeto. O desafio é uma competição, mas, no fim, é um estágio. Este ano estão participando seis universidades aqui de São Paulo, que foram


O Banco R540 surgiu como uma releitura das cadeiras de espaguete de plástico, típicas do interior do Brasil.

A mesa vergalho foi criada para ser uma ressignificação dos vergalhões, comuns em obras.

Fotos: divulgação

Paulo Biacchi está conduzindo, pela segunda vez, o Desafio de Design Braskem, projeto voltado para jovens estudantes de design de SP.

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Paulo Biacchi com os professores mentores da 5ª edição do Desafio de Design, Andrea Bandoni e Marcos Worms.

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um professor convidado. Avaliamos esses três e escolhemos um grupo de cada universidade. A partir desse momento, eles entram e ficam dois meses e meio aqui com a gente dentro do estúdio, todos os dias na parte da tarde, funcionando como um estágio. Temos dois professores mentores, que a Fetiche convida. Sempre um designer e outro técnico, mais voltado para uma outra área. Esse ano são a Nicole Tomazi e o Marcos Worms. Dois mentores que acompanham o dia a dia deles, dando aula e mentoria técnica e criativa. Eu também dou mentoria, algumas aulas e tal. A gente também convida profissionais da área para dar palestras, então é uma imersão dentro do estúdio. Mas, ao mesmo tempo, eles

Durante o Desafio de Design, os participantes têm a oportunidade de assistir a palestras, realizar desafios e ver de perto como funciona um estúdio de design.

Fotos: divulgação

escolhidas de acordo com algumas regras da Braskem. São elas a São Judas, Mackenzie, Belas Artes, Instituto Europeu de Design, USP e Instituto Mauá de Tecnologia. Abordamoso os alunos através do canal, pedindo para se inscreverem em trios. Eles têm que mandar o portfólio, currículo e um vídeo se apresentando. A partir desse material, selecionamos três equipes de cada universidade para participar de um desafio relâmpago, que é uma atividade que a gente propõe. Esse ano foi fazer um objeto para sentar, uma cadeira, por exemplo. Aí, esses três trios de cada universidade apresentam esse desafio relâmpago para uma banca formada por mim, um representante da Braskem e


No fim, o designer projeta para as pessoas. Sinto falta disso no ensino do design hoje, estar talvez, dentro do setor de humanas e não no de exatas. tocam um projeto real de mercado, que esse ano é um eletrodoméstico. Cada um desenvolve sua proposta, da sua forma e compete com todos para ver quem vai tocar o melhor projeto. No final, tem uma apresentação com uma banca e a gente escolhe o melhor. No meio desses dois meses e meio temos mini-desafios relâmpagos, nos quais eles são colocados à prova para avaliarmos as habilidades individuais. Eles ganham uma bagagem muito grande de conhecimento, porque é um estágio dentro do nosso estúdio. Eles acompanham o estúdio, o dia a dia e têm a oportunidade de ter um produto lançado no mercado.

Em alguns episódios que eu assisti, esses mini-desafios trabalharam com algum material reaproveitado. Você tem essa preocupação de passar essa questão da ressignificação para os alunos? O que acontece com a reutilização é que, quando você trabalha em um âmbito industrial, não consegue reutilizar um produto. A Tok Stock faz pedidos, por exemplo, de 3 mil peças. Então, a reutilização está muito mais nessa coisa do dia a dia dentro da casa do que como uma profissão do designer. Quando a gente trabalha com os estudantes de design, é legal passar porque é um exercício para essa cabeça que precisa ser criativa. Você olhar para uma garrafa de 10 litros de água e, a partir dela, cria alguma coisa é um limitante interessante. Você tem esse limite formal e tem que transformar em outra coisa. Como exercício para o profissional do design é muito interessante essa brincadeira com a ressignificação. Hoje, inclusive, aqui no estúdio, vamos gravar o episódio que eles vão ter que ressignificar embalagens plásticas que são descartadas.

O que teremos de novidades para essa sexta edição? O que vocês estão preparando para o público? A grande novidade dessa sexta edição é o projeto principal, que é o desenvolvimento de um eletrodoméstico, que é uma coisa muito acessível para todo mundo. Seja designer ou leigo, todo mundo tem o que opinar sobre o eletrodoméstico linha branca. Em relação ao programa, estamos com uma produção muito mais elaborada e com personagens super legais, que são os meninos aqui.

Pra encerrar, já que você está tendo contato com esses alunos dessas diversas universidades, queria que você me falasse como tem percebido a formação de design no Brasil? Tenho me surpreendido muito, porque não sei se é um interesse pessoal, mas os estudantes chegam com uma carga muito voltada para o setor automobilístico e pouco para o generalista.O designer tem que ter uma visão ampla, olhar por todos e analisar o todo, conhecer coisas e ter interesses, porque, no fim, projeta para vários públicos. Gostava muito da minha universidade, que era a Federal do Paraná, porque ela tinha um olhar mais voltado pra humanas, no qual você entende o indivíduo para projetar para esse indivíduo, sem ser tão focado no projeto em si. Porque, no fim, o designer projeta para as pessoas. Sinto um pouco de falta disso no ensino do design hoje, estar talvez dentro do setor de humanas e não no de exatas. O design devereia ser mais abrangente para o aluno poder escolher qual área mais o interessa à frente, porque existem muitas áreas para seguir.

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Projetando sociabilidades: o discurso do design e seus impactos Por Pâmilla Vilas Boas Tradução de Raphael Vilas Boas

Os designers deveriam se libertar da obrigação de servir aos interesses industriais para liderar os processos culturais e as práticas sociais de convivência com a tecnologia. É o que pensa o professor emérito de Comunicação da Annenberg School for Communication da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, Klaus Krippendorff, um dos maiores pensadores da atualidade sobre o papel da linguagem e do diálogo na construção social da realidade. Em entrevista à revista iDeia, ele aborda o papel do design, seus discursos e interações com a tecnologia na criação de linguagens, comunidades e no desenvolvimento humano. Klaus nasceu em 1932, na Alemanha, formouse em Engenharia em 1954 e em Design sete anos depois. Membro da Associação Americana para o avanço da Ciência; da Associação Internacional de Comunicação e da Sociedade Japonesa de Estudos de Ciência e Design, o pesquisador premiado é também professor de Cibernética, Linguagem e Cultura de Gregory Bateson. Para Klaus, todos os designs permitem múltiplas interpretações, ressignificações e desempenham diversos papéis em diferentes comunidades.

Como você situa as práticas de design hoje? Design é fundamental para o ser humano. É evidente no uso de ferramentas de pedra, no crescimento das cidades e no surgimento de tecnologias de comunicação. Etimologicamente, “design” implica o planejamento de ações que tornam real algo que não poderia surgir naturalmente. Comunidades prosperam quando seus

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Nós herdamos uma concepção da linguagem como simbolicamente representativa do que existe. Infelizmente, essa concepção nos impede de ver o que estamos fazendo com ela.


membros encorajam uns aos outros a experimentar novidades e adotar práticas que os beneficiam coletivamente. Foi assim para os habitantes das cavernas, na Idade da Pedra, populações indígenas na Austrália, os artesãos e mulheres na Europa medieval, e como vivemos hoje. As comunidades que não conseguiram abraçar as inovações tornaram-se vítimas de regimes opressivos e desapareceram, como os Incas, cujas práticas de vida não eram sustentáveis em face das mudanças ambientais. É importante reconhecer que as práticas iniciais de design não estavam associadas a indivíduos de destaque. Nós não conhecemos os inventores da roda, os projetistas de alfabetos, os construtores de relógios, nem mesmo os arquitetos do Panteão. O design sempre foi uma prática colaborativa, limitada pela mídia de comunicação, portanto local. Era alimentado por narrativas de visões do que parecia impossível, como o lendário Ícaro da mitologia grega, cujas asas lhe permitiam voar. Essas visões foram bem-sucedidas quando chamaram a atenção de pessoas dispostas a rearticulá-las e introduzir variações que as aproximaram da realidade. A linguagem era, e ainda é, a plataforma para qualquer design. Visões, míticas ou práticas, tiveram que, e ainda precisam, ser comunicadas para mobilizar as comunidades. Artefatos evoluíram coletivamente e suas reproduções se espalharam pela comunicação e imitação. Essa situação mudou drasticamente durante a revolução industrial, que prosperou na produção em massa de bens e serviços anteriormente inacessíveis. Na busca de seus objetivos, os fabricantes viram vantagem na contratação de artistas competentes, que estavam mais ligados às aspirações das pessoas do que engenheiros e proprietários de fábricas. Os artistas que estavam dispostos a fazer parte da revolução industrial tornaram-se designers profissionais, cujas buscas por ideais estéticos de beleza universal, involuntariamente, apoiaram a necessidade de seus empregadores de competir em mercados de massa. A estética tornou-se operacionalizada como apelo popular, independente da utilidade racional. A tarefa dos designers industriais tornou-se a de esconder a origem industrial dos artefatos por formas que acrescentavam valores subjetivos a eles. Embora a estética não possa ser inteiramente divorciada das práticas sociais, nas quais os artefatos produzidos em massa por fim se aderiram, os critérios para um bom design se tornam valores industriais. Eles serviram para homogeneizar grandes populações e tornaram as corporações indispensáveis na vida cotidiana.

Lamentavelmente, essa concepção unidimensional da estética ainda é seguida por muitos programas educacionais de design, cujos graduados estão ansiosos para se enquadrarem em cargos corporativos.

