iDeia Magazinebook IV

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Caro leitor Expediente: Editor Camilo Belchior

Quem se interessa por design sabe que um dos motivos do grande sucesso do design italiano vem precisamente de um período pós segunda guerra mundial, que se firmou durante as décadas de 1960

Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG

e 1970. Para reforçar esse sucesso, os italianos criaram o termo “Made in Italy” que determinou um grande modelo produtivo do design, se valendo da “ocasião” por possuírem grandes mestres coexistindo em um

Jornalistas:

mesmo período de tempo.

Ana Cláudia Ulhôa Pâmilla Vilas Boas

Nós, da magazinebook iDeia Design, acreditamos que algo próximo a

Marco Túlio Ulhôa

esse fenômeno esteja surgindo aqui em nosso país e que, possivelmente, pode ser denominado um “Made in Brasil”. Estamos falando dos

Projeto gráfico e

diversos expoentes que vem surgindo, ao longo das últimas décadas, e

coordenação gráfica

que estão levando o nome do Brasil, em se tratando de design, para

Cláudio Valentin

o mundo todo. São profissionais que atuam nas mais diversas áreas e que demonstram, em seus trabalhos, a riqueza da cultura brasileira.

Seção Artigos Marcos Maia

Capa Cerâmicas de Denise Saboia

Apoio Acadêmico GESSD

Ou melhor, explicitando a brasilidade em formas, cores, texturas, mas principalmente, nos significados que cada artefato leva consigo. O território brasileiro é continental, portanto, a diversidade de talentos é enorme e, muitas vezes, pouco conhecida. E, foi justamente nesse ponto que resolvemos nomear a temática desse volume de “fora do eixo”.

Grupo de Estudos em Sistémas Signicos no Design

Nossa proposta foi trazer uma pequena amostragem do que vários desses talentos estão fazendo em suas respectivas regiões,

A iDeia Design é uma publicação da Editora PlexuDesign, patrocinada pelo

pincelando a publicação com matérias e entrevistas de notórias personalidades do design.

Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas

Acreditamos que esse misto de informações possa nos ajudar a refletir melhor sobre uma possível resposta para a tão recorrente pergunta: existe um design brasileiro?

afins, ao design e formadores de opinião.

Portanto, o quarto volume da magazinebook iDeia Design apresenta um Contato: contato@revistaideia.com

compilado de informações que compreende o termo “fora do eixo”, tanto no sentido da diversidade de talentos, quanto por profissionais que estão fazendo trabalhos especiais, inusitados, carregados de traços

Os artigos assinados são de exclusiva

genuinamente brasileiros.

responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da revista.

Espero que gostem. Ótima leitura! revistaideia.com

RevistaiDeiaDesign

revistaideia_design



Índice 06 Ampliando as fronteiras do design

16 As possibilidades estéticas da literatura 22 Flores com um toque pessoal ENTREVISTAS

26 Uma vida dedicada ao design modernista brasileiro Com Etel Carmona

32 Talento que ultrapassa gerações Com Rodrigo Ohtake

40 O cinema como um

comportamento diante do objeto

Com Walter Carvalho

46 A trama da vida

52 Iluminação: uma arte que exige técnica e beleza

58 A tropicalidade no design nacional 62 Moda em movimento 70 Às margens da história ARTIGOS

81 Projeção de um design brasileiro Com Marcos Maia

85 Design olfativo e brasilidade: os encantos da experiência

Com Isabela Monken Velloso

90 Formação Visual e Brasilidade:

conexões possíveis a partir do Design na Leitura

Com Maíra Lacerda e Jackeline Lima Farbiarz

94 Cerâmica: uma tradição nacional 100 Desenhando o sertão de Canudos


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O design brasileiro é considerado a última grande descoberta estilística e uma descoberta tão importante a ponto de ser considerado uma escola como a francesa, italiana ou americana pelo número e qualidade dos autores.

Lissa Carmona

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Ampliando as fronteiras do design Da concentração do mercado no sudeste a iniciativas nos diversos cantos do Brasil Por Pâmilla Vilas Boas

Para lidar com o obstáculo de estar longe do eixo Rio-São Paulo, os designers Felipe Bezerra e André Gurgel, do estúdio Mula, Preta fizeram o caminho inverso: conquistaram o reconhecimento internacional para depois atingir o mercado brasileiro. O Estúdio, fundado em 2012 em Natal (RN), coleciona premiações nos mais importantes eventos de design internacionais, como a A’Design Awards Milan. “Passamos três anos nos inscrevendo em concursos na Itália e EUA. A partir desses prêmios tivemos inserções em revistas da Alemanha, Rússia, China e Inglaterra. Fizemos um caminho inverso de não estar em canto nenhum e, ao mesmo tempo, em todos os lugares”, afirmam os designers. E foi assim que eles chamaram a atenção das fábricas brasileiras, tiraram os desenhos premiados do papel e passaram a produzir seus produtos em escala industrial. “Foi a forma que conseguimos de ter destaque e uma certa atenção dos fabricantes, que recebem dezenas de pessoas todos os dias. Por melhor que seja o desenho, é muito difícil conseguir atenção. Esses prêmios nos ajudaram a vencer uma etapa mais rápidamente que o normal, já que, estando em Natal, é ainda mais complicado bater na porta”, revelam.

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Foto: divulgação

A Furf Design, juntamente com outros estúdios brasileiros, criou a coleção Ginga para a marca global de móveis em couro Natuzzi Editions da Itália.

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“A globalização é a união de regionalismos”, afirma André. Essa frase é o mote do design do estúdio que aposta num desenho incomum, acabamento sofisticado com um toque de irreverência e do espírito local. O próprio nome “Mula Preta” já revela essa postura. “Qual será o nome? Pensamos em nomes estrangeiros, juntar os nossos nomes, mas eu trouxe a raiz para cima da mesa e falei “vai ser Mula Preta”. Ele traz o nosso espírito, o nosso local, além de ser uma marca na memória. É um nome que aguça a curiosidade e chama a atenção”, completa Felipe. Os designers explicam que a opção foi criar produtos com esse toque de industrialização sem perder a irreverência. “Como temos a oportunidade de uma escala maior na indústria e, ao mesmo tempo, carregamos essa essência do regional, isso chamou atenção de lugares como a Itália, berço do design mundial”, apontam. A sede do estúdio é em Natal, mas com uma forte presença em São Paulo. Os designers revelam que estão em processo de construção de um showroom na capital paulista, com inauguração prevista para 2020. A loja vai agregar os produtos do Estúdio, além de moda, lifestyle, tudo com a marca da irreverência.

foi feito cortando e colando peça por peça. É uma pena que a indústria moveleira no nordeste não seja tão avançada, por mais que a gente quisesse tentar desenvolver nossos produtos, lá seria impossível. O Mula Preta nasce com essa carga do nordeste, de ser feito em Natal, mas precisa de parceria no Brasil todo, sobretudo sul e sudeste, para poder tirar as ideias do papel e propagar a mensagem de um nordeste mais sofisticado”, explicam.

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Imagens: divulgação

“Natal não tem indústria moveleira. O primeiro protótipo da poltrona Duna


São Paulo concentra 45% do PIB nacional. Então,

“Se você se torna muito especialista, acaba

é natural que ainda exista uma discrepância na

limitando a própria inovação dentro daquela área”

concentração de mercado consumidor. Apesar

afirma o designer Rodrigo Brenner que alterna seu

dessa realidade, os designers vem percebendo

cotidiano entre as múltiplas videoconferências

a atuação de novos players no Nordeste,

para atender a diversidade de países em que

propagando design em diferentes regiões. “O

atuam. O designer explica que a competição no

público local valoriza muito nosso trabalho. Temos

mercado internacional acontece pela identidade

uma prospecção bacana em nossa cidade e uma

que criaram no Estúdio, o que ele chama de uma

grande repercussão lá. Abrimos caminho para que

linguagem poética ou de micro poesias expressas

a realidade do design aconteça em diversos cantos

em cada projeto. “Uma linguagem universal que

do Brasil”, avaliam.

agrada e conquista muita gente”, avalia. Uma

Sul do país: um novo eixo do design

dessas expressões pode ser encontrada na luminária Saudade - duas metades que se completam e formam uma cúpula. Quanto mais próxima uma da

A Furf Design Studio, fundada há oito anos pelos

outra mais intensa a luz e quando se separam a luz

designers Mauricio Noronha e Rodrigo Brenner,

se apaga.

está instalada em Curitiba, mas realiza projetos em outros 19 países. O estúdio tem uma ampla atuação no desenho industrial e abrange diversas áreas - moveleira, médica, produto - e tem clientes que vão de startups a multinacionais e projetos em colaboração com a ONU.

Já a coleção Bloom, realizada em parceria com a Abex Design, resgata uma técnica

dos pampas gaúchos em busca dessa identidade local e linguagem global ao ressignificar o uso dos tradicionais botões de couro nos móveis. “Encontramos a técnica de

As peças integram a coleção Colina Design, uma linha de mobiliário autoral, projetada pelo designer Marcelo Coelho, com o objetivo de promover e valorizar o design de Brasília dentro e fora da cidade.

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usar sobra de couro da indústria alimentícia para

ajustes que consegue se adaptar ao maior número

fazer essas flores, uma técnica antiga dos pampas.

de amputados possível. Hoje, ela está disponível

Movimentamos a economia e as pessoas estão

em mais de 15 países e no SUS é gratuita”, relata.

voltando a fazer essas flores”, ressalta. Números de cinco anos atrás revelam que apenas Mas o estúdio ficou conhecido internacionalmente

10% das pessoas que se formavam em Design

pelo desenvolvimento da Confete - primeira

realmente atuam no mercado, aponta Rodrigo.

capa adaptável e colorida de prótese de perna

Dos que atuam em design de produto, 95% estão

produzida em massa no mundo. As propostas

na indústria moveleira e de decoração, setor que

que existiam até então não eram atrativas,

representa menos de 3% da indústria. “Então, a

feitas de tubos metálicos que comprometiam o

conta não fecha. Existe mais oportunidade na

volume da perna e impactavam na autoestima

indústria e foi por isso que optamos pelo mercado

dos usuários. As capas convencionais custavam

de larga escala. Estamos desenhando o futuro do

R$ 1.200,00 para o SUS e as iniciativas pontuais

amanhã, não é só uma questão de modismo, a

que surgiram no Canadá e Alemanha, feitas em

proposta do Estúdio é criar coisas democráticas”,

impressão 3D, chegavam no Brasil por 4 mil reais.

complementa.

amputados são China, Índia e Brasil, ou seja, países

Para o designer, São Paulo vem gradativamente

em desenvolvimento. As capas eram feitas sob

perdendo o protagonismo nesse mercado.

medida, por isso tão caras. Nós inventamos uma espécie de camiseta tamanho M - uma capa com

Rede desenhada pelo Estúdio Mula Preta A Centopeia, uma das peças premiadas do estúdio Mula Preta, foi inspirada no inseto exótico de mesmo nome e que habita a floresta tropical brasileira.

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“Curitiba é o equilíbrio perfeito. Temos poucos

A mesa Falésia, do estúdio Mula Preta, foi inspirada na formação geográfica muito presente na cidade de Natal Poltrona Still, desenhada pelo Estúdio Mula Preta

Imagens: divulgação

“Depois dos EUA, os países com maior número de


A Basquete, do Estúdio Mula Preta, é uma cadeira elegante e extremamente confortável inspirada em uma simples bola de basquete.

projetos na cidade, a maioria está no Rio Grande

Brum, pela pulverização das indústrias. “Hoje,

do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. A gente

os maiores centros de design não estão em SP.

prefere fazer um bate e volta do que morar

O design center da Eletrolux está em Curitiba,

nesses grandes centros. A partir do ano que vem

o da Grendene em Farroupilha e o da Fiat em

vamos ter uma experiência física fora, vamos

Betim. As maiores empresas que contam com

criar um estúdio na Itália, mas a sede continuará

dezenas de profissionais de design não estão

em Curitiba”, revela.

em SP”, conclui.

Eixo em deslocamento

O inverso também vem acontecendo. Brum explica que tem se tornado comum que

Para a diretora técnica do Centro Brasil Design,

uma empresa do Rio de Janeiro, que está

Ana Brum, é preciso desmistificar a ideia de

sendo bombardeada de oferta, contrate um

que o território criativo está apenas no eixo

escritório de Curitiba, por exemplo, e ganhe

Rio-São Paulo. A partir das iniciativas do Centro

todos os prêmios de design, como no caso da

em conectar designers e indústria, eles vêm

empresa Ethnos, que contratou a Furf Design

percebendo que as demandas surgem de vários

Studio. O estúdio Abracadabra Design, sediado

lugares do Brasil e, por isso, a oferta não precisa

em Fortaleza, após ter ganhado prêmios

estar nesse eixo. Brum explica que hoje o país

internacionais, como o IF Design Awards, maior

conta com 638 escritórios de design, a maior

prêmio de design do mundo, é procurado

parte da oferta na região sudeste, mas com

sobretudo por empresas de São Paulo e Belo

uma ampliação significativa de iniciativas no

Horizonte, além de dar palestras para designers

resto do país. Isso se dá também, como explica

da capital. Já o escritório mais premiado do Brasil

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Foto: Ricardo Perini Foto: divulgação

Foto: divulgação Foto: divulgação

é a Greco Design, sediado em Belo Horizonte,

Fundada pelo design

cujo sócio, Gustavo Greco, é presidente nacional da Abedesign.

Quando Juscelino Kubitschek decidiu criar Brasília do “zero”, em cinco anos, houve um

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A cada 1% que a empresa investe em design

movimento intenso de designers para produzir

resulta em 3% de retorno nas vendas. É por isso

mobiliário e outros produtos que iriam habitar os

que as empresas não querem mais trabalhar no

novos prédios e a arquitetura de Oscar Niemeyer.

risco ou usar o design apenas para plasticidade

Com destaque para o mobiliário do designer

ou estética. “Ele vem pra modificar processos

Sérgio Rodrigues, utilizado em grande escala

produtivos, racionalizar matéria prima e identificar

no período. Foi baseado nesse histórico que a

oportunidades. Muitas vezes, por não estar no

capital do país, em 2017, foi reconhecida como

eixo, esses estúdios e designers trazem novos

uma cidade criativa do Design pela Unesco. Um

olhares para essas demandas”, completa.

projeto gestado pela Secretaria de Turismo que


O projeto Anjinho da Furf Design foi exposto na Semana de Design de Milão, Pitti Bimbo em Florença, Semana de Design de Moscow, dentre outros.

Outono da Furf Design é a primeira coleção de produtos do mundo criados com biotecido de folha.

Banco Alvorada do designer brasiliense Aciole Félix

Cadeira Delta do designer brasiliense Aciole Félix

objetivou inserir a cidade nessa rede mundial de

as feiras, a divulgação, os eventos e o próprio

designers.

público alvo que está concentrado em São Paulo. “Eu moro em Brasília, mas vou a São Paulo

Brasília ainda é uma cidade muito voltada

a cada dois meses. Quem vai para SP se insere

ao serviço público. Com poucas empresas,

mais rápido no mercado. Eu, pela qualidade de

praticamente sem fábricas ou indústrias, o que

vida, permaneci aqui”, ressalta.

resulta numa produção pequena de design em comparação a outros grandes centros do

Um efeito positivo dessas limitações de mercado

país, como explica o designer brasiliense Aciole

foi a rede de colaboração criada entre os

Félix. Mas o título, juntamente com a criação

designers de Brasília. “Rola uma colaboração

da Associação de Designers de Brasília, foram

muito legal que não sei se existe em SP ou RJ.

iniciativas que visam mudar esse cenário. “Não

Lojas colaborativas, estúdios que se juntam para

dá pra fazer design por royalties como fazem

fazer projeto. Como somos poucos, a gente se

muito no Sul, tem que ficar no design autoral. Para

ajuda mais”, completa Marcelo.

quem está fazendo apenas design autoral existe a falta de mão de obra especializada. Não que

Brasília e brasilidade

os designers de São Paulo estejam super bem amparados. Participo de alguns grupos e todo

Brasília é uma cidade setorizada e reconhecida

mundo passa pela mesma dificuldade de não

pela divisão em quadras, nas quais os números

achar mão de obra para fazer algum detalhe ou

orientam as ruas e marcam a territorialidade

algo mais refinado. Temos dificuldades um pouco

local. Mas existe a Colina, única quadra que

maiores do que as do eixo Rio-São Paulo, mas

leva um nome ao invés de um número. É daí que

não tão maiores”, avalia.

surgiu a coleção mais conhecida do designer Marcelo Coelho. “Uma visão mais humana e

Aciole tem um trabalho reconhecido

menos óbvia de Brasília”, afirma.

nacionalmente com ampla participação em feiras internacionais. Hoje, além de seus produtos

A coleção Colina, que participou da semana

autorais, ele desenha para empresas de outras

de design de Nova York, traz um pouco da

regiões do país. “Com a internet você não

característica modernista da cidade, com linhas

necessariamente tem essa barreira física. Decidi

retas e pouco ornamento. O designer optou

diminuir a produção autoral e focar no desenho

pelo uso da cor branca que também remete à

para essas fábricas, justamente pela dificuldade

cidade, contrastando com a madeira dos Ipês.

de produção local”, revela.

“Temos uma relação carinhosa com o Ipê. Tem períodos da seca em que eles florescem.Vai

Já o designer brasiliense Marcelo Coelho

passando a seca, vão florescendo os amarelos

acaba de se mudar para São Paulo para

e os brancos, o que marca também uma

expandir sua carreira. “Em Brasília a demanda

temporalidade na cidade. A ideia foi trazer essa

é quase inexistente”, afirma. Para Aciole não é

escala bucólica de Brasília em contraste com

exatamente a questão da fabricação que leva

o branco e essa coisa crua do concreto e do

os designers a migrar para São Paulo, mas sim

modernismo”, relata. 15


Foto: Antonio Wolff

Aciole conta que quando começou a desenhar

em Manaus. A manauara Iuçana traduz suas

seus móveis, surgiram algumas demandas para

vivências em peças que vão de jóias, móveis,

desenhar peças inspiradas em Brasília. “Eu não

objetos e tudo o que envolve o design de

me limitei a Brasília, mas por morar aqui e a

produto.

cidade ser tão diferente do resto do Brasil você acaba se influenciando. Tento também sempre

Ela lançou sua marca em 2016, na São Paulo

buscar a mistura de materiais e isso condensa

Fashion Week e geralmente faz duas coleções

essa história de brasilidade”, ressalta.

por ano, uma de joias e outra de objetos, além das consultorias e produção de mobiliário por

O designer explica ainda que a maior parte do

encomenda. Em 2017, a designer ficou um

que produzem é mais apreciado em Brasília do

ano em São Paulo para inserir suas peças em

que no resto do país. Não é tão universal e o

lojas da capital. “O mercado do Amazonas

movimento é valorizar o que é feito na cidade,

não é tão grande como o do Rio e São Paulo,

ou pensado para o brasiliense. Nada impede

então continuo enviando as peças para lojas

que saia, mas é pensar em valorizar o que temos

e comercializando meus trabalhos em outros

de bom e não damos tanto valor”, completa.

Estados. Estou começando a inserir em algumas

Do artesanal ao global

lojas locais e percebo que o pessoal está conhecendo mais e comprando. Aos poucos os moradores de Manaus estão valorizando

Duda Gonçalves, indígena da etnia kubeo, é

os produtos locais, mas as vendas continuam

parceiro da designer Iuçana Mouco desde 2014.

sendo mais significativas em São Paulo”, revela.

Desde então, Iuçana faz os desenhos, envia

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de barco para São Gabriel da Cachoeira, no

Em 2018 a designer participou da exposição

interior do Amazonas. Duda devolve as peças

“Joia contemporânea brasileira - reflexão

prontas e a designer monta e faz o acabamento

colares” com o colar Uirá. A exposição


Imagens: divulgação

A coleção Raízes, da Furf Design, contempla três móveis, que usa cordas para estruturar e desenhar árvores imaginárias.

começou em São Paulo, foi para Rio de Janeiro e depois viajou para alguns países da Europa (Finlândia, Suécia, Lituânia e Estónia ). Participou também do evento “Brasil Plural, Arte Brasileira” que ocorreu na França e da “Feira de artesanato de Florença”, em 2010, além de ter peças que circulam em Portugal e EUA.

A linha Confete, da Furf Design, é a primeira de capas adaptáveis e coloridas de prótese de perna produzidas em massa no mundo.

