Caro leitor Expediente: Editor Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG
Você está recebendo o exemplar da Coletânea iDeia Design – Volume 1. Como havia dito na edição 13 da Revista iDeia Design, neste ano de 2016 faremos uma pausa nas edições regulares para nos aprofundarmos mais no histórico temporal de alguns temas de grande interesse, como arquitetura, moda, cultura, artes, design, entre outros.
Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa Pâmilla Vilas Boas Projeto gráfico e
Nosso objetivo é percorrer três décadas importantes: os anos de 1970, 80 e 90, buscando entender as origens de certos movimentos, tendências, modismos e costumes que ainda têm impactos importantes nos dias de hoje
coordenação gráfica Cláudio Valentin A Coletânea iDeia é uma publicação da Editora PlexuDesign, patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com
Nesse percurso, teremos três coletâneas ao longo de 2016. Chamamos de “Coletânea” por acreditamos ser a reunião de um conjunto de informações que poderão lhes ser de grande utilidade como fonte de pesquisa e inspiração para seus projetos futuros.
veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas afins ao design e formadores de opinião. Contato: contato@revistaideia.com
Para a composição desse primeiro volume, nossa equipe estudou a fundo todos os temas por cerca de três meses. Também conversamos com estudiosos em cada uma das áreas, a fim de trazer algo extremamente relevante para você. E é importante destacar que o acervo imagético, na maioria das matérias, possui uma resolução compatível com seus quase 45 anos ou mais de existência. Tivemos ainda o cuidado de criar limites regionais, com o objetivo de ter respostas mais próximas de nós. Em determinados momentos esse limite extrapola para o mundo afora, onde estão as origens do que hoje conhecemos como nossa cultura. Boa leitura! Camilo Belchior
arquitetura iDeia 70’s >> arquitetura
por Pâmilla Vilas Boas
Novas conexões
espaciais
Marcada por princípios brutalistas, a arquitetura da década de 1970 seguiu experimentando materiais e concebendo diferentes relações com os espaços.
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Um
grande paralelepípedo em concreto bruto, sustentado por pilares. No edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP), assinado pelo arquiteto Vilanova Artigas (1915-1985), a circularidade e as relações espaciais chamam atenção para o que ficou conhecido como Escola de Arquitetura de São Paulo. O edifício, construído entre os anos de 1961 e 1969, se destaca pelo uso do concreto bruto, o vidro, a simplicidade de suas linhas, sua economia e funcionalidade. Essa ligação estética com o brutalismo, apesar do termo não ser consenso entre os arquitetos do período, transcende a preocupação com o uso de materiais. Para o arquiteto e doutor pela FAU-USP, Milton Braga, sócio da MMBB Arquitetos, o assunto principal dessa arquitetura são as relações espaciais. “Pelo fato de todos se encontrarem no grande salão caramelo; e todas as circulações permitirem pelo menos duas alternativas: você nunca precisa voltar por onde foi e sempre pode circular. Quero destacar que essa arquitetura paulista dos anos 60 e 70 é muito rica, principalmente pelos espaços que construiu, mais do que pelo uso dos materiais”, ressalta. Braga explica que esse grupo de arquitetos paulistas, muito influenciado por Artigas {João Batista Vilanova Artigas – arquiteto 1915/1985}, além da textura do concreto aparente, criou uma riqueza espacial que poucas vezes se viu na história da arquitetura. Ele cita as casas do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, hoje com 87 anos, que tencionavam e diluíam a relação entre interior e exterior. A residência James King (1972) é marcada pelo uso de linhas retas, onde o salão principal é rodeado por quartos que se conectam sem a necessidade da construção de corredores. A residência prioriza ainda a integração com o entorno natural da região. Na residência Fernando Millan (1970), o concreto armado é praticamente a única matéria da obra e a estrutura é composta por arrimos de concreto e paredes estruturais. “Na casa James King o que é está dentro e fora é realmente muito misturado. Era um problema de espaço. Essa era a linguagem. Tem a ver com o modernismo, mas um modernismo pensado no Brasil principalmente por Lúcio Costa, que concebia uma arquitetura feita de acordo com nossas condições climáticas físicas e culturais”, afirma.
De acordo com o arquiteto Igor Fracalossi, em artigo publicado no portal Archdail1, a proposta central do projeto do edifício da FAU USP reside na ideia de continuidade espacial, que o grande vazio central explicita. Ele esclarece que os seis pavimentos são ligados por suaves e amplas rampas de inclinações variáveis, dando a sensação de um só plano. “Os amplos espaços abertos e a comunicação entre os diferentes setores sublinham a necessidade de convivência e o ideal de um modo de vida comunitário que a arquitetura de Artigas defende. O edifício foi pensado como se levado ao espaço das ideias de democracia, através de ambientes dignos, sem portas de entrada. Se desejava que fosse como um templo, no qual todas as atividades fossem permitidas”, escreveu.
O edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
O edifício, construído durante a ditadura militar brasileira, foi pensado como uma manifestação arquitetônica contra esse período de poder concentrado nas mãos dos militares. Milton Braga explica que a FAU USP é completamente aberta, na qual não é possível exercer nenhum controle sobre as pessoas. “É um edifício a favor da educação, da civilidade, da igualdade e da liberdade. Cada um tem que saber o que pode e não pode. Essa é uma visão completamente oposta à ditatorial, em que um grupo dita as regras de uma sociedade”, ressalta.
São Paulo, assinado pelo arquiteto Vilanova Artigas, é um exemplo da chamada arquitetura brutalista.
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Brutalismo A arquitetura brutalista foi marcante, no cenário brasileiro e internacional, sobretudo durante o período pós 2ª Guerra Mundial até o final da década de 1970. Essa linguagem arquitetônica foi se conformando a partir das obras de Le Corbusier (1887-1965), que influenciou arquitetos do mundo inteiro. O pesquisador Flávio de Lemos Carsalade, professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e doutor pela Universidade Federal da Bahia, explica que a década de 1970, no Brasil, foi marcada por uma arquitetura erudita e local. “No Brasil, ainda vivíamos muito a influência da arquitetura moderna, especialmente das escolas paulista (marcada pela presença de Vilanova Artigas e do brutalismo paulista) e carioca (ainda com a forte presença de Oscar Niemeyer e dos irmãos Roberto)”, aponta. Para o pesquisador, a “honestidade” estrutural; a presença marcante do concreto armado como expressão plástica; a arquitetura minimalista - cujo expoente é Paulo Mendes da Rocha, dominavam, de certa forma, o cenário da arquitetura brasileira. “Claro que essa tendência mais geral adquiria feições regionais no sul e no nordeste, mas a linguagem arquitetônica baseada na plasticidade da estrutura e do concreto parecia ser a tendência mais geral. Paralelamente a isso, a preocupação com a função social da arquitetura também era uma discussão importante, apesar da ditadura vigente”, ressalta.
1 Igor Fracalossi. “Clássicos da Arquitetura: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) / João Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi” 07 Dez 2011. ArchDaily Brasil. Acessado 19 Jan 2016. http://goo.gl/u6l15E 2 Ruth Verde Zein. “Brutalismo, sobre sua definição” 07 Maio 2007. Vitruvius. Acessado 19 Jan 2016. http://goo.gl/odxt
A reflexão crítica do pós-Brasília em 1975, de acordo com Flávio Carsalade, representou uma mudança dos rumos que haviam sido preconizados, desde que a arquitetura brasileira ganhou maioridade com o edifico do Ministério da
O Museu de Arte de São Paulo, projetado pela arquiteta ítalobrasileira Lina Bo Bardi em 1968, é considerado um importante exemplar da arquitetura brutalista brasileira. Foto: Wikimedia Commons
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Cultura e com o Conjunto Arquitetônico da Pampulha (BH/MG). “A arquitetura se tornou mais crítica e engajada, até porque já haviam se passado quinze anos de experimentação do espaço moderno de Brasília e seus principais problemas já começavam a se evidenciar”, revela. Para a arquiteta Ruth Verde Zein, mestre e doutora em teoria, história e crítica pela UFRGS e professora da Universidade Mackenzie, em artigo publicado no portal Vitruvius2, o termo brutalismo, cunhado recentemente, é de difícil definição e consenso. “Tão usado quanto esnobado pela literatura arquitetônica da segunda metade do século
XX, está longe de configurar um conceito unânime. As diferentes acepções que lhe são atribuídas superpondose de maneira pouco clara, parecendo ser uma só quando são muitas, e para deslindá-las é necessária paciência de detetive. Entretanto, é tarefa inadiável quando se pretende empregá-lo para qualificar certa arquitetura paulista dos anos 1950-70”, escreveu. Ela explica que a primeira acepção do termo vem do uso de béton brut (concreto aparente) nas obras de Le Corbusier no pós-II Guerra, a partir da Unité d’Habitation de Marselha, prolongando-se até 1965. Há ainda o termo novo brutalismo adotado
por representantes de uma nova geração de arquitetos britânicos do pós-II Guerra. O termo apareceu em textos publicados pelo casal de arquitetos Alison e Peter Smithson, a partir de 1953. “Naquele momento preciso, o termo não avalizava um debate estilístico, mas servia de vaga bandeira à insatisfação geracional, militantemente contrária à “acomodação” do movimento moderno, em detrimento das propostas e ilusões das vanguardas, e cujo âmago inovador se buscava reavivar”, afirma Ruth. A partir de 1959 o estilo se expande e, a começar por 1966, o termo brutalismo se torna relativamente reconhecido e consagrado internacionalmente.
Sustentada por quatro pilares no terreno em aclive, a casa Aldeia da Serra, assinada pelo MMBB Arquitetos, parece flutuar. A obra de 2002 traz à tona elementos inspirados na estética brutalista. Foto: Nelson Kon
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O conjunto Habitacional do Jardim Edite foi projetado pelo MMBB arquitetos para ocupar o lugar da favela de mesmo nome em São Paulo. O projeto foi desenvolvido de forma a integrar o conjunto à economia e cotidiano da região. Foto: Nelson Kon
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Eficiência energética A iluminação e ventilação dos espaços da casa Millan, do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, ocorrem através de uma claraboia central. O jogo de luz natural é obtido por pátios cobertos e descobertos. Diversas obras do arquiteto, da década de 1970, revelam um controle e domínio total sobre a ambientação e iluminação dos ambientes, traduzindo uma preocupação com a climatização natural e a relação do edifício com seu entorno. Para a arquiteta e doutora em Engenharia Civil pela UFSC, Roberta Vieira Gonçalves de Souza, professora da Escola de Arquitetura da UFMG, apesar da mecanização da arquitetura e introdução do arcondicionado, a partir dos anos 60, a década de 1970 ainda é um período em que se produz uma arquitetura vinculada ao clima. “Ao mesmo tempo em que a arquitetura moderna traz elementos que visam industrializar, ela mantém outros, passivos de controle do clima. Depois de 1970, vemos a entrada do vidro e do ar- condicionado”, afirma. A pesquisadora ressalta que a arquitetura é responsável por quase metade da energia elétrica gasta no Brasil, incluindo parte significativa da produção industrial de cimento. Roberta aponta que a tendência é que a demanda por energia mais que dobre até 2030. Pautados pelos princípios da eficiência energética, muitos arquitetos vem resgatando alguns dos elementos de controle do clima utilizados, em sua maioria, até os anos 70, como brises, beirais, basculantes e marquises, que permitem uma adaptação natural ao clima e que foram sumindo de nossa arquitetura. “Temos que fazer prédios mais duráveis, com menos reformas, menos desperdício e uso de materiais. Prédios flexíveis que dependam menos de uma energia operante”, afirma. Roberta cita ainda o cobogó, que vem sendo retomado no mundo inteiro como algo decorativo, que faz sombra, protege e deixa ventilar ao mesmo tempo. “Existem muitos elementos da década de 1970 para serem resgatados. Uma arquitetura que pensa o contemporâneo sem perder sua adaptação ao local”, completa Roberta Vieira.
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artesplásticas por Ana Cláudia Ulhôa
Inserções em circuitos ideológicos: Projeto Coca-Cola (1970) é considerada umas das obras mais importantes do artista brasileiro Cildo Meireles. Ainda em 1970, ela foi exposta no MoMa, Museu de Arte Moderna em Nova York. Imagem: divulgação
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Por
iDeia 70’s >> artes plásticas
uma nova concepção
de arte
Já
pensou comprar uma garrafa de Coca-Cola e se deparar com a frase “Yankees, go home!” ou com instruções para se fazer um coquetel molotov impressas no casco? Se você estivesse no Brasil da década de 1970, essa cena poderia ter acontecido com você. A ideia de escrever informações e opiniões críticas nas embalagens retornáveis da marca estadunidense de refrigerantes, para depois devolvê-las ao mercado, é só uma das obras que se tornaram marco de um movimento que se consagrou nesse período, a arte conceitual. Segundo Cristina Freire, autora do livro Arte Conceitual, esse movimento busca romper com a ideia tradicional de arte. Ela explica que, ao observar peças como as que compõem Inserções em circuitos ideológicos: Projeto Coca-Cola (1970), do carioca Cildo Meireles, não se pode mais pensar a arte como “uma pintura, um desenho ou uma escultura, autêntica e única, realizada por um artista singular e genial - a arte conceitual problematiza justamente essa concepção, seus sistemas de legitimação, e opera não com objetos ou formas, mas com ideias e conceitos”. No caso de Cildo, o artista esclarece, em depoimento dado para a pesquisa Ondas do corpo, de Antônio Manuel, que sua intenção, na obra citada acima, era trabalhar com a noção de “anonimato” e com a “possibilidade que as artes plásticas oferecem, de criar para cada nova ideia uma nova linguagem para expressá-la. Trabalhar sempre com essa possibilidade de transgressão ao nível do real. Quer dizer, fazer trabalhos que não existam simplesmente no espaço consentido, consagrado, sagrado. Que não ocorram simplesmente ao nível de uma tela, de uma superfície, de uma representação. Não mais trabalhar com a metáfora da pólvora - trabalhar com a pólvora mesmo”. Cristina ressalta que, a partir de agora, em vez da permanência tem-se a “transitoriedade; a unicidade se esvai frente à reprodutibilidade; contra a autonomia a contextualização; a autoria se esfacela frente às poéticas da apropriação; a função intelectual é determinante na recepção”. Para alcançar esses objetivos, Amir Brito, professor da Escola de Belas Artes da UFMG, conta que muitos artistas plásticos começaram a buscar novos materiais que, até então, não eram considerados artísticos, como xerox, mapas, diagramas, entre outros. Uma das obras mais inusitadas da época foi O Porco (1966), do paulista Nelson Leirner. Exposta no 4º Salão de Arte Moderna de Brasília, a peça era composta por um suíno empalhado dentro de um engradado de madeira de 83x159x62 cm. A ideia era
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fazer as pessoas pensarem sobre quais são os critérios para considerar um objeto como arte. Amir lembra que “ele tinha certeza que a obra não seria aceita e, para espanto dele, não só foi aceita como ganhou prêmio”. O americano Douglas Heubler também se apropriou de um material bem diferente para sua obra de 1969. Gás Inerte se baseava simplesmente em liberar uma determinada quantidade de gás nobre no ambiente. Segundo Brito, como o gás era transparente, não era possível ter certeza que ele realmente estava lá. “Temos só uma fotografia dele abrindo uma caixa, que está vazia. Nós não o acompanhamos fazendo isso ao vivo, então só podemos confiar nas palavras dele. Vários artistas vão trabalhar com essa ideia da desmaterialização da obra. Aí surgem as questões: Como é que o mercado vai vender essas obras se elas são imateriais? Será que esse tipo de obra precisa de um espaço de exposição tradicional na galeria?” Para o professor, trabalhos como esses revelam o que, para ele, é a característica mais importante desse movimento, a valorização do processo. “Ele é tão relevante quanto o produto. Muitas vezes, ele é até mais! Por isso, que Lawrence Weiner (artista plástico estadunidense) vai falar que a obra pode ou não se realizar. O que importa pra ele é esse processo da pessoa imaginar a possibilidade de uma obra, que existe só como ideia, que ele pode compartilhar ou guardar só pra ele”.