Como o advento das tecnologias digitais alteram esse quadro? O advento dos artefatos computacionais e da digitalização em geral, que possibilitaram aos usuários moldar seus próprios mundos, desafiou drasticamente essas concepções. Os computadores são essencialmente sistemas abertos, que fazem pouco por conta própria, a menos que sejam programados. Embora os usuários comuns de computadores pessoais raramente pudessem programá-los, eles poderiam baixar softwares e interagir com eles de maneiras que nenhum fabricante de computadores poderia prever. Adaptar o computador pessoal significa projetar sua usabilidade. Embora a digitalização não tenha afetado todos os produtos com os quais vivemos, ela é a tecnologia líder. É onipresente quando se comunica com amigos, navega na internet, nas compras on-line ou em jogos e celulares. Eu afirmo que configurálos envolve práticas de design que motivam intrinsecamente seu uso. Argumento que designers profissionais não podem mais reivindicar o monopólio do design. Os designers tiveram de acrescentar às suas sensibilidades estéticas, competências muito mais importantes, em particular a capacidade de comunicar suas concepções e permitir que diversas comunidades interpretassem seus artefactos à sua maneira e desenhassem os mundos que esperam ocupar em seus próprios termos. Para ter sucesso, o design contemporâneo precisa ser delegado. Alguns designers temem que delegar design a outros não treinados e deixá-lo evoluir de maneiras imprevistas enfraqueça sua profissão. Não concordo. Na verdade, os designers que percebem essa nova missão se libertam da obrigação de servir interesses industriais e agora podem se concentrar no que motiva a criatividade de seus stakeholders. Os designers profissionais deveriam liderar os desenvolvimentos culturais, da mesma forma que importantes poetas criam uma linguagem que ninguém acreditava que estivesse defasada, fazendo a diferença nas práticas sociais de convivência com a tecnologia. Nós herdamos uma concepção da linguagem como simbolicamente representativa do que existe. Infelizmente, essa concepção nos impede de ver 65


o que estamos fazendo com ela. A linguagem não apenas descreve, também cria realidades, por exemplo, declarando guerra ou falência, ou legislando algo como um crime. Nós assinamos contratos uns com os outros, fazemos jus a eles, ou acabamos na prisão por não cumprir com nossos compromissos. Nós exigimos obediência, articulamos instruções, recompensamos alguém por serviços extraordinários ou elegemos um representante parlamentar. O mais importante é que podemos articular nossos sonhos e desejos e narrar, escrever ou representar um mundo ainda não existente que nos inspire a tornálos reais, ou fazer de tudo para evitar que eles surjam.

Como é o processo de percepção dos artefatos ao nosso redor? Nós vemos os artefatos do dia-a-dia não como eles são, mas em termos das categorias que temos para eles. Sabemos distinguir um carro de um ônibus, uma escrivaninha de uma mesa, uma casa de campo de uma igreja, embora pudéssemos facilmente imaginar algo que conecte tais categorias. Usamos adjetivos que tornam o uso de determinados artefatos 66

desejáveis ou temidos. Nós ficamos longe de um carro descrito como um limão, mas adquirimos um, pelo devido preço, como o último e mais avançado. Na política, os opositores do imposto sobre herança o chamam de imposto sobre a morte, o que implica indignação ao coletá-lo. Preconceitos raciais, sexuais e sociais limitam nossa percepção a estereótipos que, quando promulgados, resultam em discriminação. A linguagem cotidiana distingue masculino e feminino. A ausência de termos para pessoas que não se encaixam em nenhuma das categorias levou à violência. Uma faca pode ser adquirida para cortar vegetais, mas pode facilmente se tornar um instrumento para abrir uma lata ou uma arma nas mãos de um ladrão. De fato, não percebemos a fisicalidade dos artefatos materiais, mas o que eles significam para nós e sempre agimos em nossas percepções.

Como as ressignificações acontecem? Evidentemente, os artefatos podem adquirir diferentes significados em diferentes práticas sociais, em diferentes épocas, para diferentes comunidades e em relação aos artefatos contemporâneos. Deixeme oferecer três exemplos.


A internet é um exemplo de tecnologia desenvolvida a partir de um protocolo relativamente simples que conecta comunidades muito diferentes.

Nós vemos os artefatos do dia-a-dia não como eles são, mas em termos das categorias que temos para eles. Sabemos distinguir um carro de um ônibus, uma escrivaninha de uma mesa, uma casa de campo de uma igreja, embora pudéssemos facilmente imaginar algo que conecte tais categorias.

O primeiro veio a mim em uma visita à coleção de armaduras medievais do Museu de Arte da Filadélfia. Entre as espadas, lanças, capacetes, está uma armadura preta, datada e dita ter sido usada por um cavaleiro de Brunswick, na Alemanha. Lembrei-me da história mítica de um cavaleiro em preto que sempre aparecia em auxílio aos injustamente tratados e que acertava as contas corretamente. Eu me perguntei se alguém mais sabia o significado dessa armadura e como ela chegou aqui. Certamente, alguém a fez em uma loja administrada por uma nobreza. Fazer uma armadura de metal com incrustações de prata levava tempo, habilidades excepcionais e provavelmente era mal recompensado. Seu rótulo dizia que foi usado em um casamento. Poder-se-ia especular ter sido usado em um torneio competitivo, durante o qual os cavaleiros tinham que provar suas habilidades em empurrar um adversário de seu cavalo. Para os participantes de tal torneio, a armadura significava algo bem diferente de como o ferreiro percebia seu trabalho. Quando usado na batalha, esperava-se que protegesse seu portador de golpes mortais, mas será que conseguia? Sabemos que os cavaleiros vitoriosos exibiram as armaduras daqueles que derrotaram em seus castelos, onde se tornaram troféus do sucesso dos vencedores. Depois que os cavaleiros perderam seu significado social, as armaduras se tornaram itens de colecionadores, trocados por dinheiro e uma posse de orgulho. Antes da morte do último dono dessa armadura, ele deu sua coleção ao museu, talvez por uma isenção fiscal. Evidentemente, à medida que a armadura percorria vários sistemas sociais e os conectava a outros, que chamo de bricolagens, adquiriu significados inteiramente diferentes. Nós tendemos a ver apenas o seu significado atual no mostruário de um museu. Sua história poderia ser contada, mas não mais vivida. O segundo exemplo diz respeito ao fluxo de inovações. Os designers de moda sabem garantir seu status quando conseguem que as celebridades usem suas criações em público. A identidade das celebridades depende de parecer visivelmente diferente, percebida como estando à frente do tempo de todos e admirada publicamente por isso. No entanto, essas criações também podem ser copiadas. Quando são adotadas por uma segunda geração de usuários, as celebridades originais perdem os marcadores significantes de sua identidade. No processo de descer essa hierarquia social, essas criações perdem sua atratividade e incentivam os que estão no topo a encontrar novas formas de exibir seu status. O terceiro pode ser visto nos processos de adoção de novas tecnologias, práticas sociais e até ideias políticas e como elas evoluem. Há sempre aqueles 67


antecipados dispostos a equilibrar o risco de falhas com os benefícios de serem pioneiros. Quando essas novas tecnologias visivelmente funcionam, elas são copiadas, aplicadas de forma mais ampla e, nesse processo, modificadas e desenvolvidas. A Internet é um bom exemplo. Baseia-se num protocolo relativamente simples (TCI / IP), através do qual os pacotes de dados são encaminhados por diversas redes. Ao ligar várias redes de comunicação, a Internet está imune a falhas locais e, portanto, é surpreendentemente confiável; e conectando inúmeros computadores, sua capacidade de armazenar, comunicar e fornecer acesso a dados é enorme. Essa capacidade convidou grupos de discussão a se formar, sites a emergir, plataformas para vários propósitos serem desenvolvidas e mecanismos de busca serem disponibilizados a usuários com pouco conhecimento técnico dessa tecnologia. O processo se desenvolveu lentamente. Os recursos da Internet tornaramse parte das conversas cotidianas e adquiriram significados diversos o suficiente para conectar comunidades muito diferentes. Ela gerou bancos e comércio on-line, universidades virtuais, mídias sociais e uma economia global, cuja evolução continua sem fim à vista. O ponto é que todos os artefatos físicos encontram seus lugares na linguagem das comunidades através das quais adquirem significados, usos e papéis sociais sempre em evolução. Assim como a linguagem muda pelo uso, os mesmos artefatos são constantemente redefinidos, encontram novas aplicações e conexões com outras tecnologias, participam da formação de enormes complexos tecnológicos e são sistematicamente substituídos por outros mais desejáveis.

Qual o papel dos designers nesse contexto? Como eu sugeri design é uma habilidade humana fundamental. É praticado na vida cotidiana, bem como por designers profissionais. Enquanto o design na vida cotidiana está preocupado com a melhoria das próprias práticas de vida, o design profissional tem como alvo grandes comunidades. Enquanto o design na vida cotidiana tende a introduzir variações de categorias existentes - uma sala de estar orgulhosamente redesenhada ainda é uma sala de estar, os designers profissionais devem estar cientes das categorias usadas entre pessoas comuns, mas não precisam ser restringidos por elas. O design profissional excede o tipo de práticas de design usadas na vida

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cotidiana, os recursos que elas conectam, o escopo que suas inovações afetam e a extensão na qual podem ser responsabilizados por aqueles que têm um interesse naquilo que fazem. Enquanto místicos, profetas e futuristas falam de acontecimentos futuros, o discurso dos designers profissionais diz respeito a planos de ações realizáveis que prometem algo novo. Um design precisa estar à frente de seu tempo para ser justificável para aqueles que o instrumentalizam em sua realização.

Como os designers podem aliar e potencializar os diferentes discursos, interesses e concepções envolvidos num projeto? Tenha em mente que os designers são proponentes, não produtores de artefatos. Para tornar realidade um novo conceito, os designers precisam incluir as partes interessadas em seus projetos. O design centrado no usuário ignora o fato de que, antes que um projeto possa entrar na vida dos usuários, ele precisa passar por interesses diversos. Um discurso de design precisa


identificar potenciais interessados, inscrevê-los no projeto e inspirá-los a formar redes cooperativas capazes de torná-lo a realidade proposta. Na minha experiência, os designers passam a maior parte do tempo preparando apresentações para convencer aqueles que importam. Isso pode começar com esforços para transformar colegas designers em colaboradores, aliados e defensores de um projeto; convencer os possíveis fabricantes dos benefícios de o produzirem; convidar engenheiros para encontrar soluções para os problemas remanescentes; garantir aos banqueiros altos retornos em seu investimento no desenvolvimento do design; trazer anunciantes e vendedores para reconhecer mercados; e satisfazer as regulamentações governamentais e os vários defensores de causas que vão desde impactos ambientais, consequências políticas e segurança para os usuários. Esses interesses precedem os dos usuários finais. Um discurso de design que não consegue incluir as partes interessadas na proposta falha em seu design.

Armadura de Campo do Duque alemão Júlio de Brunswick-Wolfenbüttel, que data de 1560. Foi produzida em aço gravado e parcialmente enegrecido. Fotos: Museu de Arte da Filadélfia, legado de Carl Otto Kretzschmar von Kienbusch, 1977-167-23

Enquanto místicos, profetas e futuristas falam de acontecimentos futuros, o discurso dos designers profissionais diz respeito a planos de ações realizáveis que prometem algo novo.