Em agosto deste ano a designer realizou uma consultoria em Carauari, município distante 782 km de Manaus, em parceria com a Fundação Amazônia sustentável para o redesign do mobiliário produzido pela comunidade local, além do ensino de novas técnicas de marcenaria, demandadas pelos próprios artesãos, como o uso do torno e a marchetaria. Iuçana irá lançar uma coleção de luminárias em dezembro deste ano numa loja especializada de Manaus. A coleção é inspirada na técnica de tecelagem da fibra de Arumã, muito utilizada pelos índios da Amazônia para a confecção de cestarias e utensílios. Essa técnica é singular da etnia Kubeo e Duda é o único em sua região a reproduzi-la como seus ancestrais. Ele transforma o Arumã em uma trama delicada e simétrica, semelhante a um tecido.

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Foto: divulgação

Os cubos feitos em aço foram os primeiros trabalhos de João Diniz que uniram poesia e objetos. Nesse caso, os cubos podem ser usados como móveis em ambientes residenciais e comerciais.

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As possibilidades estéticas da literatura

por Ana Cláudia Ulhôa

Quando se fala em obras literárias, logo vêm

parte de seu trabalho de conclusão que já

à cabeça um livro, conjunto de páginas

pretendia romper com a ideia de um livro nos

encadernadas com palavras e/ou imagens

moldes tradicionais. Composto por três caixas de

impressas. No entanto, o ato de expressar

acrílico que abrigavam 40 escritos da autora em

sentimentos, ações ou ideias por meio das

duas delas e todos os pontos finais dos textos em

palavras pode ocorrer das mais variadas formas.

outra, essa obra trouxe a discussão do que seria

Algumas delas são capazes de extrapolar o

um livro-objeto.

papel usando os mais diversos tipos de materiais e estabelecendo novos tipos de relações com o

De acordo com o conceito utilizado por Anna

público leitor. Em alguns casos, os objetos criados

em seu trabalho “tudo no mundo existe para

rompem até mesmo a fronteira entre o que é

tornar-se livro”. Quando ela cita o poeta e

literatura, se confundindo com os campos do

crítico literário francês Stéphane Mallarmé, ela

design, arquitetura ou artes plásticas. Como o que

deixa clara sua concepção de que qualquer

ocorre nos trabalhos da designer Anna Stolf, do

coisa pode se tornar livro, seja um pedaço de

arquiteto João Diniz e do escritor Mário Alex Rosa.

papel, um retalho de pano ou um objeto de

Livro-Objeto

madeira que contenham uma frase, uma folha ou mil páginas de texto e/ou imagens. “Para mim é tudo a mesma coisa, a encadernação é

Formada em Design de Produto pelo Instituto

conteúdo, o material, a forma. Tudo é conteúdo,

Federal de Santa Catarina (IFSC) em 2010, Anna

não só os textos”, explica.

Stolf nunca realizou um curso de Letras, mas sempre teve paixão pelas palavras. Quando

Dentro dessa ideia, Anna Stolf desenvolveu

ainda era muito pequena, em Florianópolis-

também outras obras durante o mestrado na

SC, costumava usar blocos de anotações e

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

cadernos em branco para escrever poesias.

(UFRGS). Um deles é o livro Adotando Abandono

Seu primeiro livro foi feito quando ainda tinha

(2013). Após sonhar que estava em um dilema

apenas 10 anos de idade. Sua irmã pegou

por ter adotado um cachorro que só atendia

um de seus bloquinhos escondido, mandou

quando ela pronunciava a palavra abandono,

encadernar e criar uma capa em tipografia

a designer resolveu contar essa história usando

para presenteá-la.

apenas uma frase que vinha escrita em tipografia desmontável feita em velcro e colada

Mesmo tendo esse gosto pela literatura, Anna

em um rolo também de velcro. Sendo assim, o

nunca pensou em criar livros até entrar na

texto “Sonhei que tinha adotado um cachorro

faculdade. Durante o curso de design foi que

que só atendia pelo nome de abandono”

ela usou os conhecimentos adquiridos para

pode ser remodelada das mais diversas formas,

desenvolver seu primeiro trabalho profissional.

permitindo ao leitor interagir com a obra e

Mandíbula Sonâmbula Perambula (2010) foi

desconstrui-la completamente. 19


Foto: divulgação

O Cuboesia é um cubo de aço com 4 x 4 m² projetado para a CasaCor Minas Gerais 2019.

Anna conta que suas inspirações para criar

transArquitetura

esse tipo de livro simplesmente surgem. Quando brota uma ideia em sua mente, já

Para o arquiteto de Juiz de Fora/MG, João Diniz,

vira uma anotação em algum de seus vários

todas as suas criações também mantêm uma

cadernos ou post-its. Quando ela dispõe de

relação profunda com sua área de formação.

tempo e recursos para trabalhar com eles,

Graduado pela Universidade Federal de Minas

a designer consulta essas listas e começa

Gerais (UFMG) no ano de 1980, ele acredita que

a dar forma ao seu projeto. Ela acredita

as instalações, livros e objetos que desenvolveu

que o fato de ter se formado em design de

desde então sejam uma forma de arquitetura.

produto, e não gráfico, foi essencial para que

Por isso, em 2012, criou o manifesto da

optasse pelo livro-objeto e desenvolvesse esse

transArquitetura ou arquitetura expandida.

processo de trabalho. “Penso o livro com o

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método do design de produto. Começo a

“Esse conceito tem a ver com uma visão mais

criar desenhando a forma do livro, como se

ampla da arquitetura, porque a gente cria

tivesse desenhando uma cadeira. Depois, vou

ambientes em várias situações. Se você está

vasculhando as anotações para ter ideias de

lendo um texto, tem a ideia de um ambiente. Se

texto, desenhos e o que complementa, como

ouve um som e fecha os olhos, é transportado

se tivesse escolhendo a tinta que vou usar na

para um ambiente. Se está assistindo a um filme,

cadeira, ou o parafuso que vou usar para unir

também é levado para um ambiente. Então, tudo

uma parte à outra”, afirma.

é ambiente e ambiente é arquitetura”, esclarece.


Foto: Rogério de Souza

Livro Mandíbula Sonâmbula Perambula feito por Anna Stolf durante a conclusão do seu curso de Design de Produto, em 2013.

Um dos projetos que refletem esse conceito é

Porém, tudo isso permaneceu como hobby

o Cuboesia, que esteve exposto na CasaCor

até o início dos anos 2000, quando conheceu

Minas Gerais 2019. O objeto, feito em aço com

os donos de uma livraria que o incentivaram a

dimensões de 4 x 4 m², foi instalado em um

lançar seu primeiro livro.

jardim, trazendo um verso composto por quatro palavras de quatro letras em cada face. Além

A partir daí, João Diniz começou a frequentar

disso, contou com um áudio que declamava

o meio artístico da capital mineira. Um dos

o texto ao som de uma trilha sonora. “O lance

eventos que sempre comparecia eram os

do cubo é criar espaços sensitivos. Você tem o

saraus. Preocupado em contribuir com as

som, a vista, o tato e o cheiro”, diz João.

performances, ele teve a ideia de tirar sua poesia do papel. “Quando começou esse

De acordo com o arquiteto, seu interesse

negócio, eu pensei: Pô! Como vou fazer isso?

pela literatura surgiu ainda muito cedo, antes

Não sou ator, não decoro textos. Que suporte

mesmo de escolher qual carreira seguir. Seus

posso usar que não seja a folha de papel?

primeiros escritos vieram à luz nos tempos de

Foi aí que comecei a pensar em poemas-

colégio, quando conheceu as obras de Carlos

objetos”, recorda.

Drummond de Andrade, Vinícius de Morais e Fernando Pessoa. Na época, ele também era

Os primeiros trabalhos foram pequenos cubos

apaixonado por música e compunha canções

que poderiam ser usados como objetos de

para a banda que formou com seus amigos.

mobiliário. Depois surgiram experimentos

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variados em que o material usado para construir a

desse olhar desarmado para as coisas”, destaca.

poesia também ajudava o autor a construir seu texto. Como foram os casos da trena que, ao ser puxada,

Formado em História pela Universidade Federal de

falava sobre medidas, o leque que, ao ser aberto,

Ouro Preto em 1993, Mário começou sua relação

dizia sobre os rodeios da vida e o sapato que trazia

com a literatura na adolescência, quando sua mãe

mensagens sobre o caminhar.

faleceu e ele se encontrou emocionalmente abalado. Para aprender a lidar com a dor da perda, ele buscou

João explica que as inspirações para construir

auxílio nos poemas de Manuel Bandeira, que tinha a

esses trabalhos vêm naturalmente pelo próprio

“falta” como tema constante e acabou causando

hábito de escrever. “A escrita é um negócio que

comoção no jovem.

me acompanha. Alguns poetas falam: eu não faço poesia quando quero; faço poesia quando ela

Com o passar do tempo, Mário foi se interessando

quer, então as ideias surgem assim”. Mas também

cada vez mais pelo universo das letras e decidiu

tem um pouco da vontade de fazer. Você diz: ‘vou

realizar um mestrado em 2001 e um doutorado em

fazer um negócio aqui’, e quando começa a mexer

2009 na área de literatura brasileira pela Universidade

com aquilo, aquelas ideias acabam te perseguindo

de São Paulo (USP). Ao longo de todo esse processo, a

também”, reflete.

vontade de escrever as próprias poesias foi crescendo,

Poesia-Objeto

o que resultou nos livros ABC do Futebol (2006), Ouro Preto (2012), Via Férrea (2013) e Formigas (2013). Os poemas que saiam das folhas de papel para

conta que seu processo criativo parte principalmente

ganhar forma através da mistura de letras com

da observação. “A produção começa sempre pelo

objetos do cotidiano também foi acontecendo sem

olhar. Quem olha, guarda. Quando penso numa peça

que o autor se desse conta. “Essa decisão não foi de

já imagino o suporte ideal para ela. Reforço que, para

forma deliberada: ‘agora farei objetos ou poemas-

mim, ficar olhando é essencial. A composição nasce

objeto’. O interesse pela palavra em si sempre me

Foto: Rogério de Souza

Já o escritor de São João del Rei/MG, Mário Alex Rosa,

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fascinou. Acho que lemos ou falamos muitas palavras sem necessariamente visualizá-las”, afirma. Ana Stolf

Entre as principais obras de Mário estão a Abridor, um abridor de garrafas colado às letras D, O e R para destacar a questão da dor emocional. Ele também criou A Lâmpada do Poeta Aladim, uma lâmpada incandescente repleta de pequenas letras coladas, remetendo ao surgimento das ideias. Outro exemplo

João Diniz

é o Uma Vez ao Dia, uma colher que traz o nome da obra impressa em seu cabo e uma porção de letras em sua concha, que dão a ideia de uma bula de remédio orientando o paciente a consumir literatura pela menos uma vez ao dia. Para o escritor alguns poemas funcionam melhor como

Mário Alex Rosa

peças do que em sua forma tradicional. “Há casos que vejo um objeto e já imagino uma outra forma pra ele, enfim, colocá-lo em outro contexto de sua função diária”, ressalta. Para isso, Mário Alex Rosa esclarece que “o

Intitulada Poema para a Massa, a obra de Mário Alex Rosa apresenta um rolo de massa repleto de letras. A Lâmpada do Poeta Aladim traz uma lâmpada incandescente com várias letras coladas para brincar com o surgimento das ideias no processo de escrita.

processo criativo pode ser de uma longa pesquisa, como também de uma entrada numa loja de ferramentas, de utensílios domésticos ou nessas lojas de R$1,99. Raramente entro com esse propósito. Inspiração é uma combinação do acaso com o trabalho, com a liberdade que podemos dar aos nossos pensamentos”, conclui.

Fotos: divulgação

Livro Adotando Abandono feito pela designer catarinense Anna Solf no ano de 2013.

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Flores com um toque pessoal Levando o conceito de design floral à sério, jovens floristas desafiam o senso comum e desenvolvem um estilo autoral como alternativa aos produtos existentes no mercado por Marco Túlio Ulhôa Nos últimos anos, a comercialização de

das pioneiras desse novo modelo de

flores tem se destacado no Brasil como

negócio na cidade de São Paulo.

um mercado em expansão. Com o crescimento médio de 10% ao ano, a

História semelhante à da florista mineira,

venda de flores e produtos agregados

Mariana de Paula, que em 2016 resolveu

demonstra um fôlego incomum nos

deixar a arquitetura para abrir a Uma

tempos atuais, alcançando índices de

Floricultura, em busca de ampliar a oferta

crescimento anual até sete vezes maiores

de arranjos e bouquets na cidade de Belo

do que o PIB nacional, segundo o

Horizonte. O apreço pelo trabalho manual

Instituto Brasileiro de Floricutura (Ibraflor).

e a paixão pelas flores, herdada da mãe, levaram Mariana, assim como Nina, a investir

Em sintonia com esse crescimento,

em um trabalho personalizado que nasceu

os trabalhos de alguns floristas têm se

de sua vontade de oferecer semanalmente,

destacado como uma alternativa aos

através do sistema de assinatura, flores frescas

produtos oferecidos pelas floriculturas

para decorar a casa das pessoas.

convencionais. Seguindo uma tendência surgida em países como os Estados

A influência do trabalho realizado por floristas

Unidos, Inglaterra e França, os bouquets

estrangeiros e a busca por uma linguagem

e arranjos decorativos oferecidos por

autoral foram os impulsos que levaram Nina

floriculturas de algumas das principais

e Mariana a investirem em uma nova forma

cidades do Brasil, desafiam o senso

de realizar o design floral. De acordo com

comum e revelam uma maneira autoral

Nina, ao identificar o crescimento da procura

de praticar o design floral.

por bouquets e arranjos florais diferenciados,

Foto: Gabriel Cabral

foi que a ideia de abrir um ateliê se tornou É o caso da florista paulistana Nina Levy,

realidade. Buscando oferecer algo além do

responsável pela Amapá Flowershop,

“tradicional bouquet de rosas vermelhas”,

ao lado da mãe, a artista plástica Kika

a marca pessoal e o lado criativo da florista

Levy. Formada em moda e inspirada

se manifestam em todos os detalhes dos

pelas floriculturas de Nova Iorque, Nina

“bouquets do dia” oferecidos pela Amapá

decidiu, em 2014, abandonar a profissão

às sextas-feiras, a partir de uma curadoria na

para se dedicar às flores e às plantas.

escolha das flores e do estilo “desconstruído”

Inicialmente, atendendo os próprios

e “selvagem” que definem as suas

amigos para, em seguida, se tornar uma

composições.

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Foto: Gabriel Cabral

uma estética “simples” e “minimalista”, oriunda do tempo em que praticava a arquitetura. Na contramão de um design floral

Amapá Flowershop Nina Levy e Kika Levy

pautado pelo “luxo” e pela “ostentação”,

Foto: Gabriel Cabral

Por outro lado, a aposta de Mariana é em

o trabalho foge de uma linguagem mais simples e despretensiosa possível”. Nesse sentido, algumas das estratégias encontradas por Mariana são utilizar o mínimo de embalagens e privilegiar formatos menores que dialoguem com seu conhecimento prévio de arquitetura. Tudo isso a partir de uma prática atenta à composição tridimensional dos arranjos, na medida em que levam em consideração conceitos como forma, volume e movimento. Nas palavras de Mariana, “quando os arranjos têm poucos elementos, você precisa ter muito cuidado com a posição de cada elemento, como se fosse uma escultura viva, uma vez que nos arranjos muito grandes o que fala é a massa”. Se para Nina o objetivo é sempre imprimir um estilo próprio, tendo em vista que a existência 26

Uma Floricultura Mariana de Paula

Foto: Magê Monteiro

convencional, “fazendo as coisas da forma


Foto: Divulgação

Foto: Lara Dias

de outras floriculturas com propostas diferentes lhe permite realizar um trabalho totalmente autoral, para Mariana, essa busca pela autenticidade é a marca de uma linguagem contemporânea e, ao mesmo tempo, uma aposta nas possibilidades do design floral. No entanto, apesar da expansão do mercado, entre os desafios enfrentados por essas floriculturas está a própria aceitação dos produtos. Por mais que a procura por produtos fora do padrão convencional esteja aumentando, muitos clientes ainda preferem os produtos tradicionais. De acordo com Nina, ao optar por não usar flores comuns, como a astromélia, a rosa e o cravo, muitas vezes sua floricultura acaba perdendo alguns clientes. Ainda assim, a aposta tanto de Nina quanto de Mariana é na qualidade e no diferencial de seus produtos. Segundo a florista mineira, somente depois de três anos de existência da Uma Floricultura, as pessoas começaram a entender a proposta de seus arranjos como uma fuga de uma linguagem tradicional. 27


Uma vida dedicada ao design modernista brasileiro Por Pâmilla Vilas Boas Apaixonada por madeira e pelas técnicas clássicas da marcenaria tradicional, Etel Carmona iniciou sua carreira nos anos 1980, restaurando peças de época em seu sítio, no interior de São Paulo. Em 1988, ela abriu a ETEL, com a participação de diversos designers importantes do mercado brasileiro na produção de móveis exclusivos que romperam as fronteiras nacionais. A designer reeditou uma coleção dedicada ao design brasileiro, com nomes da história do modernismo, com destaque aos móveis desenhados por Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi. Em entrevista à iDeia Design, Etel Carmona e a filha Lissa Carmona, que hoje comanda a marca e foi responsável por expandir os negócios aos quatro cantos do mundo, explicam a força e a importância do design brasileiro, considerado uma escola e a última grande descoberta estilística mundial. “Quando a gente reconta a história do design brasileiro do passado, estamos criando o novo design brasileiro”, ressalta Lissa. iDeia Design: Como começou sua relação com a madeira? Etel Carmona: Desde que me entendo por gente, gosto de criar

e a madeira para mim é um material fundamental e que amo muito. Em 1984, começa minha história como designer a partir de meus estudos em arte e pesquisas em antiquários - comprava peças e eu mesma restaurava para ver como era o original. Foi no Museu de Artes e Ofícios de São Paulo que aprendi as técnicas e me aprofundei na arte da madeira. Essas técnicas estavam se perdendo na época e comecei a resgatar, pensando inclusive no social e na sustentabilidade, temas que não eram falados. Foi uma explosão, porque ninguém conhecia mais essas técnicas. Até hoje carrego essa bandeira do design brasileiro, a madeira brasileira e o da marcenaria, da artesania.

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Foto: Fernando Laszlo

nosso grande sucesso veio com essa força da construção, da arte


Etel Carmona, juntamente com a filha, Lissa Carmona, que hoje comanda a marca ETEL

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Ri: Como acontece seu processo criativo? EC: Estava no Acre e vi uma madeira toda rachada

e fiz uma mesa de madeira rústica, muito elegante. É uma essência minha, um processo muito orgânico, que não parte de nenhuma referência. Nessa última coleção, juntei umas esferas que, de repente, se transformaram numa mesa. Fiz em homenagem à madeira, é uma explosão de marchetaria. Trio de livreiros elaborados com madeira nativa e inspirados no conceito do Manejo Florestal

Ri: Você foi a pioneira nesse trabalho com o design brasileiro, que hoje é um tema muito discutido. Como se deu essa relação com o design modernista? EC: Comecei resgatando a história da loja Branco

& Preto, criada em São Paulo nos anos 1950 por um grupo de arquitetos formado por Roberto Aflalo, Jacob Rucht, Miguel Forte, Olínio Croce, Carlos Minal e o chinês Chen Y Hwa, com a proposta de criar uma loja de móveis capaz de traduzir a arquitetura moderna que eles praticavam, com matéria prima brasileira, acabamento impecável, algo totalmente novo para a época. Era um design maravilhoso, nenhuma construção era melhor do que a deles, então isso valorizou demais, não só pela beleza do design, mas também pela construção e hoje o mundo inteiro está de olho. Ri: Como foi o processo de criação da coleção design brasileiro? Lissa Carmona: Trabalhamos com quase todos

os designers relevantes do país. A curadoria da coleção olha para o passado, presente e futuro. Passado é o design moderno a partir de 1913 até 1970. O presente são os designers já consagrados, como Cláudia Salles, Etel, Lia Siqueira, Dado Castelo Branco, Arthur Casas etc. O futuro são as novas gerações justamente para valorizar e incentivar os designers contemporâneos jovens. Quando a gente reconta a história do design brasileiro do passado,

EC: As peças foram reeditadas, numeradas e

contam até com o nome do artesão que produziu. Começamos reeditando algumas peças da loja Branco & Preto e depois partimos para peças de Jorge Zalszupin. A fundação Niemeyer nos procurou reconhecendo a seriedade do trabalho. Temos muita responsabilidade com o legado dos designers. 30

Foto: divulgação

estamos criando o novo design brasileiro.