Em 1966, o artista brasileiro Nelson Leirner expôs a obra O Porco, um suíno empalhado dentro de um engradado de madeira. Foto: divulgação
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Em 1970, Cildo Meireles criou um segundo projeto para o Inserções em Circuitos Ideológicos. Dessa vez, o trabalho era composto por uma cédula marcada por um carimbo. A ideia era questionar a morte do jornalista Vladimir Herzog pela ditadura militar. Imagem: reprodução da obra
O americano Lawrence Weiner ficou conhecido por realizar trabalhos que consistiam em instruções para serem realizadas pelo público. Foto: divulgação
Foi a partir dessa concepção que surgiram os projetos que trabalham com instruções. O próprio Lawrence Weiner criou, em 1968, uma obra que consiste apenas na seguinte frase: “pegue uma lata de spray, aponte para o chão durante dois minutos”. De acordo com Amir Brito, os aspectos da arte conceitual começam a ser formulados pelas vanguardas do século XX. O movimento que mais se aproximou do que viria a ser a arte desenvolvida entre as décadas de 1960 e 1970 foi o dadaísmo. “Marcel Duchamp vai falar que estava interessado em uma arte que não fosse retiniana, que exigisse um trabalho intelectual para ser apreendida e não fosse apenas uma questão estética, apesar da questão
estética estar presente em muitas obras”, lembra Brito. Na verdade, o professor da UFMG defende que essa ideia sempre esteve presente na história da arte, mas só foi formalizada depois. “Costumo falar para meus alunos do primeiro período que toda arte é conceitual. Uso dois exemplos do Renascimento para mostrar isso. Michelangelo falava que não se pintava com as mãos, se pintava com o cérebro, querendo demonstrar esse aspecto intelectual do trabalho do pintor. Já Leonardo Da Vinci teve outra frase famosa, que diz que a arte é coisa mental. Se a arte é uma coisa mental, ela é conceitual. Então, está lá desde o Renascimento, toda arte é conceitual, só que essas obras dos anos 70 vão colocar esse aspecto mais em evidência”.
Sobre os trabalhos que são desenvolvidos hoje, Amir Brito conclui que “percebemos que essa influência está disseminada. Se for olhar, acho que uns 80% de tudo que está em exposição atualmente tem influência da arte conceitual. Como está muito difundida, nem todo mundo vai seguir todos aqueles preceitos da arte conceitual, eles vão pegar um aspecto ou outro em uma ou outra obra. Dos anos 80 para cá, uma característica da obra de arte acaba sendo um pouco isso, essa mistura. O artista não está mais preso a fazer os trabalhos seguindo certo estilo, certa tendência, então existe mais liberdade”.
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Nada
mudou. Tudo
mudou
O publicitário Jaques Lewkowicz como estagiário na empresa Google. Foto: Arthur Nobre / www.arthurnobre.com
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branding
iDeia 70’s >> artes plásticas
por Pâmilla Vilas Boas
Criatividade e personalidade ainda são palavras fundamentais no processo de construção e comunicação das marcas.
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Em
2015 um dos maiores criativos do Brasil decidiu vender as ações de sua agência e passar um tempo trabalhando no Google. Aos 70 anos, 47 de carreira e 17 leões de Cannes, o publicitário Jaques Lewkowicz, um dos mais premiados da propaganda brasileira, exibe seu crachá de estagiário. Após o sucesso da palestra que ministrou no Google, Lew foi convidado a ficar um tempo na empresa. Mas que cargo ele poderia ocupar? Um cargo maior que o do presidente? Foram as primeiras perguntas que os diretores se fizeram. “Que tal ser estagiário? E essa palavra bagunçou o mercado. O cara tem 70 anos e vai ser estagiário do Google?”, brinca Lew. A proposta, como relata, era a de transmitir essa experiência em criação e aprender o que há de mais inovador nas ferramentas digitais. “Depois da aposentadoria, eu não queria fazer a mesma coisa e essa área digital, que está tomando conta do mundo, me interessava muito. Sabe o filme ‘Um Senhor Estagiário’ estrelado por Robert De Niro? A história é parecida comigo”, relata. No Google, ele criou o projeto “Nada mudou. Tudo mudou” para pensar as transformações na comunicação e na publicidade desde que começou a atuar como publicitário. Para Lew, na década de 1970 os bordões eram fundamentais no processo de expansão das marcas. Hoje, com a evolução das ferramentas digitais e criação do Google, Facebook e Youtube é possível atingir 150 milhões de acessos e expandir a marca em pouco tempo. “Na década de 70 a marca tinha que nascer e crescer sozinha através do boca a boca. Lógico que ela estava na TV, ou em algum lugar, mas se ela tivesse algo de interessante ela se expandia por si só através dos bordões”, afirma. Sobre o “nada mudou” Lew ressalta que o que conduz tudo ainda é uma ideia criativa. “Isso não mudou e nem vai mudar. Se não tiver uma boa ideia, nada acontece”, ressalta. Um de seus bordões mais conhecidos tem mais de 40 anos e sobrevive até hoje. A propaganda “Lei de Gerson”, de 1976, foi criada pela Caio Domingues & Associados para a marca de cigarros Vila Rica, quando Lew era um dos diretores de criação da empresa. O jogador Gérson foi campeão pela seleção
Propaganda “Lei de Gerson”, criada por Jaques Lewkowicz para os cigarros Vila Rica em 1976, deu origem a um de seus bordões mais conhecidos
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iDeia 70’s >> branding
brasileira na Copa de 1970, e estrelou a propaganda. Além de jogador, ele era um fumante compulsivo. A propaganda dizia que o cigarro Vila Rica, além de ser melhor, era mais barato que os demais, logo “você também gosta de levar vantagem em tudo, certo?” A propaganda, mesmo com as polêmicas repercussões no imaginário do malandro que permeia o Brasil até hoje ou na ideia do “jeitinho brasileiro”, vendeu o produto acima das expectativas e fez com que a Vila Rica fosse líder no mercado por muitos anos. Ele relembra ainda cases como “Efeito Orloff” (Eu sou você amanhã), e “Macho pero no mucho” (Vicunha). “As pessoas falam pero no mucho até hoje. Esses bordões marcaram muito e viraram ditos populares, eles já não me pertencem mais, se transformaram em uma espécie gíria”, afirma. Lew ressalta que, nesse período, mesmo a propaganda brasileira sendo uma das mais premiadas do mundo, eles tinham orçamentos baixíssimos se comparados com outros países. Com uma ideia criativa na mão, nomes como o próprio Lew e Washington Olivetto, que chegaram a ser colegas de trabalho, produziram comerciais que conquistaram diversos prêmios. “A importância da ideia não mudou. Os vídeos do Youtube, por mais que tenham secundagem diferente, nada mais são do que um vídeo. Em 1970, mesmo com a produção mais pobre, fizemos propagandas que são lembradas até hoje”, afirma. Lew acredita que os bordões, estratégia muito usada em 1970, hoje em dia não fazem mais parte da linguagem popular, apesar de ainda existir em outros formatos. “Em 2011, a gente fez a campanha “Ponéis malditos” para a Nissan. Não tem uma frase, mas tem a história dos pôneis malditos. Talvez a história e o uso das paródias chamem mais atenção hoje em dia”, revela.
Criatividade brasileira De acordo com o diretor nacional de Mídia da agência DPZ Propaganda, Flávio Rezende, no artigo “A evolução da mídia no Brasil”* foi nos anos de 1970 que surgiram as mudanças que estimularam a produção de comerciais no
A campanha “Ponéis malditos” da Nissan, criada pela agência Lew’Lara, foi um sucesso também na internet.
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A campanha do Garoto Bombril da dupla de
Campanha da Coca-Cola de 1979.
criação Washington Olivetto e Fransesc Petit ficou no ar por mais de 30 anos.
formato que conhecemos hoje. Foi o início da difusão da TV em cores que exigiu um novo padrão de qualidade nas propagandas. O autor ressalta que, nessa década, começam a aparecer os primeiros merchandising na televisão, em novelas como Beto Rockfeller, na Tupi, e Dancin’Days, na Globo. Foi nesse período também que os anunciantes deixaram de patrocinar os programas e passaram a comprar espaços nos comerciais. Segundo a presidente da Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais, Leyla Fernandes, no artigo* “Das ondas radiofônicas às imagens digitais: a potencialidade da produção audiovisual brasileira”, em 1971 o Ministério das Comunicações regulamentou a exibição de comerciais de três minutos, a cada 15 minutos de programação. Ainda de acordo com o artigo, esse novo cenário possibilitou que as campanhas publicitárias para TV se tornassem mais autênticas, com uma forte identidade brasileira. Um exemplo foi a campanha do Garoto Bombril, em 1978, da dupla de criação Washington Olivetto e Fransesc Petit e que aparece no Guiness Book como a campanha que ficou no ar por mais tempo, mais de 30 anos, apesar de algumas interrupções. A campanha foi encerrada em 2013. “O Brasil apresentava um jeito original, inovador e divertido de vender produtos de limpeza, bem diferente daquele modelo de campanha testemunhal,
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*Os artigos integram a publicação da Coordenação de Divulgação do Ministério das Relações Exteriores disponível em: http://goo.gl/bGgX7F
iDeia 70’s >> branding
Na década de 70 começam a aparecer os primeiros merchandising na televisão, em novelas como Dancin’Days.
importado dos Estados Unidos. Um ano após estrear na televisão, a campanha com o Garoto Bombril ganhou um Leão de Bronze no Festival de Publicidade de Cannes. Nos anos seguintes, os comerciais com Carlos Moreno conquistaram mais Leões, Ouro e Bronze”, relata no artigo. De acordo com Leyla, o primeiro Leão de Ouro brasileiro foi recebido, em 1975, por Olivetto e Petit, pelo filme “Homem de 40 Anos” para o Conselho Nacional de Propaganda (CNP). O diretor brasileiro João Daniel Tikhomiroff, ao longo de sua carreira, que começou na década de 1970, ganhou 52 Leões em Cannes. “Nesse momento, a criatividade e a qualidade de produção brasileira passaram a ser reconhecidas internacionalmente”, afirma.
Construção das marcas Em 1979 a Coca- Cola apresentou sua nova companha com o slogan “Abra um sorriso. Coca-Cola dá mais vida”. Dessa vez, o garoto propaganda era o jogador de futebol Zico, que aparece na TV jogando bola com crianças na rua, numa aura de infância e felicidade despretensiosa. Para a designer Ana Couto, fundadora da Ana Couto Branding e especialista do assunto no Brasil, mesmo que o conceito de branding seja recente, muitas marcas, desde 1970, já vislumbravam sua proposta de valor para além do produto oferecido.
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iDeia 70’s >> branding A campanha para a empresa Volvo teve mais de 80 milhões de visualizações no youtube.
“O branding, enquanto disciplina, se inicia em 1990. Mas marcas fortes como a Coca-Cola, Louis Viton, GE, por exemplo, sempre se entenderam enquanto proposta de valor com marcas que foram sendo construídas ao longo de décadas. Na década de 1920 a Coca lançou a garrafa e o briefing era que, quando quebrasse, todos os cacos deveriam lembrar que se tratava de uma garrafa da Coca”, relata. Ana Couto ressalta que há 100 anos a Coca vem construindo sua proposta de valor, que é trazer à tona momentos felizes e se mantem relevante graças a isso. “Hoje, o produto é efêmero e não dá para construir esse valor em cima apenas dele. A Coca diversificou e tem uma oferta de sucos e água. Ela sabe que daqui há 10 anos pode ser que não se beba mais Coca”, aponta. Para o diretor da LF Mercado e presidente do Sindicato das Agências de Propaganda de Minas Gerais, André Lacerda, o branding existe desde que as marcas surgiram. Ele ressalta que, na década de 70, o processo era mais intuitivo, mas já se fazia pesquisa qualitativa, quantitativa e pré-teste para compreender as expectativas do público alvo com relação a marca. “É como a medicina. No passado ela era muito mais genérica, mas já existia o tratamento para as doenças especificas. É obvio que o branding existe desde que existe marca e desde que existe agência de propaganda especializada em cuidar dessas marcas”, afirma. Se antigamente a marca poderia emitir uma mensagem para seu público via emissoras de rádio e TV e jornal, num processo menos dialógico, hoje, com as redes sociais, a comunicação é multilateral, afirma o publicitário. “Eu me comunico com o consumidor que se comunica comigo e com outros consumidores. É preciso ter muita coerência. Esse aumento das ferramentas e canais de comunicação resultou num planejamento muito maior e sofisticou a metodologia. Hoje você tem que ter uma mensagem global e uma segmentada pra cada público”, aponta.