As motivações para se tornar um stakeholder de apoio raramente são apenas financeiras, políticas ou estéticas. As partes interessadas têm especialidades e são diversamente motivadas. No entanto, a motivação mais importante é possibilidade de contribuir criativamente em um projeto. É por isso que a capacidade de delegar design é uma condição importante para o seu sucesso. Um design que tenha uma chance de sucesso deve fornecer espaço suficiente para que os interessados entrem com suas próprias contribuições. Os usuários valorizam projetos que, junto com amigos, conhecidos e colegas de trabalho, são capazes de interpretar e usar em seus próprios termos. Para que um design - produto, prática ou interface - seja utilizável, ele tem que arcar com as concepções que os usuários trazem para ele. Em uma era de digitalização e abundância de dispositivos tecnológicos utilizáveis, os designers não podem mais se concentrar em otimizar a funcionalidade dos produtos, eles devem considerar se e como seu design potencializa as concepções existentes dos usuários. Quer um design esteja no processo de passar por redes de partes interessadas essenciais para sua realização ou tenha alcançado seus usuários, a importância da materialidade dos artefatos é sempre secundária ao que eles significam para os envolvidos. Nós interagimos com artefatos tecnológicos sempre de acordo com a forma como os concebemos. O problema epistemológico para os designers se deve ao fato empírico de que potenciais interessados e 69


usuários de qualquer projeto podem trazer uma enorme variedade de concepções para artefatos projetados, muito mais além do que os designers podem imaginar. Eles podem projetar um utensílio de escrita e chamá-lo de caneta. No entanto, ele também pode servir como um marcador de livro, um brinde promocional, um projétil, como uma ferramenta para fazer buracos, forçar algo aberto, até mesmo para matar alguém. Conceber algo que um artefato não pode fazer pode não ser apenas meramente decepcionante; pode prejudicar seus usuários. A maioria dos acidentes se deve a essa incompatibilidade. Por exemplo, usar um caminhão, concebido para transportar mercadorias, como armas para matar pessoas, promovido por terroristas do Estado Islâmico, ou pilotar um avião em direção ao World Trade Center em 11 de setembro, encontra pessoas à mercê de possibilidades imprevisíveis, mas em princípio previsíveis.

Quais são os principais objetivos do design contemporâneo? 1. Expansão de oportunidades. Isso permite que as pessoas usem artefatos projetados com uma diversidade maior de concepções. 2. Restringir as affordances de tecnologias socialmente indesejáveis e individualmente perigosas. Conceitualmente, isso pode parecer se opor a deixar passar uma oportunidade. No entanto, há muita concordância quanto aos usos individualmente prejudiciais e socialmente incapacitantes das tecnologias disponíveis. Para os designers, poder restringir o uso de affordances com conseqüências indesejáveis é limitado por ter que estar ciente delas. O que aconteceu no 11 de setembro em Nova York não era imaginável antes que acontecesse. Nem todas as affordances podem ser restritas. Esforços para impedir a disseminação do discurso de ódio nas mídias sociais são atualmente debatidos nos Estados Unidos, assim como medidas para impedir que os robôs enfraqueçam os processos democráticos, supostamente permitindo aos cidadãos uma participação igualitária. 3. Facilitar que os usuários encontrem os usos mais eficientes dos artefatos e os afastem do que os colocaria em sérios apuros. Bons exemplos

são encontrados nos projetos de interfaces de computadores. Na medida em que os computadores são muito complexos para serem entendidos pelos usuários comuns, e o número de suas affordances está além da compreensão, os projetistas precisam tornar o uso de computadores compreensível. O desenvolvimento de convenções de interface é uma resposta que remonta às origens da computação pessoal. 4. Avançar o Discurso de design. Mencionei que os usuários comuns de artefatos, aos quais eu acrescentaria os designers do passado funcionalista, tipicamente se vêem confinados por categorias lingüísticas, metáforas e narrativas do mundo que se veem ocupando. Projetar automóveis, bibliotecas ou empresas está em conformidade com as concepções do que é um carro, uma biblioteca ou um negócio. Um discurso de design que se concentra em affordances precisa considerar a multiplicidade de concepções que os usuários poderiam possivelmente trazer para um design proposto e estar cientes das affordances que as tecnologias proporcionam. Um alvo da pesquisa de design são as possibilidades que as pessoas podem imaginar e estariam dispostas a explorar se fossem disponibilizadas. Isso exige métodos para analisar literatura popular, conversas, discurso, incluindo convidar as partes interessadas a participar de equipes de design.

Você vê preocupações éticas no design baseado em discurso? A resposta curta é sim. No entanto, a resposta é mais complexa. Historicamente, a Bauhaus celebrou e justificou a produção em massa de forma ética, mas não reconheceu que a produção em massa também criou um complexo industrial favorável ao regime muito opressivo de que foi vítima. A mudança do design industrial para o design centrado no usuário não foi motivada por preocupações éticas. Os psicólogos observaram que os critérios de design dos fabricantes, focados em aparências e vendas, negligenciavam atenção às necessidades, emoções e experiências dos usuários finais. Todos os designs permitem múltiplas interpretações, ressignificações e desempenham diversos papéis em diferentes comunidades.

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O design universal é uma filosofia de design com ambições éticas explícitas. Ele define um bom design como acessível e atendendo às necessidades do maior número de usuários, idealmente, todas as pessoas, independentemente de idade, habilidade, riqueza, sexo, raça e etnia. Boas intenções à parte, essa definição continua a apoiar os interesses industriais na criação dos maiores mercados possíveis e baseia-se numa concepção psicológica de usuarios finais individuais que considero falhos par três razões: Primeiro é o mito dos usuários finais. Quando os artefatos deixam de funcionar como esperado, eles tendem a ser reparados, reciclados, descartados ou poluem o ambiente. Todos esses estados de aposentadoria do uso instrumental de artefatos são atendidos por partes com interesses especiais, não o alvo típico de designs. Em segundo lugar, os usuários raramente agem sozinhos. Mesmo que usem um artefato em um momento de confinamento solitário, aprenderam a usá-lo com outras pessoas, são responsabilizados por sua conduta por outras partes interessadas e conceituam o que fazem na linguagem de sua comunidade. A psicologização de usuários individuais omite o contexto social de uso, inclusive de outras tecnologias. Terceiro, e à luz do exposto, todos os designs permitem múltiplas interpretações,

ressignificações e desempenham diversos papéis em diferentes comunidades. A ideia de acessibilidade universal de designs para todas as pessoas deixa de notar a diversidade de comunidades e o significado que os artefatos podem adquirir. Eu iria mais longe ao dizer que é a diversidade de artefatos usados em diversos discursos das comunidades que mantém uma sociedade viável. Em outros lugares, defendi um imperativo ético para os designers. Eu sugeri que: designs propostos para o benefício das comunidades visadas não devem prejudicar os membros de outras comunidades. Esse imperativo ético exige que os projetistas empreguem uma perspectiva maior que a de seus clientes, prestando atenção não apenas aos resultados pretendidos e pagos, mas também aos danos não intencionais que os projetos podem trazer ao bem-estar de outras comunidades. Na prática, essa perspectiva maior é mais facilmente reivindicada do que realizada. Normalmente, as conseqüências não intencionais tornam-se evidentes somente após artefatos projetados terem sido adotados e colocados em ação. No entanto, quando comunidades nãousuárias são conhecidas, o imperativo sugere que os designers extraiam as vozes das partes interessadas dessas comunidades, e não iniciem projetos que intencionalmente prejudiquem ou desprivilegiem seus membros.

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As ruas dentro de casa Por Pedro Parisi O cérebro humano se sente melhor quando classifica a realidade: arte é arte, arquitetura é arquitetura e design é design. Sair dessa zona de conforto é duro, mas pode trazer descobertas curiosas. O trabalho do belo-horizontino Thales Pimenta explora essas fronteiras, sem a pretensão de rotular suas criações, nem a si mesmo. Ele cria peças, produtos, móveis, objetos, com características das três disciplinas, mas com o elemento urbano amarrando os conceitos. Thales é formado em arquitetura pela PUCMinas, mas, ao ser questionado sobre qual profissão representaria melhor seu trabalho, ele responde, em meio a uma gargalhada: “eu me considero arquiteto, afinal, minha formação é essa, mas, quando a criação é mais livre, na qual não há certo nem errado, me considero artista. No entanto, no final das contas, isso é uma grande bobeira”. Essa mistura, segundo ele, ajuda o processo criativo a ser mais espontâneo. “Eu adoro a ideia de não ser formado em design, porque eu me sinto livre. Não conheço a técnica e isso me deixa liberto para propor”. As ideias, muitas vezes, vêm subitamente, como é o caso do Banco 24Horas. “Eu paro em ferros-velhos para dar uma vasculhada, sem grandes pretensões. E, nesse dia, eu vi, de dentro do carro essa placa vermelha dizendo ‘Banco 24Horas” em branco. As sinapses aconteceram na hora. O projeto veio quase pronto na minha cabeça”, conta. Ao analisar as suas criações, não é difícil reparar que a maioria tem elementos da cidade. A grande musa inspiradora de Thales é a rua e seus elementos. Entre seus produtos, um 72


destaque é o baú feito com portas rolantes, comuns no comércio. A ideia inicial era ressignificar o material tanto em seu conceito, quanto em sua forma e função. “Nesse caso, o processo foi diferente, foi uma busca. Eu queria encontrar um elemento ainda pouco trabalhado, mas que fosse muito trivial. Até que pensei na porta rolante de loja. Queria manter a mesma concepção do objeto, que é guardar as coisas, resistir a movimentos perpendiculares e ceder com movimentos longitudinais para abri-la”, explica.

Foto: divulgação

Pela complexidade, a peça precisou de 45 dias para ser construída. Transformar uma abstração em realidade requer mais transpiração do que qualquer outra coisa. “A inspiração vem de você estar lá

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Andaime Tempos Modernos O andaime, já nascido com a função de erguer, propõe uma nova construção cotidiana em uma sociedade contemporânea capitalista (andaime reaproveitado, já impróprio para uso na construção civil)”.

Poltrona Wakeboard “Poltrona encomendada por um atleta e executada em parceria com Geraldo Coelho. A base da peça é feita em aço. O assento e o encosto são pranchas de wakeboard inutilizadas.”