Foto: Fernando Laszlo

Mesa central “Explosão”, construída exclusivamente com madeiras certificadas de manejo florestal, e inspirada no conceito “mães, filhas e netas”, gerações que garantem a preservação da floresta.

Ri: Qual a importância das mulheres nessa

literatura sobre o assunto, o design brasileiro

coleção?

é considerado a última grande descoberta estilística e uma descoberta tão importante

LC: Muitas mulheres começam na

a ponto de ser considerado uma escola

arquitetura. Em minhas pesquisas percebo

tanto quanto a francesa, italiana ou o design

que haviam muitas alunas, mas poucas

americano pelo número e qualidade dos

chegaram a ter destaque na história. A

autores.

gente lembra da Zaha Hadid, Lina Bo Bard e, na contemporaneidade, Patricia

Ri: Como acontece a lógica antropofágica em

Urquiola, mas são muito poucas. Certa vez,

seu trabalho?

perguntaram para a Lina sobre fazer suas obras sendo mulher e ela disse que nunca

EC: É um olhar para o mundo e para o ser

tinha pensado nisso, apenas fez. Mas depois

humano. Olho para a natureza, para o

ela ressalta que o Masp foi uma obra prima

homem, para o artesão, para o cliente de

feita por uma mulher. Na coleção do Design

forma profunda, sincera e verdadeira, que

Brasileiro, citei alguns exemplos como Etel,

se materializa nos meus trabalhos. Na lógica

Cláudia, Lina, Lia Siqueira. No design, a

antropofágica, esses estrangeiros chegaram

mulher tem um papel importante que está a

aqui e se uniram aos grandes brasileiros

cada vez mais sendo reconhecido.

como Niemeyer, Lúcio Costa, Alberto Rodrigues. O design modernista brasileiro

Ri: Por que o design modernista brasileiro é uma

nasce nessa antropofagia que é a mistura

descoberta recente?

de características europeias com brasileiras.

LC: Tem mais de 20 anos que trabalhamos

LC: O design moderno brasileiro é

nessa redescoberta do design moderno

apaixonante e tem uma característica

brasileiro. Já bati na porta de muito museu

muito peculiar justamente por essa lógica

com livro xerocado em português para

antropofágica. Em relação ao mundo e

contar a história do design modernista

outras escolas, ele carrega um senso de

porque não tinha publicação, por isso

familiaridade, não é exótico, tropical, mesmo

a ETEL reserva esse papel de investir em

que o Brasil seja uma país periférico. Nosso

publicação e geração de conteúdo como

design é sofisticado. De um lado carrega

forma de disseminar o conhecimento sobre

essa estética familiar com a influência dos

o design brasileiro. Devido a essa falta de

imigrantes europeus e, de outro, é único, 31


peculiar, carrega a beleza das madeiras tropicais, essa sensibilidade das curvas e das formas. Além disso, foi criado por uma outra lógica da indústria não desenvolvida, que fez com que os designers se tornassem praticamente artesãos de peças únicas criando obras de arte no mobiliário. Niemeyer fazia esculturas com seus móveis por que não tinha compromisso com a produção em massa da indústria e não precisou entrar na racionalização, e isso nos distingue também. Estamos mais perto da arte do que a Bauhaus, por exemplo. Ri: Você acredita que nós, brasileiros, fomos negligentes com essa história do design modernista brasileiro? EC: Sem dúvida. Basta olhar os documentos, se

eles existem, e como cuidamos deles. Eu acabo de voltar de Houston, no Texas, e grande parte do acervo do Design americano está lá, incluindo o acervo brasileiro. (O Museum of Fine Arts, de Houston (EUA), comprou a coleção de arte construtiva brasileira do paulista Adolpho Leirner, digitalizar esse acervo. A maioria desses designers não tinha documentação nenhuma. É um quebra cabeça. É só olhar o que tem de livro, de acervo ou museu. Esse tesouro tardiamente descoberto é por que não tinha documentação e, quando veio a ditadura, muito se perdeu e muitos saíram do Brasil, como Niemeyer, que foi para a França. Ri: A que você atribui a repercussão internacional da marca ETEL? EC: Qualidade e originalidade do design, temos

uma curadoria muito séria. E a qualidade da execução. LC: Estamos praticamente no mundo todo,

brinco que não é do Oiapoque ao Chuí, mas de Vancouver a Tóquio. Temos uma parceria muito forte com uma galeria do Canadá; temos loja própria em Houston, no Texas; com galerias parceiras em Nova York e Miami e estamos indo para Los Angeles. Na Europa, temos galeria própria em Milão e temos parcerias na Bélgica e Londres. No Oriente Médio, temos parcerias no Líbano, que é a porta de entrada para os árabes

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Foto: Fernando Laszlo

por exemplo). Estou fazendo essa ponte para

A ETEL foi uma das primeiras marcas no Brasil a ter a certificação do Forestry Stewardship Council (FSC) pelo uso sustentável das madeiras tropicais.


do Golfo. Vendemos também para o Catar e

tropicais do mundo. Em 2002, realizei um

Dubai. Na Ásia temos galeria na Coréia do Sul

projeto em Xapuri, no Acre, com a certificação

e em Tokyo, no Japão, onde acabamos de

de uma área de floresta em Xapuri que

fazer uma exposição sobre design brasileiro

garantiu a extração de madeira de forma

em parceria com a embaixada do Brasil. Foi a

ecologicamente correta, bem no local que

primeira exposição sobre design brasileiro no

entrou para a história por causa do assassinato

Japão. Na Oceania, estamos em processo de

do ambientalista Chico Mendes em 1988.

parceria na Austrália, em Sydney e Melbourne

E, agora, vivemos essa polêmica com a

e temos uma galeria que nos representa na

Amazônia. Precisamos nos preocupar com a

Rússia. São parcerias pontuais, mas estamos

origem de nossas madeiras. Nossas madeiras

presentes no mundo todo.

são belíssimas, razão do sucesso das peças. Normalmente, fora do Brasil, na Itália, por

Ri: Você se considera precursora em temas como

exemplo, é utilizada madeira composta que

sustentabilidade?

não tem essa beleza que a gente tem aqui. Essa relação entre social e ambiental que todo

EC: Em 2001, fui uma das primeiras no Brasil

mundo fala hoje é a essência do meu trabalho

a ter a certificação do Forestry Stewardship

desde o início, quando comecei na garagem

Council (FSC) e toda madeira que uso é

do meu sítio. Trabalho com 140 artesãos que

certificada pelo uso sustentável das madeiras

foram capacitados e hoje tem uma profissão. 33


Talento que ultrapassa gerações por Ana Cláudia Ulhôa

A avó foi uma das artistas plásticas mais conceituadas do Brasil. O pai é considerado um ícone da arquitetura nacional. Agora, Rodrigo Ohtake começa a escrever seu nome no design brasileiro. O talento para criar trabalhos intuitivos, que abusam das formas livres e cores variadas, parece ter passado por todas as gerações da família Ohtake. Basta observar as esculturas de Tomie, os prédios de Ruy e os mobiliários de Rodrigo para perceber como as curvas e tons se fazem presentes nas obras deles. Formado em arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP) em 2009, Rodrigo começou sua carreira seguindo os passos do pai. De 2008 a 2016, trabalhou junto com Ruy Ohtake, até investir em seu próprio escritório. Mesmo tendo paixão pela área de arquitetura, o caçula da família sempre cultivou um gosto pelo design. Desde os primeiros projetos, Rodrigo desenvolveu móveis - chamados por ele de arquitetônicos - por serem partes integrantes dos ambientes.

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Mas foi no ano de 2015 que o jovem Ohtake ingressou de vez no mundo do design. O curador da Feira MADE (Mercado, Arte, Design), Bruno Simões, o convidou para criar uma peça de mobiliário que seria exposta no evento. Essa foi a deixa para que Rodrigo começasse a conceber cadeiras, mesas, luminárias e não parasse mais. Atualmente, ele se dedica igualmente aos ofícios de arquiteto e designer, porém são os trabalhos com mobiliário que têm dado o reconhecimento de novo talento nacional. Revista iDeia: Você se formou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP como seu pai. Por que fez essa escolha? Desde cedo queria seguir os passos dele ou foi uma decisão que tomou depois, por outros motivos? Rodrigo Ohtake: Além do meu pai, minha mãe e meu

tio são arquitetos. Então, o universo da arquitetura sempre esteve presente em minha vida desde a primeira infância. Minha mãe conta que quando eu era ainda muito pequeno, dizia que ia ser

Foto: divulgação

arquiteto e guitarrista. A guitarra não deu certo, mas

Rodrigo Ohtake é o filho caçula do renomado arquiteto Ruy Ohtake e neto da artista plástica Tomie Ohtake. Desde cedo ele decidiu seguir os passos do pai, mas também se enveredou pelos caminhos do design.

a arquitetura eu levei adiante. Me lembro que aos sábados, quando acordava muito cedo, desenhava as fachadas das casas da minha rua de memória. Também tenho desenhos que fiz, bem antigos, que são recortes da casa em que morava. Então, sempre me enxerguei como arquiteto, é algo que, para mim, foi muito natural, nunca nem cogitei uma outra opção que não arquitetura. Ri: No início de sua carreira você chegou a trabalhar com o Ruy Ohtake, de 2008 a 2016. Como foi essa experiência? O que vocês têm em comum e o que você vê como seu? RO: Minha busca pelo traço autoral é constante. Se

você me perguntar se cheguei lá, vou dizer que não. Também não sei se um dia vou chegar, porque a arquitetura é isso. Vamos sempre evoluindo, sempre buscando outras influências. Às vezes, viajo e isso fica evidente nas obras seguintes, como na época em que fui para o México e a arquitetura do Luis Barragán me inspirou muito. Dessa forma, acho que sempre temos algumas influências, principalmente quando pesquismos, mas é importante incorporar isso de uma maneira pessoal. É claro que nesse convívio com meu pai, ele se tornou a maior influência sobre mim. Foram nove anos de escritório e mais a relação como pai, sempre viajamos e conversamos muito sobre arquitetura. Em minha obra isso é evidente, mas

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encontrar uma arquitetura que seja somente minha é uma busca que acho que terei até os dias finais. Ri: Analisando as obras de sua avó, é possível perceber algumas semelhanças. Você acha que isso é uma coisa que passou de geração para geração? Quais as influências que sua avó exerceu sobre você? RO: É importante saber que, historicamente, minha avó

tem uma carreira paralela a do meu pai. Então, teve uma influência mútua entre eles. Mas Tomie é uma pessoa que influenciou a família profundamente. Ela fazia os quadros dela de uma maneira extremamente intuitiva, e acho que acreditar na intuição foi o maior legado que deixou para nossa família. A intuição tem um poder gigantesco e é talvez onde a pessoa consiga ser mais ela mesma. Mas vivemos em um mundo que é muito racional e racionalizado. Quando nascemos, temos um lado do Fotos: divulgação

cérebro que usamos mais, que é um lado mais intuitivo e mais lúdico, por isso as crianças brincam com tudo, vão descobrindo as coisas de uma maneira muito intuitiva, ainda não são seres tão racionais. Conforme crescemos, principalmente no mundo ocidentalizado, vamos sendo obrigados a ser mais racionais, então vamos migrando o uso do cérebro para o outro hemisfério, que é mais racional do que intuitivo. Acho isso um pouco chato. Entendo que o mundo funciona dessa maneira, mas

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O Conjunto Parquinho é composto por três peças que formam uma releitura das famosas namoradeiras. A ideia da obra é propor diferentes tipos de interação entre as pessoas que a utilizam.


O Balanço BC foi desenvolvido para o Museu da Casa Brasileira e conta com tubos de aço e assento em trama de fibra sintética.

acredito que perdemos muito da questão singular de cada indivíduo. Então, quando faço os meus projetos busco no momento da criação, usar mais esse lado do cérebro, que é intuitivo e lúdico. E o interessante é que a intuição não é algo que a gente precisa nascer com e nunca mais evolui. Pelo contrário, ela é algo que você pode ir cultivando ao longo da vida, simplesmente pela vivência, experiência e pesquisa. Você vai criando um repertório que deixa a sua intuição mais apurada e o olhar também. Ri: Como é seu processo criativo? Pelo que falou, seus projetos surgem de forma mais intuitiva, mas existe um processo para essa criação? O que te inspira? RO: Não tenho um processo de criação fixo

e não me interesso em ter. Gosto de possuir um processo orgânico no qual a intuição vai me dizendo um pouco do caminho a percorrer. Então, às vezes, fico semanas com um projeto na cabeça, só pensando. Outras, vou desenhando e desenvolvendo o projeto no papel. Ou vou direto na maquete e pego materiais maleáveis, como folhas de alumínio, para ir modelando. E há ainda as vezes que vou direto para o computador. Agora, o que me inspira é muito difícil de responder. Porém, sou profundamente apaixonado pelo processo criativo das pessoas. Mais do que ver a obra pronta, gosto de ver como as pessoas vão criando, e não estou falando só de arquitetura, mas também de artes plásticas, cinema, teatro, gastronomia. Por exemplo, quando vou em um bar, gosto muito de sentar no balcão e ver como que o barman vai criando os drinks. Gosto de dar o desafio dele fazer o que quiser, aí ele vai criando de uma maneira muito intuitiva, porque o paladar é profundamente intuitivo. Ri: Você começou a fazer design em 2015. O que te levou para essa área? Foi uma vontade que surgiu ou foi uma oportunidade que apareceu? RO: Foi um pouco de tudo. Quando estava no

começo da faculdade, minha arquitetura era basicamente fazer reformas de apartamento, 37


como muitos estudantes no início da carreira. Mas não ficava satisfeito, porque em reforma você tem uma série de limitações estruturais. Então, desde a minha primeira obra, desenhava alguns móveis para tornar o espaço mais autoral. Até que, em 2015, o Bruno Simões, que é curador da Feira MADE de São Paulo, e sabia que eu tinha desenhado alguns móveis, me convidou para participar da feira. Aí ele falou: ‘Bom! Você tem que fazer um móvel que não tenha a ver com a sua arquitetura’. Como todos os meus móveis tinham a minha arquitetura como pano de fundo, ele me deu uma folha em branco para eu criar o que quisesse, e tomei gosto pela coisa. Então, foi aí que comecei a desenhar móveis independente da minha arquitetura, e diria que hoje isso toma metade do meu tempo. Gosto muito de, no mesmo dia, pensar em uma escala muito mobiliária, onde faço desenhos praticamente de um pra um ou um pra cinco, e terminar o dia fazendo um projeto coorporativo, quadrados. Então, vou da escala de milímetros para

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A Linha Pouso é composta por uma poltrona e uma mesa feitas em inox com espessura de apenas cinco milímetros e formas bastante simples.

Fotos: divulgação

como estou fazendo agora, de 7 mil metros


centenas de metros no mesmo dia, e acho que isso é muito interessante para o exercício do cérebro. Ri: Você é um arquiteto que hoje trabalha com designer também. Como você vê essa interseção entre essas duas áreas? Você considera importante ter esse diálogo? RO: Como sou um só, não dá para simplesmente

falar: ‘Bom! Agora vou fazer design e esquecer a minha arquitetura e vice-versa’. Então, não tenho dúvidas de que uma coisa vai influenciando a outra, como um vai e vem que é muito interessante. Por exemplo, o curador Bruno Simões quis que eu estivesse na MADE justamente porque ele via os meus móveis como algo visivelmente feito por arquiteto, ou seja, como se fossem pequenas edificações. Isso acontece com alguma frequência em arquitetos que fazem móveis. Por outro lado, o design é uma área em que me sinto profundamente livre para criar, e isso provavelmente vai me influenciar para conseguir A Mesinha Tulio é feita de concreto e vergalhões. A ideia para a sua concepção surgiu após uma visita a uma obra.

A Poltrona Vitis foi a primeira peça de design criada por Rodrigo, inspirada na vinha, uma árvore trepadeira sem tronco.

encontrar a minha arquitetura.

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Foto: divulgação

O projeto arquitetônico Casa Praia do Engenho tem como intuito levar materiais urbanos ao litoral e permitir a entrada da Mata Atlântica em seus espaços.

Ri: Hoje vários veículos têm mostrado o seu trabalho

Ri: Você teve a oportunidade de estudar no Brasil e

e te colocado como um destaque do novo design

na Politécnica de Milão. Também participou de várias

nacional. Queremos saber como tem visto isso. Como

mostras, exposições e tem produzido bastante. Diante

pretende se posicionar e contribuir para essa área?

de tudo o que tem visto no design, como enxerga esse mercado no Brasil?

RO: Nossa contribuição, isso vale para o design,

arquitetura e toda área cultural, é buscar fazer algo

RO: O mercado brasileiro em design tem realmente

profundamente brasileiro. Tenho plena convicção

me surpreendido. Cada vez mais tem surgido

de que somos talvez um dos países mais criativos

pessoas que estão interessadas em comprar móveis

do mundo e que, claro, podemos estudar cultura

genuinamente brasileiros. Mesmo quando falamos

japonesa ou design dinamarquês, porém temos que

de peças industriais, as pessoas têm perguntado

trazer aquilo que é interessante e não tentar fazer

cada vez mais: ‘Ah! Quem é o designer?’. Coisa

uma cópia do traço.

que até recentemente perguntava-se muito pouco. Até móveis de tiragem muito pequena

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Talvez minha principal referência seja os irmãos

e que já têm um valor super alto, em algumas

Campana, que fazem um mobiliário respeitado

feiras o público comprador é majoritariamente

no mundo inteiro e que é inegavelmente brasileiro.

brasileiro. Existe um mercado que talvez ainda

Então, acho que temos que continuar a fazer arte,

seja pequeno, mas que está em plena expansão

design e arquitetura brasileira de forma inovadora,

e preocupado sim com um design brasileiro de

mesmo tendo que superar os obstáculos, porque

qualidade. Isso é muito positivo, porque o mercado

nossa indústria moveleira não é a mais avançada;

talvez seja o principal impulsionador para termos

nossa mão de obra também não e não temos

indústrias e designers melhores, preocupados com

acesso a materiais mais contemporâneos.

acabamento, funcionalidade e originalidade.


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O cinema como um comportamento diante do objeto Um dos cineastas e diretores de fotografia mais premiados do cinema brasileiro fala sobre a experiência de criar imagens sob o ponto de vista do design por Marco Túlio Ulhôa Considerado um dos diretores de fotografia mais importantes da história do cinema brasileiro, Walter Carvalho é dono de um vasto currículo que também inclui diversos filmes realizados como diretor, sendo Janela da Alma (2001) e Budapeste (2009) algumas de suas obras de destaque. Nascido em 1947, em João Pessoa, na Paraíba, Walter Carvalho iniciou sua carreira na década de 1970, trabalhando ao lado do irmão, o cineasta Vladmir Carvalho, e de outros diretores ligados ao movimento do Cinema Novo, como Glauber Rocha, Leon Hirszman e Ruy Guerra. Nas décadas seguintes, o trabalho como diretor de fotografia ganhou notoriedade, ao participar da realização de dezenas de filmes, dentre os quais se encontram as principais produções do período da “retomada” do cinema brasileiro, iniciada a partir da década de 1990. Ao lado de diretores como Walter Salles, Cláudio Assis, Hector Babenco e Karim Aïnouz, Walter Carvalho foi o responsável pela fotografia de filmes aclamados, como Terra Estrangeira (1994), Central do Brasil (1998), Abril Despedaçado (2001), Lavoura Arcaica (2001), Amarelo Manga (2003), Carandiru (2003) e O Céu de Suely (2006). Aos 73 anos, Walter Carvalho nos fala de sua trajetória no cinema, da paixão pela fotografia e de sua influência na carreira do filho, o também diretor de fotografia Lula Carvalho. Lula é responsável por filmes como Cidade de Deus (2002), 42

Walter Carvalho no set de filmagem de Onde Nascem os Fortes (2018)

Walter Carvalho e o cenógrafo Alexandre Gomes


Tropa de Elite (2007) e da série Narcos (2015).

garoto, um adolescente. Não sabia que ali

Tudo isso, a partir de seu aprendizado na

estava se formando um personagem. Depois,

Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ,

ele como documentarista e eu já mais velho,

onde, ainda jovem, descobriu que o design é,

com 17 anos, viajamos para realizar umas

antes de tudo, um comportamento diante do

filmagens. Eu era assistente de tudo. Isso me

mundo. Comportamento que também marca

colocou, de certa forma, em outro patamar da

a postura da câmera e do cineasta diante dos

vida, porque viajei e conheci o sertão com ele

objetos, fazendo com que o cinema e o design

e comecei a me interessar pelo que estava a

encontrem um ponto de inflexão na obra de

minha volta. Daí, fui para o Rio de Janeiro em

Walter Carvalho.