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iDeia 70’s >> branding
André explica que em 1970 haviam mais marcas isoladas e que, nas últimas décadas, ocorreu um processo de centralização em grandes corporações. “Hoje você vê uma marca como a Unilever fazer um anúncio sobre a qualidade Unilever que é muito maior do que a qualidade de apenas um produto. Atualmente, esse assunto aparece mais forte também por que houve uma centralização das marcas em mega corporações. Cada vez mais existe uma preocupação de trabalhar o nome e a reputação dessa corporação”, afirma. Para Lew, hoje existe uma atenção maior com a marca do que com o produto. Ele cita como exemplo a campanha para a empresa Volvo em que o ator Van Damme
aparece entre dois caminhões. A propaganda teve mais de 80 milhões de visualizações no youtube. “Ninguém vai acordar de manhã e comprar um caminhão, mas o branding ficou defendido profundamente com isso. Nesse sentido houve uma certa evolução ao se pensar a marca numa amplitude maior do que apenas o produto ou sua venda imediata”, ressalta. No entanto, para Lew, todas essas regras tornaram a publicidade brasileira com menos liberdade criativa. “Mas a ideia ainda é o grande motor desse negócio. Nem as regras conseguem derrubar uma grande ideia”, ressalta. Diferenciação, proposta de valor, relevância, território de marca (linguagem verbal e visual) e
consistência. Para Ana Couto esses critérios são imprescindíveis para uma marca sólida. “A gente olha a marca muito mais como uma questão de personalidade. Uma coisa importante no branding, que vem dessa evolução do design, é essa questão de valores. Antes trabalhávamos esses valores e crenças muito na questão visual. No século XXI, a relação de venda e marketing tornou-se apenas uma dimensão da marca, que hoje representa toda essa proposta de valor que um negócio pode trazer para o mundo. O papel de uma marca não é só vender ou ter lucro. Nesse contexto chamamos o público de uma marca como stakeholders e não apenas consumidor”, ressalta.
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cinema por Ana Cl谩udia Ulh么a
1970:
a decada
indie
do cinema 22
iDeia 70’s >> cinema
“A chamada era de ouro de Hollywood foi detonada pela televisão, levando com ela o sistema de estúdios, suas longas folhas de pagamento e suas restrições quanto a sexo, drogas e violência nas telas. Hollywood estava acéfala, em crise financeira, falência artística e depressão psicológica. Território perfeito para o aparecimento de uma nova geração de diretores e roteiristas, alimentados pelo cinema europeu e asiático, sem medo da televisão e da cultura pop – pelo contrário, fascinados por ambas”. O trecho, retirado do livro Almanaque Anos 70, da jornalista Ana Maria Bahiana, resume bem o cenário que possibilitou a renovação do cinema estadunidense durante os anos 1970. Marcado pela produção de filmes que se tornaram clássicos da sétima arte, como O Poderoso Chefão (1972) e Taxi Driver (1976), o período, denominado Nova Hollywood, foi considerado por muitos como uma das fases mais criativas do cinema feito nos Estados Unidos. De acordo com Peter Biskind, autor de Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll Salvou Hollywood, a situação financeira era tão crítica que “a venda de ingressos, que em 1946 atingira o marco histórico de 78,2 milhões de dólares por semana, despencara para 15,8 milhões de dólares por semana em 1971”.
Marlon Brando no filme O Poderoso Chefão (1972) do diretor Francis Ford Coppola.
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iDeia 70’s >> cinema
Fábio Feldman, professor da Escola Livre de Cinema, explica que toda essa crise ocorreu não só pela concorrência com a televisão, mas pelo fato dos grandes estúdios não terem conseguido perceber que o mundo agora era outro. “Houve uma mudança de paradigma cultural na década de 60. As pessoas começaram a se interessar por outras coisas. Houve várias revoluções comportamentais, teve a Guerra do Vietnã, Martin Luther King, o feminismo cada vez mais forte. E, a impressão que eu tenho, é que Hollywood não conseguiu acompanhar essas mudanças”, afirma. Com orçamentos cada vez mais enxutos e um público cada vez mais ansioso por algo que se aproximasse de sua realidade, as produções independentes começaram a ganhar força. Os primeiros filmes que marcaram esse período foram Shadows (1959) de John Cassavetes, Bonnie e Clyde (1967) de Arthur Penn e Easy Rider (1969) de Dennis Hopper. “Shadows é um filme barato, pessoal, improvisado e que, ao mesmo tempo, consegue uma força artística e chama a atenção de uma geração de jovens que estava começando
Cena do filme Bonnie e Clyde (1967) do diretor Arthur Penn.
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iDeia 70’s >> cinema Robert de Niro em Taxi Driver (1976) de Martin Scorsese.
a querer estudar cinema. Ao ver esse filme, eles se perguntaram: Espera aí! É possível fazer filmes tão baratos? É possível fazer filmes com amigos? É possível fazer filmes fora daquele esquema da Hollywood clássica?”, comenta Rafael Ciccarini, professor do Centro Universitário UNA. Esses garotos eram nada mais, nada menos do que Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Brian de Palma, William Friedkin, Peter Bogdanovich, Robert Altman, entre outros. Segundo Ciccarini, essa foi a primeira geração a estudar cinema na universidade, por isso são pessoas “que vêm com uma carga de conhecimento e uma influência de figuras do
mundo e do próprio cinema americano muito grande. Nessa época, Hollywood está ali patinando e acaba abrindo uma brecha para eles entrarem e construírem seus filmes. Você tem caras querendo fazer filmes que falam de cinema, deles mesmos, dos sentimentos e que têm uma postura crítica em relação à sociedade, aos Estados Unidos, ao ser humano e às instituições. É talvez o único momento da história do cinema americano que essa porta está entreaberta”. Um exemplo de longametragem com esse perfil é Um dia de Cão (1975), dirigido por Sidney Lumet. “Esse é um filme de um cara que vai assaltar um banco, ou seja, é um anti-herói.
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Mas, por que o personagem de Um Dia de Cão vai assaltar um banco? Porque ele tem um namorado que quer fazer uma mudança de sexo e ele quer pagar a cirurgia dele. Olha o quão subversivo é isso. Você tem a coisa do transexual, que hoje ainda é tabu, colocado nos anos 70, da mesma forma que o problema manicomial em Um Estranho no Ninho ou o problema do cara que vem do Vietnã em Taxi Driver. A temática é variada”, conta Rafael. Além de ter sua equipe de diretores renovada, o professor do Centro Universitário UNA lembra que tanto o quadro de produtores quanto de atores de Hollywood também passou por um processo de renovação. “O tempo daquela geração mais antiga dos donos de estúdios, figuras mais velhas que controlavam tudo, foi passando e começou a entrar em Hollywood novos executivos, gente do mercado, gente mais jovem”. Sobre os atores que surgiram nessa época, Rafael Ciccarini ressalta: “É impressionante como aparecem nomes, sobretudo masculinos, muito talentosos. Al Pacino, Robert de Niro, Dustin Hoffman, Harvey Keitel, Jack Nicholson são atores que até hoje estão na linha de frente de Hollywood e que fazem seus primeiros trabalhos nesse período, às vezes até seus melhores trabalhos”.
Um Dia de Cão (1975) de Sidney Lumet, estrelado por Al Pacino.
Um Estranho no Ninho (1975) do cineasta tcheco Miloš Forman.
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Reviravolta Mesmo sendo aplaudidos pela crítica e pelo público, os longa-metragens da Nova Hollywood passaram por uma mudança significativa em seu perfil. A partir de 1975, nomes como Steven Spielberg e George Lucas roubaram a cena com filmes repletos de efeitos especiais. Para Ciccarini, há um ponto importante que deve ser entendido nessa nova mudança, “Spielberg, George Lucas e Zemeckis estudaram juntos com essa geração do Coppola, de Palma, Scorsese. Então, são os próprios caras do meio que terminam com a festa”. De acordo com Rafael, os diretores de Tubarão (1975) e Star Wars – Episódio IV (1977) seguiram caminhos diferentes do resto da Nova Hollywood por terem adquirido outro interesse. A geração do início dos anos 70 “tinha uma preocupação com forma e conteúdo, e não com técnica. Isso passa a ser uma preocupação de George Lucas e Steven Spielberg. Quando esses caras estão estudando cinema, eles gostam muito da técnica e resolvem colocar isso como uma prioridade, resgatando a ideia do espetáculo. Você vai ter medo do tubarão como se ele existisse. Vai estar no espaço como se realmente estivesse lá”, analisa.
Pôster do filme Tubarão (1975), dirigido por Steven Spielberg.
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Essa sensação fez com que o público voltasse às salas de cinema não só uma vez, mas duas, três, quatro vezes. Rafael Ciccarini diz que o sucesso de Tubarão e Star Wars foi tão “avassalador” que Hollywood se fechou aos filmes “ousados e autorais”, para começar a investir maciçamente em longas repletos de efeitos especiais, com um caráter mais maniqueísta e que mexia com a emoção. Independente do diretor e do tipo de filme, Fábio Feldman defende que a maior herança deixada por essa geração foi a criatividade. “É uma década magnífica do ponto de vista estético, porque temos todos esses cineastas juntos. Acima de tudo, eles eram cinéfilos, estavam acompanhando a história do cinema e tentando renovar a linguagem cinematográfica. Acho que esse germe de originalidade e esse desejo por questionar, que está muito presente lá, ainda têm reflexos hoje”, conclui.
Pôster do filme A Margem (1967) de Ozualdo Candeias, um dos marcos do Cinema Marginal brasileiro.
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Cena da franquia Star Wars, que começou a ser produzida em 1977 e consagrou o cineasta George Lucas.
Enquanto isso, no Brasil... Assim como em Hollywood, o Brasil dos anos 1970 também passou por uma mudança no perfil de suas produções. Segundo Rafael Ciccarini, professor do Centro Universitário UNA, o Cinema Novo perdeu força, devido ao endurecimento da Ditadura, e entrou em cena o Cinema Marginal, com diretores como Rogério Sganzerla, Júlio Bressane, Carlos Reichenbach e Ozualdo Candeias. O filme considerado como marco inicial desse movimento é o A Margem (1967), de Ozualdo Candeias. Ciccarini esclarece que o nome dado às produções feitas por esses diretores em 1970 vem tanto do longa de Candeias quanto das características trabalhadas por eles. “O sentido marginal não é no sentido de criminoso, mas de que não existiam grandes meios de financiamento. O cara fazia o filme com pouco dinheiro e tratava de temas, muitas vezes, considerados malditos. Então eles faziam filmes sobre bandidos, liberdade, contestando o estado de coisas e trazendo referências um pouco na linha pós-moderna, misturando alta cultura com cultura popular”. Outro tipo de filme que também surge nesse período são os produzidos pela Boca do Lixo. Realizados na zona boêmia da cidade de São Paulo, os filmes desse grupo contavam com a participação de pessoas do povo. “um cara era pedreiro, o outro trabalhava na Vera Cruz que já tinha falido, o outro era bandido, a outra prostituta e eles começaram a criar um núcleo de produções populares que funcionou. Eles conseguiram fazer filmes com pouquíssimo dinheiro, baseados em gêneros norte-americanos. Então, por exemplo, há o Western Spaghetti do cinema italiano e, na Boca do Lixo era Western Feijoada”. Ciccarini conta que foi nesse contexto que surgiram as famosas pornochanchadas. “Como ali tinha muita casa de prostituição, eles usavam as próprias moças que faziam programa nesses filmes e eram sucesso total de bilheteria. É importante dizer que as pornochanchadas hoje são muito mal vistas, mas existem várias interessantes e, ao contrário do que muitos pensam, não são sexo explícito. Eram filmes em que havia topless, nudez, o máximo que se via era um pouco de lado. São filmes muito mais jocosos, muito mais engraçados, trazendo o sexo como o imaginário do que necessariamente alguma coisa explícita”, afirma.
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literatura por Ana Cláudia Ulhôa
Se fosse para escolher um verso que melhor representa o espírito da geração mimeógrafo, também conhecida como poesia marginal, Roberto Said, diretor da Editora UFMG, diz que seria “o nosso amor a gente inventa”, do cantor e compositor carioca Cazuza.
De acordo com o professor, esse trecho poderia ter sido escrito por qualquer um dos poetas de 1970, pois ele revela uma característica importante da poesia brasileira da época. Ana Cristina César, Cacaso, Chacal, Paulo Leminsk e companhia estavam mais interessados em reinventar as formas de amar do que brigar diretamente contra a ditadura. “Eles vão fugir do que seriam as modalidades oficiais de luta política, que são a luta armada, ideológica, do engajamento com os partidos, sindicatos e organizações de esquerda. Eles vão atuar num campo microfísico, que tem a ver com a sexualidade, cotidiano, valores”, explica Said. A ideia era combater a repressão militar promovendo o que as pessoas chamavam de “desbunde”. Roberto conta que esse grupo era composto por poetas jovens, geralmente na faixa dos 20 anos que, naquele momento, residiam no Rio de Janeiro e passavam boa parte de seu tempo em Ipanema exibindo seus corpos e fumando maconha.
Estética Esse comportamento resultou em uma poesia de tom bem humorado e que trazia mensagens camufladas contra a ditadura. Um exemplo é o poema de Chacal que diz: “É PROIBIDO PISAR NA GRAMA. O jeito é deitar e rolar”. Os textos dessa geração também possuíam uma linguagem coloquial sem qualquer rigor classicizante, como esquemas métricos ou busca incessante por rimas esteticamente ricas. Fato que revela uma aproximação da geração que organizou a Semana de Arte Moderna de 1922. “É uma espécie de releitura da geração de 22, a gente tem o poema piada, esse projeto de fazer poesia com a linguagem falada, sobre temas que são considerados menores. Não é mais o amor platônico, mas a transa da semana.
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iDeia 70’s >> literatura
São os pequenos dilemas da vida comum, e é nisso que eles se conectam com os autores de 22, formalmente com Oswald de Andrade e em termos de espírito com Manuel Bandeira”, lembra Roberto Said. Cazuza foi diretamente influenciado pela poesia da Geração Mimeógrafo, também conhecida como Marginal.
A edição das obras desses jovens da década de 70 também fugia aos padrões estabelecidos. O professor da UFMG afirma que o mercado editorial, naquele período, era bastante fechado e exigia um aval acadêmico que essa geração ainda não tinha. Por isso, alguns começaram a publicar em revistas ou a fazer seus próprios livros. Foi a partir desse contexto que surgiram as alcunhas de geração marginal e mimeógrafo. O jornalista Carlos Juliano Barros revela, em seu texto para o Repórter Brasil, que o termo marginal “não remete à noção de fora-da-lei, como poderia supor o leitor mais desavisado. Na verdade, ele se aplica a autores que tinham dificuldade para emplacar suas obras em editoras de grande porte. Não é à toa, portanto, que eles foram imortalizados pela expressão ‘geração do mimeógrafo’, já que se valiam dessa máquina para levar ao público consumidor, de forma ágil e barata, livros de pequena tiragem, bancados por conta própria”. Segundo Said, essas obras eram impressas em offset e pareciam materiais feitos em pequenas gráficas. Algumas possuíam dobraduras, desenhos e silks. Um exemplo citado por Roberto é o livro que Waly Salomão escreveu na cadeia, quando foi preso por porte de drogas. “Se você pegar o “Me Segura Qu’eu Vou Dar um Troço” (1972) para ver, a última coisa que ele parece é um livro de poesia, porque é um conjunto de anotações com desenhos. Parece texto em prosa, como se fosse um diário de prisão, em que ele faz reflexões sobre política, sexualidade, Brasil e a própria poesia”, comenta.