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Banco apolítico Mobiliário conceitual em reflexo à sujeira gerada pela campanha eleitoral do ano de 2014.

dentro do atelier, por muitas horas, todos os dias. É aí que você começa criar significados, juntar ideias, fazer ligações, ressignificar”.

Fotos: divulgação

Thales também ressignificou um andaime de construção. Sem modificar a estrutura, ele conseguiu aplicar todos os elementos de um posto de trabalho na peça. A parte de baixo virou uma mesa, com tomadas elétricas, gavetas, suporte para bicicleta e armários, enquanto a parte superior foi transformada em uma cama de solteiro. A ideia inicial do projeto era ocupar o andar de baixo do Mercado Novo, no centro de Belo Horizonte, para reconstruir o espaço que estava abandonado e trazer pessoas para trabalharem e conviverem ali. “Os

responsáveis pelo mercado nos convidaram para essa ocupação. Eu resgatei o conceito de progresso, construção. Existe também, um paralelo entre o trabalhador informal contemporâneo, que cumpre suas funções em qualquer lugar com acesso à internet, e o trabalhador braçal clássico”, explica. Elementos da construção civil são uma matéria-prima importante para Thales. Ele desenvolveu uma coleção de luminárias de concreto, que levam esse elemento para a sala das pessoas. Na arquitetura, o concreto cru, como usado na confecção, normalmente é escondido por ser considerado feio. Mas, nesse caso, a intenção era explicitar exatamente isso. 75


Banco 24Horas Placa do Banco 24Horas encontrada descartada em um ferro-velho. O artista tratou o material e manteve a retroiluminação original da placa.

Baú Lojão “Peça conceitual busca resgatar o primeiro mobiliário utilizado pelo homem, um baú, ressignificando-o a partir de materiais urbanos.”

Luminárias As luminárias são resultado de estudos com concreto em diversos formatos. Nesse caso, o picho foi realizado pelo conceituado artista de rua, Goma, de Belo Horizonte.

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“Eu fiz várias formas com objetos triviais, como funis, tubos de PVC, e preenchi com concreto, um material muito comum na arquitetura. Em uma delas, eu fiz uma parceria com o artista de rua, Goma, o que aumentou o viés urbano na peça”. O arquiteto observa que percebe uma “onda de ressignificação” no mundo. Os designers, artistas e arquitetos percebem a necessidade de reciclar, de pensar algo novo, baseado em algo já existente.

Fotos: divulgação

“Se estou vivo hoje, é claro que minha época me influencia. Às vezes, um trabalho, depois de pronto, vejo que tem algo muito parecido em um lugar completamente diferente do mundo. No processo da globalização, todos respiram o mesmo ar, têm os mesmos anseios, as mesmas dificuldades, então é natural que apareçam as mesmas soluções, não sou só eu. É uma onda mundial de pessoas que sentiram a mesma coisa que nós”, avalia.

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Sem nunca envelhecer

Marcas se ressignificam para acompanhar as transformações da sociedade Por Pâmilla Vilas Boas 78


“Desce redondo”, mas sem reforçar estereótipos; do “não se sujar” para o se sujar faz bem; de um simples “chinelo antiderrapante” para o “todo mundo usa”. São vários os exemplos que apontam para a importância da ressignificação das marcas que, ao longo da história, se transformam para se adequar às novas demandas da sociedade. Daniel Feitoza, gerente de marketing de Skol, explica que o “desce redondo” permeia a comunicação da marca há mais de 20 anos para destacar a principal característica da Skol, tanto do ponto de vista tangível, como simbólico. Trata-se de um produto leve, fácil de beber e que agrada a todo mundo. Do ponto de vista emocional, o slogan contribui também para tangibilizar a maneira como a marca enxerga a vida, com um “olhar redondo e não quadrado”. “Tem a ver com ideias de evolução, de ser melhor, de ter perspectivas mais positivas. O “desce redondo” sempre vai ter esse significado de tangibilizar o que a marca tem de diferente em relação a outros produtos. Com a evolução do mundo, o conceito do “desce redondo’ foi evoluindo com novos significados, refletindo o que está em voga, principalmente para o público jovem”, ressalta.

As Havaianas são um exemplo de ressignificação de marca onde um simples “chinelo antiderrapante” se transformou no “todo mundo usa”.

Daniel explica que já tem quase 10 anos que a Skol e a Ambev assumiram compromissos como o de não reproduzir estereótipos na comunicação e de colocar a mulher sempre no papel de consumidora. “Mas, as pessoas sempre faziam referência ao nosso passado. Então, achamos necessário mostrar para elas que sim, vivemos esse momento, quando não tínhamos discussões tão profundas como essas, e apontar para a nova postura da marca”, avalia.

Fotos: divulgação

Para repensar esse passado, em que a marca produziu campanhas e anúncios no qual os corpos femininos eram usados para a exposição da cerveja, a Skol criou a campanha “redondo é sair do seu passado”. Para isso, convidou seis artistas para recriarem os cartazes antigos, mostrando o que seria a nova postura da Skol daqui para frente em relação a esse assunto. Foram elas: Eva Uviedo, Elisa Arruda, Carol Rosseti, Camila do Rosário, Manuela Eichner, Tainá Criola, Sirlaney Nogueira, Evelyn Queiroz e Negahamburguer. O resultado deu origem a uma série de anúncios apresentados nas plataformas digitais da marca. “Assumimos publicamente que “sim, aquilo fazia parte do nosso passado, mas, o mais importante agora é que faz tempo que não temos esse tipo de atitude e que aquilo não nos representa mais”, completa Daniel.

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O doutor em Ciências da Comunicação, Alhen Damasceno, explica que a Skol vem repensando maneiras de se aproximar do público que ela feriu, ressignificando as propagandas antigas. “É uma tomada de consciência. A marca está reinventando outras maneiras de se associar positivamente a esse público. Estamos falando de uma comunicação em escala nacional, pensar numa escala nacional é muitas vezes massificar, são várias regiões com suas características, então é falar de uma maneira respeitosa”, explica. O gerente de marketing da Skol ressalta que o objetivo da marca é o de se comunicar com uma maioria, pensando que a maioria da população brasileira é mulher. “Nosso discurso sempre foi sobre incluir, respeitar, trazer mais pessoas para a roda, falar sobre a importância de respeitar a diversidade, com todo mundo junto e misturado. Nossa filosofia é muito mais sobre agregar o maior número de pessoas possível do que, necessariamente, falar só com um grupo”, ressalta.

Imensas minorias Um comercial com uma narrativa típica do Dia dos pais, mostrando o afeto e as relações de família. A única diferença, para a maioria das propagandas de perfume, é que a família retratada no comercial é negra. Os comentários e as reações do público criticaram a presença “só” de negros no comercial e explicitaram o racismo presente no Brasil. A Boticário se posicionou com um vídeo dizendo “Representatividade Importa. Respeite a diversidade”. “A Boticário tentou inovar no dia dos pais com uma família negra. Eu li os comentários: ‘por que agora 80

uma família negra?’ vamos respeitar e incluir outros tipos de público. Então, é isso que as marcas vêm tentando, atualmente”, avalia Alhen Damasceno. Alhen aponta para a necessidade de que as marcas acompanhem as mudanças sociais. Como um ente vivo, elas precisam ser vanguardistas e apoiar os movimentos de mudança. “Temos minorias, será que as marcas não podem falar para esse público? Será que elas não podem ousar e ter outros valores, além dos já introjetados?”, questiona. Para Daniel Feitoza, as marcas tanto reproduzem o que está acontecendo na sociedade, como têm um papel de fazer a sociedade avançar. “Principalmente, marcas que têm os valores e falam com o público jovem precisam ser de vanguarda para se alinhar a uma geração que traz novas ideias”, ressalta. O gerente de marketing explica que os processos de ressignificação variam de acordo com a marca, algumas são mais fáceis de evoluir e outras demandam mais tempo para alterar determinada variável. “Colocar uma campanha no ar é mais rápido e mais fácil do que mudar uma embalagem, por exemplo. Ao longo de anos vamos implementando essas mudanças em todos os pontos de contato possíveis para a marca se relacionar com o consumidor”, afirma. No caso da Skol, as ressignificações são feitas de forma interdisciplinar, reunindo as equipes de comunicação, propaganda, relações públicas, design, varejo, as ações de marketing para repensar desde as execuções das peças, embalagens, pontos de venda etc.


As sandálias Havaianas foram inspiradas no modelo japonês feito com tiras de tecido e solado de palha de arroz.

As Havaianas lançaram uma coleção de óculos inspirados nas cores e nomes que remetem à brasilidade.

Daniel explica ainda que criaram uma série de relatórios para acompanhar o impacto dessas iniciativas. “Conseguimos cruzar como nossas iniciativas contribuem para o sucesso do produto. No caso dessa campanha, foi possível perceber o impacto porque conseguimos construir uma relação mais profunda com as pessoas, elas começaram a se sentir representadas e envolvidas nessa comunicação mais contemporânea do que a antiga, que reforça estereótipos do passado. A campanha resultou numa relação de maior proximidade das pessoas com a marca, o que avaliamos como uma estratégia positiva” revela.

Fotos: divulgação

Todo mundo usa As sandálias Havaianas foram criadas em 1962, pela empresa Alpargatas e foram inspiradas no modelo japonês feito com tiras de tecido e solado de palha de arroz. Nessa época, as Havaianas eram confeccionadas com o solado branco feito de borracha com tiras brancas, pretas, azuis, vermelhas e amarelas. A imagem das Havaianas era vinculada a um chinelo prático e de uso cotidiano, ressaltando qualidades como não deformar, não ter cheiro e não soltar as tiras. No final da década de 80, elas sofreram uma crise de vendas, com a introdução

da Rider, da Grendene. As Havaianas passaram a ser sinônimo de pobreza, sendo rejeitadas também pelas classes menos abastadas. Os fabricantes perceberam que muitas pessoas viravam o solado e as tiras para diferenciarem as sandálias e esse foi o principal ponto para a reestruturação da marca. Em 1994, foram lançadas as havaianas top. E, o slogan da nova campanha “Havaianas, todo mundo usa” consagrou esse processo de ressignificação. Hoje, a Havaianas ocupa o ranking 37 das marcas mais valiosas do Brasil e está presente em 63 países. “Tudo isso se deu devido a um grande esforço de ressignificação marcária para se adaptar aos novos tempos”, afirma Alhen. Para o pesquisador, o importante é que a marca conseguiu olhar para o que a sociedade e os consumidores desejavam no momento, inclusive se atentando para a customização que o público já fazia para diferenciar as Havaianas. “Apesar de ser massificado, o público quer se sentir único”, completa. A partir da semiótica, Alhen exemplifica as alterações de significado que a marca sofreu. “Se, nos anos 70 o interpretante funcional era antiderrapante, não tem cheiro, não solta tiras e o interpretante emocional era uma chinela sem valor, na 81


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ressignificação houve alterações em todas as dimensões da marca. O Interpretante funcional passou a ser o conforto, elegância, design e o interpretante emocional passou a ser a sandália da moda e do status”, descreve.