1968 e fiz vestibular pra ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial). Foi me irmão quem falou

Revista iDeia: Você começou a filmar junto com

da escola, porque já morava no Rio. Então, ele

o seu irmão, Vladmir Carvalho, cuja obra é

teve uma participação muito forte em minha

estritamente composta por documentários. Em seu

formação.

caso, você acabou realizando também ficções e produções televisivas. Qual foi o legado do seu

A ESDI era a única escola de desenho industrial

irmão e da linguagem do documentário na forma

do Brasil. Fui aluno de Karl Heinz Bermiller, Aloísio

como você assimilou o trabalho do diretor e do

Magalhães, Alexandre Wollner, Zuenir Ventura,

diretor de fotografia?

Renina Katz e Décio Pignatari. Lá conheci o

Fotos: divulgação

Roberto Maia, professor que, por sinal, tinha Walter Carvalho: Meu irmão é mais velho do que

entrado para dar aula no mesmo ano que eu

eu doze anos. Desde cedo era uma pessoa que

entrei, em 1970. Aprendi com Roberto a gostar

lia muito, muito ligado às artes. Ele percebeu que

de fotografia. Não aprendi a fotografar, mas a

eu, ainda muito garoto, gostava de desenhar.

gostar de fotografia. Aprendi que fotografia não

Por influência dele, fui estudar pintura com um

se aprende, se pratica, como na pintura, na

pintor amigo dele. Isso lá na Paraíba. Eu era muito

qual você vai de patamar em patamar.

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Foto: divulgação

Walter dirige Leo Medeiros e Gabriela Hamori em Budapeste (2009)

Porém, não tirei o pé do cinema, influenciado ainda

Ri: Existe uma influência do seu aprendizado na ESDI em

por meu irmão. Até que um dia, fui fotografar meu

sua carreira como diretor e fotógrafo? Você acha que

primeiro filme, dirigido por ele. Ele me chamou e

existem interfaces entre o design e o cinema?

falei: “Ainda não sei fotografar, apesar de viver com a câmera fotografando”. Mas ele queria que eu

WC: Fui descobrindo aos poucos, fazendo fotografia,

fotografasse um filme. “Não, cara, vamos à Paraíba

direção de fotografia, dirigindo cinema e televisão

fazer esse filme lá, a gente aproveita e visita nossa

que minha relação com o objeto, antes de passar

mãe”. Ele já morava em Brasília nessa época: “Você

pela questão da impressão dele no suporte, passa

vai daí do Rio e eu vou daqui de Brasília. Se você errar,

pelo design. Porque, sem saber, na escola estava

não conto pra ninguém, porque sou o teu irmão”.

aprendendo a me comportar diante do objeto, seja enquanto fotógrafo, do ponto de vista do design.

E assim fiz meu primeiro filme. E ainda ganhei um prêmio de fotografia em função dele. Isso serviu como

Por exemplo, existia uma matéria na ESDI que se

estímulo. Aquilo não me disse que eu era fotógrafo,

chamava metodologia visual. Trata-se de uma

pelo contrário, aquilo me desafiou. “Eu tenho então

problemática colocada pela matéria, na qual você

que provar para essas pessoas que me deram o

tem que resolver esse problema na construção

prêmio – que o que estou fazendo, sei fazer”. Essa

do objeto passando por outras matérias. É preciso

ideia do saber o que estou fazendo perdura até

desenhar, fotografar, expressar através da cor – para

hoje. Acho que não vai desgarrar de mim, vai ficar

cada matéria dessa havia um professor – e tinha que

comigo. Até porque, como acho que fotografia não

executar.

se aprende, acredito que, se sentir que aprendi, aí

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é melhor mudar de profissão. Porque você vence

Para executar variava, porque você passava de

uma etapa que não é para ser vencida, é para ser

oficina em oficina. Era possível construir aquele

descoberta sempre.

objeto em madeira, gesso ou metal. No final, havia


Foto: divulgação

Walter dirige José de Abreu em O Rebu (2014)

uma apresentação com a fotografia, passando

Por fim, você vai para a elaboração, que é a

pela gráfica. Não era offset, era uma gráfica de

construção do produto.

tipos manuais que imprimia no prelo da escola. Ao construir aquele objeto, perpassando por tudo

Me lembro de um desses enunciados em que

isso, no final, havia uma grande discussão com

eu tinha que construir um sólido. Podia ser um

o professor de metodologia visual, que era o Karl

cubo, um paralelepípedo, ou cilindro, mas era

Heinz Bergmiller. A turma inteira discutia sob todos

um sólido feito de madeira, metal ou gesso, de

os pontos de vista. Então, naquele momento,

modo que esse objeto tivesse uma conexão com

estava aprendendo sem saber exatamente o que.

outro igual a ele. Como se dividisse ao meio ou

Achava que era design, a construir um objeto de

construísse outro, mas que houvesse uma conexão

madeira. Mas não era isso, estava aprendendo a

entre um e outro, considerando a resistência dos

viver, a me comportar diante dos problemas. E, sem

materiais, da rotação, da pressão e da tração. O

saber que ia me dedicar ao cinema, à televisão e

meu foi um paralelepípedo, mas descobri com o

à fotografia, estava aprendendo de um ponto de

paralelepípedo que o cubo tinha seis lados. Esses

vista do design.

seis lados você não percebe quando olha um cubo. Se pegar um cubo de madeira na mão ou

Naquele momento, eu dizia para as pessoas e para

sobre uma mesa, é possível perceber que ele tem

mim mesmo: “Ser designer não é uma profissão,

seis lados. Você olha e sabe. O teu organismo, tua

ser designer é um comportamento”. Então, aquilo

neurociência diz para você que aquilo tem seis

foi se imbuindo dentro de mim, porque o design é

lados sem que você conte, mas visivelmente você

idealização, criação. Primeiro, vem do conceito.

só percebe três.

Conceituar no design é uma coisa fundamental. Aí vem a idealização, depois a criação, o

Naquele momento, estabeleci que no cubo há

desenvolvimento desse conceito, desse projeto.

seis lados, dos quais percebo somente três. No

45


Foto: Gustavo Moura

Walter Carvalho. Foto: Gustavo Moura

entanto, deduzo o que não estou vendo. Portanto,

mas quando ele me procurou, me propôs que

entre aquilo que vejo e aquilo que deduzo há uma

desenvolvesse uma ideia junto com ele. Ele

suposta poesia e isso é o que me interessa. Então,

queria fazer um filme sobre a miopia, porque eu

se estou dirigindo, iluminando ou fotografando

e ele somos míopes. Quer dizer, eu era, porque

um ator, interessa a mim a distância daquilo que

operei, mas tinha dez graus de miopia. Então, era

vejo e daquilo que não vejo, porque do objeto

um filme sobre a miopia.

ator não vejo todos os lados, do ponto de vista da representação. Isso porque o mistério da fotografia

Na medida em que nossas conversas e

e do cinema diz respeito ao modo como você

o processo criativo antes de filmar foram

representa aquilo no plano bidimensional. Se

avançando, disse: “Não estamos fazendo um

você representa num plano bidimensional é uma

filme sobre a miopia, e sim sobre o olhar”. Apesar

representação. Por isso sou o fotógrafo do preto

da ideia ter sido dele, essa sacada foi minha. E

e branco e não da cor. No cinema e na televisão

aí deu no que deu. Fomos pelo caminho de um

faço colorido, trabalho em cor sem nenhum

filme que, inclusive, se tornou um documentário

problema, mas não consigo fotografar sem ser em

muito premiado, muito visto e comentado.

preto e branco. Então, é dessa forma que, quando

Exatamente, porque tocamos em um assunto que

me encontro diante de um objeto, antes se

ninguém tinha pensado. Porque, independente

manifesta dentro de mim o designer, para depois o

de usar óculos, ser míope, hipermetrope, ou o

fotógrafo ou o diretor.

que quer que seja, olhar um objeto, uma cor, uma paisagem, implica necessariamente em

Ri: O seu filme Janela da Alma é um elogio a tudo

ela seja vista por cada um de forma diferente.

isso que você pensa a respeito da imagem e da

Se estou em uma sala cheia de gente e falo

representação? De onde surgiu a ideia de fazer esse

a palavra “vermelho”, esse vermelho que

documentário?

pronunciei é interpretado de maneira diferente por cada um. Ou seja, vejo o vermelho que

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WC: Esse documentário é um filme feito a quatro

quero. Não existe um vermelho único. Ver é uma

mãos, sou eu e o João Jardim. A ideia inicial foi

interpretação, uma compreensão particular do

do João. Não era exatamente o filme que é,

objeto. Então, o filme é sobre isso.


Ri: Em sua carreira, você trabalhou com alguns dos

para o Lula fotografar cinema como você?” “Olha,

principais diretores do Cinema Novo, como o Glauber

não ensinei ao Lula fotografar, ensinei a gostar de

Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra e Leon

fotografia, de Caetano Veloso e Bob Dylan”. Essa é

Hirzsman. Em um momento posterior, também atuou na

a resposta que sempre dou.

retomada do cinema brasileiro durante a década de 1990. Muito se discute sobre a relação entre essas duas

O Lula foi assistente de todos os fotógrafos de uma

fases. Como você enxerga essa relação e sua atuação

geração, como assistente de câmera e foquista.

nesses dois momentos?

Não só meu, mas de todos os grandes fotógrafos daquele momento, da década de 1990 e meados

WC: Acho que o Cinema Novo está em uma

de 2000. O primeiro foco complicado que ele

proporção para as artes como a Semana de 1922.

fez na vida foi no Lavoura Arcaica. Então, ele foi

Está para a poesia como a geração de 1945. Está

decidindo. Ia me visitar no set e às vezes até viajava

para a música como a Bossa Nova. Está para o

comigo nas férias, ficava um tempo e voltava,

teatro como as peças de Zé Celso e do Chico

mas nunca me disse “Quero ser fotógrafo”, “quero

Buarque. Quer dizer, o Cinema Novo é fruto dessa

fazer igual você”, “quero ser igual você como

cadeia de momentos da arte que são inaugurais

profissional”. Ele ia e ficava ali, mas, ao mesmo

e modificadores. Se você der um corte para o que

tempo, com dez anos aprendeu a carregar chassi,

se faz hoje, percebe uma relação direta com o

porque os meus assistentes ensinavam a ele.

Cinema Novo. O exemplo mais recente é o filme do Kleber Mendonça, o Bacurau (2019). O Cinema

Um belo dia, começou com o Jacques Cheuiche.

Novo se manifesta dentro do cinema atual, esteja

Viajou com ele para fazer uma filmagem e

ele consciente ou não. Porque é da formação do

começou a se interessar. Fez um curso fora de

cinema brasileiro. Então, acho que Central do Brasil

História da Arte. Um dia, quando me fez uma

é um filme que fala com o Cinema Novo, assim

pergunta sobre lente, botei em cima da mesa

como Abril Despedaçado, Madame Satã, Amarelo

um livro sobre história da arte. “Lula, pra entender

Manga e Carandiru.

uma lente tem que entender a Renascença primeiro, porque é lá que tudo começou. Depois

Estou citando filmes que fiz, pois vi que aquilo estava

da perspectiva, é lá que começam os primeiros

ali. Você não sabe que está com as questões

fotógrafos e narradores. Estou te dizendo isso, não

cinemanovistas dentro de você, mas está porque lê,

porque eu entenda, mas porque tenho esses livros

vê, assiste. Tem influências mais europeias, mas aí,

e estudo a Renascença até hoje”. Então, essa foi a

às vezes, cai em uma influência europeia que tem

nossa relação. Ele sendo meu assistente em filmes

a ver com a Nouvelle Vague ou com o neorrealismo

como Lavoura Arcaica. Havia uma relação de

italiano. E o que é isso do neorrealismo italiano e

proximidade com o assunto muito maior do que

da Nouvelle Vague, senão o cinema brasileiro no

uma relação paternal ou familiar.

momento do Cinema Novo, influenciando e sendo influenciado pelo neorrealismo italiano e pela

Em um dado momento, liguei pra ele e disse:

Nouvelle Vague? O Wim Wenders falou certa vez

“Lula, vou fazer um filme e preciso de você para

que aprendeu muito com o Cinema Novo. E ele

fotografar”. Ele respondeu: “Pai, não posso, estou

acha que muita coisa do cinema alemão dele,

fotografando um filme”. Aí comecei a ver que

Fassbinder e Herzog, são como são porque eles

aquilo já não me pertencia mais. Para fotografar

viram o Cinema Novo. Então, o Cinema Novo não

Budapeste, tive que quase brigar com ele.

é uma coisa genial que surgiu na década de 1960,

“Preciso que você fotografe esse filme, porque vou

assim no ar. Isso não está no ar, tem uma origem.

trabalhar dirigindo e preciso de uma pessoa que

Vem lá da semana de 1922, da geração de 1945.

tenha me visto fotografar de uma maneira mais

Vem da música, poesia, literatura. Vem de José Lins

íntima. Você é o único, então preciso de você junto

do Rego, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa.

de mim”. Aí vi que, mesmo antes do Budapeste, ali já tinha uma carreira independente e, quando

Ri: Por fim, como que foi acompanhar o

menos percebi, comecei a herdar os assistentes

amadurecimento do trabalho do seu filho, Lula

que começaram com ele. Então, essa é a nossa

Carvalho?

relação e, no momento, estamos nos prometendo, um ao outro, dele fotografar um filme comigo, fazer

WC: Algumas pessoas me dizem assim: “Como

um trabalho juntos.

você fez para ensinar fotografia ao Lula? Como fez 47


A trama da vida

Design, memória, desenvolvimento social e sustentável a cada dia mais interligados Por Pâmilla Vilas Boas

Trama 1 - biodesign A designer Rita Prossi nasceu em Paraná da Eva, no interior do Amazonas. Sua origem indígena é fruto de uma paixão do bisavô, que engravidou uma mulher da etnia Mura. A família não permitiu que ficassem juntos e ele ficou com o bebê. Sua infância, entre vazantes e cheias, permitiu que observasse o trajeto das águas. Seu pai tinha um barco de linha e trocava transporte por alimentos com diversas comunidades indígenas do entorno. “Ele trazia aqueles tapetes desenhados, diferentes artefatos e isso fazia parte de nosso dia-a-dia”, revela. As histórias, lendas e vivências que permearam sua infância hoje são os principais motivos de seu trabalho como biodesigner. “Quem é essa moça que veio lá do Amazonas e que coloca diamante numa semente”. A frase da repórter sobre o trabalho de Rita, em 1999, nunca saiu de sua mente. A designer foi uma das pioneiras a utilizar o termo biojóias para descrever suas peças, que aliam sofisticação, delicadeza e requinte aos elementos naturais típicos da Amazônia.

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Fotos: Yamada

Peça inspirada nas lendas e narrativas míticas da Amazônia para o filme sobre Iara, personagem do folclore brasileiro, que será lançado em 2020.

Colar de cruz em madeira de muirapiranga com pedras brasileiras e cristais, criado por Rita Prossi, para o Documentário sobre Chica da Silva, que será lançado em 2020.

Rita conheceu a etnia Waimiri-Atroari que produz o traçado em fibra de arumã e fornece matéria prima para suas biojoias. Ela produziu um colar com 7 pingentes de ouro com réplicas de objetos típicos da Amazônia como canoa, remo, arco, flecha, tartaruga, sapo e peneira. Essa peça foi a encomenda de uma amiga para presentear a filha dela, que estudava na Flórida. “Ela iria visita-la e queria levar um presente, algo que a fizesse recordar da Amazônia. Quando chegou lá, as amigas da faculdade acharam inusitado e ela virou minha representante nos EUA”, relata. A partir de então, sua peças ficaram famosas no exterior e já foram usadas por nomes como Madonna e príncipe Charles. Na época, não haviam muitos designers produzindo biojoias e o objetivo era que as pessoas não apenas as admirassem, mas que passassem a usá-las no cotidiano. Fotos: Yamada Fotografia

Para mudar esse contexto, Rita começou a vender kits de sementes para produção em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo na década de 90 e espalhar o uso das peças. Nos anos 2000, ela teve uma peça selecionada para um catálogo de designers brasileiros, difundido internacionalmente. “Estava nascendo a identidade da jóia brasileira”, aponta.

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Com o sucesso de suas peças no Brasil e exterior, Rita chegou a ter uma produção grande, mas optou pela pequena escala. “A parceria com comunidades e artesãos é muito importante para o designer. Eu senti na pele como a industrialização estava me afastando do que eu realmente queria: a simplicidade e a melhor forma de lidar com as pessoas”, avalia. No final de 2018, Rita realizou a exposição de suas biojoias numa galeria de arte em Manaus. Ela convidou os artesãos para expor junto com o objetivo de apresentar a técnica e as histórias por trás de cada trabalho. Hoje, uma de suas artesãs está despontando no Brasil. “Ela veio para o salão do artesanato em São Paulo junto comigo. O importante é não esquecer dessas pessoas que te ajudam e dar chance para que elas não fiquem apenas nos bastidores”, afirma.

Imagens: divulgação

Peças do designer Sérgio Mattos

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Cadeira feita da estampa da chita e tem o aço como estrutura e a amarração em corda que recobre o desenho exótico das flores.

A cadeira Cobra Coral, traz o exotismo que ondula em contornos e cores. A poltrona Bodocongó é inspirada nos elementos da feira livre de Campina Grande na Paraíba. A poltrona Cariri conta com estrutura em aço e trama de corda naval A Cadeira Pirarucu ressalta a imponência do maior peixe que habita as águas doces do Brasil Poltrona Caçuá é inspirada no cesto de vime ou cipó que serve para carregar mantimentos e é transportado por animais de carga no interior do Nordeste


Trama 2 - A imagem do design brasileiro As criações do designer mato-grossense Sérgio

Em entrevista para o portal A Crítica, ele comenta

Matos se tornaram referência para a identidade

o resultado do projeto. “As comunidades indígenas

do mobiliário brasileiro ao preservar técnicas

saíram de um produto que custa R$ 5, R$15

e saberes ancestrais numa trama artesanal

para um produto que custa R$150 a R$700, por

das tradições que transcendem à passagem

exemplo. Em uma feira que eles participaram,

do tempo. O designer trabalha em projetos

saíram de uma venda de R$2.000, no máximo,

juntamente com o Sebrae, gerando renda para

para a venda total de R$80 mil. Estamos dando um

comunidades e também assina produtos e

valor maior para as peças”.

coleções autorais que materializam identidade, celebrações populares e um balé de cores que

O designer explica que a integração dessas

rendeu diversos prêmios internacionais, como o

comunidades é essencial para que elas se

de melhor mobiliário externo na 30ª International

tornem empreendedoras e sejam donas de suas

Contemporary Furniture Fair (ICFF), em Nova

histórias, produzindo o que já é de costume

York. Para Sérgio, o design deve vir carregado de

(ancestralidade), tendo novas ideias e descobrindo

história e função.

um mundo novo, no qual podem criar novos produtos com a matéria-prima utilizada na

“A sustentabilidade e o social estão intrínsecos

comunidade. “Um dos casos mais interessantes são

em nosso trabalho com as comunidades que

as das mulheres de Barcelos/AM, que mudaram

desenvolvo no Sebrae. Já para os produtos que

suas vidas através da venda de seus produtos,

assino como Studio Sergio J Matos, a produção é

cuidando dos negócios como um ciclo fechado.

mais industrial. Claro que existe a preocupação

Elas criam, produzem, vendem e entregam”, relata.

com a sustentabilidade, mas há diferença entre os esses dois projetos. Os advindos da natureza

Para o processo de confecção de materiais junto às

são sustentáveis, pois utilizamos piaçava, taboa

comunidades, Sérgio explica que, primeiramente,

e outras fibras. No meu trabalho autoral, utilizo

há um contato inicial para conhecer a região.

cordas especiais, as tintas são base de água e

“Faço uma primeira visita à comunidade, e tudo

outros tantos detalhes internos”, explica.

que eles me contam serve de alimento para o conceito do produto que iremos desenvolver.