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Roberto Said relata que as vendas dessas obras eram feitas pelos próprios artistas em bares, pizzarias e festas. Inicialmente, elas eram consumidas apenas por jovens. Mas, com o lançamento do livro “26 Poetas Hoje” (1976) - em que a professora Heloísa Buarque de Hollanda faz um apanhado dos autores mais importantes da geração marginal - o grupo dos anos 70 finalmente conquistou aval acadêmico e passou a ganhar destaque na literatura nacional.
1. A carioca Ana Cristina Cesar foi uma das maiores referências da Geração Mimeógrafo.
Para o diretor da Editora UFMG, os nomes que alcançaram mais prestígio foram o de Ana Cristina César e Paulo Leminsk. “Eu acho que a pessoa mais influente de todas foi a Ana Cristina César, porque é dela o projeto mais sólido dessa geração. O Leminsk foi o poeta mais admirado coletivamente. Lembro que, quando estava no segundo grau, em 1988/1989, ficava esperando o que ele ia escrever e os mais velhos, que gostavam de ler, mais ainda. Ele era um cara muito admirado, porque é uma poesia muito bem humorada e inteligente”, ressalta Roberto.
participou do grupo de poetas que se estabeleceu no Rio de Janeiro, durante os anos 70, e deu origem à Geração Marginal. 3. Chacal também alcançou
Heranças
sucesso a partir de sua poesia marginal.
De acordo com Said, após a volta da democracia, outros assuntos entraram em voga e a poesia marginal perdeu força como movimento. Porém, muitos autores continuaram a produzir e as obras escritas durante toda a década de 70 seguiram influenciando a cultura nacional. “Sem a geração marginal não teria a geração do rock brasileiro de 80. Essa ideia de liberação sexual, e homossexual inclusive, vão influenciar os adolescentes Cazuza e Renato Russo, que estão lendo esses caras. É isso que vai fazer a cabeça deles e vai entrar no universo de interesse do rock nacional”, afirma.
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2. O mineiro Cacaso também
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4. Apesar de não pertencer ao grupo carioca, Paulo Leminski ficou conhecido por sua poesia de tom marginal, que ainda conquista muitos leitores.
O mimeógrafo era utilizado por alguns poetas desta geração para produzir seus próprios livros, que eram vendidos nos bares e na rua.
Wally Salomão, poeta que participou do movimento tropicalista e da Geração Marginal.
Poemas Marginais Rápido e Rasteiro
Estilos de Época
Amor Bastante
vai ter uma festa
Havia
quando eu vi você
que eu vou dançar
os irmãos Concretos
tive uma ideia brilhante
até o sapato pedir pra parar.
H. e A. consanguíneos
foi como se eu olhasse
aí eu paro, tiro o sapato
e por afinidade D.P.,
de dentro de um diamante
e danço o resto da vida
um trio bem informado:
e meu olho ganhasse
dado é a palavra dado
mil faces num só instante
E foi assim que a poesia
basta um instante
deu lugar à tautologia
e você tem amor bastante
Chacal
Cacaso
(e ao elogio à coisa dada) em sutil lance de dados: se o triângulo é concreto já sabemos: tem 3 lados.
Paulo Leminski
designde interiores iDeia 70’s >> design de interiores
por Ana Cláudia Ulhôa e Pâmilla Vilas boas
Para
70
revisitar
os
Foto: papeldeparededosanos70.com
Muitas cores, estampas e peças de diferentes materiais. A decoração vibrante dos anos 70 continua inspirando vários designers e arquitetos por aí. Por isso, a equipe da coletânea iDeia realizou uma pesquisa aprofundada e selecionou trabalhos que mostram como é possível unir o antigo e o atual de forma sofisticada e harmoniosa. Se você é fã dessa década e morre de vontade de dar um toque retrô em seus projetos, confira o material que preparamos para você.
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iDeia iDeia70’s 70’s>> design >> design de deinteriores interiores
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Foto: papeldeparededosanos70.com
iDeia 70’s >> design de interiores
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iDeia 70’s >> design de interiores
Papéis de Parede Coloridos, com padrões grandes e ousados os papéis de parede da década de 1970 são capazes de nos tirar um sorriso do rosto. A loja www.papeldeparededosanos70.com com sede na Alemanha é especializada em coleções de papéis de parede baseados na década de 1970. A empresa trabalha com diferentes designers e fábricas em toda a Europa e possui mais de 2 mil papéis diferentes disponíveis para venda no site. Antes da onda retrô, em 2003, eles criaram o projeto “Veruso”, pioneiro do renascimento do papel de parede decorativo. De acordo com a descrição no site, a empresa prima pelo uso da cor típica da época, pelo knowhow alemão e utilização de produtos de alta qualidade. “Nosso nome reflete nosso fascínio pelo espírito dos anos setenta. Mas não nos baseamos apenas no design retrô, mas também no espirito otimista, pioneiro e futurista da época”.
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iDeia 70’s >> design de interiores
Apê Itaim Projetado para servir de residência e escritório secundários do arquiteto paranaense Marcos Bertoldi na capital paulista, o apartamento do bairro Itaim-Bibi é quase uma galeria de arte. Pintado de branco do teto ao chão, o imóvel de 122 m² traz uma decoração repleta de peças de design e obras de arte que vão da década de 1940 até os dias de hoje. Um dos objetos de destaque é a banqueta de pés cromados, assento de madeira e almofada de couro, criada pelo designer polonês Jorge Zalszupin durante os anos 70. O edifício construído por Abraão Sanovicz também data dessa mesma década. Para ressaltar as características do imóvel, Bertoldi optou pela remoção da pintura das vigas e pilares, deixando expostas as veias das formas de madeira.
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Fotos: Romulo Fialdini
Projeto do arquiteto Marcos Bertoldi do escritório Marcos Bertoldi Arquitetos
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Sítio Marigold O projeto do sítio Marigold foi crido dentro do conceito de retrofit que, segundo o arquiteto André Luque, “nada mais é do que uma reforma com objetivos muito mais evidentes no que se refere a customizar e melhorar os espaços, adaptando o uso e a estrutura já existentes”. Localizado no município de Secretário, a 100 Km do Rio de Janeiro, a residência é composta por três galpões construídos durante a década de 70. Os espaços que, inicialmente, eram usados como lavanderia, garagem e depósito de ferramentas acabaram se tornando uma casa de hóspedes de 40 m² com sala de estar/TV, banheiro e um quarto; um pavilhão com espaços sociais como cozinha, sala de jantar, estar e lareira com 77 m², e um pavilhão também de 77 m² com duas suítes e uma sala com área de jogos, estar e televisão. Além disso, foi levantada uma nova construção para servir de apoio à piscina. As telhas de cerâmica de todos os galpões foram mantidas em sua forma original, sendo retiradas apenas para receberem tratamento.
Fotos: André Nazareth
Projeto do arquiteto André Luque do escritório André Luque Arquitetura
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Sala Vinicius de Moraes A “Sala Vinicius de Moraes”, em homenagem ao jornalista, poeta e compositor brasileiro, tem ambiente inspirado nas décadas de 1950, 1960 e 1970, período do auge do mobiliário brasileiro. Essa inspiração é traduzida principalmente pelos móveis que reúnem peças modernas, como o sofá Vic, poltronas Maverick, mesa Saarinem com tampo de madeira; e antigas, como a mesa redonda de Jacarandá e o par de mesas com tampo colorido, que datam de 1950. Obras de artistas goianos, como Siron Franco e Luiz Olinto estão em exposição no espaço, que é adornado por espelhos, copos de cristal e vidro vintage, muranos, vasos, cinzeiros, bowls e esculturas. As paredes foram forradas com papel parede em tons de azul marinho e fendi. A iluminação é ao mesmo tempo direta e indireta. Destaque para a luminária de piso e o pendente Caruarú, que fazem a iluminação focada em uma mesa e nos demais mobiliários.
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Fotos: divulgação
Projeto do Escritório de Arquitetura Cynara e Karina de Siqueira
iDeia 70’s >> design de interiores
Living O projeto Living, realizado para a Casa Cor Goiás 2013, tem como proposta criar um ambiente clássico sem se tornar mumificado. O arquiteto André Brandão explica que a ideia foi trazer um toque contemporâneo e atual para o ambiente, que possui vários elementos inspirados nos anos 1970. Ele cita os mobiliários como a cômoda Bianca de Sérgio Rodrigues, que data do período, o banco dueto, assinado pelos arquitetos que se inspiraram na década para criar o desenho e as poltronas. O lustre de cristal traz uma aura da época e o uso do acrílico muito importante no período. O tapete persa lembra as casas mais abastadas da época e as obras de arte com inspiração na geometria e abstração dos anos 70.
Fotos: Edgard César
André Brandão + Márcia Varizo arquitetura
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Espaço Casa de Praia Projeto do arquiteto Roberto Migotto O projeto partiu do conceito de uma casa de praia com layout descontraído e amplo. Na área externa, merecem destaque o deck em madeira teka e o pergolado na cor azul Klein, cercados pelo jardim do paisagista Luis Carlos Orsini. Um Karmann Ghia azul, do ano de 1968, está estacionado no jardim, marcando o espírito fresh and cool do projeto. No hall de entrada, o ladrilho hidráulico, com formas geométricas, em tons de azul e branco.
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Fotos: Alain Brugier
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Fotos: Alain Brugier
Na suíte, o papel de parede degradê e a cabeceira com criados-mudo em acrílico. Do outro lado do Hall, o Lounge, com poltronas dos anos 50 e a luminária Marseille de Le Corbusier, que fecha a composição. Na sala de jantar o lustre Dear Ingo; a Cozinha da Todeschini que segue o conceito do azul e branco. O piso da casa, em azul cobalto, as poltronas e estofados são revestidas por tecidos com texturas e formas de estampas geométricas muito utilizadas na década de 1970.
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Um toque
Alessandro Mendini
de emoção
e humor
“Para Alchimia sua tarefa de grupo de design é entregar, para os outros, um testemunho de ‘pensamento sentimental’. A motivação no trabalho não está em sua eficácia prática, a ‘beleza’ do objeto consiste no amor e magia com o qual é proposto, na alma que ele contém”. Logo no início do Manifesto Alchimia, escrito em 1977, seus membros já deixavam clara a principal motivação do grupo, fundado um ano antes pelo designer Alessandro Guerriero: a substituição da funcionalidade fria por uma mais emocional.
Ettore Sottsass
De acordo com a palestra dada para o CASA COR STARS1, por um dos principais expoentes desse movimento, Alessandro Mendini, o Studio Alchimia foi uma reunião de profissionais que estavam descontentes com um cenário em que o consumismo e o funcionalismo alemão (corrente que considera a função do objeto como prioritária e determinante em sua aparência) cresciam cada dia mais. “Éramos um grupo formado por pessoas com ideias diversas. As discussões eram muito calorosas, mas muito gostosas”, afirma. Entre os integrantes do Alchimia estavam Andrea Branzi, Ettore Sottsass, Michele De Lucchi, Matteo Thun e Paola Navone. Segundo a pesquisadora Patrícia Ferreira, apesar de algumas diferenças, todos “tinham em comum uma orientação do design para a interdisciplinaridade, para o revivalismo e para inclusão do ‘banal’”, ressalta em sua dissertação “Design Conceptual na Era Pós-Industrial: A Forma Segue o Conceito2 ”.
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Matteo Thun
Designde produto por Ana Cláudia Ulhôa Andrea Branzi
Uma das versões da poltrona Proust de 1978.
Michele De Lucchi
Paola Navone
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iDeia 70’s >> design de produto
Capa de uma monografia sobre o Studio Alchimia, que surgiu na Itália em 1976.
1 Evento realizado em São Paulo em abril de 2014: http://goo.gl/2d7L4A 2 Trabalho disponível em: http://goo.gl/K6ObnM 3 http://goo.gl/2cDYky 4 http://goo.gl/fsISuj
Patrícia ainda explica que eles “iniciaram uma interpretação sobre tipologias de objetos, numa atitude irônica, satírica, metafórica e reflexiva, ao por em questão o sentido de gosto e a importância da função prática. Apostaram no redesenho e na reinterpretação, essencialmente através de uma nova linguagem formal e de um esquema de cores puras”. Dessa forma, vários desses designers passaram a trabalhar de maneira artesanal, sem se preocuparem se suas peças poderiam ser produzidas ou não em escala industrial. As matérias-primas experimentadas quase sempre eram baratas, como o papelão, laminado e compensado, para promover um redesign de objetos que, em um primeiro momento, eram considerados banais. O uso de uma paleta de cores variada e de ornamentos extravagantes também foram adotados para dar um tom cômico e criar uma relação sensorial para esses produtos. Mendini lembra, em uma entrevista para a revista brasileira Casa Cláudia3 , que a “cor é um elemento de linguagem do mundo, porque o mundo é todo colorido. Usar cor significa usar o modo de expressão da natureza. O humor serve para tornar os objetos mais simpáticos. Quando o objeto é agradável e o designer o trata de forma irônica, perde-se o caráter retórico e acadêmico dele”.
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iDeia 70’s >> design de produto
Alessandro Menidini foi uma das principais figuras do Studio Alchimia.
Uma peça que se tornou um dos ícones do Studio Alchimia foi a poltrona Proust. Projetada por Alessandro Mendini em 1978, o produto, repleto de ornamentos e pontos multicoloridos, passou por museus da Bélgica, Holanda, Áustria e Alemanha. “Eu queria realizar um objeto muito enigmático: que não fosse pintura, design industrial e escultura, mas algo muito misturado. Estou realmente interessado em transformar os objetos em romances; é uma forma literária de fazer design. Os objetos são como personalidades; todos são como personagens. Um é bom, outro é mau. É um tipo de comédia e tragédia. Naquela época, me concentrei em pensar o que poderia acontecer se fizesse uma cadeira para o senhor Proust. Projetei também um banquinho para Giotto e uma mesa para Van Gogh”, conta Mendini no site especializado em design Dezeen4 .