Se sujar faz bem

A Skol criou a campanha “redondo é sair do seu passado” e convidou seis artistas para recriarem as propagandas antigas que objetificavam a mulher.

O OMO, desde seu lançamento, em 1957, usou o slogan “o branco total radiante”, para ressaltar a ideia de um branco mais branco. Em 2004, ela rompeu um paradigma ao mudar o seu discurso para o “se sujar faz bem”. “A partir dos anos 2000 ganhou importância sígnica a ressignificação do “sujo” não mais como um agente do mal e sim como a possibilidade de descoberta, da brincadeira e criatividade”, avalia Alhen.

Imagens: divulgação

Para o pesquisador, a marca não deixou de abordar sua funcionalidade e eficiência, mas inseriu um tema muito importante hoje em dia, que é o papel da criança e do aprendizado. “Ela veio com as crianças, o se sujar e a criatividade. A criança pode se sujar por que o OMO lava mais branco e vai continuar lavando mais branco. Tirou o peso da funcionalidade do produto para questões mais lúdicas. A criatividade, o brincar, a espontaneidade”, comenta Alhen. A marca, ao produzir esse vínculo, está pensando no futuro e no efeito de sentido que irá gerar nos futuros adultos e consumidores de seus produtos. “Se a criança não for estimulada, desde pequena, que tipo de adulto ela vai virar? Quando uma marca fala: ‘deixa seu filho se sujar, deixa ele exercer a criatividade, que a gente cuida do resto’ é uma certeza de que ela está te apoiando, “vou deixar a roupa limpa como sempre deixei há 50 anos”. O que o sabão em pó tem a ver com esse processo de brincar?”,

questiona o pesquisador. Alhen ressalta ainda que a análise do percurso gerativo do sentido das sandálias Havaianas, segue um estilo diferente da do sabão em pó OMO. “Não há um vilão a ser combatido (a sujeira) e sim uma relação de custo/ benefício ao se adquirir uma sandália Havaianas. Os anseios são por um objeto de valor”, comenta.

Semiótica e ressignificação Alhen explica que, quando se pretende ressignificar uma marca, o primeiro passo é pensar em como a comunicação era realizada e como esse discurso se manifesta na atualidade. “Uma marca não pode ter o mesmo discurso por 30, 40 anos, por exemplo. A sociedade muda e é preciso estar atento aos sinais de mudança que ela emana, mesmo que sejam fracos. A marca não pode envelhecer, se não perde o vigor. Ela precisa estar sempre se retroaliementando”, avalia. A partir de então, é preciso identificar o problema em todas as possibilidades de expressão da marca, ou seja, em tudo o que ela utiliza para se comunicar com o público, para ressignificar de acordo com os novos discursos que ela pretende produzir. O pesquisador chama a atenção que as mudanças precisam ser sempre graduais, para não criar uma ruptura abrupta. No doutorado, Alhen pesquisou quais eram os signos do luxo e do mainstream e como uma podia se aproveitar da outra, numa relação intersígnica. Ele explica que o público das marcas de luxo tem um repertório universal. A Louis Vuitton, por exemplo, não vai trabalhar sua brasilidade por que a loja em São Paulo precisa que ser a idêntica à loja de Paris ou Tokyo. “Ela

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As artistas Eva Uviedo, Elisa Arruda, Carol Rosseti, Camila do Rosário, Manuela Eichner, Tainá Criola, Sirlaney Nogueira, Evelyn Queiroz e Negahamburguer recriaram os cartazes antigos da Skol colocando a mulher no papel de protagonista e consumidora.

A marca ressignificou propagandas antigas como forma de se aproximar de seu público consumidor.

emana signos identificáveis a esse tipo de público. Com a semiótica, vamos entender quais signos são esses e a potencialidade de efeitos de sentido. Existem várias potencialidades, cada um com seu repertório pode entender de uma maneira específica, mas as marcas tentam trabalhar para que essa mensagem seja dita de forma circular, com começo, meio e fim, para reduzir as chances de outras interpretações. Ela tenta emanar um tipo de mensagem de fácil acesso”, revela o pesquisador.

“Quando a marca publiciza uma mensagem impressa, é possível analisar os contrários da marca. Se é mainstream, como a Riachuelo, por exemplo, ela vai comunicar que é para todos os públicos. Temos aí a primeira dicotomia que é massificação x para poucos. Uma loja de departamento é sempre mais barata. Essas dicotomias revelam porque alguns signos estão aparecendo e não outros. A narração é o estágio do “antes eu não tenho, quando eu compro, passo a ter”. É o momento da manipulação por sedução ou desejo. A narratividade vai sempre apontar para o que você vai ter, status, performance etc. A terceira fase é a dos temas e figuras. Quais as figuras que o tema da riqueza introduz?” completa.

Imagens: divulgação

Alhen explica que a semiose é justamente esse processo, quando o signo se transforma em um novo olhar e potencialidade, gerando uma ressignificação para essa nova mensagem. O pesquisador ressalta que é preciso levar em conta o percurso gerativo de sentido, que são patamares que vão desde os significados mais profundos e mais superficiais de uma marca. Esse percurso é capaz de indicar,

do mais abstrato ao mais concreto e ao mais profundo, uma melhor compreensão da ressignificação das marcas por meio do discurso e do imagético.

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Nesta instalação localizada na rua Sapucaí, no bairro Floresta, o grafiteiro DMC deu um toque exclusivo no visual do parklet.

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Mobiliário urbano para redemocratizar a cidade Por Pedro Parisi A falta de lugares públicos, de fácil acesso, onde as pessoas possam se mesclar e se encontrar fisicamente é um sintoma do urbanismo feito para favorecer alguns, em detrimento do interesse comum. O surgimento dos parklets, em 2005, nos Estados Unidos, e, em 2015, em Belo Horizonte, retomou essa discussão que, para o arquiteto e professor da UFMG, Roberto Andrés, é primordial para pensar a democratização do espaço urbano por meio de sua ressignificação. “Historicamente, as nossas cidades foram feitas para privilegiar alguns poucos. A maioria da população não é proprietária de um carro. No entanto, a maior parte dos espaços públicos é reservada para a minoria que tem automóvel”, avalia Andrés.

Foto: divulgação BH Parklets

Segundo ele, a despreocupação das prefeituras em pensar políticas de democratização das cidades acaba por concentrar os investimentos na região central e áreas já desenvolvidas, ao invés de fortalecer a periferia. No caso de Belo Horizonte, o problema não é a quantidade desses espaços, mas a qualidade. Atualmente, são cerca de 800 praças e 74 parques, que oferecem 18,2 m² de área verde para cada habitante, sem contar com os 55 parklets instalados, de acordo com a Prefeitura. Mas, apesar de esse número superar os 12m² recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a falta de investimento em infraestrutura, manutenção e segurança desses locais torna boa parte deles inutilizáveis.

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Instalada na comunidade do Bananal, no bairro Cachoeirinha, esta é uma das poucas unidades fora das regiões centrais de Belo Horizonte.

O parklet foi construído exclusivamente com material coletado em caçambas de entulho, com apoio da iniciativa Oásis.

Parklet na rua Piauí, um dos mais movimentados da cidade. Antes da instalação, o local era deserto e escuro. Hoje, é utilizado durante todo o dia.

Andrés exemplifica: “A prefeitura está reformando a Praça da Liberdade. Uma praça que está ótima, sempre funcionou muito bem. Serão gastos R$5 milhões, e isso só é feito por quem não conhece as periferias da cidade, onde a calçada está quebrada e o mato cresce. Existe uma distorção muito grande sobre como o investimento público é feito”.

Fotos: divulgação BH Parklets

O foco, segundo ele, deveria ser ressignificar o espaço público por meio de “políticas para tornar a cidade mais apropriável, que pudesse ser ocupada por todo mundo”. Mesmo que não seja prioridade na estratégia de planejamento urbano de BH, existem algumas iniciativas que tentam coletivizar a cidade. Uma delas foi o decreto que criou regras e condições para a instalação de parklets em vagas da cidade, baixado em 12 de março de 2015 pelo então prefeito, Márcio Lacerda. Menos de um mês após a introdução da legislação, a BH Parklets, empresa especializada na construção desse tipo de mobiliário urbano, iniciava as atividades. O primeiro projeto foi o Vaga Viva, um parklet itinerante, que ocupou cinco pontos na Savassi. A ideia foi desenvolvida de forma independente pelos co-fundadores Luamã Lacerda e Flávia Dornelas, com o apoio de patrocinadores. “O objetivo era gerar uma discussão sobre isso. No início, a gente pensava que era um mercado que ia saturar rapidamente”, disse Luamã.

Esse projeto, localizado na rua Martim de Carvalho, bairro Santo Agostinho, transformou o comércio local, e trouxe mais verde para a rua.

Hoje, mais de três anos depois, a empresa já montou cerca de 30 projetos de todos os tipos, em vários bairros da cidade. “O parklet tem a capacidade de transformar a rua, ou uma parte dela. A história toda é ocupar aquele espaço de uma forma diferente. Ele vira um ponto de referência, o que aumenta o movimento de pessoas. E quanto mais gente na rua, mais você altera o significado do local”, conta Luamã. Ele ressalta o parklet instalado em frente ao Sesc Paladium, na rua Rio de Janeiro. “A dinâmica da rua mudou completamente. É uma movimentação muito intensa durante o dia. Ali tem muito advogado, morador de rua, que são os que mais cuidam. A pluralidade das pessoas que passa ali é muito grande”. Outro destaque é o mobiliário da rua Alagoas, na região da Savassi, em frente a um restaurante japonês. “Ali ficam muitos motoristas de aplicativo de transporte. Eles se encontram para ter mais segurança e para confraternizar, sobretudo no fim da tarde e à noite, sem contar as pessoas que almoçam al,i diariamente. Se parar para pensar que ali era um lugar morto, vazio, acho que é fácil ver que foi muito positivo”, conta Flávia. A instalação localizada na rua Martim de Carvalho, próximo à Assembleia Legislativa também é um exemplo de ressignificação do espaço urbano. “A gente colocou muito verde nesse layout, o que trouxe mais vida para aquela área. O dono do

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A prefeitura de BH criou o decreto que regula a instalação dos parklets em 2015. Uma das regras é a garantia que os espaços sejam públicos e de acesso a todos, como é o caso desta unidade na rua Paracatu, no Barro Preto.