Um dos projetos que Sérgio atuou como consultor

Criamos em cima das histórias deles. É preciso que

foi Brasil Original, em parceria com o Sebrae

eles se identifiquem com o produto”, conta.

Amazonas, que percorreu os municípios de São Gabriel da Cachoeira, Barcelos, Benjamin

O ideal, para o designer, seria unir em um

Constant, Tefé e Manaus com o objetivo de

só produto: o social, o design, a história e o

gerar renda para as famílias indígenas a partir do

sustentável. “Nem sempre é possível, mas nos

artesanato feito com a matéria-prima da floresta,

esforçamos para isso na concepção de cada

além de impulsionar a produção da região.

produto e linha”, ressalta.

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uma coleção para a marca Green House. E estará, junto com outros designers brasileiros, na

A coleção Santa Rita da Trapos & Fiapos revela os olhares e os traços dos artesãos do povoado de mesmo nome, no Piauí.

feira Ambiente Fair em Frankfurt, na Alemanha; no Salão do Móvel em Milão e na ICFF em Nova York, dentre outras feiras internacionais que ocorrerão em 2020. “Aqui no estúdio absorvermos tudo o que temos visto na Paraíba ou em outros estados do Nordeste e até mesmo no Amazonas, nos integrando para saber mais o que eles produzem, sazonalidade do material, técnicas ancestrais, para assim, desenvolver o produto”, completa.

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O trabalho na fábrica da Trapos & Fiapos é realizado de forma colaborativa, no qual os tecelões são estimulados a desenvolver técnicas novas.

Fotos: divulgação

Neste momento, o designer está desenvolvendo


Foto: divulgação

Trama 3 - Tapetes que transformam Em 1984 surge uma nova trama que conta

aproximadamente 9 meses para colher

a história da transformação do povoado

novamente. Estamos sempre preocupados

de Santa Rita, no Piauí, que se redescobriu

com o reaproveitamento de sobras para

a partir da tecelagem. Tereza de Melo,

embalagem das peças. É uma atenção

fundadora da Trapos&Fiapos, explica que

constante”, revela.

a tecelagem era uma prática ancestral das mulheres dessa região e que tinha

Tereza aponta ainda que a atuação da

desaparecido. Desse viés social e cultural

Trapos vem contribuindo para fortalecer

surgiu a Trapos & Fiapos que hoje é

a identidade local e a autoestima dos

referência no segmento de tecelagens feitas

moradores do povoado. “Quando você

à mão.

resgata algo que era do seu antepassado, das suas raízes, você fortalece a pessoa.

Para Tereza o contato que a empresa

Elas comentam ‘minha mãe, meus avós

teve com o Design, com o advento das

me deram esses saberes importantes, e me

universidades na região e o crescimento

empurraram para frente’, relata.

das Trapos, possibilitou que ampliassem o raio de atuação. “O design nos conectou

O trabalho é realizado de forma

com o mundo, porque antes éramos mais

colaborativa. Os tecelões são estimulados

ligados ao ‘quintal’ e agora temos um

a desenvolverem técnicas novas, como

pensamento mais ampliado. Trabalhamos

novas amarrações e novos entremeados.

em parceria com universidades; também

“Pensamos um ponto e todo mundo

reciclamos a taboa para fazer adubo numa

conversa em torno do tear. Quando todo

coleta sustentável. Não arrancamos a raiz,

mundo pensa em conjunto, os pontos saem

colhemos as plantas prontas e esperamos

mais estruturados e equilibrados”, completa. 53


Iluminação: uma arte que exige técnica e beleza por Ana Cláudia Ulhôa Uma boa iluminação pode valorizar o espaço, trazer aconchego e até melhor a saúde das pessoas. A luz também pode exercer uma função decorativa através de peças com projetos de design diferenciados. Atualmente, uma boa parte dos profissionais que atuam no setor têm buscado unir técnica e beleza em produtos que conquistam cada vez mais os consumidores. Prova disso são os dados divulgados pela Abilux, que mostram que 61% do faturamento da área de iluminação no Brasil são provenientes de luminárias. Para mostrar um pouco do que tem sido feito em solo nacional, a Magazinebook iDeia selecionou cinco escritórios que têm chamado a atenção tanto de curadores quanto do público em geral. Todos os designers citados têm desenvolvido luminárias incríveis. Conheça um pouco mais sobre eles:

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A luminária Scarpa foi criada por Fabrício Roncca como uma homenagem ao arquiteto italiano Carlo Scarpa.

Fabrício Roncca Nascido no interior do estado de São Paulo, Fabrício Roncca se mudou ainda criança para Belo Horizonte. Na capital mineira, o jovem teve seus primeiros contatos com o mundo das formas e cores. Frequentou o curso de Belas Artes da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) com sua mãe e se encantou com as diversas obras do arquiteto Oscar Niemeyer espalhadas pela cidade. Não foi à toa que, ao completar 18 anos, Fabrício optou pela graduação em Arquitetura. Formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) em 2002, o profissional abriu seu escritório no município paranaense e começou a realizar projetos de arquitetura, interiores e mobiliário. Nas três áreas, Fabrício Roncca busca unir beleza, sustentabilidade, equilíbrio dos materiais e memória afetiva. Segundo o arquiteto, suas criações surgem por meio de insights que ocorrem ao observar o

Foto: divulgação

cotidiano. O fato de ter morado em várias cidades

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também é considerado determinante. “Vejo muito essa questão da miscelânea de referências locais em meu trabalho. Acho que isso tem muito a ver

A luminária Disco é feita em madeira laminada, com técnica de marchetaria, e canópla de vidro fosco. O objetivo de Rejane Carvalho Leite era gerar uma iluminação intimista e elegante.

com design brasileiro mesmo, porque temos uma cultura muito rica de influências. Então, tento trazer um pouco dessa experiência que tive, e acho que isso naturalmente acaba sendo demonstrado nos projetos”, explica.

Carvalho Leite Formada em Arquitetura e Urbanismo em 1995, pela Faculdade Inter dos Reis, a gaúcha Rejane Carvalho Leite passou anos de sua carreira realizando projetos comerciais em arquitetura. Após realizar um trabalho de grandes proporções para uma empresa que acabara de ser privatizada, Rejane se viu esgotada e percebeu que precisava mudar sua vida. Quando foi convidada para desenvolver um ambiente para a Casa Cor de Porto Alegre, a profissional decidiu que criaria também alguns móveis. Desde então ela tem substituído os trabalhos de arquitetura por design de mobiliário. Para adquirir mais conhecimento na área, Rejane Carvalho passou uma temporada na Itália, estudando design no Politécnico de Milão. Quando o assunto é criar, Rejane diz que não há hora nem lugar. “O processo criativo está vinculado com o pensamento e as emoções 24 horas por dia, porque, por mais que tente desconectar, qualquer coisa é motivo para um insight para determinado produto”. Ela também

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A peça Arame foi desenvolvida pela emDoïsdesign como uma opção de luminária de chão. Feita em madeira torneada e cúpula de metal, ela propõe um contraponto entre o quente e o frio.


Fotos: divulgação

A luminária Relativo foi criada por Cadu Silva usando madeira e metal. Sua inspiração foram os sinos das igrejas de Ouro Preto, Minas Gerais.

gosta de observar as pessoas e as mudanças na sociedade. “As coisas estão mudando muito rápido e, se não estivermos atentos, sempre vamos fazer o mesmo do mesmo. O design tem esse compromisso de visualizar o usuário para que consiga antecipar uma necessidade, que às vezes ele nem percebe”, destaca. Além do escritório, a designer atua também em um coletivo de mulheres, chamado Plataforma 4, para trocar experiências diárias sobre o setor.

emDoïsdesign Comandado pelos designers Mariana Betting e Roberto Hercowitz, o emDoïsdesign nasceu em São Paulo em 2006. A história do escritório começou quando Mariana e Roberto se conheceram e decidiram se casar. Até então, Mariana atuava na área de propaganda e marketing e Roberto trabalhava com desenho industrial. Quando resolveram morar juntos, o casal passou a desenhar uma série de móveis para mobiliar a casa. Com essa experiência e o convívio com o marido, Mariana Betting se apaixonou pelo design. Os dois então decidiram se mudar para Barcelona e se aprofundarem na área. Na volta para o Brasil, Mariana e Roberto se estabeleceram no Rio de Janeiro e fundaram o emDoïsdesign. O casal conta que o trabalho desenvolvido no escritório sempre tem como objetivo proporcionar o máximo de funcionalidade, bom uso dos materiais e estética aos produtos. A inspiração para criar 57


as peças surge de pesquisas a partir de briefings e de situações do cotidiano. Para os dois, o fato de terem formações diferentes também acaba contribuindo para o resultado final de suas obras. “O Beto tem uma graduação nessa área e eu só tenho o mestrado. Então, ele tem conhecimentos técnicos mais aprofundados do que os meus. Só que, por outro lado, por eu não ter esses conhecimentos arraigados eu consigo voar mais. Por isso, o nosso trabalho é super complementar”, esclarece.

Cadu Silva Nascido e criado na cidade de São Caetano do Sul, onde a General Motors mantém um Centro Tecnológico, Cadu Silva cresceu apaixonado por carros. Durante a infância, o garoto passava horas desenhando modelos de veículos na esperança de que um dia eles estivessem nas ruas. Antes mesmo de chegar à idade de prestar vestibular, Cadu não tinha dúvidas de que seria designer de produtos. No entanto, ao ingressar no curso da PUC do Paraná, o jovem entrou em contato com as obras de Joaquim Tenreiro, Sérgio Rodrigues e Lina Bo Bardi e decidiu mudar o foco de sua carreira. Antes de se formar em 2012, ele já desenvolvia peças de mobiliário. Após algumas experiências no mercado paranaense, o designer voltou para a sua cidade e abriu um escritório. De 2014 para cá, Cadu Silva se dedica a realizar projetos que incentivem a união entre pessoas através do conforto e da beleza. A inspiração para criar peças com essas características vem da ideia de identidade cultural brasileira. “Busco sempre referências do que é o Brasil, de como nós nos enxergamos e que história é essa que é contada para nós”. O interesse por essas questões é tão grande que Cadu realizou um mestrado em antropologia. “Se hoje estou um pouco mais crítico em relação às imagens que nós temos sobre o país, é devido à antropologia. Ela também me ajuda a enxergar o design em um contexto social e isso, a meu ver, traz muitas implicações para minha profissão”, afirma.

Débora Aguiar Arquitetos O escritório comandado por Débora Aguiar conta com 20 anos de atuação no mercado. Formada em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie, em São Paulo, a profissional divide seu tempo entre projetos de arquitetura, design interiores e iluminação. Segundo Débora, a escolha por essa profissão foi um caminho natural, já que, durante a infância, passava horas imersa nos desenhos ou criando casinhas 58


Fotos: divulgação

O pendente Triangle é um jogo de triângulos de vários tamanhos que permite diversas composições: horizontal, vertical, diagonal, entre outras.

O abajur Petit Meliá foi inspirado nas lanternas ou ‘hurricanes’, permitindo uma luz difusa e um design acolhedor.

para suas bonecas. A arquiteta também conta que a iluminação sempre lhe encantou, por isso nunca deixou de inclui-la em seus trabalhos. “Desde sempre Fabrício Roncca

sou completamente apaixonada pela luz. Utilizo a luz natural sempre que possível e os recursos da iluminação cênica e seus diversos efeitos. A iluminação é a alma de cada ambiente, de cada projeto. É o seu humor, sua temperatura. A sofisticação, o descanso, o realce. É simplesmente transformador”, lembra.

Rejane Carvalho Leite

Ao longo de sua carreira, Débora Aguiar desenvolveu uma série de luminárias elétricas e solares com os mais diversos materiais, como bambu, madeira, acrílico, cristal de rocha e alumínio. Os projetos foram realizados em guardanapos de restaurantes, bloquinhos que carrega na bolsa ou mesmo no computador do escritório. De acordo com ela, qualquer coisa é capaz

emDoisdesign

de estimular sua criatividade. “Tudo me inspira: a natureza, um filme, uma viagem. Mas o que mais me move é o novo desafio, o olhar do cliente e seu desejo de realização”. Débora explica que sempre quis produzir algo que fizesse a diferença e pudesse ter um efeito transformador nas pessoas. “Hoje, tenho plena consciência de que, ao escolher fazer o belo, gero

Cadu Silva

uma energia maravilhosa de criação de empregos, de produtividade em diversos segmentos e de realização ao concretizar, o que foi idealizado”, ressalta. As pessoas que quiserem conferir os trabalhos de todos esses designers podem encontrar algumas peças na Templuz, localizada Avenida Senhora do Carmo,

Débora Aguiar

1150, no bairro Sion, em Belo Horizonte, Minas Gerais. O horário de funcionamento da loja é de segunda a sexta-feira, de 9h às 19h, e aos sábados, de 9h às 14h. 59


A tropicalidade no design nacional Depois de meio século, o Tropicalismo inspira e aponta para um caminho sem volta por Marco Túlio Ulhôa

Há pouco mais de 50 anos, o Brasil assistia a uma verdadeira revolução cultural protagonizada por alguns de seus artistas mais influentes. Glauber Rocha, Caetano Veloso, Hélio Oiticica e Rogério Duarte são só alguns dos nomes que misturaram manifestações tradicionais brasileiras a inovações estéticas radicais, dando origem a um movimento conhecido como Tropicalismo. A importância desse período foi tão grande que até nos dias de hoje é possível encontrar artistas que trazem para suas obras alguns dos traços típicos desse movimento. No campo do design, o carioca Brunno Jahara é um dos que reivindica essa influência, na mesma medida em que aponta para novas interpretações da ideia de tropicalidade e da própria noção de antropofagia defendida pelos integrantes do movimento. Produzindo móveis e objetos diversos a partir de materiais brasileiros e releituras de produtos tradicionais, Brunno diz se inspirar em um Brasil tropical de forma intuitiva, ao se ater aos elementos que integram o modo de vida no país. No entanto, assim como os tropicalistas, Brunno Jahara não está menos atento às mudanças e novidades produzidas em outros países. Apesar de propor uma arte autenticamente nacional, o movimento nunca deixou de buscar referências em correntes internacionais, que acabaram contribuindo para o tom vanguardista da tropicália e para a inauguração no país da arte pós-moderna.

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Gargalos / Coleção com Patrícia Bagniewski

Para o designer carioca, essa experiência, capaz de conciliar a vida no Brasil e o conhecimento do que se produz no exterior, é a chave para se destacar no design, na medida em que essa postura o torna capaz de entender seu lugar como brasileiro em um contexto global. “Hoje em dia, não projetamos design para uma país só, e sim para o mundo”. Nesse sentido, Brunno Jahara destaca a criatividade e o improviso brasileiros como outra maneira de projetar que se demonstra mais intuitiva e, por isso, mais humana e menos presa às tradições. Concepções que outrora embalaram a revolução tropicalista e uma ideia de Brasil que, após cinquenta anos, ainda se mostra mais viva e mais

Foto: divulgação

contemporânea do nunca.

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Coleção Paleae Brasilis

Fotos: Alex Batista

Fotos: Jahara Studio

Multiplastica Domestica

Origens no Design As origens do tropicalismo dentro do design

Para a professora de História do Design da

remontam aos trabalhos realizados pelo baiano

Universidade Estadual Minas Gerais (Uemg),

Rogério Duarte. Ainda na década de 1960, Duarte

Vânia Myrrha, os elementos que predominam

estabeleceu em suas peças gráficas uma espécie

nas peças gráficas produzidas por Rogério dizem

de síntese da cultura popular brasileira. E também

respeito à influência decisiva da contracultura na

da contracultura norte-americana que influenciava

Tropicália como um todo. E, sobretudo, à mistura de

não só a arte e o comportamento dos jovens

elementos da pop art, do fauvismo, do art nouveau

brasileiros, mas a própria vida política de um país

e do surrealismo que, por sua vez, caracteriza essa

situado em meio ao contexto da ditadura militar e

influência.

da promulgação AI-5, em 1968. “Os cartazes transcenderam a função original Da mesma forma que outros membros do

de uso que elas tinham como peças de design,

movimento propunham a relação do Tropicalismo

encontrando uma autonomia de arte. Com isso,

com o Manifesto Antropófago (1928), de

ele possibilitou o diálogo entre a arte, o design e a

Oswald de Andrade, as capas de disco e

música”, afirma.

cartazes de filmes criados por Rogério Duarte

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encarnavam tal concepção sob prisma de

Noções que, a seu ver, iluminam a obra de

uma visualidade alegórica, carnavalesca e

Rogério Duarte como um campo privilegiado

influenciada por diferentes correntes artísticas.

na identificação desse diálogo entre a arte e o

Alguns bons exemplos disso são os álbuns Caetano

design, nem sempre visível em outras peças de valor

Veloso (1968) e Gilberto Gil (1968).

utilitário, como no caso dos discos e cartazes.


Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Gal Costa e (sentados) Arnaldo Batista e Sergio Dias, 1968.

Contexto Histórico Tropicalismo O movimento tropicalista não possui uma data exata

Brasil e ao mundo, o tropicalismo e a diversidade de

de fundação. As manifestações em diversos campos

suas criações artísticas.

da arte foram ocorrendo ao longo do final da década de 1960. Entre os principais acontecimentos que

Se o momento seminal do movimento tropicalista

impulsionaram o surgimento do Tropicalismo está a

já apresentava as diferentes vertentes e linguagens,

estreia, em maio de 1967, do filme Terra em Transe,

nem mesmo a forma como sua imagem se tornaria

obra-prima do cineasta baiano Glauber Rocha.

extremamente vinculada à música impediu que outros artistas fossem vistos como peças fundamentais

Assim como a abertura da exposição Nova

no surgimento do grupo e no desenvolvimento de

Objetividade Brasileira, um mês antes,no Museu de Arte

suas propostas conceituais. Ainda que Caetano e Gil

Moderna do Rio de Janeiro, na qual o artista plástico

angariassem o protagonismo da revolução estética

carioca Hélio Oiticica apresentou, pela primeira vez, a

operada pelo Tropicalismo - juntamente a uma

instalação Tropicália.

nova geração de músicos e poetas que, em 1968, estampariam a capa do álbum-manifesto Tropicalia,

Além disso, são considerados marcos do movimento

ou Panis et Circensis – na qual se encontram Tom Zé,

a aparição de Caetano Veloso ao lado da

Gal Costa, Os Mutantes, Rogério Duprat e Nara Leão,

banda de rock argentina Beat Boys e de Gilberto

além dos poetas Torquato Neto e José Carlos Capinam

Gil, acompanhado por três jovens paulistanos

–, outros artistas ligados, sobretudo ao campo das artes

denominados como Os Mutantes. Juntos, fizeram de

plásticas, apresentaram uma enorme contribuição na

“Alegria, alegria” e “Domingo no Parque” hinos de

formulação dos elementos da arte tropicalista.

uma geração que, a partir do fatídico II Festival da Música Popular Brasileira, realizado pela TV Record,

O mais importante dentre eles é Hélio Oiticica que,

conheceriam uma nova perspectiva estética ligada

além de emprestar o nome de sua instalação à

não só à música, mas aos diversos meios de expressão

canção de Caetano Veloso e ao próprio movimento, é

que compõem a cultura brasileira.

o principal responsável, ao lado de artistas como Lygia Clark e Lygia Pape, pelo diálogo da arte tropicalista

Não por acaso, 1967 foi também o ano em que o

com o neoconcretismo e a arquitetura moderna. Hélio

grupo Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa,

Oiticica seria também o autor de diversos textos e

estreou a peça O Rei da Vela, adaptação da obra

manifestos dedicados a estabelecer os princípios da

Oswald de Andrade. E, José Agrippino de Paula

arte tropicalista, além de criador de algumas das obras

publicou o romance Panamérica, apresentando ao

mais significativas de todo movimento.