Como reconhecimento do trabalho realizado por todos os membros do movimento, o Studio recebeu, em 1981, o prêmio Compasso d’Oro por sua contribuição para a investigação em design. Porém, ainda no início da década de 80, o grupo foi desfeito devido a desentendimentos internos. “Sendo altamente intelectualizado, permaneceu elitista e firmemente integrado na discussão sobre seu campo disciplinar, sem existir um maior contato com o público. Essa distância com o público (ou com a produção industrial e com o mercado) não agradava a todos os membros do Alchimia”, recorda Ferreira. Mesmo com a separação do grupo, Alessandro Mendini esclareceu, em 2014, que “décadas depois, cada membro seguiu um caminho. Talvez o que una os integrantes seja o fato de todos serem pessoas muito
interessantes e acreditarem na utopia da transformação do mundo por meio da imagem”. Quanto a seu trabalho e a ideia de criar um design que não está preocupado com o mercado, o designer comentou, na entrevista para a Casa Cláudia, que “faço esse design arte. É muito interessante porque permite uma experimentação pura, livre de qualquer tipo de vínculo. Pode-se compará-lo com o parâmetro da escultura e da arte. O protótipo é uma espécie de escultura que se apoia um objeto funcional. Uma poltrona pode ser transformada em uma visão. É um belíssimo trabalho e muito interessante, mas o aspecto negativo é ser vinculado diretamente ao luxo e ao preto do luxo”, conclui.
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Designde superfície por Pâmilla Vilas Boas
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Uma arte para alcançar
o mundo
A importância da obra de Athos Bulcão e sua influência na retomada da azulejaria na atualidade Formas geométricas em cor azul cobalto ocupam uma parte do azulejo branco. O efeito resultante é um inesperado agrupamento de partículas de cor azul, que vibram suspendidas no vazio. Os painéis de azulejo do artista Athos Bulcão revelam uma sutil relação entre caos, perfeição e movimento. Em 1971, o artista criou uma parede escultural para o Salão Verde do Congresso Nacional. Os azulejos, dispostos aleatoriamente sob uma superfície de madeira translúcida, oferecem uma visão fragmentada e decomposta do que ocorre por trás do painel e que o muro oculta e revela. Esse equilíbrio preciso entre aleatoriedade e perfeição surgiu de uma intensa colaboração entre o artista e o arquiteto Oscar Niemeyer, que se iniciou nos anos de 1950,
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com a construção de Brasília, até meados de 1970, com suas obras na França, Itália e Argélia. Para o curador e crítico de artes Agnaldo Aricê Caldas Farias, professor doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a década de 1970 é o período em que Athos alcança maior maturidade e que ocorre a difusão de seu trabalho. “Ele já havia se consagrado em algumas das principais obras de Niemeyer no Brasil”, afirma. Nos anos 70, com a ditadura militar, o arquiteto começa a realizar mais trabalhos no exterior e Athos é convidado a trabalhar com ele na França, Itália e Argélia. A partir de 1975, Athos estabelece uma relação com o arquiteto João Figueira Lima, o Lelé, em projetos para o Hospital Sarah Kubitschek . “Aí a coisa vai se abrindo extraordinariamente. Ele começa a realizar não apenas revestimentos, murais, relevos e azulejaria, como também obras arquitetônicas, como paredes compostas por painéis pivotantes, entradas, biombos. Cada uma delas tem motivos geométricos. Tudo isso como um desdobramento do trabalho em azulejo. O azulejo pressupõe a parede e isso vai se tornando muito mais radical. Se antigamente era apenas um revestimento, agora o azulejo se torna a própria parede”, explica Farias. Muro Escultórico do Salão Verde da Câmara Deputados. Obra de Athos Bulcão para o projeto do arquiteto Oscar Niemeyer em1976 Foto: Edgard Cesar / acervo da Fundação Athos Bulcão
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Painel de azulejos da torre TV Brasília de Athos Bulcão para a obra do arquiteto Lúcio Costa em 1966. Foto: Edgard Cesar / acervo da Fundação Athos Bulcão
Sede da Editora Mandadori Foto: acervo da Fundação Athos Bulcão
Residência Frederico Gomes Foto: acervo da Fundação Athos Bulcão
Dessas experiências, Athos construiu uma metodologia de trabalho inovadora. O artista utilizava formas geométricas, retirando a geometria estrita da monotonia e repetibilidade. Agnaldo explica que, nesse processo livre de composição dos azulejos, o artista criou uma obra aberta e colaborativa, onde o papel do operário assentador de azulejos era fundamental. “Ele dava liberdade para o operário, quase num processo de co-autoria. Você olha para o mural dele, tem uma aparência meio desorganizada que dá movimento. E isso se dava no trabalho junto com o assentador”, ressalta. Apesar da liberdade, como apontou Agnaldo, o trabalho não era completamente aleatório. “Por exemplo, tinha um azulejo que era um semicírculo. A única coisa que não podia era juntá-los
de tal modo a compor um círculo. Ele editava soluções e proibições. Tinha uma proporção e uma metodologia a ser obedecida”, afirma. Para o curador, Athos foi um artista moderno de orientação concreta, que obteve relevância internacional e transcendeu os formatos tradicionais de arte, numa escala sem paralelo no Brasil. “Ele tem uma presença física. Os trabalhos dele são copiosos, em grande número e muito variados. A meta dos artistas concretos era de fato chegar ao mundo e Athos é quem efetivamente leva isso às últimas consequências”, ressalta. As obras do artista estão disponíveis na Fundação Athos Bulcão (www. fundathos.org.br).
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Redescoberta dos azulejos O artista Alexandre Mancini, proprietário de um atelier de produção de azulejos em Belo Horizonte, foi um dos pioneiros da redescoberta dos azulejos na atualidade. Influenciado pela obra de Athos Bulcão, ele montou sua fábrica em 2006, numa época em que praticamente não existia mercado para azulejos. “Tinha apenas a Fundação Athos Bulcão. Fiz tudo o que não é sugerido. Não fiz pesquisa de mercado, porque não tinha mercado. Não tinha parâmetro de valor, não tinha nada”, revela. Alexandre explica que começou com um site, passou a criar seus próprios desenhos e a vender seus azulejos produzidos artesanalmente. “Todo o dia eu vejo alguém trabalhando com azulejo. Como tem muita gente fazendo, optei por experimentar técnicas diferentes, quero fazer algo cada vez mais único, pessoal e manual. Estou investindo atualmente no azulejo cru, que é uma raridade, e venho pintando todos à mão, um a um”, relata. “Talvez seja o mesmo conflito dos anos 70 e 80. Tem gente demais fazendo azulejos hoje em dia, baseados na obra de Athos Bulcão. Por causa disso, estou recuando para o sentido mais artesanal. A própria indústria começou a fazer esse tipo de azulejo. Eu e o Coletivo MUDA já viramos referência para os designers que começaram a produzir. Pra mim, comecei ontem. É interessante. Já fui para Portugal palestrar sobre a azulejaria brasileira. Tem muita história pra contar”, ressalta.
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Artista André Mancini
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O artista André Mancini, inspirado por Athos Bulcão, montou sua fábrica de azulejos em 2006. Fotos: divulgação
Dos murais artísticos para as residências Para Alexandre, a década de 1970 marcou o declínio da utilização dos azulejos como elemento artístico integrado à arquitetura e o boom de sua utilização em espaço doméstico, para o revestimento de banheiros e cozinhas. Ele relata que a utilização artística dos azulejos começa a ter relevância nos anos 30, chega ao ápice em 60 e começa a declinar em 70. O geólogo e proprietário da empresa de cerâmica Pascoal Massas, Paschoal Giardullo, que atua há 50 anos na área, explica que, até a década de 1970, os azulejos, principalmente os portugueses e espanhóis, eram instalados nas faixadas das casas ou em painéis de decoração nas salas. Até então não se pensava em azulejar cozinha ou banheiro. Paschoal relata que, no período, a indústria era dividida entre os que fabricavam azulejos e os que fabricavam piso para o chão. A indústria Matarazzo, por exemplo, foi um dos maiores conglomerados empresariais da história brasileira que fornecia azulejos para a maioria dos artistas. Com a entrada de fornos e técnicas mais modernas, deixou de existir essa diferenciação e a indústria passou a trabalhar com revestimento. “Até 1970, você tinha grandes fabricantes de azulejos em São Paulo, Rio de Janeiro e, principalmente, no nordeste. Nos anos 70, começaram a surgir as primeiras indústrias que produziam o revestimento de forma seriada e industrial, o que contribuiu para a maior utilização nas residências”, afirma.
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Na década de 1970 a concepção de produção de azulejos foi se transformando, incluindo a produção de novos formatos. “Antes de 70, o azulejo tinha o formato de 15X15 ou 11X11 que era um especial que a indústria Matarazzo produzia em São Paulo. Depois começaram a produzir azulejos maiores, de 20X20 ou 20X30. A partir de então tudo virou revestimento e as fábricas de azulejos foram acabando”, explica. Mancini ressalta que a década de 1970 é marcada por azulejos com grafismos exagerados, formas geométricas e por uma ligação com a estética dos papéis de parede, muito utilizados no período. Para o artista, trata-se de uma época em que a produção deixa de ser artesanal para se tornar mais industrial, mas ainda marcada por um processo muito arcaico, baseado na serigrafia. Ele explica que, a partir dos anos 80, foi reduzindo drasticamente o uso decorativo e artístico dos azulejos no Brasil, até sua retomada nos anos dois mil.
Azulejaria em Portugal O projeto “Grão”, dos designers portugueses Pedro Ferreira e Rita João, é uma tradução em azulejaria para a definição da imagem nos dias de hoje: o grão, como nos antigos filmes de película fotoquímica, ou o pixel no digital. Pedro explica que “Grão” é o nome dado à técnica que consiste em uma base digital de composição de imagem e dentro dela eles realizam o trabalho de representação da imagem, com muitos azulejos diferentes. “Essa base digital é burra, além de não acertar nas quantidades de azulejo, eles têm brilhos e reflexos que alteram muito as cores. Por isso, ficamos horas distribuindo os azulejos de
Projeto “Grão” dos designers portugueses Pedro Ferreira e Rita João realizado com restos de azulejos a partir de uma técnica sofisticada de representação da imagem em uma base digital. Fotos: www.pedrita.net
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Detalhe dos azulejos que compõem o mosaico
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Projeto “Best Guess”, dos designers portugueses Pedro Ferreira e Rita João, criado a partir de azulejos industriais descontinuados. Fotos: www.pedrita.net
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forma manual e experimental. Temos uma câmera apontada para o painel, vamos compondo a imagem e vendo o vídeo com o resultado final”, relata. O “Grão” pode ser aplicado em grandes superfícies e traz diferentes possibilidades de visualização, de acordo com a distância do observador. De longe uma imagem única e de perto cada azulejo com sua própria história. A história do trabalho em azulejaria começou com o cemitério de azulejos herdado do avô de Pedro. A empresa, única em Portugal, vem preservando azulejos antigos para garantir que eles existam no futuro. Pedro explica que a azulejaria portuguesa começou a ser mais difundida nas residências com a entrada do azulejo industrial, na década de 1970. “ O trabalho em azulejo que desenvolvemos, na maioria esmagadora das vezes, é com azulejo descontinuado e industrial. É aquilo que trabalhamos e estudamos. Sempre como uma interpretação nossa”, afirma. A proposta dos projetos realizados pelo Estúdio Pedrita é recuperar e dar novos significados para esse enorme acervo descontinuado. “Temos muitos azulejos e pouca quantidade de cada um. Então, o que podemos fazer com essa diversidade? E foi desse raciocínio que nasceram os projetos”, afirma. Os designers não fabricam nenhum azulejo. “Temos muitos azulejos pra gastar e ainda procuramos. A empresa continua a comprar estoques antigos. Uma reciclagem de matéria prima”, ressalta. Em 2015, eles realizaram a Exposição “Best Guess for This Image” (Melhor palpite para esta imagem) em comemoração aos dez anos do estúdio. Foram criados dez painéis com azulejos industriais descontinuados, utilizando apenas os danificados. Os azulejos de 15x15cm foram divididos em quatro e os painéis são como auto-retratos de Pedro e Rita. Os rostos dos painéis são de pessoas diferentes, que um motor de busca na internet considerou parecidas com os dois.
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Fotografia por Pâmilla Vilas Boas
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A minha
camera é o meu
olhar
A década de 1970 foi marcada pela democratização da fotografia no mundo e a ascensão do fotojornalismo no Brasil A Cinelândia
Imagem da Cavalaria
, no Rio de Janeiro, foi palco das manifestações estudantis durante a ditadura militar no Brasil. Bem em frente às barricadas, conflitos armados, repressão e mortes, se localizava o Jornal do Brasil, grande opositor ao golpe e que abrigou os mais influentes fotojornalistas do Brasil. Evandro Teixeira, um dos ícones do período, famoso por seu olhar e sua capacidade de correr dos militares, estampou, entre as décadas de 1960 e 1970, fotos épicas de denúncia na primeira capa do jornal. A foto “Baionetas e libélulas” foi fotografada durante a inauguração de uma exposição de armas da Guerra do Paraguai, no aterro do flamengo. “O Costa e Silva era o presidente e foi inaugurar. Na saída da exposição, eu vi essa libélula na ponta de uma baioneta. Como o Jornal do Brasil destacava a fotografia, a libélula foi publicada na primeira página e, as fotos do presidente ficaram lá dentro, em tamanho pequeno”, explica Evandro. A imagem passou pelos censores, mas o fotógrafo não saiu ileso. No dia seguinte, após a publicação, foi convocado a se explicar no gabinete de Costa e Silva. Furioso, o presidente questionou o porquê da foto de “besourinhos” na capa, ao invés da foto dele. Evandro respondeu que se tratava de uma questão da edição do jornal. Foi retirado do palácio a porrada e passou um dia na solitária para aprender a respeitar autoridade. “Quando você conseguia passar algo que eles [os censores] não entendiam, o jornal sempre dava grandes fotos na primeira página”, revela Evandro.
durante a missa do estudante Edson Luís na Candelária, Rio de Janeiro em 1968. Foto: Evandro Teixeira
O jornalista, curador e crítico de fotografia, Rubens Fernandes Junior, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP explica que a fotografia nos anos 70 ocupou um espaço fundamental na denúncia dos
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Foto “Baionetas Fotos: Evandro Teixeira
e libélulas” de Evandro Teixeira foi fotografada durante a inauguração de uma exposição de armas da Guerra do Paraguai.
acontecimentos do período da ditadura. O fotojornalismo foi de suma importância, como uma forma criativa de superar o aprimorado aparato de controle e repressão colocados nas redações pelo regime dos generais. “A imprensa estava sendo censurada e o censor lia texto, não lia imagem. Ao ser ignorante em relação à leitura de imagens, muitas vazaram, dando a verdadeira dimensão daquele estado de coisas que estávamos vivendo”, destaca o pesquisador. Rubens ressalta que a fotografia brasileira do período também foi marcada pelo que mais tarde ficou conhecido como a primeira geração de fotógrafos saídos da universidade. Profissionais que conseguiram atingir um grande público e sensibilizar a população através da fotografia. “Uma geração que, a partir de 70, fez jornalismo, engenharia, arquitetura e migrou para fotografia. Muito deles nem terminaram a graduação e acabaram dando certo na fotografia. Você tem a entrada de um grupo de jovens mais intelectualizados. Não é aquele jovem formado no dia-adia da redação, mas aquele que já tem um repertório na área de cinema, literatura e artes visuais”.