A equipe lembra que a grande maioria dos projetos é realizada nas regiões centrais de BH. Mas, a proposta é expandir sempre. Em 2016, a empresa realizou um projeto na comunidade do Bananal, no bairro Cachoeirinha, dentro do escopo do projeto Oásis, que realiza ações de empoderamento dos moradores de lugares socialmente fragilizados. O parklet foi construído em parceria com residentes da região, somente com sobras de caçamba. “Nós usamos todo tipo de material que sobrava de uma grande obra próxima ao local. Isso foi uma exigência dos gestores do Oásis e também da comunidade, que garantiu a sustentabilidade da obra”, destaca Flávia. 90

“Acho que a tendência para o futuro é que a instalação dos parklets se descentralize cada vez mais. BH tem outros centros comerciais, como o Barreiro e Venda Nova. Com o tempo, essas regiões vão aderir com força ao conceito. Então, naturalmente, a sociedade vai aceitar melhor esse tipo de intervenção. Já está bem melhor que antes. A gente percebe isso quando vai instalar os parklets. Há alguns anos, a reação era muito negativa, hoje bem menos”, avalia Luamã. Ele lembra, entretanto, que o ideal é que a cidade crie esses espaços de convivência de forma orgânica no futuro. “A gente espera, que daqui a uma ou duas décadas, o planejamento urbano seja feito considerando os conceitos democráticos de utilização da rua: calçadas largas, iluminação. O parklet se tornará obsoleto. O final da história deve ser esse”, conclui Luamã.

Foto e imagem 3D: divulgação BH Parklets

estabelecimento faz questão de visitar o parklet aos finais de semana para cuidar do jardim”, lembra Flávia. A loja que contratou o projeto tem poucos metros de fachada, e pôde multiplicar o espaço para os clientes.


Modelagem em 3D da instalação feita na rua Alvarenga Peixoto, no bairro Lourdes. Todos os projetos devem ser apresentados para aprovação na Secretaria de Planejamento urbano da prefeitura de Belo Horizonte (Smapu).

As origens do parklet O parklet surgiu em São Francisco, nos Estados Unidos, em 2005, como uma intervenção temporária em um evento para designers, com o objetivo de chamar a atenção para a igualdade do uso do solo nas cidades. Na prática, funcionam como uma pequena praça, instalada em uma vaga de carro, em qualquer lugar da cidade. Geralmente, são idealizados, financiados e mantidos por agentes privados, com o aval do poder público, o que requer uma legislação específica. No Brasil, essa regulamentação chegou em 2012, quando os primeiros parklets foram instalados, durante a gestão do então prefeito Fernando Haddad, em São Paulo. A ideia logo se espalhou pelo Brasil. Belo Horizonte foi a terceira cidade, após Fortaleza, a incluir a possibilidade desse tipo de mobiliário em vagas. Atualmente, a capital mineira tem 55 instalações funcionando e mais 80 aprovadas pela prefeitura. Conceitualmente, a estrutura segue algumas regras, mas, segundo Luamã Lacerda, o layout é bastante livre para a instalação de grama, paraciclos, hortas, mesa, bancos ou qualquer elemento que traga e gere vida nas ruas. É um mobiliário instalado ao ar livre, portanto, deve ser resistente às intempéries, como chuva, poeira, asfalto, sol, vento. Além disso, por ser uma instalação temporária, o design é, em geral, modular para facilitar o transporte e a montagem.

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Desenhando rituais

Corporalidade, gestualidade e expressão para projetos de design Por Pâmilla Vilas Boas

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O celular toca, você atende e. automaticamente. se levanta, anda de um lado para o outro, às vezes em círculos. Conversar sentado e quieto pelo telefone torna-se uma tarefa quase impossível. Você já parou para pensar se realmente está tão imóvel quando usa essa vastidão de aparelhos digitais, cotidianamente? Será que essa corporalidade e gestualidade é inerente à vida humana e se manifesta também nas interfaces digitais? Essas são algumas das perguntas que projeto “Curious Rituals” (Rituais curiosos) tenta responder a partir de uma pesquisa sobre a linguagem corporal das tecnologias digitais usadas na vida cotidiana: gestos, posturas e rituais que surgiram com o uso de computadores, telefones celulares, sensores ou controladores de jogos. O projeto, realizado pelos pesquisadores Nicolas Nova, Katherine Miyake, Nancy Kwon e Walton Chiu, integra o programa de design e mídia do ArtCenter College of Design, de Pasadena, na Califórnia/EUA.

O próprio significado do termo digital que, dentre suas acepções, está “uma manipulação com o dedo ou com as pontas dos dedos” aponta para a importância do corpo nesses dispositivos. O antropólogo e designer Nicolas Nova explica que os gestos são uma importante forma de apreender especificidades culturais. Para ele, a captura de movimentos e posturas corporais pode ajudar a compreender muitos fenômenos, que vão desde relações humanas a sistemas de crenças. “O uso crescente de tecnologias digitais vem reconfigurando nossos comportamentos e as descrições de gestos podem lançar luz sobre essas mudanças. Num contexto de design, acredito que as interfaces, produtos e serviços podem ser melhorados a partir dessa compreensão”, revela. Um exemplo é a tecnologia touch, desenvolvida para estimular a gestualidade e interação humano/interface. Outro exemplo dessa tentativa de domesticar a tecnologia é como manifestamos nossa raiva com os problemas técnicos do cotidiano. Socos e

chutes são uma forma de liberar a tensão e uma possível forma de fazer a máquina “funcionar” novamente. O projeto “Curious Rituals” realizou uma documentação dos principais gestos humanos em interação com a tecnologia, a partir de observações e entrevistas realizadas em diferentes locais nos EUA e Europa. Os pesquisadores então selecionaram casos que revelam como as posturas e gestos adotados pelos usuários de tecnologias digitais constituiriam um conjunto de rituais. Essa documentação resultou no livro “Curious rituals gestural interaction in the digital everyday” e no filme “A Digital Tomorrow”, uma série de curtas imaginando quais serão os novos rituais digitais e gestos de um futuro próximo. O curta especula sobre como a tecnologia será domesticada, reaproveitada e ressignificada pelo humano, para além do que o discurso foi projetado. Para o antropólogo, tiques nervosos, malabarismos e posturas em interação com dispositivos não são apenas hábitos peculiares, mas revelam como as pessoas normalizam as chamadas “tecnologias

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O uso crescente de tecnologias digitais vem reconfigurando nossos comportamentos.

futuristas” para domesticar o que parecia mágico e complexo. Ele destaca a engenhosidade que os usuários empregam para adaptar as tecnologias digitais ao seu próprio contexto. “Quando descrevemos interações com artefatos digitais, a primeira coisa que vem à mente é o termo “virtual”. A suposição é que os artefatos digitais não são muito interessantes do ponto de vista físico e que as pessoas sentam em suas mesas com seus laptops; viciados em jogos, em seus sofás; e os usuários de transporte coletivo olham fixamente para seus smartphones - pode ser uma visão clichê da vida cotidiana que não se mostra verdadeira de fato”, acrescenta.

Magia e ritual Um círculo de sal rodeia um carro autônomo que depende da visão mecânica para guia-lo. Encurralado, ele não consegue sair do lugar. Na linguagem das estradas, as linhas brancas pontilhadas significam “siga”, mas as linhas sólidas representam “não cruze”. O que acontece quando os dois sinais se integram no mesmo círculo? Como essa magia pode embaçar a maneira como o carro enxerga 94

o mundo? Se o círculo de sal é uma forma tradicional de proteção nas práticas de magia, ele se torna ainda mais nebuloso para as câmeras dos carros conduzidos por inteligência artificial. Quando pensamos na utilização dos carros autônomos, num futuro bem próximo, imaginamos um cenário de eficiência e automação com tudo funcionando perfeitamente, mas o artista, filósofo e programador James Bridle realizou esse experimento para discutir justamente as lacunas das novas tecnologias. O artista produziu essa “armadilha” enquanto testava um carro autônomo nas estradas do Monte Parnaso na Grécia Central. O experimento aplica os tradicionais rituais de magia para confundir o sistema de visão do carro. “Parnassus parece um local apropriado porque, além de ser um cenário espetacular e maravilhoso para dirigir e caminhar, é o lar das Musas na mitologia, bem como o local do Oráculo Delfos. A ascensão do Monte Parnaso é, em termos esotéricos, o caminho para o conhecimento e a arte”, revela Nicolas Nova. Cingapura está avaliando a possibilidade de aquisição de uma frota de 300 mil táxis autônomos e a empresa Waymo, da


Em termos de gestos e ações mais ousadas está a câmera do Ipad. Para realizar uma selfie, por exemplo, é preciso colocar o corpo todo em movimento.

Google, vem investindo nessa tecnologia desde 2009. A Tesla, do empreendedor Elon Musk, já está implementando recursos automatizados nos Estados Unidos, o que aponta que os carros sem motorista são um futuro bem próximo.

realidade aumentada se tornam irritantes ou sempre que os sensores levam a situações sociais difíceis - queríamos adotar uma perspectiva mais irônica nos projetos vendidos para nós como ‘inevitáveis’,” questiona.

“Isso reformula radicalmente a maneira como você entende e interage com o mundo, algo crucial atualmente. Esse projeto faz parte de um corpo de trabalho, pesquisa, escrita e brincadeira para explorar e compreender as tecnologias contemporâneas de automação, a fim de melhor utilizá-las e, em alguns casos, desestruturá-las e opor-se a elas”, afirma o pesquisador, que está construindo seu próprio carro autônomo.