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Moda em movimento Capital mineira se destaca pelo cenário efervescente de marcas que conectam expressividade e transgressão Por Pâmilla Vilas Boas

Não precisa ser gigante para existir. Essa

independentemente de gênero e

frase resume a efervescência das marcas

orientação sexual”, relata Raphael.

de Belo Horizonte, que vêm construindo novos estilos e novas possibilidade de

A aposta inicial dos sócios Raphael Ribeiro

expressão a partir da moda. A frase de

e Tiago Carvalho foi focar no underwear

Raphael Ribeiro, um dos diretores criativos

(roupas íntimas sobretudo masculinas) que

da Cacete Company, traduz o ideal da

era um setor pouco explorado. “Quando

marca em abordar assuntos subversivos e

lançamos, a gente falava que era

que traduzem o mundo contemporâneo.

masculina, mas as meninas começaram

“A gente tenta tirar o véu e jogar na cara”,

a usar, perguntar se ia ter calcinha.

afirma.

Começamos a fazer peças “femininas” no arquivo 04. Entre aspas por que muitas

A Cacete Company surgiu em 2015

vezes criamos algo pensando no público

num momento em que se discutia a

feminino e os meninos compram e vice e

desconstrução do sexo, do gênero, do

versa. É muito fluido nesse sentido”, ressalta.

erótico e sexual. “Cacete na moda, Linn da Quebrada na música e Desali nas artes

Arquivos é o nome que eles utilizam

visuais”, afirma. A marca vai completar

para falar de suas coleções. Eles vão

05 anos e realizou seu primeiro desfile na

arquivando suas pesquisas, histórias e

São Paulo Fashion Week em 2017, como

aglutinam diversos temas que perpassam

parte do Projeto Estufa, incubadora de

o processo criativo, ao invés de apostar

novos talentos do evento. No mesmo ano,

num assunto central que vai guiar as

a cantora Pabllo Vittar estrelou o clipe de

peças, como a maioria dos estilistas faz.

K.O. usando um top da grife. Pablo Vitar,

“Hoje em dia é tanta coisa ao mesmo

usando nossas roupas, foi uma alavanca”,

tempo que é muito difícil falar só de uma

destaca Raphael.

coisa. Cada arquivo traduz questões que estamos pesquisando e pensando. Não

A marca pode ser definida como voltada

é que não tehamos um tema, é que são

para o público LGBTQI+, apesar de atingir

vários”, explica. O último arquivo que

outros públicos em diálogo, sobretudo,

desfilaram na SPFW 2019 foi inspirado na

com essa geração hiperconectada.

obra “Fogueira Tecno Neoxamanica”, da

“Como todo mundo que trabalha aqui é

artista carioca Marcela Cantuária. A obra

gay, bicha, sapatão, acho que tem a ver

retrata uma espécie de seita em torno de

com isso de fazer pensando em pessoas

uma fogueira de computadores, de certa

como nós. Mas no geral são pessoas que

forma, um futuro próximo.

estão nesse processo de desconstrução,

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Foto: divulgação

Jaqueta Valente da LED aposta no tingimento feito manualmente em estampas únicas e marcantes.

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Fotos: divulgação

Cansados de uma imagem eurocentrada, a busca dos estilistas da Cacete Company é por uma moda da rua e para a rua. “Em nosso desfile na última SPFW, comentaram sobre a importância das pessoas que levamos para ocupar aquele lugar no desfile. O que a gente quer menos falar é de roupa”, revela Raphael. A proposta dos estilistas é valorizar essas pessoas que fazem parte de seu cotidiano. “Uma forma de nos sufocar menos. Crescemos entendendo a moda como esse lugar de Paris, Nova York, mas nunca tivemos a oportunidade de estar lá. Tem outra moda que é daqui para cá e tudo bem se não conseguir ser esse tipo de marca gringa”, aponta. Raphael conta que no primeiro desfile utilizaram uma foto da Praça Sete em Belo Horizonte como convite. “Não é Brasil, também não é só São Paulo”, completa. Já a marca LED, idealizada pelo estilista Célio Dias, também prestes a completar 05 anos, surgiu num momento em que se discutia a questão do gênero na moda. Na época de sua criação, Célio apostava em modelagens e estampas fortes para redefinir o que era 66


Cansados de uma imagem eurocentrada, a busca dos estilistas da Cacete Company é por uma moda da rua e para a rua.

conhecido como “roupa sem gênero”, uma tendência associada a peças de tons opacos e modelagens pouco inovadoras . Se no início, seu trabalho era marcado como moda sem gênero, atualmente Célio prefere não se ater aos rótulos. Para o estillista, roupa de fato não precisa ter gênero e quem escolhe isso é o indivíduo. “Eu prefiro falar roupa. Acho que moda sem gênero hoje é um termo datado. Se, na década de 1990, tudo era dividido entre homem e mulher, hoje temos inúmeras possibilidades que uma pessoa pode ser e que foram reprimidas. Temos uma veia criativa forte e esse é o ponto alto dessa nova geração”, afirma. A LED, que também nasceu do boom digital, já foi vestida por artistas como Liniker, Ludmilla, Jaloo e Rico Dalasam, tendo um amplo alcance nas redes sociais. Em 2017, eles desfilaram na SPFW com uma coleção inspirada no visual clássico do adolescente rebelde, com tênis rabiscados, calças rasgadas e outras customizações. Além disso, utilizou de frases de efeito nos looks como “bicha power” e “sem censura”. Eles estão lançando a coleção nova “Valente” em comemoração aos 05 anos da marca. 67


Fora da indústria “Quando somos independentes não temos um manual de instrução. Erramos muito e aprendemos com o tempo”, afirma Célio Dias, que idealizou a LED com apenas 22 anos, após ter se graduado em Juiz de Fora Minas Gerais. Impaciente, criativo e determinado, mudou-se para Belo Horizonte e investiu na ideia. “Quero tudo rápido, mas foi preciso compreender que uma empresa do tamanho da LED não tem essa capacidade. Trabalhei para algumas empresas em que desenhava num dia e no outro dia a peça estava pronta. Então, é entender muito o seu espaço, tempo e processo”, avalia. Mesmo com a repercussão e o sucesso rápidos, Célio produz as peças de forma artesanal e fora da indústria da moda. “Uma roupa tem 03 ou 04 processos que não vão acontecer no mesmo lugar, é um problema que a gente enfrenta. A estrutura é meio na raça”, explica. Para o estilista , a moda brasileira viveu por muito tempo se pautando pelas marcas internacionais, questionando sobre tendências mundiais sem levar em consideração as potencialidades de um país que está identidades. “Apesar de ser muito bom ser global, hoje em dia, isso te coloca em competição com muita coisa gringa, fast fashion, que na década de 90 não existia”, afirma. Para ele, a falta de incentivo do poder público interfere no alcance dessas novas marcas. “No Brasil temos dificuldade em criar junto, em validar o processo criativo de um designer menor. Espero que as marcas maiores comecem a enxergar isso. Temos uma mídia espontânea muito forte e as redes sociais são um grande termômetro”, avalia. A alternativa que Raphael Ribeiro, da Cacete, encontrou para iniciar seu trabalho sem o apoio da indústria foi criar uma espécie de atelier. “Temos um

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A LED celebra seus cinco anos de existência com a nova coleção Valente, com peças únicas que carregam histórias da trajetória da marca.

Fotos: divulgaçào

em outro hemisfério e que possui outras


Foto: Mauro Figa

A Remexe Favelinha é uma das poucas marcas de moda upcycling oriundas da periferia e com um amplo raio de alcance.

atelier de costura e uma pilotista que faz as peças pilotos e as pequenas produções. Só as underwear e camisetas de malha fazemos fora, mas também em empresas pequenas”, relata. A opção dos estilistas é manter a produção bem próxima para não perder a qualidade. “Decidimos, pelo nosso tamanho, por manter essa logística pequena de produção”, revela. Além disso, toda a produção da marca é feita em Belo Horizonte. A grande dificuldade desse processo é conseguir colocar no mercado o que apresentaram no desfile. “O desfile gera desejo e as pessoas querem comprar, mas não conseguimos atender a demanda”, afirma.

Sustentabilidade O Centro Cultural da Favelinha, localizado no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, recebia doações de roupas que começaram a se acumular no espaço. Foi então que Kdu dos Anjos teve a ideia de realizar um desafio fashion, em 2017, em parceria com o Sebrae Minas, com 30 horas dedicadas a uma maratona de design e criatividade para remodelagem das roupas. A partir dessa iniciativa surgiu a grife Remexe Favelinha que transforma peças

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usadas em novas coleções que, no final do ano, serão apresentadas em Londres. As peças da grife são apresentadas ao público no evento Favelinha Fashion Week. Como explica Isabella Rodsil, à frente da marca juntamente com sua mãe, Miliane Rodrigues e Kdu dos Anjos, o próximo Favelinha Fashion Week será realizado em Londres e irá apresentar a nova coleção inspirada em novas tecnologias e no projeto Garota Hacker, por meio do qual as costureiras do bairro vão aprender mais sobre tecnologia e, assim, mostrar o trabalho que desenvolvem numa faculdade de moda inglesa. “Vamos inserir, por exemplo, QR codes nas peças e quando a pessoa aproximar o celular vai cair em uma animação”, ressalta Isabela sobre o evento em parceria com o Sebrae e o British Council (Conselho Britânico). A transformação das peças são pensadas a partir do modo próprio de vestir das pessoas do aglomerado e das tendências que surgem Fotos: Mauro Figa

no próprio local. “Geramos renda para pessoas O próximo Favelinha Fashion Week, evento que apresenta as novidades da marca, será realizado em Londres e irá apresentar sua mais nova coleção baseada em elementos hi-tech.

que trabalham no Remexe e criamos uma cena aqui dentro. O Favelinha Fashon Week, por exemplo, conta apenas com modelos da região. É muito interessante por que as pessoas ressaltam sempre modelos famosas e padronizadas e o nosso desfile é diverso, além de visar o empoderamento de quem participa e dos moradores que se vêem no desfile”, revela Isabella Rodsil. Remexe Favelinha é uma das poucas marcas de moda upcycling oriundas de um local periférico e com um alcance tão amplo. “Tivemos muitas mentorias e estamos traduzindo esse conhecimento na moda. Estamos nessa linha de frente da moda sustentável e acredito que o Remexe vai ter um potencial ainda maior. Só temos 03 anos e está tudo rolando muito rápido. Inventamos e não geramos resíduos. Pegamos o que está no mundo e transformamos”, completa.

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Às margens da história Juntando fragmentos do passado e do presente na busca de uma história do design a partir das mulheres “Ao homem, a madeira e os metais, à mulher a família e os tecidos” Por Pâmilla Vilas Boas

Como é possível dar maior visibilidade às produções de mulheres brasileiras que foram, por anos, invisibilizadas ou consideradas menos importantes que as figuras masculinas na história? Foi a partir desse questionamento que as designers Juliana Argollo e Luize Araujo iniciaram o projeto Designer Gráfica. Ele surgiu como trabalho de conclusão de curso de Design pela Universidade do Estado da Bahia, em 2017. Hoje, integra um dos projetos da empresa Motora, liderada por elas juntamente com a designer Julia Lago. A cada ícone que entra para a história, dezenas deles são relegados ao esquecimento. Se a história do design foi pautada pela presença masculina, trabalhos atuais de escavação vem encontrando novos vestígios: onde estão as mulheres que foram fundamentais para a constituição da disciplina? Assim como num trabalho arqueológico, recontar essa história é juntar peças de um processo de invisibilização. “As poucas mulheres que conseguem fazer parte da literatura 72


A luminária Cantante, da designer Claudia Moreira Salles, conta com a produção da ETEL e tem a luz dirigida para o bowl de madeira acentuando as características do material.

Sintonia Fina é o projeto criado

Fotos: divulgação

por Claudia Salles para a Lumini com peças que trazem a densidade da madeira e a leveza do cobre.

do design são lembradas sob as regras do patriarcado: definidas por gênero, como produtoras ou usuárias de produtos femininos, ou à sombra de um marido, um irmão ou mentor”, explicam. Sem a participação de Lina Bo Bard e Carmem Portinho não seria possível, por exemplo, a criação do primeiro curso superior de design do país, mas não é exatamente isso que contam os livros de história. Luize e Juliana explicam que a fundação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), criada em 1963, tem como nome principal Alexandre Wollner, que é estudado e valorizado. Mas pouco se fala da participação das mulheres na construção da profissão “designer” no país. Sem a participação de Lina Bo Bard, por exemplo, e as trocas que ela mantinha com Wollner e a escola Alemã, esse processo não 73


seria possível. Além disso, o design, como entendemos

digital para o Brasil, com a criação da Folha Serif,

hoje, chega ao Brasil a partir do Instituto de Arte

em parceria com o estúdio alemão MetaDesign,

Contemporânea (IAC) associado ao MASP, também

comandado por Erik Spiekermann. Na mesma epóca

liderado por Lina Bo Bard.

de Cecília Consolo, Evelyn Grumach, Lara Wollner, Valeria London, Marcia Holland, Marili Brandão, alguns

Carmen Portinho fazia parte do grupo de pessoas à

dos nomes de designers que começaram a carreira

frente dos projetos do MAM (Museu de Arte Moderna)

na década de 1970 e que, possivelmente, enfrentaram

no Rio de Janeiro. Grupo esse responsável por firmar

preconceitos dentro das empresas, disparidade de

a aliança política necessária à abertura da ESDI

salários e outras questões ligadas à desigualdade de

(ARAÚJO, BURY, 2017:17). Carmen Velasco Portinho

gênero (ARAÚJO, BURY, 2017: 91).

foi uma engenheira, urbanista e feminista que, em 1919, lutou junto de Bertha Lutz e outras mulheres

Mais recentemente, Elaine Ramos (1974) marcou

pelo direito ao voto. Portinho atuou na elaboração

a história do design brasileiro com a produção de

e coordenação do projeto estrutural do Aterro

coleções importantes para a área. Luíze e Juliana

do Flamengo; na elaboração e coordenação do

explicam que a designer permaneceu na editora

projeto estrutural do Museu de Arte Moderna do Rio

Cosac Naify até o seu fechamento e, nesses 16 anos

de Janeiro; Fundou a União Universitária Feminina e

na editora, foi responsável pela direção de arte de

ajudou a fundar Associação Brasileira de Arquitetas

grandes títulos e de exemplares premiados, além de

e Engenheiras. Carmen aconselhava as mulheres

ter idealizado e produzido o livro “Linha do Tempo

que não mudassem o nome ao se casar, em atitude

do Design Gráfico no Brasil”. Ela acaba de fundar a

de independência e resistência. Foi a primeira mulher

UBU, uma nova editora independente ao lado de três

no Brasil a obter o título de urbanista.

sócias. “A Cosac Naify só durou tanto por causa dela, que pensava no reaproveitamento, custo, além de ter

A ESDI formou uma geração de mulheres, como

produzido as principais bibliografias sobre design. Se

Eliane Stephan. O interesse de Stephan (1953) pelo

a colocarmos na história, ela vai entrar como quem

design gráfico surgiu quando ouviu sobre a Bauhaus

trouxe acesso à informação”, ressalta Luíze.

pela primeira vez. No Jornal Folha de São Paulo, ela

Foto: Vitoria Cintra

comandou o projeto que trouxe a primeira tipografia

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“Quem foi a mulher que montou a primeira prensa


sozinha? Quem foram as monjas caligrafas, grandes tipógrafas do Brasil? E a história de vida de Eliana Stephan, que trouxe a primeira tipografia digital para o Brasil? Quem são as mulheres por trás dos grandes estúdios de design?”, questiona Juliana, que leu sobre uma moça que foi levar a prensa com o marido para os EUA. O marido morreu e ela montou a impressão sozinha. A designer não encontrou nenhum vestígio sobre essa mulher. “É preciso que alguém se interesse pelo assunto e busque em registros históricos”, completa. Luíze cita ainda o exemplo da designer Emilie Chamie, que nunca teve um estúdio próprio e sempre trabalhou com nomes consagrados como Alexandre Wollner. “Talvez tenham tido outras mulheres que trabalharam em estúdios e ninguém vai saber. Geralmente, o trabalho vem com o nome do estúdio e se até hoje temos esse problema, imagina nos anos A Motora Design foi responsável pela criação da identidade visual e embalagens do restaurante “Healthy por Victoria Cintra” que inovou trazendo o modelo de negócio “grab and go” para a cidade de Salvador.

1960”, avalia. Para as designers, o cânone se constrói pela repetição. “Se um designer ocupa a página inteira e colorida de um livro, automaticamente vamos considerá-lo importante, se ele aparece pequeno e num cantinho da página, é médio importante. Quem produziu o livro não estava preocupado em visibilizar as minorias. Nós, brasileiros, que estamos fora do ocidente político, muitas vezes não integramos os grandes livros de design e precisamos querer construir essa história”, ressalta Juliana.

Foto: divulgação

A Motora Design é liderada pelas designers Juliana Argollo, Luize Araujo e Julia Lago. Trata-se de uma empresa liderada por mulheres e impulsionada pela diversidade.

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“Se é um homem que escreveu esses textos históricos, ele vai citar sempre os amigos do ciclo dele. Não é um recorte história justo”, completa Luíze.

Uma nova história Móveis quietos que expressam uma graça espirituosa. Essa é a definição de Adélia Borges para o trabalho da designer Cláudia Moreira Salles. “Adélia entendeu uma coisa que é importante para mim. Essa coisa de ser quieto, a partir de uma geometria simples e equilibrada, sem exagerar”, explica Cláudia. Ela se formou em Desenho Industrial no Rio de Janeiro e faz parte de uma geração de designers que teve que lidar com a indústria pouco equipada e com um mercado consumidor de design ainda muito incipiente no início dos anos 80. Claudia começou trabalhando na indústria de móveis para escritório e, paralelamente, fazia móveis por encomenda. “Passei a ter contato com a mão de obra artesanal e com a madeira. Nesse momento, busquei por esse conhecimento e sobre como inseri-lo no mercado”, relata. Foi quando conheceu Etel Carmona, que estava começando a trabalhar com marcenaria e havia aberto uma loja. Cláudia cita também a designer Jacqueline Terpins, da mesma geração, que a inspirou em como encontrar um mercado e inserir um produto. “Abrimos caminho para uma geração que viu que era possível atuar no design dessa forma”, completa.

O Vidro e o cristal Designer e artista plástica, Jacqueline Terpins atua desde 1973, tendo o vidro e cristal como parte de seu trabalho criativo desde o começo de sua vida profissional, sendo ambos responsáveis por sua trajetória de sucesso no mercado nacional. Ela é uma das maiores referências brasileiras quando o assunto é vidro soprado. Como aponta Cláudia, sua visão ampliada de negócios foi fundamental para o fortalecimento do design autoral. Toda entrevista com designers mulheres geram novas referências e esse foi um processo importante para esta matéria e também para o trabalho das designers da Motora. Como explicam Juliana Argollo e Luize Araujo, foi sobretudo a partir de entrevistas com designers vivas que o coletivo Motora conseguiu ampliar o raio de referências. “Fizemos uma densa pesquisa bibliográfica marcando o nome das mulheres que apareciam, revisitamos as mulheres que já passaram pela Associação Designers Gráficos, 76


mas a lista só cresceu mesmo quando começamos Imagens: divulgação

a entrevistar mulheres que iam se indicando. Foi um movimento lindo”, revela Juliana. As designers realizavam eventos em Salvador com a temática da diversidade e tinham muita dificuldade para encontrar mulheres para compor os eventos, já que a maioria dos palestrantes eram sempre homens. “Se para mim, que estou focada nessa temática, já é A designer Goya Lopes cria suas estampas inspirada na história da África

Tecido com estampa Iorubá criado por Goya Lopes

difícil encontrar, imagina para os homens que realizam eventos há tantos anos?”, indagam. Foi a partir desses questionamentos e para deixar essas informações mais acessíveis que as designers decidiram criar a plataforma Designer Gráfica, que

Pinturas rupestres, ecologia, entalhes da Nigéria e musicalidade da Bahia são algumas das inspirações da designer Goya Lopes na criação de suas estampas

reúne nomes e trajetórias de mulheres que estão atuando hoje na área. O projeto é colaborativo e está em constante construção com a inserção e atualização de novos nomes de mulheres da área. O acervo está no endereço www.designergrafica.info Essa ausência de referência impacta também na construção de repertório e na conformação de uma cultura do design de forma mais ampla. “Design exige muito trabalho de pesquisa de referência. Querendo ou não, você está reproduzindo um certo estilo. Falta um pouco da referência de trabalho de mulheres que te influenciam e que serão futuramente citadas para entrar no ciclo do cânone e mais na história”, avalia.