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Imagem de estudantes incendiando um automóvel do Exército em 1968.
Momento decisivo A confusão começou na Rua México com Santa Luzia. Os estudantes começaram a discursar e a polícia chegou para reprimir com violência. Passamos pela embaixada americana e os militares começaram a atirar em mim e no Erno Schneider, fotojornalista que também trabalhava no Jornal do Brasil e que teve seu equipamento apreendido e destruído. Corri para a Cinelândia. Vi os militares correndo atrás do estudante, eles deram uma porrada tão violenta que ele voou, caiu, bateu a cabeça no meio fio do Teatro Municipal e morreu. Fiz a foto do estudante caindo, um único fotograma, e não deu tempo para mais nada porque os policiais vieram pra cima de mim. O relato de Evandro Teixeira mostra a importância do conceito “Instante decisivo” de Cartier Bresson para a fotografia brasileira do período. Sem motor de disparo, sem foco automático, com poucos fotogramas e o ambiente de guerra do período requeria enorme precisão, frieza e velocidade para sair ileso e ainda preservar o filme que
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seria revelado e publicado. A imagem “Caça ao estudante - Sexta-feira Sangrenta”, foi então publicada no Jornal do Brasil na edição de 22 de junho de 1968, retratando o episódio que ficou conhecido como “Sextafeira sangrenta”. Não só os estudantes, como a população, lutaram contra a polícia durante dez horas. Foram sete mortos, 23 baleados e muitos feridos e espancados.
Cartaz do filme “Blowup” de Michelangelo Antonioni, que marcou o período de democratização da
O momento decisivo, nos primórdios do fotojornalismo brasileiro, teve cenas impressionantes, dramáticas e revoltantes. O fotógrafo relata ainda o episódio da missa de sétimo dia de morte do estudante Edson Luiz. Impedido de fotografar, ele foi para a cobertura de um edifício e fez várias fotos do massacre. “Fiz uma foto da cavalaria chegando e batendo nas pessoas e, de repente, começaram a atirar na gente. Para salvar os filmes, entreguei o material dentro de um envelope para uma funcionária que o guardou na calcinha e levou até a redação do Jornal do Brasil”, ressalta. Evandro explica que, na época do analógico, muitas vezes eles precisavam revelar os filmes no banheiro. “Quando viajava, carregava uma telefoto
fotografia.
Freiras conversam com oficial no início do Golpe Militar no
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Chile em 1973.
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de 15kg, era um trambolho. Naquela época, a gente pensava mais, procurava disparar no momento decisivo, era cada clique uma foto. Era uma imagem só”, relata.
O fotógrafo Elmo Alves, professor da Faculdade de Engenharia e Arquitetura da Universidade FUMEC, explica que, na época, eles enfrentavam o desafio de fotografar sem ter a chance de errar. Ele conta que teve apenas cinco minutos para fotografar Tancredo Neves. “Eu só aliviava
Fotos: Evandro Teixeira
Hoje em dia, as câmeras chegam a disparar 12 quadros por segundo. Na cobertura da última Copa do Mundo, por exemplo, Evandro, com uma única câmera digital, fotografava junto com outros profissionais que tinham três câmeras em diferentes posições, que disparavam milhares de fotos que iam direto para o editor.
“Quando acontecia um lance importante, ele disparava as três câmeras simultaneamente. Imagine quantos fotogramas? Milhares. Ele não via o que estava fotografando. Acho isso um absurdo”, afirma
Foto “Momento de trégua” revela estudante após protesto no Rio de Janeiro em 1968.
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O presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME), Vladimir Palmeira, faz discurso contra a Ditadura Militar na Cinelândia.
quando entregava o negativo pronto para o jornal. A gente fotografava com mais cuidado”, afirma. Ele explica ainda que a transformação da imagem se dava em laboratório e que cada foto revelada era única. “Hoje eu consigo fazer 20 cópias iguais. Naquela época não, cada foto era diferente. Se demorasse 20 segundos a mais na bandeja, a fotografia saia mais contrastada, por exemplo.” Elmo conta que, na década de 1970, havia uma sala escura no Mineirão, preparada para os fotógrafos revelarem suas fotografias. A sala não existe mais. “Até a infraestrutura era diferente. Para mandar o negativo, você tinha uma espécie de fax de rolo, que enviava a foto para a redação por linha telefônica. Tinha que torcer para a linha ser boa e não cortar a foto no meio do caminho”, relata.
Preto e branco e a fotografia documental A década de 1970 foi marcada também pela fotografia em preto e branco. Rubens ressalta que, apesar da experiência em cor com a Revista Manchete, em 1950, o nosso parque gráfico ainda não estava preparado para fazer foto em cor. Além disso, o próprio fotógrafo podia revelar e ampliar o filme em preto e branco. Já os laboratórios de cor eram muito mais sofisticados e o filme tinha que passar por diversos banhos químicos. Para o pesquisador, essa limitação técnica também repercutiu na estética do período. “O preto mais acentuado e o branco mais branco. Essa relação de contraste é mais tensa. A cor era muito naturalista na fotografia. O preto e branco, ao mesmo tempo que trazia a tensão da relação entre o visível e a ausência de luz, também possibilitava uma visão mais ficcional da realidade. Não vemos a realidade em preto e branco”, ressalta. Para Rubens, hoje assumimos a estética do preto e branco como uma fotografia mais artística, mas na época não era assim. “Além do drama e do caráter ficcional, o preto e branco trazia a facilidade de produção, tanto em custo como em operações técnicas”, afirma.
Para Rubens, atualmente, um bom fotógrafo é capaz de olhar para os anos 70 e perceber a potência da fotografia do período. Para ele, muitos jovens fotógrafos vêm retomando a força documental dos anos 70. “Hoje, a gente pensa muito em narrativas fotográficas. Os mais jovens buscam um conjunto de imagens que tem a potência de contar uma história sobre determinado assunto. Os fotógrafos hoje têm conhecimento do que foi produzido nesse período e tentam espelhar aquele momento no contemporâneo”, ressalta.
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Fotos: Evandro Teixeira
O fotógrafo Elmo Alves hoje usa suas câmeras antigas de médio formato para fins artísticos. “Comercialmente, não há como competir com o digital. Quando quero fazer algo artístico, no que tenho mais participação na foto, uso minhas câmeras antigas. Quando fotografo com filme e vejo a foto muito tempo depois, consigo me lembrar do ISO que utilizei, a abertura, a fotometragem. No digital não tenho a menor noção. É uma foto mais cuidadosa”, relata.
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Meninas na praça de São Marcos em Veneza.
O fotógrafo Evandro Teixeira se tornou um ícone ao eternizar momentos na fotografia em preto e branco.
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iDeia 70’s >> fotografia
Bom Jesus da Lapa, Bahia, 1973
Geração Blow-up [...] todo mundo queria ser fotógrafo. Existe aura na
passava se impregnava também pela democratização das
fotografia. Lembra do filme Blow up? Então, tinha aquela
câmeras fotográficas e pelo desejo de retratar e registrar
coisa do fotógrafo intrépido. Um fascínio por câmeras, era
uma cultura pop em ascensão.
tudo muita novidade aquilo. Eu devia ter... sei lá... 16 anos quando fiz um curso de fotografia na Galeria Ouvidor.
Desse modo, a trama, aparentemente simples que traz
Aquela mágica me fascinava muito. Revelar, ver aparecer
como protagonista Thomas, um famoso fotógrafo de moda
a foto... (Trecho da entrevista de Marcelo Kraiser para o
na cidade de Londres dos anos de 1960, discute o modo
programa de História Oral da Faculdade de Filosofia e
como se constroem as imagens e a postura de certeza do
Ciências Humanas da UFMG)
homem com relação à visão. Para o pesquisador Rubens Fernandes, o filme representa uma geração que viveu o
Cabe a você resolver o que há de verdade naquilo
primeiro boom da fotografia. “Então, invariavelmente,
que vê, naquilo que não vê e aquilo que só a câmera
quem tinha 17,18,19,20 anos nessa virada dos anos 60 para
consegue enxergar. O trecho da sinopse do filme “Blow-
os 70, consideramos o início da geração blow up”, afirma.
Fotos: Evandro Teixeira
up”, de Michelangelo Antonioni, revela mais do que as desorientações de um fotógrafo profissional que viu tudo
Para Elmo Alves, nos anos 70 as famílias puderam
e não viu nada e de suas ampliações que revelaram um
fotografar mais graças a entrada das câmeras japonesas
caso de assassinato. A vontade do diretor em entender
no mercado o que popularizou o preço das câmeras e,
o novo, um tempo e o modo como a juventude se
principalmente, pelo fato da Kodak ter começado a
articula no mundo passa pela figura do fotógrafo como
fabricar filme de rolo, o que facilitou o acesso à revelação.
questionamento da identidade do período. O filme, de
Por volta de 1962, os japoneses tomaram lugar dos
1966, traz à tona a influência da fotografia, marcando uma
alemães, até então considerados líderes mundiais no setor,
geração que ficou
tendo produzido 2,9 milhões de unidades. Já na década de 70, com a inovação óptica e eletrônica, deu-se um
conhecida como geração blow-up. Essa “situação” por
salto quantitativo na performance das câmeras. A primeira
qual a geração do final dos anos 60 e início dos anos 70
delas com sistema de foco automático surgiu em 1977.
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Iluminação
iDeia 70’s >> iluminação
por Pâmilla Vilas Boas
Uma imagem
para o produto
brasileiro 72
iDeia 70’s >> iluminação
Luminária Nuvem de Fábio Alvim produzida em 1978
Em 1978
, “Nuvem” foi considerada a melhor luminária na EXPOSIÇÃO DO MÓVEL E OBJETO INUSITADO do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. No mesmo período, a Concha foi considerada o melhor produto do ano e, tempo depois, foi catalogada pelo Museu de Arte Moderna de Nova York. Nadando contra a corrente, numa época em que o design brasileiro não era tão valorizado, o designer Fábio Alvim criou luminárias icônicas, funcionais e poéticas, antecipando as discussões contemporâneas sobre a relação entre design e arte. A luminária Concha, concebida em 1976, faz parte da série Metal e Tecido, que consiste em um tecido tensionado sobre uma estrutura de ferro. O curador e crítico de arte, Fábio Magalhães, explica, no texto em homenagem ao designer, que essa série surpreende pela simplicidade e pelo realce da verdade construtiva dos objetos. “A Concha obteve enorme sucesso assim que foi lançada e chamou a atenção da crítica especializada. Logo em seguida, foi exportada para Nova York e vendida pela galeria Art et Industrie, do Soho”, explica. Vinte anos após a morte de Alvim, que faleceu em 1993, o Museu da Casa brasileira inaugurou a série “Pioneiros do design brasileiro”, com peças do designer. A partir de então,
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iDeia 70’s >> iluminação
Manuela Alvim, filha de Fábio, foi estimulada a retomar o trabalho do pai, com algumas reedições Manuela Alvim, filha de Fábio, foi estimulada a retomar o trabalho do pai, com algumas reedições das peças mais icônicas do designer. Manuela, que vem das artes cênicas, optou, a princípio, por prosseguir com a produção das peças mais importantes dele. “Não me considero designer e ainda não me sinto confortável para criar novos produtos. Atualmente o desafio é me especializar na técnica e obra dele, para depois, se for o caso, me envolver com a criação. O momento é de trazer à tona o legado dele”, afirma. Ela explica que alguns materiais foram atualizados por causa das inovações tecnologias, mas o princípio é o mesmo. Sua intenção é reeditar a obra completa. Para o trabalho de releitura das peças, Manuela convidou designers contemporâneos a fim de mostrar o diálogo ainda possível com a década de 1970. O designer Rodrigo Almeida criou a luminária Vortex, inspirada na série metal e tecido. “Na releitura, eu fiquei muito interessado no desenho dele. É um desenho muito sofisticado, mas muito puro. Limpo e orgânico. Fiz a luminária Vortex como se fosse um resumo do trabalho dele enquanto forma. O material foi o mesmo, ferro e lycra, e o LED para atualizar a tecnologia. Resolvi usar cor, que era algo que ele utilizava pouco”, ressalta.
Fotos: divulgação
Para Rodrigo, a maneira como Fábio testava os tecidos, o ferro e todo o processo de criação se mantem muito rico. “Da geração dele é o único que trabalha com esse nível de complexidade de projeto”, ressalta.
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Luminária Conha de Fábio Alvim produzida em 1976
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Produto brasileiro “As luminárias de Fábio Alvim situam-se entre o desenho industrial e a pura fantasia.” José Mindlin
Para Manuela, Fábio se preocupou em criar uma imagem para o produto brasileiro, numa época em que a maioria dos produtos eram copiados ou trazidos do exterior. “Em um tempo em que o design não era algo popular e conhecido, ele foi contra a corrente e buscou legitimar o nome de um produto nacional a partir de uma técnica simples, criando formas complexas que têm a ver com nossa identidade brasileira artesanal”, afirma. A pesquisadora Adélia Borges, em debate sobre a obra de Fábio Alvim realizado no Museu da Casa Brasileira, explica que o designer foi precursor em diluir as fronteiras entre o design e a arte, trazendo uma dimensão poética e onírica para seus produtos. Tudo isso em 1970, numa década que, como relata a pesquisadora, foi marcada pelo pensamento racionalista, muito diferente da realidade que o Brasil estava vivendo. “Ele foi corajoso ao optar pela dissolução de duas fronteiras: A primeira, entre a divisão de design e arte (...). A outra é a dissolução entre o projetar e o fazer, antecipando o que em 1989 os irmãos Campana iriam fazer em sua primeira exposição, a Desconfortáveis, e que marca a entrada em cena de uma nova vertente do design no Brasil, que aproveita o componente artesanal, a tradição artesanal da cultura brasileira – e que hoje é talvez a vertente que tem maior visibilidade quando se fala de design brasileiro no exterior”, relatou no debate.
Fábil Alvim criou luminárias icônicas que aliavam design e arte.