Um app para rituais

Nicolas Nova ressalta que a especulação sobre gestualidades e rituais emergentes nas tecnologias do futuro é importante para explorar os usos alternativos de dispositivos digitais para além da representação que vemos nas propagandas, “muitas vezes encenadas em ambientes assépticos. Nós queríamos investigar as situações humanas do cotidiano. Ao mostrar esses momentos que você nunca encontra em vídeos corporativos - quando os óculos de

Ozenc ressalta que, de outro ponto de vista, o Ritual Design Lab tem trabalhado em experimentos de design ritual em diferentes domínios, incluindo rituais pessoais, organizacionais e de humanos com robôs. “No momento, estamos trabalhando em um livro que foca nos rituais no local de trabalho. Estamos trabalhando também num catálogo ritual para criar um repositório de rituais para designers e pesquisadores. Ainda estamos em fase inicial, mas percebemos

O designer e pesquisador Kusart Ozenc, idealizador do Ritual Design Lab, que pesquisa o poder dos rituais para construir valor, significado e comunidade em projetos de design, explica que, tradicionalmente, rituais humanos para máquinas são vistos como uma via de mão única, na qual as pessoas investem significado em objetos estáticos.

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O artista James Bridle criou uma “armadilha” capaz de enganar o carro autônomo projetado para funcionar sem a necessidade de um motorista.

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um grande potencial em trabalhar na construção de significado e propósito por meio de rituais entre organizações”, revela. O pesquisador ressalta que no emergente mundo da Inteligência Artificial, as máquinas irão nos responder, nos provocar, desafiar e alegrar, como se fossem animais de estimação, amigos ou mestres. “De certa forma, a IA trará novos desafios e oportunidades para o nosso relacionamento com as máquinas. E, nesse desafio, os rituais serão os momentos que definirão essa relação. De uma perspectiva evolucionária, temos uma tendência a mostrar afinidade ao animismo, representações e comportamentos semelhantes aos humanos. De certa forma, criaremos rituais com máquinas híbridas que nos fazem lembrar de nós mesmos e do nosso reino animal”, antecipa.

novos conceitos de design. O aplicativo, projetado para designers, desenvolvedores e criativos, estimula o uso de rituais nos processos de brainstorming. “O aplicativo dá aos usuários um mix de três lembretes de uma vez - uma coisa, uma ação, e um contexto - e pergunta: ‘que ritual você criaria a partir disso?’ Em seguida, ele permite que o usuário capture, intitule e ilustre as ideias rituais que surgem a partir desses lembretes”, descreve.

Um exemplo da aplicação do ritual em projetos de design é o aplicativo IdeaPOP, criado pelo Ritual Design Lab, para estimular a criatividade e capturar

Um pequeno ritual de confraternização se transformou numa comunidade que abriga mais de 50 mil pessoas. O Burning Man é um evento de experimento social

Ozenc explica ainda que o IdeaPOP foi idealizado pela turma de Design da Universidade de Stanford, para ajudar a promover melhores, mais selvagens, mágicos e inspiradores brainstorms de novos rituais.

Communitas


Rictiounalal

inten arquitetado atividades humanas que carregam valores & significados

Design

X

ferramentas e métodos para criar experiências humanas que sejam úteis, utilizáveis & envolventes

Onde estamos trabalhando colaborativo e de contracultura, que acontece anualmente no Black Rock Desert, no estado americano de Nevada. No evento, uma cidade, que vai durar apenas uma semana, é erguida da noite para o dia. Essa metrópole participativa conta com uma grande galeria de arte a céu aberto, chamada de “Playa”, na qual cada pessoa pode expressar sua forma de arte. Em seu centro, há uma escultura gigante de madeira denominada “Burning Man”. Essa escultura remete ao surgimento do festival, em 1986, com dois amigos, Larry Harvey e Jerry James, que improvisaram um homem de madeira na Baker Beach durante o solstício de verão e depois o queimaram, com alguns participantes, e repetiram o ato no ano seguinte. Foi assim que surgiu o festival, que passou a acontecer anualmente, agregando sempre mais pessoas. Alguns dizem que é um festival pagão, outros o consideram um Woodstock

da atualidade, mas, o fato é que esse experimento cultural se transformou numa celebração ritualística capaz de unir pessoas em prol de um sentimento comum. Para o antropólogo Victor Turner (1974), referência nos estudos sobre ritual e performance na antropologia, o momento ritual provoca uma suspensão do tempo e do espaço, criando uma atmosfera única e diferente da vida cotidiana. Esse estado de suspensão suscita a união e o sentimento de igualdade entre os indivíduos, fenômeno que Turner definiu como communitas. “Prefiro a palavra latina communitas à comunidade, para que se possa distinguir essa modalidade de relação social de momentos da vida em comum.” (TURNER, 1974, p.119). Como explica Kusac, os rituais podem ajudar as pessoas a formar novas comunidades. Com sua intencionalidade e propósito, os rituais criam um senso de pertencimento e coesão entre os grupos, a base da nossa criação de sentido no

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mundo. “Nick Hobson e seus colegas fizeram um excelente levantamento das pesquisas anteriores sobre a psicologia dos rituais. Eles resumiram os benefícios dos rituais em três perspectivas: eles nos ajudam a regular as emoções; regular nossos objetivos e estados de desempenho e também nossa conexão com outras pessoas” ressalta. O ritual de pré-apresentação de um atleta pode ser um ótimo exemplo para ilustrar as duas primeiras funções. Ansiedade e medo são fundamentais antes de enfrentar uma situação de alta participação e com muitas incógnitas. “O ritual ajuda o atleta a se acalmar, seguindo um conjunto repetido de ações. De certa forma, isso o distrai do estresse emocional do momento. Ele também pode trabalhar para melhorar seu desempenho. Repetindo as ações com uma crença subjacente (meu sapatinho da sorte me trará o jogo), o ritual aumenta a confiança e reforça o sucesso do atleta”, relata.

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Para o designer Frederick van Amstel, professor da PUC/PR, a necessidade de dar significado à vida não é apenas individual, mas coletiva. Essa perspectiva se estende também para o digital, mesmo que, muitas vezes, não tenhamos os recursos para expressar corporalmente. A questão tecnológica já está incorporada no design, mas, para o pesquisador, ainda carece desse olhar para as camadas mais profundas da experiência social. “É um campo produtivo para ser explorado. Acho que hoje as ferramentas que exploram mais essa corporalidade no digital são os gifs e stickers. O gif traz essa gestualidade”, afirma.

Design e antropologia Frederick avalia que a análise da tarefa nos estudos computacionais é baseada num modelo de comunicação que se resume em emissor, mensagem e receptor. Nesse modelo, o papel do designer é codificar uma mensagem num canal que é o computador. Diferentemente de uma


revista ou jornal, essa mensagem, em meio digital, é interativa e pode resultar numa reconfiguração pelo receptor/ usuário. “Olhando para esse modelo de comunicação e comparando com a antropologia, ele é muito pobre. Não tem ação, não tem corpos, não tem sujeitos, é apenas uma abstração”, questiona. Foi então a partir de um encontro com a antropologia, sobretudo sobre a análise do ritual, que Frederick desenvolveu um método que chamou de análise da tarefa ritual. “As pessoas não estão interagindo apenas para trocar informações, que é o paradigma mais comum dentro dessa área de pesquisa sobre a interação humano/ computador. Acredito que, para além da informação, as pessoas estão atualizando valores, convivendo, transformando seus status sociais,” ressalta. Para o designer, o ritual é poderoso justamente por focar na ação humana e em outros tipos de comunicação, além da

verbal. “Essa relação pode ser efetivada também pela tecnologia, por isso o ritual é tão poderoso, é um texto dito sem palavras, é uma linguagem muito forte. Um aspecto importante é abordar a inovação pelo viés da antropologia. A análise do ritual é uma parte específica da etnografia que me parece interessante para fazer a ponte com esse lado mais formal da computação”, explica. Para Nicolas Nova, a antropologia oferece um conjunto de conceitos para entender e enquadrar o papel dos rituais e também métodos para apreender os fenômenos culturais a partir da etnografia ou observação participante. “Por um lado, pode ajudar a observar os usos de muitos dispositivos (antes de redesenhálos). Por outro, pode contribuir para um melhor enquadramento do seu papel na sociedade e suas consequências, o que pode ser de grande ajuda quando se tomam decisões de design”, completa.

O ritual é poderoso justamente por focar na ação humana e em outros tipos de comunicação, além da verbal.

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Mural Templuz em releitura da arte renascentista

Ana Cláudia Ulhoa

A Obra “Sacras”, do fotógrafo mineiro Gui Guimaraens, exposta no Mural Templuz

Equipe de rapel instalando o Mural Templuz no paredão de 6 metros de altura.

Outras obras que participaram do Mural entre 2011 e 2018.

Uma representação do Sagrado Coração de Maria tirando uma selfie com seu smartphone de última geração. Essa imagem provocadora a última obra a estampar o Mural Templuz* em 2018. A obra “Sacras” ocupa um espaço de seis metros de altura no número 1.150 da avenida Senhora do Carmo, um dos corredores mais movimentados da cidade de Belo Horizonte, por onde passam mais de 100 mil carros por dia. Através do resgate de características como temas religiosos, geometria harmoniosa, perspectiva, uso de pontos claros e escuros, além de aspectos realistas, o fotógrafo mineiro Gui Guimaraens ressignifica retratos renascentistas e provoca uma reflexão sobre o comportamento humano na atualidade. Segundo ele, tudo começou com sua admiração pela arte realizada entre meados do século XIV e fim do XVI. “Sempre gostei muito desse estilo de pintura, sempre achei bonito e tinha vontade de fotografar algo que remetesse a isso. Até que um dia conheci um artista plástico, Renan Florindo, que fez a escultura de coração que usei nessa obra. Quando vi a peça, falei: ‘nós temos que fazer’. O convidei através do Instagram e acabamos por fazer o ensaio”, recorda. 100