Drinks suaves Um cliente pediu para que a Motora desenvolvesse o cardápio do restaurante que tinha uma sessão de “drinks para elas”. O que são drinks para elas, perguntaram as designers, e o cliente respondeu que são drinks mais suaves. “Então, por que você não coloca drinks suaves no cardápio? assim você não limita suas vendas, inclusive. E era algo que o cliente nem tinha pensado”, revelam. Para elas, o trabalho de design impacta na cultura, sobretudo pelos signos que está expressando no mundo. “Uma peça gráfica pode reforçar ou não estereótipos. A pessoa é gorda, magra, branca, preta, hoje a gente vê isso com um pouco mais de clareza” apontam.

Design feminista Quando Vanessa Queiroz se formou, em 2003, sua sala contava com 40 homens e apenas 6 mulheres. No terceiro ano da faculdade de design ela criou um grupo só de mulheres para realizar o trabalho final. 77


Durante a avaliação pela banca, majoritariamente

construir um espaço amigável para essa diversidade

masculina, os problemas de seu grupo eram

de gênero, é no dia a dia com os clientes que o

percebidos com muito mais agressividade do que os

machismo ainda é sentido na pele. “Ia em reunião

dos meninos. “É como se a gente já entrasse devendo,

que o cliente não olhava para a minha cara, só para o

mas só criei essa consciência uns 10 anos depois”,

meu sócio. Quando ia sozinha, eles logo perguntavam

revela. Vanessa Queiroz é sócia do Estúdio Colletivo

‘mais o fulano não vem?’ Sempre enfrentei e fui

e um dos poucos nomes femininos dentro do corpo

conquistando o meu espaço, mas sei que, para muitas

diretor da Associação dos Designers Gráficos do Brasil.

mulheres, isso pode ser desencorajador”, ressalta.

Se o design é um reflexo do que está acontecendo

Para Vanessa a discussão sobre o feminismo no

na própria sociedade, é comum que ele reproduza

design ainda está longe de ser ideal, mas já é

os estereótipos de gênero, avalia Vanessa, que hoje

possível ver uma luz no fim do túnel. “Tem muita

percebe um movimento de mulheres de todas as

agência de publicidade que começou a enfrentar

áreas buscando espaço e outras referências. “Em

essa discussão. Não dá para criar uma campanha

vários eventos, ainda sou a única mulher e sou muito

sobre menstruação, por exemplo, com um time

procurada por outras meninas também. É muito

completamente masculino. Hoje, parece um absurdo,

importante abrir um espaço em sua área, antes muito

mas esse era o ambiente em que vivíamos e ninguém

masculino”, ressalta. Ela atua no estúdio Colletivo com

questionava”, completa.

mais outros dois sócios. É ela quem os representa em palestras e eventos justamente para dar visibilidade à

Design afro baiano

atuação das mulheres. A designer Goya Lopes é uma das precursoras ao

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Hoje, o Colletivo tem uma diversidade grande de

abordar a cultura afro-brasileira dentro do design. Ela

designers, em sua maioria formada por mulheres.

graduou-se em Belas Artes e, em 1976, foi uma das

“Já tive escritório só com homem. Além de mim e a

10 selecionadas para uma bolsa do Governo Italiano

recepcionista”, aponta. Se sua empresa conseguiu

para estudar Design na Universidade de Florença. Na


A arte de Goya Lopes mescla sensibilidade e sofisticação, apresentando, em seu trabalho, a cultura afro-brasileira, indígena e barroca.

época, havia uma abertura para artistas plásticos no design com o objetivo de promover uma nova estética para os anos 70.

Imagem: divulgação

Nos anos 80, Goya muda-se para São Paulo e se insere no movimento que buscava uma brasilidade para o design. Foi uma mulher, Maria Henriqueta Gomes, uma de suas maiores influências. Ela estava à frente da ANA, Arte Nativa Aplicada, criada em 1976, e considerada uma das primeiras empresas preocupadas em produzir um design industrial moderno e com traçado realmente brasileiro. “Ela me influenciou a acreditar no empreendedorismo e no trabalho autoral. Maria morreu na década de 90, junto com o marido, Severo Gomes, no avião em que estava Ulysses Guimarães”, explica. Goya queria produzir um trabalho dentro da história da África. Então, “por que não trazer a questão afro brasileira para o design?” Na época, os tecidos eram trazidos da África, sobretudo o Pano da Costa, utilizado nas indumentárias do Candomblé. Influenciada por essa religião, Goya passou a trabalhar com o branco no branco e muitos religiosos que se vestiam com roupas vindas do outro continente passaram a vestir suas peças. Como, por exemplo, as mulheres da Irmandade da Boa Morte de Salvador, que realizam um festejo dedicado à Nossa Senhora há mais de 200 anos. “Após os anos 60 e 70, com o surgimento do movimento Pantera 79


Negra, começavam a surgir no Brasil também os

da criação, produção, distribuição e mídia positiva.

primeiros rastafaris e pessoas que passaram a se vestir

Nós, que trabalhamos o produto afro brasileiro e afro

inspirados nesses movimentos e o próprio mercado

americano, temos sempre algumas restrições de

absorveu”, explica. Esses movimentos de orgulho

espaços em certos eventos e isso é uma questão de

negro influenciaram também os blocos afros da Bahia.

mercado. Se sou considerada nicho, então tenho

“Como mulher, tive essa percepção. Os blocos afros

que ser nicho para o mundo inteiro, vou entrar online,

como o Ilê, Olodum, começando a se posicionar em

vou me desenvolver para ser conhecida como nicho

prol da beleza negra. Por tudo isso, passei a trabalhar

universal, essa é minha postura hoje. Não existe um

para uma estética afro brasileira que, na época,

designer negro famoso, existem os que conseguiram

chamava-se afro”, complementa.

galgar um status e uma condição”, ressalta.

Depois de ter vivenciado uma vasta experiência de

Goya aponta ainda a importância histórica das

desenho para indústria, Goya experimentou, ao invés

mulheres negras - ganhadeiras e quituteiras que

de fazer o desenho e aplicar como serigrafia, realizá-

abriram um mercado imenso que hoje se constitui nos

los em moldes vazados para obter um produto com

microempreendedores. Um mercado não industrial e

uma linguagem diferente. “Queria algo inovador

marcado pelos retalhos. “Esse mercado de retalhos,

e que, ao mesmo tempo, pudesse ser aplicado no

as quitandas, esses lugares foram abertos com essas

cotidiano. Queria um produto que tivesse a nossa cara,

ganhadeiras que saiam para os senhores, depois

mas fosse universal”, revela. Em 1987, a empresa estava

conseguiam alforria e libertavam muita gente. Temos

instalada no Pelourinho, em Salvador.

uma história de mulheres negras muito forte no mercado. Quando se fala em design, precisa também

A principal barreira como designer negra e inspirada

de conhecimento, mas estamos chegando lá”, ressalta.

na afrobrasilidade, segundo Goya, é a visão de que

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seu trabalho só deve ser ressaltado em eventos e

E é preciso pensar também no recorte racial, já que

comemorações pontuais. “Qualquer produto precisa

as mulheres negras experimentam o sexismo de forma

Imagens: divulgação

Os fundadores do Estúdio Colletivo realizaram o trabalho de conclusão de curso juntos sobre o filme Apocalypse Now do diretor Francis Ford Coppola.


muito mais violenta. Apesar do mito da miscigenação O Colletivo Design, liderado por Vanessa Queiroz, construiu o posicionamento e branding da Cervejaria Colorado. Cada rótulo da cerveja tem uma história e uma série de elementos que mantém uma unidade.

e da democracia racial, o racismo permanece como uma questão muito problemática, afetando inclusive o campo do design que permanece excluindo indivíduos não brancos. Como explicam Luize e Juliana, as mulheres negras sofrem um duplo apagamento histórico. “No Brasil, apesar da compreensão de que o exercício do design não está necessariamente vinculado a uma formação acadêmica específica, é inegável que o acesso ao mercado de trabalho e à profissão estão intimamente ligados com algum tipo de educação formal. Enquanto havia mulheres brancas tentando acessar esses espaços de formação, a negra ainda era escravizada e colocada à margem da sociedade. É muito cruel, se não tivermos a preocupação com esse recorte, torna-se difícil visibilizar o trabalho delas”, completam.

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Artigos O que é a Seção Artigos? A cada edição, desde 2018, o magazinebook iDeia Design traz uma síntese da pesquisa e da reflexão de pesquisadores cuja investigação e produção de saberes se dão no campo do design, e que dialoguem com a temática que guia cada edição. Os pontos de vista de cada autor são construídos a partir de referências da pesquisa em design e de áreas que contribuem para seu desenvolvimento, observando seu hibridismo e interdisciplinaridade. A proposta dessa seção é apresentar algumas das inquietações que se desdobram em hipóteses, reflexões, experimentos e novas inquietações para o campo do design, dentro e fora da academia. O pensamento é estruturado, mas ao mesmo tempo fluido, assim como novas e desejáveis reflexões surgidas a partir de sua leitura. Nesta edição, a identidade do design brasileiro é observada sob três diferentes luzes: o design decolonial, o design olfativo e, por fim, sob o olhar do design na leitura.

Por Marcos Maia

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Projeção de um design brasileiro

Poltrona CJ 1 de Carlos Motta

Para Saussure (1995), a linguagem verbal constitui um fenômeno social, possibilitando uma certa unificação dos indivíduos de uma comunidade linguística. A função da linguagem como instância integradora constrói-se também sobre a suposta esterelidade-neutralidade ideológico-social de um signo linguístico. Barthes (2004) concorda que a linguagem não pode ser considerada neutra. Uma vez que o design seja entendido enquanto um fenômeno de linguagem (BRAIDA e NOJIMA, 2016), podemos estender para o design, essas noções da linguagem? Portanto, não há design neutro. Sendo assim, o objeto de design - um artefato, projeto gráfico ou de ambiente etc. – pode trazer, ainda que de forma muito sútil, os atravessamentos discursivos Fotos: divulgação

do sujeito que o projeta? Uma vez que nenhum objeto de design é neutro e traz em si caracteres que permitem sua afiliação à determinadas ideologias e valores, seria possível identificar, dessa forma, valores e sistemas de ideias que revelem uma identidade brasileira no design? 83


Poltrona DIZ de SERGIO RODRIGUES Criada em 2001, a poltrona Diz tornou-se um dos clássicos da produção de Sergio Rodrigues. Leve e extremamente confortável, graças à sua dupla curvatura, é fabricada inteiramente em madeira e está disponível em diversos tons. Ganhou o primeiro lugar no 20° Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira, em 2006.

Cadeira de três pés, 1946 de Joaquim Tenreiro

Na história deste país, tivemos e temos ainda diversas

se sustenta apenas na esfera ideológica,

influências em diferentes campos, incluindo o design.

discursivamente, pois o conceito está relacionado ao

Como definimos um ponto exato em que se destaca

processo histórico de invenção da ideia de “nação”,

uma identidade brasileira no design? Landim (2010)

podemos falar de um design nacional a partir da

pode nos indicar alguns caminhos. A autora lembra

variedade e pluralidade que entendemos constituir a

que, dentre os elementos que podem se considerar

identidade brasileira.

nesse jogo de influências, também está a tensão entre aspectos artísticos e industriais (p.109), e

Landim (2010) aponta que a crença no poder

destaca duas grandes tendências dos anos 40 até

do design de agregar valor à produção industrial

o final do século XX: os designers que trabalhavam

nacional, foi um dos fatores que motivou a criação

como se estivessem na Europa e os que entenderam

do Programa Brasileiro de Design (PBD) em 1996,

o quão especial é se dizer ser brasileiro, mas não

localizando o Brasil em um contexto globalizado. As

puderam indicar em que consistem os elementos da

práticas de design no Brasil funcionaram, no fim do

diversidade nacional.

século passado, sob um modelo racional-funcionalista, em que as características locais deram espaço às

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Conforme bem lembra Ono (2004) a “diversidade”

práxis e valores simbólicos estrangeiros, principalmente

não se traduz como “desigualdade”, assim como

europeus, afastando do design a brasilidade pulsante

“diferença” também não significa “divisão”,

que de fato impulsionaria o design brasileiro. Com o

propondo uma coexistência harmônica da

gradativo reconhecimento do fracasso da proposta

diversidade na totalidade” (p.54) e, embora

modernista, surge uma nova política que propõe o

prefira não utilizar conceitos determinantes como

uso de materiais e mão de obra locais, ganhando o

“identidade nacional”, que de forma reducionista

reconhecimento do meio intelectual.


Antes de ideais ecologistas, já existiam ideais de

historicamente a colonialidade, uma proposta de

produção nacional que progrediram para uma forma

projeto mais profundo e também uma tarefa urgente

de protesto contra o modelo “colonialista industrial”

para a subversão do nosso presente padrão de poder

a partir da adoção de tecnologias alternativas. Num

colonial. A decolonialidade é, em síntese, um projeto

contexto pós-moderno, as manifestações culturais do

mais amplo e contínuo que descolonização.

país passam a ser centrais para o design brasileiro. Apresentam-se como referências estéticas a cultura

Pensar um design, cujas tensões surjam internamente

popular e as festividades como carnaval, ou mesmo

das contradições e dissemelhanças de sua própria

as festividades religiosas, que possuem um caráter

riqueza cultural local e de sua diversidade, e não das

de integração dos indivíduos em uma ideia de

pressões intelectuais, tecnológicas ou econômicas

coletividade, ainda que múltipla e diversa.

exteriores é permitir o despontar da diversidade do design brasileiro.

Os pesquisadores Portinari e Nogueira (2016) da PUCRio propõem pensar nas possibilidades do design e as

O design brasileiro volta-se para novas referências

vocações ocasionais para que certos objetos ou coisas

que se apoiam no multiculturalismo e na

ganhem cunho político. Os autores adiantam que é

mestiçagem local, como um novo e possível modelo

impossível conceber uma teoria definitiva que englobe

para o desenvolvimento desse design local, ao

todos os aspectos políticos possíveis no design, uma

distanciar-se das referências do exterior, de uma

vez que tanto os entendimentos do que é uma ação

prática mimética (LANDIM, 2010, p.119). A autora

política, quanto do que é design são múltiplos e

atenta ainda para a consideração sobre um tríplice

permitem diferentes construções teóricas. A partir

aspecto: design, cultura e território como exigência

do ponto de vista de que a dimensão política não

para os designers nesse contexto pós-moderno,

pode ser entendida apenas como uma bandeira, ou

incluindo também a questão ambiental a partir de

impacto social direto, mas uma forma de intervir nos

um olhar para a sustentabilidade.

próprios processos internos. Não falamos aqui de uma visão nacionalista, mas de uma visão descolonializada e, mais do que isso,

de perceber o design, passando pela atenção aos

uma (re)visão contínua de seus próprios processos

seus processos internos, e a própria historicidade

internos, a partir da assunção das características

do design brasileiro, a partir do conceito de design

próprias regionais e locais que se combinam, em

decolonial. O design decolonial se insere em um

uma certa integração dos indivíduos de uma

cenário de crítica aos processos de invasão territorial

comunidade que produz e consome design, não

e cultural vivenciados em diversos países, e, conforme

mais ilusoriamente neutro e ligado a um sistema

explicam Restrepo e Rojas (2010 apud Resende, 2018,

de valores alóctones, mas original, híbrido e em

p.52), refere-se ao processo que busca transcender

constante mudança.

Fotos: divulgação

Propomos então considerar uma prática e uma forma

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Referências: 1: BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 2004. 2: BRAIDA, F.; NOJIMA, V. L. Por que Design é linguagem? 2.ed. Juiz de Fora, MG: FUNALFA: Ed. UFJF, 2016. 3: BRAIT, Beth. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 8 (2), p. 43-66, 2013. 4: LANDIM, P. C. Design, empresa, sociedade [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 191 p. ISBN 978-85-7983-093-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. Acesso em: 15 set. 2019. 5: ONO, M. M. Design, cultura e identidade, no contexto da globalização. Revista Design em Foco. Salvador, vol. 1, n.1. p. 53 – 66, jul-dez, 2004. 6: PORTINARI, D. B.; NOGUEIRA, P. C. E. 2016. Por um design político. Disponível em: <https://estudosemdesign.emnuvens.com.br/design/article/ view/379>. Acesso em: 15 set. 2019. 7: RESENDE, Ana Catarina Zema de. Direitos e Autonomia Indígena no Brasil (1960 – 2010): uma análise histórica à luz da teoria do sistemamundo e do pensamento decolonial. (tese). Brasília: UnB, 2014. Disponível em <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/17769/1/ 2014_ AnaCatarinaZemaDeResende.pdf >. Acesso em: 07 set 2019. 8: RESTREPO, Eduardo y ROJAS, Axel. Inflexión decolonial: fuentes, conceptos y cuestionamientos. Popayán: Editorial Universidad del Cauca, 2010. 9: SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1995.

Marcos Maia Mestre em Estudos de Linguagens pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Pesquisador integrante do GESSD - Grupo de Estudos em Sistemas Sígnicos no Design, na Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais, do CAPTE - Centro de Apoio a Pesquisas Sobre Televisão e do grupo Narrar-se, ambos no CEFET-MG. Roteirista na Rede Minas de TV – Fundação TV Minas Cultural e Educativa. Atua em projetos e pesquisas em audiovisual, discurso e comunicação.

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Design olfativo e brasilidade: os encantos da experiência

“A brisa é boa, pé na areia e braços abertos para o Atlântico” Trecho da descrição do Hotel Janeiro

Por Isabela Monken Velloso

Janeiro, hotel de Oskar Metsavaht na orla do Leblon.

Tudo começou com um convite para compor este artigo. A pauta: design olfativo e brasilidade - termos que, num primeiro momento, parecem ocupar lugares muito particulares e, possivelmente, distantes. O chamado para realizar o texto veio em um bom e importante momento, afinal, a área criativa do design ainda é eminentemente e, por vezes, exclusivamente visual. Não encontramos, com frequência, incursões sobre as interfaces aqui, pontualmente, tangenciadas. Pesquiso, há aproximadamente dez anos, a convergência dos odores no reinado da moda. Aprendi, nesse trajeto, que, no universo da moda, tão marcado pela noção de visualidade e aparência, os odores operam não apenas com a produção de camadas muito palpáveis de emoções evocadas, como também sustentam boa parte da cadeia produtiva das grifes internacionais. O cheiro nos prefacia e antecede, seja ao gozo do encontro com o prazer ou

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com o anúncio do que nos pode repelir. Como

da ideia de um projeto de representação no

nos lembra Patrick Suskind (1985), o odor é irmão

qual o cheiro norteia o encontro com um campo

da respiração, sua vivência encontra nosso íntimo,

semântico que se deseja atualizar, como uma

nossos pulsões e emoções. Em sua obra (SUSKIND,

marca, por exemplo, para a qual se desenvolve

1985), o narrador argumenta que conhecer a

uma espécie de logo ou identidade olfativa.

dinâmica dos cheiros permite às pessoas tocarem o coração humano. Se recorrermos à etimologia

Se pensarmos nos calçados Melissa ou nas roupas

da palavra sagaz (JAQUET, 2014), veremos que

de cama M Martan, um cheiro ali presente parece

o termo se refere àquele que tem um olfato sutil.

trazer todo o conceito que engloba esses universos

Cheiros são, em nossa fisiologia, iguais à emoção,

discursivos, numa encantadora economia

despertam nosso sistema límbico, sem passar antes

simbólica e metonímica da parte pelo todo. Se

pelo crivo da razão e, em vivência, são também as

pensarmos o design como design híbrido, talvez

mais potentes memórias.

falar em design olfativo seja pormenorizar demais. Será? Para quem ainda não se interessa pela

E o design? Na etimologia do termo, design

ação dos cheiros nos projetos de arte e design,

significa: através dos signos, das representações. O

um convite potente seja um breve passeio pela

design estará sempre envolto no desejo de mediar

trajetória de Chandler Burr.

a representação, tornando-a espetáculo. O bule de chá, por exemplo, quando perpassado por um

O primeiro crítico de perfumes do mundo, com

olhar cuidadoso, na poética da representação,

uma coluna dedicada a essa temática no New

não será apenas o receptáculo inerte de ervas

York Times, passou a atuar, em seguida, no setor

imersas num líquido aromático, mas o desenho

de Arte Olfativa, no Museu de Arte e Design de

único de um projeto de um modo de ser, um

Nova York. Suas produções incluem experiências

modo de estar no mundo, vigilante e sensível

como “Hyper Natural Senses: from Design do Art”

que encontrou, nas linhas da forma concreta,

(HYPER, 2019), no qual buscou demonstrar, em um

materializada, um convite intangível de um way

passeio pelo desenvolvimento de várias moléculas

of life. O design é sempre um produto híbrido

desde o final do século XIX até os dias atuais,

(BRAIDA, 2012). Ele é resultante de um corpo

como os odores são meios importantes do design

desperto: ao toque, às texturas, à forma, aos sons,

para construir um conjunto de mensagens, até

aos cheiros.

então, pouco percebidas por nós de forma mais consciente.