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iDeia 70’s >> iluminação
Manuela acredita que o design de iluminação hoje em dia tem mais liberdade conceitual e de criação. “O cenário do design hoje é outro, mais estabelecido e aberto. As peças criadas por meu pai, num contexto em que o design era convencional e racional, tinham uma preocupação com a realidade do mercado, de que elas coubessem numa casa sem ser tão gritante, por exemplo. Como hoje o design já é muito conhecido e valorizado, é possível exagerar mais no tamanho e criar obras impactantes. Mesmo assim, ele já inovou muito. Em um contexto marcado pela ditadura, em que tudo era muito convencional, ele trouxe esse sonho”, ressalta. Para Fábio Magalhães, a simplicidade das luminárias é também resultado de um conhecimento matemático e de concepções formais elaboradas. Para ele, Fábio não se ateve apenas ao caráter funcional das peças, ele levou em conta também a relação com usuário e a capacidade do objeto de despertar desejo e emocionar. “Não se chega a sínteses de grande expressividade e funcionalidade sem experimentação e o domínio da linguagem visual. Seus projetos priorizaram as vertentes da imaginação, da poética plástica e da dinâmica espacial, sempre prevalentes em seu design”, afirma.
Nascimento da indústria de iluminação UUm enorme lustre de quatro metros de diâmetro, com mais de sete mil elementos de vidro, tornou-se um cartão postal e ponto turístico no Santuário Dom Bosco, em Brasília. O lustre, criado na década de 1970 pela empresa de iluminação Dominci, ficou na memória de seu fundador, Enrico Furio Dominici, que faleceu em 2010 aos 102 anos. Baba Vacaro, em texto publicado na revista Casa Cláudia Luxo (edição número 22/2011), aborda seu encontro com Furio Dominici e os muitos relatos que se confundem com a história da iluminação no Brasil. A década de 1970 é considerada os anos de ouro da marca e o período em que as lojas Dominci se espalharam por diversas capitais do Brasil, com um extenso catálogo de produtos e peças para grandes empreendimentos.
Lustre criado na década de 1970 pela empresa de iluminação Dominci para o Santuário Dom Bosco em Brasília.
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iDeia 70’s >> iluminação
De roupas a bicicletas Com a morte de seu pai e a dificuldade de sua mãe em cuidar da família, Enrico decide partir e ser uma boca a menos para alimentar. Dez anos depois, em 1930, ele retorna e cria a primeira loja de lustres e objetos de cristais em Bolonha, na Itália. Em 1946, Furio viu a crise econômica paralisar a Itália no pós - segunda guerra e, temendo uma terceira guerra, decidiu partir para o Brasil. Baba Vacaro conta que, ao chegar ao Rio de Janeiro, Furio fica surpreso pelo fato de só existirem lojas generalistas, que vendiam de roupas a bicicletas. Ele decide então montar uma loja, como a Dominici de Bolonha, especializada em decoração e iluminação. Em 1947, abre a primeira em São Paulo e, nos anos 50, no Rio de Janeiro. Nessa época, as importações foram restringidas no Brasil e ele decide, num contexto de ausência de mão de obra especializada, encarar o desafio de fabricar as manufaturas de alta qualidade no país. Nos anos 60, o empresário constrói uma grande indústria, até chegar o período de expansão e consolidação da marca, na década de 1970. De acordo com a gerente de marketing da Dominici, Gisele Fernandes, uma das principais inovações da marca, no período, foi o desenvolvimento de novas tecnologias para a criação de seus produtos e a valorização do design assinado para cada peça. “A marca aliou-se também a setores diferentes ao seu, mas que, de alguma forma, se complementavam. Assim, firmou parcerias com alguns nomes da moda, como Jun Nakao, Cris Barros, Adriana Barra e Ronaldo Fraga e também, nas artes plásticas, com Isabelle Tuchband”, ressalta. Vacaro aponta que o contexto de iluminação no Brasil ainda não era sólido, com produtos pouco funcionais e que não cumpriam tão bem a função de iluminar. “Com a chegada da Dominici as luminárias passaram a carregar em seu design uma história e a assinatura de design autoral, sem contar com a introdução de grandes designers mundiais no Brasil, trazendo vidros de altíssima qualidade ”, afirma. Dentre o grande número de produtos produzidos, Gisele destaca a linha Vintage, que inclui pendentes e plafons. “A década de 70 foi marcada por sua psicodelia e durante esse momento muito se pesquisava para poder encontrar os melhores materiais para a fabricação de produtos. Dentro desse período, alguns desses materiais ficaram consolidados até os dias atuais, como o acrílico e o cromado,” revela.
A parceria da empresa Dominici com a artista plástica Isabelle Tuchband resultou numa coleção de peças únicas pintadas a mão e apresentadas
Fotos: divulgação
na exposição Amours, délices et lumières.
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designgráfico
por Ana Cláudia Ulhôa
Uma explosão de cores e abstração 1.
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2.
iDeia 70’s >> design gráfico
A imagem
de uma criança dentro de uma mandala toda ornamentada e o uso de letras com espessuras diferentes na capa do álbum Expresso 222, lançado em 1972 por Gilberto Gil, é um dos exemplos da linha que ganhou destaque no design gráfico da década de 1970, o psicodelismo.
1. Capa do disco Milton, lançado em 1970 por Milton Nascimento. 2. Álbum Fa-Tal - Gal a Todo Vapor (1971) da
De acordo com Rodrigo Queiroz, professor de design da Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG, o psicodelismo é uma das marcas do que ficou conhecido como design pós-moderno. Surgido em meados da década de 1960, sob influência da contracultura, esse movimento veio para negar os fundamentos básicos do modernismo.
cantora Gal Costa. 3. Capa do disco Expresso 222 (1972) de Gilberto Gil.
“No design moderno, a função é mais importante do que o próprio design. Se a ideia do livro é passar informação, eles pregam que ali tem que haver uma coisa chamada design invisível. Se eu estou prestando atenção no design é porque existe algum problema. Já na pós-modernidade, a linguagem visual é tida como algo interessante, então abrese um pouco mais de espaço para a subjetividade”, explica Rodrigo. Nesse momento, os designers passaram a abusar mais das cores, a trabalhar com grids mais flexíveis, fontes com aspectos manuais e imagens que exigiam um pouco mais de atenção para serem interpretadas. “Você terá formas que às vezes burlam um pouco a ordem. É para perder um pouquinho mais de tempo ali, viajando naquela história para entender o que ela quer dizer”, ressalta Queiroz.
3.
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iDeia 70’s >> design gráfico
Cartazes Segundo os autores do livro Design Retrô, Jonathan Raimes e Lakshmi Bhaskaran, esse estilo era bastante utilizado nos cartazes de propaganda do governo cubano. Um deles é o do Dia do Guerrilheiro Heroico, comemorado em 8 de outubro. Nesse pôster, a foto de Che Guevara, por cima do mapa da América do Sul, ganha cores fortes e é reproduzido várias vezes, criando um efeito espelhado. O professor da UEMG conta que tanto cartazes quanto fanzines (fanatic magazine) se tornaram muito populares nos anos 70. “Os cartazes voltam à cena como uma forma de comunicação visual muito forte, porque são uma maneira muito rápida de passar informação e, nesse período, ainda estamos dentro de uma cultura de massa. O cartaz e o fanzine, principalmente para o público jovem, passam a ter um significado forte de expressão”.
Capa do livro Design Retrô dos autores Jonathan Raimes e Lakshmi Bhaskaran.
Capas de álbum Um produto que também fascinava os mais novos era o álbum musical. Raimes e Bhaskaran revelam que um dos nomes que trabalhou nesse segmento e conquistou maior projeção no período foi Jamie Reid. O designer inglês ficou famoso por ter adotado um estilo que nasceu na segunda metade da década de 1970 e se ramificou para várias áreas da cultura e da arte. “Com uma postura crítica em relação aos sistemas econômicos e políticos e uma abordagem ‘independente’ na moda, na música e no design, o movimento capturou a imaginação de toda uma geração. O estilo exerceu também enorme influência nas artes gráficas da época, como as peças criadas por Reid. Com seu estilo impetuoso e diferenciado por recortes e colagens, o designer capturou perfeitamente a postura ‘independente’ dos punks, com sua anarquia visual. Seus trabalhos mais conhecidos incluem a lendária capa do álbum Never Mind the Bollocks Here’s the Sex Pistols e as capas dos singles Anarchy in the U.K, God Save the Queen e Pretty Vacant”, recordam os autores do livro Design Retrô.
Cartaz em comemoração ao Dia do Guerrilheiro Heroico em Cuba.
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iDeia 70’s >> design gráfico
Marcas de empresas brasileiras desenhadas por Aloísio Margalhães de acordo com o padrão modernista.
Capas do disco Never Mind the Bollocks Here’s the Sex Pistols criado pelo designer inglês Jamie Reid.
Capa do single Anarchy in the U.K, gravado pela banda inglesa Sex Pistols.
Brasil Rodrigo Queiroz conta que, no Brasil, o design gráfico teve uma característica um pouco diferente. Além de absorver todas essas linhas pós-modernistas, ele continuou a usar alguns preceitos do modernismo. O professor explica que o motivo dessa mistura foi o fato do país não ter um design gráfico consolidado até aquele momento. “Quando a gente chega e fala que o Brasil vai ter uma faculdade de design na década de 60, não significa que o design está sendo implantado de forma plena. Temos que lembrar também que o nosso país é uma miscelânea de influências. Então, quando o brasileiro começa a ver o design e a se interessar por ele, passamos a usar o moderno e pós-moderno ao mesmo tempo, não existe uma separação muito grande. O moderno acaba migrando para aquilo que é mais institucionalizado e o pós-moderno para aquilo que é mais artístico”, explica Queiroz.
Tecnologia Segundo o professor, é importante lembrar que, nessa época, os designers não contavam com a tecnologia de hoje. Independente do tipo de trabalho e estilo utilizado, grande parte das criações eram realizadas manualmente.
A capa do single God Save the Queen e Pretty Vacant do Sex Pistols trazia traços do estilo punk no
“Até a década de 80 não existia computador pessoal. Um designer tinha que saber desenhar e montar um layout à mão. Hoje em dia, posso chegar na tela do computador e começar a criar uma capa, por exemplo. Nessa época, isso era impossível. O cara tinha que planejar o que ia fazer porque, se criasse uma capa e visse uma letra com um posicionamento errado, era uma semana de trabalho perdido”, afirma.
design gráfico, como recortes e colagens.
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iDeia 70’s >> moda
moda por Ana Cláudia Ulhôa
Cena da novela Dancin’Days, estrelada por Sônia Braga. O folhetim da Globo foi responsável por importar o estilo disco para o Brasil.
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iDeia 70’s >> moda
Dance bem
dance mal,
dance sem parar
Após tomar um banho de loja na Europa, ela retorna ao Brasil para um compromisso importante, a inauguração da boate de Hélio (Reginaldo Faria). Vestida com um top brilhante, uma calça vermelha, meias lurex listradas e sandálias de salto, Júlia Matos (Sônia Braga) se acaba na pista de dança, conquistando todos os olhares da festa. A cena, que se tornou uma das mais marcantes da novela Dancin’ Days, é também um bom exemplo do que foram os anos 1970 no Brasil. De acordo com Carla Mendonça, professora de História da Moda da Universidade Fumec, o folhetim escrito por Gilberto Braga e exibido pela Rede Globo em 1978, fez um sucesso tão grande que passou a influenciar a maneira de se vestir e se comportar do brasileiro.
Disco Importado dos Estados Unidos, o estilo disco teve suas raízes no Glam. Segundo Ana Maria Bahiana, em seu Almanaque Anos 70, “o estilo Glam exigia cetim, lantejoulas, palidez, olhos bem marcados e uma certa disposição para fazer as sobrancelhas desaparecerem – os mais empolgados chegavam a raspá-las inteiramente, mas a maioria mandava mesmo uma água oxigenada nelas. O modelo era David Bowie (fase Ziggy Stardust / Pin Ups / Diamond Dogs) e a base era a androginia, o visual que Bowie mesmo definiria na canção ‘Rebel Rebel’: ‘seus pais não sabem se você é menino ou menina’”, descreve.
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iDeia 70’s >> moda design de interiores
A autora também afirma: “Rita Lee teve uma longa fase glam, Wanderléa teve seu momento, em 197273, quando se mudou brevemente para Los Angeles, mas os grandes ícones do estilo foram os Secos & Molhados e os Dzi Croquettes. Os antecedentes do estilo disco da segunda metade da década estão com certeza no visual glam”. Carla lembra que outro fator que possibilitou o nascimento do disco foi o desenvolvimento tecnológico que ocorreu nesse período. A criação de equipamentos como os sequenciadores e os sintetizadores de porte menor, permitiram que a música eletrônica e o hábito de ir a boates se difundissem. “O disco tem a ver com a tecnologia, com a música nova, com o comportamento e até com a ideia que as pessoas vão ter de como se vestir nessa nova situação”, resume. Nas casas noturnas mais badaladas predominavam peças com muitas cores, brilho e pele à mostra. “Nesse estilo temos tops mais curtos, roupas frente única, sandálias com meia (...). Tem uma imagem muito icônica que dá para entender bem isso, que é a da primeira esposa do Mick Jagger entrando a cavalo no Studio 54, a Bianca Jagger. Há essa coisa disco absolutamente exagerada. Se não há brilho para colocar na roupa nem vestido fluido para usar, põe um cavalo na boate”, diz Mendonça.
Vivienne Westwood e seu marido Malcolm McLaren foram responsáveis por popularizar o estilo punk.
A banda Secos & Molhados foram os representantes do estilo Glam no Brasil.
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Punk
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Outro estilo que surgiu e se consagrou nos anos 70 foi o punk. Com o intuito de se opor aos valores da sociedade burguesa, os integrantes desse movimento utilizavam indumentárias, maquiagens, penteados e acessórios que remetiam à subversão, ceticismo e humor ácido. “O punk vai ter referência tanto na estética militar quanto na ideia de aproveitar as coisas, que é a cultura do Do It Yourself (faça você mesmo). Ele vai buscar essa imagem mais violenta e vai ser chocante na medida em que tenta brigar com o status quo, seja na perspectiva política, seja na aparência. Então passamos a ter o moicano, os alfinetes na pele - muito antes da ideia de piercing todo certinho - a maquiagem mais pesada, até um estilo de vida mesmo, que era mais despretensioso”, esclarece Carla. Em seu livro “Breve História da Moda”, Denise Pollini ressalta que os integrantes da cultura punk não concordavam com o uso do termo ‘moda’ para designar a forma como vestiam. Afinal, isso poderia significar uma concordância com o sistema de consumo contra o qual se posicionavam. No entanto, Carla Mendonça explica que o punk também acabou tendo sua leitura mainstream. Os grandes responsáveis por popularizar o estilo foram a estilista Vivienne Westwood e seu marido Malcolm McLaren, empresário de bandas precursoras do punk rock na Inglaterra, como o Sex Pistols. Em uma entrevista publicada no livro Mate-me Por Favor (1996), de Legs McNeil e Gillian McCain, McLaren revela como foi o seu primeiro contato com o punk e como decidiu levar aquela estética para fora de seu país de origem, o Estados Unidos. “Achei Richard Hell (baixista da banda nova-iorquina Television) simplesmente incrível. De novo, eu acabava comprando a ideia de mais uma vítima da moda. Não se tratava de alguém
A banda de punk Sex Pistols foi produzida e vestida pelo casal Malcolm McLaren e Vivienne Westwood.