De acordo com Gui, os efeitos foram conseguidos através de um trabalho de produção, que estudou a posição da modelo no enquadramento, utilizou uma luz totalmente planejada e recusou o uso de programas de edição de imagem, para dar o máximo de naturalidade à cena. “Não tem nenhum Photoshop, a fotografia foi toda feita com iluminação de estúdio, usando flash combinado com uma lâmpada que estava na mão dela. Se você for reparar, vai ver o fio caindo, nem isso eu tirei”, explica. Apesar de todo o cuidado com os detalhes, Gui Guimaraens conta que a ideia de clicar a modelo com um celular só veio depois que o ensaio já havia se iniciado. “Não queria fazer uma cópia do que já existia, por isso, acrescentei o smartphone para trazer a foto para os dias atuais. “Se fosse hoje, a modelo que posou para o pintor, com certeza, faria uma selfie durante a criação da pintura”, brinca. Isso acontece hoje em qualquer lugar que você vá”. Há 15 anos atuando como fotógrafo profissional em Minas Gerais, Gui Guimaraens se especializou em fotografia de moda e produto, ficando sem espaço

para desenvolver algo que fosse mais criativo. “Nessa parte comercial, às vezes, criamos muito pouco. A pessoa já chega com uma ideia e sigo a solicitação dela”. Obras como o “Sacras” começaram a surgir há apenas dois anos, quando Gui decidiu que dedicaria uma parte do seu tempo para colocar em prática o desejo de fazer algo mais autoral. “Estava sentindo falta de criar alguma coisa. Quando tive um tempo, comecei a fazer. Agora, já está virando um hábito, pelo menos uma vez por mês crio algum ensaio”, ressalta. Feliz com os resultados que tem alcançado, o fotógrafo garante que continuará a trabalhar o conceito de ressignificação e o tema renascentista. “Como disse, as pinturas antigas sempre me atraíram e pretendo continuar a fazer releituras, provavelmente incluindo alguma forma de ressignificação, como fiz na foto escolhida para o painel Templuz. Usando sempre uma luz bem trabalhada e pouca ou nenhuma interferência de tratamento. Não tenho nada contra o tratamento de imagens, mas nesse caso, gosto de ser mais purista e não usar esse artifício”, conclui.

Sobre o Mural Templuz* O Mural Templuz é uma realização do Grupo Loja Elétrica e visa democratizar o acesso à arte, além de colocar um pouco mais de cor na rotina corrida da capital mineira. Desde sua criação, em 2011, mais de 80 artistas nacionais e internacionais tiveram seus trabalhos expostos no paredão da loja Templuz. “Queremos contribuir para o cenário cultural de Belo Horizonte, modificando a paisagem urbana com arte de qualidade”, explica o designer e consultor estratégico da Templuz, Camilo Belchior. Para serem adequadas ao Mural, as obras originais são redimensionadas por meio de plotagem e instaladas por uma equipe de rapel. O serviço é realizado pela Hiper Graphic Digital, parceira da loja no projeto. 101


Uma atmosfera de inovação

Espaço integra profissionais em ambiente criativo, descontraído e dinâmico Por Pâmilla Vilas Boas

Layout completamente aberto e integrado com uma linguagem moderna, que inspira movimento e traz novos significados para o aço, estruturas metálicas e também para o espaço, que favorece a criatividade e a inovação. Essas são as principais características do projeto da Óbvio Arquitetura para a Açolab, espaço da ArcelorMittal que recebe startups, parceiros, acadêmicos e profissionais envolvidos no desenvolvimento de projetos inovadores para o setor do aço. Em iniciativa pioneira na indústria do aço nacional, o Açolab faz parte dos investimentos de R$ 30 milhões que Acelor está fazendo em inovações de TI e digital ao longo de 2018. A arquiteta Luciana Araújo, sócia da Óbvio Arquitetura, explica que o objetivo do projeto foi criar um ambiente colaborativo que pudesse trazer mais vida e movimento para o local de trabalho. “É um projeto que tem a cara Acelor, mas não acompanha o padrão de escritório deles. O layout é completamente aberto, com todo mundo trabalhando junto, além de salas de reunião integradas”, explica.

A tela feita para fechar espaços foi utilizada como revestimento de parede.

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Foto: divulgação

As duas salas de reunião são divididas por uma divisória retrátil. Quando a divisória é aberta, elas se transformam numa grande sala para abrigar até 18 pessoas. Quando se fecha, o espaço se divide com a divisória isolada acusticamente para que duas reuniões possam ocorrer simultaneamente. “Esse espaço é versátil. Duas reuniões menores e, quando precisar, uma reunião maior, que ocorre esporadicamente “, ressalta.


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O objetivo do projeto foi criar um ambiente colaborativo que pudesse trazer mais vida e movimento para o local de trabalho.

O projeto da Açolab conta com espaços para mini reuniões ao longo da estação de trabalho.

Fotos: divulgação

O projeto conta ainda com espaços para mini reuniões ao longo da estação de trabalho, para conversas rápidas, descanso ou alternância com o local para trabalhar. As arquitetas criaram também cabines de reunião um pouco mais afastadas dessa área, para oferecer mais privacidade. Ao invés de uma copa espremida, feita para o funcionário comer e voltar rapidamente ao trabalho, o projeto optou por um espaço amplo e agradável. “A copa é totalmente integrada à estação de trabalho e tem uma varanda no fundo. Também pode ser utilizada como local de trabalho, reunião e descanso. É um espaço multiuso para otimizar o local”, afirma. Para a arquiteta, a percepção sobre a produtividade vem se transformando, o que impacta também na construção dos espaços. “Você ter um espaço que estimula o convívio, para tomar café, conversar com outros profissionais, parar um pouco e respirar é também muito produtivo. Não adianta sentar na cadeira às 8hs e sair às 18hs. Antigamente, as copas eram mini, só cabia você em pé e era constrangedor, feita para tomar café e ir embora rápido. Hoje não, você pode sentar, conversar, dividir

o problema. Isso é mais produtivo do que ficar 8 horas na frente do computador e não produzir nada de novo”, relata Luciana. Se, antigamente, você tinha a sala do chefe totalmente isolada e pensava três vezes antes de bater na porta, hoje a tendência também é criar espaços onde todos os funcionários estão próximos, facilitando a interação. “É muito importante integrar todos os setores de uma empresa. Às vezes as pessoas de vendas e do financeiro, por exemplo, conseguem perceber o problema um do outro e isso favorece a empresa como um todo. Na maioria das vezes, os setores não conversam entre si e quando se oferece esse layout integrado, o diálogo se torna mais eficaz”, avalia. Luciana explica ainda que a tendência é a criação de espaços mais inovadores, abertos, integrados e flexíveis em todos os setores empresarias, para além da área de inovação, na qual essa visão sobre trabalho está mais consolidada. “Fizemos esse tipo de projeto, inclusive, para um escritório de advocacia que, em tese, não trabalha com inovação. Hoje, os funcionários exigem um espaço agradável para trabalhar. Muitos

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profissionais abrem mão de um salário mais alto para trabalhar em um espaço que ofereça mais qualidade de vida”, revela.

A copa é ampla e foi isolada com o próprio metal da Acelor.

Movimento e leveza Deslocar os objetos e rearranjá-los em espaços com movimento é também dar mais significado para nossa vida e para o trabalho. “Sair da caixinha, pensar diferente. Esse projeto foi muito importante, pois nos mostrou uma milhão de possibilidades”, afirma Luciana. A arquiteta ressalta que a proposta foi criar as estações de trabalho em diagonais, para dar movimento e retirar aquela cara 106

Uma estrutura metálica suspensa foi utilizada para segurar o letreiro e também iluminar a estação de trabalho.


Fotos: divulgação

monótona, típica de repartições públicas, com muitas pessoas trabalhando juntas. “Colocar um monte de profissionais em mesas enfileiradas, uma ao lado da outra, perde todo o sentido. Nesse projeto brincamos com o layout e giramos 45 graus para traduzir esse movimento, tanto na estrutura do teto, na paginação do carpete quanto na orientação das estações de trabalho”, ressalta. O projeto utilizou cores e materiais que remetem à identidade da Acelor, deslocando suas funções para reforçar esse ar de inovação. A tela que é feita para fechar espaços, foi utilizada como revestimento de parede. O aço se

transformou em iluminação. Dar novos usos para o mesmo material significa também pensar em novas possibilidades para o que está posto. “Isolamos a parte da copa com o metal da Arcelor e fizemos um fechamento com essa estrutura de tela. Colocamos uma estrutura metálica suspensa para segurar o letreiro e demarcar essa área e usamos para a iluminação da área de trabalho. A gente quis usar muito as cores da Acelor, mas diferente do padrão deles. É um espaço que propicia a criatividade”, explica Luciana. As arquitetas optaram por deixar o teto e a tubulação aparente com um estilo industrial que tem tudo a ver com o negócio da companhia. Além do aspecto estético, essa 107


O projeto utilizou cores e materiais que remetem à identidade da Acelor, deslocando suas funções para reforçar o ar de inovação do espaço.

estrutura também gera maior flexibilidade, em caso de alterações futuras no espaço. “O setor de inovação muda muito. Hoje, são 40 pessoas e amanhã podem ser 400. Essa tubulação aparente também permite crescer, realocar o layout, sem precisar quebrar a parede para descobrir onde está passando a fiação elétrica. Conseguimos acompanhar essas mudanças de forma mais fácil”, explica.

Foto: divulgação

A arquiteta destaca ainda a estrutura metálica em V, que parece um pilar de sustentação da iluminação, mas que, na verdade, é por onde desce toda a fiação do espaço. “A ideia foi dar uma cara de estrutura, além de ser uma forma de camuflar a fiação. Está aparente, mas não está”, descreve.

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A Açolab está instalada no edifício Atmosphera, localizado no Vila da Serra, em Nova Lima, um espaço de mais de 15 mil metros quadrados, que vem abrigando diversas startups e projetos de inovação,

incluindo a rede World Trade Center Global (WTC). De acordo com a AcelorMittal, em publicação no site da empresa, a Açolab busca por uma modelagem cultural dentro da própria organização. “Teremos uma referência concreta do movimento de inovação. Quando falamos em inovação, além das oportunidades geradas pelas novas tecnologias, um ponto chave é estimularmos a mentalidade e o ambiente necessários para que a inovação aconteça. Nesse novo espaço, além de incentivarmos essa atitude mental, teremos equipes focadas com um olhar no amanhã, pensando o futuro do aço e de toda a cadeia de valor. Para nós, a estratégia de inovação e do digital tem por fim potencializar a geração de valor e, consequentemente, os resultados do negócio, visando sermos mais competitivos”, explica Paula Harraca, gerente-Geral de RH, Investimento Social, TI e Inovação Digital da ArcelorMittal.


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