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vestido de vinil vermelho, com lábios cor-de-laranja berrante e saltos altos. Era um cara todo desmantelado, arrasado, parecendo que tinha recémrastejado pra fora de um bueiro, parecendo que estava todo coberto de lodo, que não dormia há anos, parecendo que não se lavava há anos e que ninguém dava a mínima para ele. E parecendo que, na verdade, ele não dava a mínima pra você! Era um cara maravilhoso, entediado, acabado, marcado, sujo, com uma camiseta rasgada. Acho que não havia alfinete de segurança ali, embora pudesse haver, mas era, com certeza, uma camiseta esgaçada e rasgada. E esse visual, a imagem desse cara, aquele cabelo todo espetado, tudo nele – não há dúvida de que levei aquilo pra Londres. Ao ser inspirado por essa imagem eu iria imitá-la e transformá-la em algo mais inglês”.
Mercado Brasileiro Segundo a professora de História da Moda da Universidade Fumec, mesmo vivendo em um mundo que ainda não era globalizado e enfrentando uma ditadura, o Brasil absorveu todas essas referências. Carla Mendonça conta que, nesse período, o país não possuía uma moda forte e genuinamente brasileira, por isso sempre olhava para fora e adaptava as criações estrangeiras. Uma das estilistas que foi na contramão dessa tendência foi a mineira Zuzu Angel. Denise Pollini relata, em seu livro, que o trabalho de Zuzu “se destacou na história da moda brasileira devido à inclusão de padronagens, tecidos
A mineira Zuzu Angel foi um dos ícones da moda brasileira dos anos 70.
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e referências culturais nacionais, como a chita e as rendas do nordeste, e também por trazer uma dimensão política ao assunto. Em 1971, seu filho, Stuart Angel Jones, foi preso, torturado e morto pela ditadura militar. Desde então, Zuzu Angel empreendeu uma luta incansável, denunciando as torturas e assassinatos feitos pela ditadura no Brasil. Ainda na década de 1970, realizou um desfile no qual trouxe referências explícitas à tortura e à violência exercidas aos opositores do regime; inserida por ela na forma de bordados e estampas com referências militares, anjos aprisionados e balas de canhão”. Além de Zuzu Angel, o Brasil também contou com as produções de Clodovil, Ronaldo Esper e Dener Pamplona. Uma empresa que se destacou nessa área foi a Rhodia, indústria química francesa, que chegou ao país em 1919 e passou a exercer atividades têxteis a partir de 1929. Segundo Carla, a Rhodia foi a precursora dos desfiles de moda no país. Para divulgar a marca, a empresa começou a convidar artistas plásticos de destaque, que ficavam incumbidos de desenhar as estampas das peças que seriam exibidas na passarela. Músicos de renome também participavam, tocando suas músicas durante o espetáculo. Entre os nomes que desenharam para a Rhodia nos anos 70 estão Alceu Penna, Jorge Farré, Ugo Castellana e José Ronaldo. Para Pollini, os eventos dessa empresa “(...) sem dúvida encontraram-se como capítulo da maior importância no desenvolvimento da moda no país, pois formaram profissionais, desenvolveram talentos e apresentaram soluções estéticas que pavimentaram a história da moda no Brasil”.
Imagem de um dos desfiles que a empresa Rhodia realizou no Brasil.
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iDeia 70’s >> moda
Heranças De acordo com Mendonça, os anos 70 deixaram heranças importantes para a moda atual. “O punk nunca sai. Acho que, definitivamente, por mais insano que possa parecer, é uma referência para sempre. Então há uma releitura o tempo inteiro dele, às vezes mais suave ou mais dura. Já o disco aparece sempre de uma forma um pouco mais pontual e mais limpa. Tanto o disco quanto a glam vão voltar, mas um pouco menos exagerados”. Quantos às peças que fizeram história, Carla elege o wrap dress, da estilista belga Diane von Furstenberg, como uma das criações mais inovadoras da década. “É aquele vestido transpassado, típico da revolução sexual feminina, que você só desamarrava e ele abria todo. Acho que ele é uma das últimas revoluções do que há de mais forte na moda. Infelizmente, fizemos pouca coisa depois desse vestido para se falar: Ah! Isso é realmente novo”.
O vestido wrap dress foi uma
Diane von Furstenberg com
das grandes criações da
seu wrap dress na capa da
década de 1970.
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revista Newsweek.
iDeia 70’s >> moda
Para Carla, o grande diferencial das peças de 1970 é o caimento. “Se tem uma coisa que a gente pode pegar em 70, em geral, são peças que valorizam o corpo – a calça flare, o vestido mais comprido, o próprio vestido da Diane são peças que deixam qualquer mulher linda. Elas têm um tipo de corte que, se você estiver mais gordinha, está bom, se estiver mais magrinha está bom. A própria calça flare deixa todo mundo mais alto, mais magro. Há algumas coisas que, por mais que pareçam datadas, acabamos nos voltando para elas, porque, em termos de design, elas são muito generosas com o nosso corpo”, afirma.
A calça flare é uma das peças da década de 70 que são usadas até hoje. Foto: Conrado Freitag
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sounddesign
por Pâmilla Vilas Boas
Explosão musical
Jingle da Pepsi composto por Sá & Guarabyra em 1972
Hoje existe tanta gente que quer nos modificar, Não quer ver nosso cabelo assanhado com jeito Nem quer ver a nossa calça desbotada, o que é que há? Se o amigo está nessa ouça bem, não ta com nada! Só tem amor quem tem amor pra dar Quem tudo quer do mundo sozinho acabará Só tem amor quem tem amor pra dar Só o sabor de Pepsi lhe mostra o que é amar Só tem amor quem tem amor pra dar Só o sabor de Pepsi lhe mostra o que é amar Só tem amor quem tem amor pra dar Nós escolhemos Pepsi e ninguém vai nos mudar Em plena ditadura militar no Brasil uma canção unia liberdade, amor e o espírito jovem do momento. Composto por Sá & Guarabyra, o jingle da Pepsi, de 1972, entrou para a história de quem viveu aquele período e foi um divisor de águas na produção de jingles no Brasil. O publicitário e ex - comentarista de marketing da rádio Jovem Pan, Décio Clemente, em entrevista para a rádio, relata que, na década de 1970, a propaganda participou ativamente dos protestos dos jovens contra a ditadura, apesar do perigo que era criar textos ou letras de músicas que criticassem o sistema vigente. “Mas já pensou se naquela época algum publicitário maluco criasse um jingle que tivesse a coragem de cantar frases como ‘existe tanta gente que quer nos modificar’ ou então ‘quem tudo quer do mundo sozinho acabará’? Sá & Guarabyra só não foram em cana por que a ditadura estava mais leve e os militares não sabiam se essa era uma letra contra eles ou só da Pepsi - cola, que queria brigar com a Coca -cola”, revela. O publicitário e pesquisador Fábio Dias explica que, até 1972, os jingles mantiveram o mesmo padrão de criação das décadas anteriores. A partir do jingle criado por Sá & Guarabyra isso mudou completamente. “Começaram a tratar o jingle como uma canção, então não tinha aquela preocupação específica com regras rígidas, em que você precisa falar sobre o produto tantas vezes. Eles trataram como uma música num momento em que o rock rural estava em voga, uma moda meio hippie abrasileirada e fez um sucesso imenso. A partir dai vários começaram a ter esse tratamento um pouco mais musical”, ressalta.
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O pós Doutor em Comunicações pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Marcos Júlio Sergl, explica, no artigo “A Evolução do Jingle na Segunda Metade do Século XX”* que, a partir de 1960, os jinglistas se apropriam dos gêneros predominantes da música popular brasileira e das inovações musicais das canções de sucesso veiculadas no rádio e na televisão. Assim, muitos músicos e compositores iniciaram suas carreiras fazendo Jingle. Porém, Fábio ressalta que essa relação era ambígua. “Sá me contou que o mercado tinha um preconceito enorme com artistas que faziam jingle. Deu uma queda forte na carreira deles por causa do preconceito, como se fosse uma carreira à margem da artística. Era muito comum artistas produzirem jingles às escondidas para não atrapalhar a carreira de quem estava trabalhando com shows e discos”, revela.
Fusão de gerações Roda, roda, roda baleiro, atenção Quando o baleiro parar põe a mão Pegue a bala mais gostosa do planeta Não deixe que a sorte se intrometa Bala de leite Kids A melhor bala que há Bala de leite Kids Quando o baleiro parar
*Artigo apresentado no Grupo de Trabalho 7 – Comunicação, Consumo, Memória: cenas culturais e midiáticas, do 4º Encontro de GTs Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014.
Jingle da bala de leite Kid’s de Renato Teixeira veiculado pela primeira vez em 1978.
Em 30 segundos o músico Renato Teixeira trouxe à tona todo o gosto e a sensação de uma infância recheada de balas coloridas. O jingle da bala de leite Kid’s foi veiculado pela primeira vez em 1978 e interpretado pelo próprio Renato Teixeira. Fábio Dias conta que, quando estava no início da carreira, certo dia, o compositor ficou muito preocupado com o tempo limitado de 30 segundos para falar sobre um produto e questionou o jinglista Victor Dagô, que atuava desde a década de 1940. Ele respondeu que, em 30 segundos, era possível fazer uma bela síntese da bíblia. “Isso demonstra o total domínio que essa geração tinha”, afirma Fábio. O publicitário explica que a década de 1970 marcou a fusão de duas gerações de jinglistas: o pessoal que, desde os anos 50 estava atuando no mercado, como Victor Dagô, Archimedes Messina, Maugeri Neto ( famoso pelo Jingle Varre, varre, vassourinha...para a campanha de Jânio Quadros), Edison Borges de Abrantes, Heitor Carillo, com vários nomes que estavam entrando no mercado como Renato Teixeira, Thomas Roth, Tavito, Zé Rodrix,
etc. “Isso trouxe muitas mudanças na forma de produzir jingles. Os novatos começaram a trazer os ritmos e os gêneros musicais em moda, como o rock, rock rural, discoteca”, afirma. Nessa década a linguagem da publicidade começou a se tornar mais informal, as locuções exageradas e carregadas foram sendo abandonadas, buscando um aspecto mais natural à propaganda. “Até os anos 1960 era muito formal. Usavam palavras como ‘senhor’, ‘cavalheiro’ nas locuções, por exemplo. Na década de 1970 começaram a utilizar ‘você’ numa linguagem mais solta, se aproximando da forma como as pessoas conversam no diaa- dia”, conta. De acordo com Marcos Júlio Sergl o público alvo passa a ter um pensamento urbano que prevalece sobre o rural e as emissoras de rádio e televisão partem desse filão e buscam uma aproximação maior com o ouvinte e o telespectador. Para Fábio, esse abandono da formalidade e aproximação com o público foi fundamental para o avanço da publicidade brasileira e isso permanece até hoje.
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iDeia 70’s >> sound design
TV em cores Liberdade é uma calça velha/ Azul e desbotada / Que você pode usar / Do jeito que quiser / Não usa quem não quer / US Top / Desbota e perde o vinco / Denin Índigo Blue / US Top / Seu jeito de viver / Não usa quem não quer / US Top / Desbota e perde o vinco.
O jingle de Sérgio Mineiro e Beto Ruschel para o jeans US Top foi um sucesso na Televisão brasileira em 1976.
Sound Design O jingle de Sérgio Mineiro e Beto Ruschel foi criado para o jeans US Top, fabricado pela
A importância do som na composição dos jingles
Alpagatas, a primeira calça brasileira que desbota, como a Lee americana. Nessa época,
e no poder de comunicação com o público
a marca brigava por um mercado dominado por calças importadas. O jingle foi um sucesso
inspirou novas possibilidades de relação entre som e
na televisão brasileira em 1976.
design. Um desdobramento recente é a utilização do conceito Sound Design ou Design Sonoro na
Para Marcos Júlio esse é o período em que as cadeias de TV têm suas redes consolidadas
relação entre marcas, produtos e usuários. Para o
com os programas via satélite. “A TV a cores ganha dimensão, com 13 milhões de
cantor, compositor e sound designer, Márcio Brant,
receptores, transmitindo para 70 milhões de telespectadores (...) A Copa do Mundo de
em texto publicado na Revista iDeia 01, o som é
1970 é assistida pelos brasileiros em transmissão direta pela TV, ao som do jingle de Miguel
cada vez mais responsável pelo entendimento
Gustavo: ‘noventa milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção...’, causando euforia
de uma informação e um fator que influencia na
inusitada nos telespectadores.”, escreveu.
tomada de decisão. “O som provoca sensações, nos faz chorar e rir, correr ou andar devagar, toca
Com refrão marcante, rimas fáceis, melodia que gruda e simples de decorar, o jingle
em lugares na mente que nos traz lembranças,
cumpre o propósito de permanecer na memória afetiva das pessoas. “Muita gente
torna espaços agradáveis ou estressantes”, afirma.
lembra do jingle que tocava na infância enquanto estava assistindo desenho na TV ou
Para Brant, apesar do conceito design sonoro não
uma novela. O jingle suplantava essa função de estimular as pessoas a comprar um
ser tão novo, (ele foi utilizado em 1977 por Ben Burtt
produto ou um serviço e acabava fazendo parte da trilha sonora da vida delas”, afirma.
no filme “Guerra nas Estrelas”), uma nova corrente de designers vem compreendendo o potencial
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Alguns jingles, como o do Banco Nacional, criado por Edison Borges de Abrantes, o Passarinho,
da linguagem sonora em diversos meios, como
em 1971, transcendeu sua relação de falar sobre uma marca para se tornar o hino de natal
o cinema, teatro, publicidade, televisão, mídias
de muitos brasileiros. “Quero ver você não chorar. Não olhar pra trás. Nem se arrepender
digitais etc. Um dos usos mais recentes do design
do que fez...” Para Fábio, o jingle é uma estratégia importante por que as pessoas se
sonoro tem sido dentro dos pontos de vendas,
lembrem espontaneamente de uma marca, produto ou serviço. “É comum ver uma pessoa
academias e outros espaços em que o consumidor
assobiando ou cantando um jingle na rua e ninguém a está pagando por isso”, ressalta.
está presente.
iDeia 70’s >> sound design
Tradição que produz um grande café
Uma tradição que se repete e se aperfeiçoa há quase 30 anos, com um único objetivo: proporcionar a você uma experiência sem igual. Café Barão, o nobre sabor do café. 0800 283 4319 | www.cafebarao.com.br 93
iDeia 70’s >> sound design
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