O design olfativo é ainda um termo pouco

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perscrutado pela academia brasileira, mas já

Outra iniciativa foi o encontro “Design e Estrutura

se encontra no registro de funções em grandes

na Arte Olfativa” (DESIGN, 2019), em que, reunido

empresas do setor da perfumaria e dos aromas,

a profissionais do setor, discutiram sobre como a

nas quais se pode identificar o cargo de

criação de novas moléculas modificou a maneira

Coordenador de Design Olfativo. Numa busca

pela qual perfumistas projetam a parte estrutural

rápida pelos registros de trabalhos em língua

de suas obras. Omer Polak, renomado designer

portuguesa, a terminologia surge quase sempre

israelense e artista, nos revela em sua palestra

vinculada à noção de branding, de marketing

“Smell as a design tooll” (SMELL, 2019) e em suas

olfativo. O design olfativo, ainda que pouco

obras como a experiência sensorial do olfato em

contemplado e insuficientemente descrito nos

abordagens multidisciplinares pode nos oferecer

textos nacionais, parece não poder se despedir

oportunidades únicas em um mundo saturado por


Josely Carvalho em exposição individual “Diário de Cheiros: Affectio”

signos visuais e pouco explorado na dinâmica dos sentidos e dos odores. Um convite para se compreender mais amplamente o design é expresso em obras como Sensory Design de Joy Monice Malnar e Frank Vodvarka, publicadas pela Universidade de Minesota (MALNAR; VODVARKA, 2004). Juhani Pallasma (2011), com seu encantador Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos, nos mostra sua concepção expandida do espaço e das habitações, acionando vários sentidos humanos em suas reflexões sensíveis. No âmbito da experiência nacional, a artista brasileira, radicada em Nova York, Josely Carvalho (MUSEU, 2019) realizou uma exposição questionadora, “Diário de Cheiros: afecttio”, no Museu Nacional de Belas Artes, na qual demostrou como o olfato é um sentido potente para a produção artística. Para aqueles que ainda não sabem a força dos

Fotos: divulgação

Aroma Vento, da Osklen.

cheiros para a vida nacional, é importante lembrar que estamos entre as primeiras nações no mundo no consumo de perfumes, fomos recordistas

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mundiais no ano de 2010 (BRASIL, 2019). Renata

singular nacional. Nesse sentido, o criador da

Ashcar (2001), pioneira no estudo sistematizado

marca pondera que aquilo que se leva daqui

da cultura do Perfume no Brasil, destaca que

por nossos visitantes e admiradores não são,

devemos às influências indígenas e africanas

necessariamente, materiais ou objetos - como

a afeição aos banhos e aos prazeres da

se dá, por vezes, no perfil de consumo do

aromatização.

turismo do espaço europeu ou do americano - mas a graça e a memória do aprendizado

As experiências criativas em torno da “marca

de uma experiência, uma maneira de ser

Brasil”, dos odores ou da rica flora de nosso

diante do mundo, abordada pelo estilista

país têm permeado campanhas singulares

como um brazilian soul. Com uma consciência

de projetos e desenvolvimento de produtos

do caráter holístico do design, a marca

nos mais diversos setores. A partir dos anos

Osklen, afeita ao universo das experiências

1990 e ao longo dos primeiros anos do século

sustentáveis, se faz também representar por

XXI, principalmente, pode-se dizer que o

uma assinatura olfativa, expressa no difusor de

Brasil, em determinados momentos, tornou-

ambiente “Vento”, por ela comercializado,

se moda, reconhecido e notado nas esferas

com notas aéreas, frescas, sofisticadas ao

internacionais, destacando-se por seus

estilo minimalista. Contemporaneamente, a

designers, estilistas e modelos. Num cenário

vivência criativa no design de moda de Oskar

de intensa globalização, as demandas por

Metsavaht parece prolongar-se, associando-

discursos locais parecem adequar-se também

se à experiência dos projetos de design de

aos interesses discursivos de mercados globais

interiores, na criação do Hotel Janeiro, no

(VILLAÇA, 2007). Sobre a inserção do discurso

Leblon.

da brasilidade, o pesquisador Renato Ortiz (2019) já demostrou em seu texto como a ideia

Se a essência de nosso design seria, então,

de “nação/identidade” pode servir a usos

a intagilbildade de uma forma de inserir-se

ideológicos e políticos, por vezes, muito distintos

no mundo, como sugere o estilista, talvez um

da sua real aplicabilidade no campo da

bom convite aos designers brasileiros possa ser

cultura e da crítica. Para o autor, a noção de

esse: trocar a representação pela experiência.

cultura pode ser entendida como “consciência

Nesse ponto, entre todos os sentidos, o olfato

coletiva que vincula uns aos outros” (ORTIZ, p.

é um caminho possível para fazê-lo. Uma

612, 2019).

imagem nos reporta a algo, um cheiro, por sua vez, traz, holística e, encantadoramente,

Na construção de nossa brasilidade, para além

uma vivência. Ao se conceber o design em

dos grandes temas da mescla cultural e do país

sua dimensão sensorial, híbrida e olfativa,

tropical, estamos unidos por uma experiência

pode-se encontrar novos caminhos para se dar

comum, identificada com um modo de ser.

forma e tangibilidade, cada vez maior, à nossa

Segundo Oskar Metsavaht (2019), criador da

intransferível e experiencial brasilidade, ao

marca brasileira Osklen, aqueles que vêm ao

nosso aromático e especial modo de ser.

Brasil não buscam necessariamente objetos culturais icônicos, mas, sim, uma experiência

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Referências: 1: ASHCAR, Renata. Brasil Essência: a Cultura do Perfume. São Paulo: Nova Cultural, 2001. 2: BRAIDA, Frederico. A linguagem híbrida do design: um estudo sobre as manifestações contemporâneas. Rio de Janeiro, 2012. 297f. Tese de 3: Doutorado -Departamento de Artes & Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 4: BRASIL vira líder mundial no mercado de perfumes. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/brasil-vira-lider-mundial-no-mercado-deperfumes/ Acesso em 30 set. 2019 5: DESIGN and Structure in Olfactory Art. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0su3RJo6e8w&t=2454s. Acesso em 29. set. 2019 6: HYPER Natural Scent: From Design to Art - With Chandler Burr. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VmZAUcF2X-U. Acesso em 29. set. 2019. JANEIRO. Disponível em: https://janeirohotel.rio/sobre/ Acesso em 29 de set. de 2019. 7: MALNAR, Joy Monice; Vodvarka, Frank. Sensory Design. Minnesota: Univ. of Minnesota, 2004 8: MUSEU Nacional de Belas Artes recebe instalação olfativa de Josely Carvalho. Disponível em: https://mnba.gov.br/portal/imprensa/novidades-domuseu/183-museu-nacional-de-belas-artes-recebe-instala%C3%A7%C3%A3o-olfativa-de-josely-carvalho.html. Acesso em 30 set. 2019. 9: OMER Polak. Disponível em: https://www.omerpolak.com/ Acesso em 29 set. 2019. 10: ORTIZ, Renato. Imagens do Brasil. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v28n3/a08v28n3.pdf Acesso em: 19 jul. 2019. Oskar Metsavaht discute a cultura intangível do brasileiro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PSB3_jDkOO4. Acesso em 30 set. 2019. 11: SMELL as a design tool -- the S sense project (Omer Polak / TEDxLausanne). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dgPoLM3E-VA. Acesso em 29 set. 2019. SUSKIND, Patrick. O perfume: história de um assassino. Rio de Janeiro: Record, 1985. 12: VILLAÇA, Nízia. Brasil: da identidade à marca. IN: Revista Famecos; nº 33; Porto Alegre; ago. de 2007. Disponível em: http://revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/3435/2697. Acesso em 30 set. 2019

Isabela Monken Velloso Doutora em Ciência da Literatura/ Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Teoria da Literatura pela UFJF , Especialista em Moda, Cultura de Moda e Arte. Professora efetiva do Bacharelado em Moda do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em suas mais recentes pesquisas, vem se dedicando às investigações das estruturas discursivas de marcas e criadores, bem como às interfaces estabelecidas entre a moda e outros campos da cultura - com ênfase na Cultura do Perfume. No Instituto de Artes e Design da UFJF, atua em atividades de ensino, pesquisa e extensão. É líder do grupo de pesquisa e da linha “Interfaces da Moda: saberes e discursos”. Organizadora e autora integrante do livro Cultura do Perfume, Cultura de Moda e Outros Acordes (UFJF Editora, 2015).

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Formação Visual e Brasilidade: conexões possíveis a partir do Design na Leitura

Fotos: divulgação

Maíra Lacerda e Jackeline Lima Farbiarz

Capa do livro Angola Janga: uma história de Palmares, de Marcelo D’Salete, publicado pela Veneta em 2017.

O livro de literatura para crianças e jovens se caracteriza como objeto diferenciado dentro do mercado editorial por se constituir por meio da verbo-visualidade (BRAIT, 2013), posto que seus enunciados são compostos pela junção das linguagens verbais – texto e visuais – ilustrações e projeto gráfico. Segundo Peter Hunt (2010, p. 43), para quem o livro para crianças está no “auge da vanguarda da relação palavra e imagem”, grande parte da complexidade narrativa desses objetos se encontra nos elementos visuais, que – apesar do alcance universal e da identificação com o público ainda em processo de formação e alfabetização – não exigem menos do ato de ler. Considerando que é de fundamental importância para um sujeito na sociedade contemporânea, na qual diversos sistemas comunicacionais interagem e se relacionam, produzir e interpretar significados a partir das imagens que o circundam, o livro de literatura para crianças e jovens se mostra, então, como suporte estratégico. Nesses objetos, que estão ao alcance da grande maioria das crianças e jovens por meio da sua inserção nos espaços escolares, projeto gráfico e ilustração constroem a narrativa e atuam como mediadores de leitura, apresentando para 92


o leitor conceitos e metáforas visuais que, na sua

Roger Mello, designer, ilustrador e escritor, vencedor

relação com o texto, possibilitam a formação visual

do Prêmio Internacional Hans Christian Andersen

do sujeito. Isso é, o processo de educação do olhar

2014, busca em suas obras “o que há de nacional

e de significação das imagens e das representações

e regional nas histórias populares e jogou sua

gráficas, a partir da compreensão desses recursos

imaginação no que encontrou em seu país para

enquanto partes formadoras de uma linguagem, de

contar e mostrar” (YOLANDA In: MELLO, 1998, quarta

um sistema de signos que contém significado. `

capa). Em obras como Bumba meu boi bumbá (1996) e Cavalhadas de Pirenópolis (1998), Roger

Identificado com o “primeiro museu da criança”

Mello traz os festejos para as páginas de papel,

por Nilma Lacerda e Volnei Canônica, o livro

permitindo que brasileiros se reconheçam e se

de literatura permite o contato com projetos

descubram entre versos e ilustrações. São cores,

estéticos que preparam a percepção infantil para

formas e palavras que transpõem para o objeto-livro

a construção de significados a partir de uma

toda uma tradição folclórica brasileira; que contam

iconografia nacional e universal que possibilita o

e mostram diferentes “brasis”.

desenvolvimento da identidade e da alteridade. Ao pensarmos, então, na construção de uma

Na história em quadrinho do autor e artista gráfico

“brasilidade”, na percepção pelo sujeito de algo

Marcelo D’Salete, Angola Janga: uma história de

que qualifica e individualiza o que é ser brasileiro

Palmares (2017), encontramos narrativa verbo-

dentro de toda a diversidade que permeia e

visual que apresenta parte da história brasileira.

constitui nossa cultura, os livros de literatura para

Com estética forte e impactante, são retratados o

crianças e jovens se destacam novamente.

sofrimento e a luta da população negra durante o período da escravidão no Brasil. A partir do

Nesse contexto, surge o conceito de Design

enfrentamento da violência contida nas imagens

na Leitura (FARBIARZ, 2006), que oferece nova

desses livros e no nosso passado, o leitor conecta

possibilidade metodológica para sustentação

tempo e espaço, reconhece o presente ao

de análises no âmbito do Design da Informação.

identificar as raízes do preconceito racial e das

Enquanto o Design do livro se refere unicamente

desigualdades sociais que afligem nosso cotidiano.

ao projeto do objeto-livro em si, o Design na Leitura, em ampliação à ideia anterior, é a concepção

Em movimento similar, o designer Gustavo Piqueira

de um projeto para a mediação do ato de ler.

apresenta Clichês brasileiros (2013), narrativa

Podendo ser definido como um projeto político

exclusivamente visual na qual as imagens,

multimodal, o Design na Leitura se refere a um projeto

compostas a partir do catálogo de clichês

interdisciplinar com vistas à fruição do futuro leitor,

tipográficos brasileiros do início do século XX,

pensado como ser social e dinâmico participante de

recontam nossa história e exploram os “clichês”

um cenário de políticas públicas de leitura, visando

nacionais em uma narrativa que provoca o leitor

ao seu diálogo com o objeto-livro e todas as pessoas

a pensar criticamente sobre a catequização

participantes de sua produção (LACERDA; FARBIARZ;

dos indígenas, a escravidão e também sobre

OLIVEIRA, 2013, p. 166).

a sociedade contemporânea, em um mundo soterrado por carros e cercado por grades.

Temos, na produção editorial brasileira para crianças e jovens, alguns exemplos que se

Entre folclore e história, e ainda entre tantas outras

destacam enquanto projetos que vão ao encontro

possibilidades narrativas – como o encontro

do conceito de Design na Leitura e que permitem

fantástico entre Lampião e Lancelote, o lamento

uma formação visual referente à brasilidade.

do Rio Doce e o cotidiano de um menino entre

Seja em livros que tratam de tradições culturais,

os semáforos da cidade grande –, o livro de

personagens históricos ou eventos de nosso

literatura possibilita a crianças e jovens o contato

cotidiano nacional, leitores se deparam com

com a própria subjetividade e brasilidade, além

projetos estéticos que incluem literatura, projeto

de diferentes realidades e culturas; por meio da

gráfico e ilustração como possibilidades de

experiência literária, o leitor encontra perspectivas

interpretação para o que é ser brasileiro.

diversificadas que o ajudam a nortear a própria vida e projetar o futuro.

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Página 16 da obra Angola Janga: uma história de Palmares, de Marcelo D’Salete.

Capa do livro Angola Janga: uma história de Palmares, de Marcelo D’Salete, publicado pela Veneta em 2017.

Constata-se, portanto, a relevância do processo de formação do leitor; e defendemos que tão importante quanto a formação do sujeito na cultura letrada é a formação visual, que irá possibilitar a produção de sentidos e o desenvolvimento da identidade na verbovisualidade. Por meio das ilustrações e das relações que estabelecem com os textos que acompanham e/ou com os objetos-livro que as contêm, as crianças e os jovens constroem sentidos para as narrativas que leem e para o mundo que os circunda. Considerando, como Salisbury, que “(...) muitas vezes, as imagens dos livros são a primeira ferramenta de uma criança para dar sentido a um mundo que ainda está começando a conhecer”, concordamos quando o autor fala sobre a “grande responsabilidade de um criador de imagens” (SALISBURY, 2014, p. 6. Tradução nossa). Ao propor o conceito de Design na Leitura e pensarmos um projeto de formação visual, acreditamos estar possibilitando a formação de sujeitos potentes na significação da verbo-visualidade, alcançando a condição de indivíduos críticos e agentes de mudanças dos sistemas ideológicos sociais que os circundam, capazes de projetar novas e efetivas formas de intervenção na sociedade.

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Referências: 1: BRAIT, Beth. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso, v. 8 (2), p. 43-66, 2013. 2: CUNHA, Leo; NEVES, André. Um dia, um rio. São Paulo: Editora Pulo do Gato, 2016. 3: D’SALETE, Marcelo. Angola Janga: uma história de Palmares. São Paulo: Veneta, 2017. 4: FARBIARZ, Jackeline Lima. Design na leitura: um dos percursos do Núcleo de Estudos do Design do Livro da PUC-Rio. [2006] Disponível em: http://www.dad.puc-rio.br/nel/artigos/06-farbiarz-livro.pdf. Acesso em: 09 agosto 2010. 5: HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Tradução Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2010. 6: LACERDA, Maíra Gonçalves; FARBIARZ, Jackeline Lima; OLIVEIRA, Izabel Maria de. Design na leitura: uma possibilidade de mediação entre o jovem e a leitura literária. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Design) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 7: LAGO, Angela. Cena de Rua. Belo Horizonte: RHJ, 1994. 8: MELLO , Roger. Bumba meu boi bumbá. 4a edição. São Paulo: Global Editora, 2018. _______. Cavalhadas de Pirenópolis. São Paulo: Global Editora, 2018. 9: PIQUEIRA, Gustavo. Clichês brasileiros. São Paulo: Ateliê Editorial, 2013. 10: RODA DE PROSA COM VOLNEI CANÔNICA. Mediação Nilma Lacerda e Maíra Lacerda. 2017. Niterói: Universidade Federal Fluminense. (Notas da autora) 11: SALISBURY, Martin. Ilustración de libros infantiles: cómo crear imágenes para su publicación. 4 ed. Traducción Jofre Homedes. Barcelona: Editora Acanto, 2014. VILELA, Fernando. Lampião e Lancelote. Rio de Janeiro: Pequena Zahar, 2016.

Autoras: Maíra Lacerda Doutora em Design pela PUC-Rio. Tese selecionada no 32º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira (2018). Atua como formadora em cursos oferecidos pela FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, e no projeto Leitores Sem Fronteiras/ ICE. Pesquisadora do Laboratório Linguagem, Interação e Construção de Sentidos/Design, da PUC-Rio, onde supervisiona o eixo temático Design da informação: sistemas e objetos de informação e comunicação com foco no design editorial. Jackeline Lima Farbiarz Doutora em Educação e Linguagem pela Universidade de São Paulo. Mestre em Letras pela PUC-Rio. Diretora do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio. Coordenadora do Laboratório Linguagem, Interação e Construção de Sentidos/ Design. Atua na interface Design e Educação com interesse especial em Design Inclusivo, Design Editorial, Design de experiências em ensino-aprendizagem com foco em espaços e tecnologias inovadoras.

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Cerâmica: uma tradição nacional

Denise Saboia cria peças de decoração feitas à mão em seu ateliê em Fortaleza, Ceará.

por Ana Cláudia Ulhôa Casa com tijolos de adobe, pisos de ladrilhos coloridos, filtros e vasos de barro, xícaras e pratos de porcelana. Observando rapidamente é possível encontrar todos esses itens em diversos lares espalhados pelo Brasil. De norte a sul, a cerâmica faz parte do cotidiano dos brasileiros desde antes do achamento do país pelos portugueses. Segundo o projeto Arte & Artesanato da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a técnica de utilizar argila para moldar peças, que posteriormente são queimadas, já era utilizada pelos índios ainda na era pré-colombiana. Os portugueses teriam contribuído para o aprimoramento do processo, com a instalação de tornos e fornos em colégios, engenhos e fazendas jesuíticas. Durante todos esses anos de utilização da cerâmica no Brasil, as técnicas, materiais e objetos criados se desenvolveram e geraram uma infinidade de possiblidades. Atualmente, artistas pesquisa e até mesmo instrumentos musicais feitos a partir da cerâmica. Alguns trabalhos que têm merecido destaque no cenário nacional são os do mineiro Máximo Soalheiro, da capixaba Heloísa Galvão e da carioca radicada no Ceará, Denise Saboia. 96

Fotos: divulgação

se dedicam a trazer à luz não só utensílios para casa, mas também esculturas, projetos de


Máximo Soalheiro Máximo Soalheiro nasceu em Sardoá, Minas

a realizar projetos que extrapolavam a ideia

Gerais, e se mudou para a capital mineira

da cerâmica para a utilização doméstica.

aos 12 anos. Sua paixão pela cerâmica

Apropriando-se de impressoras velhas e tipos

surgiu quando ele ainda tinha entre 17 e 18

móveis de madeira e metal, ele aprendeu

anos e estava se perguntando que profissão

a trabalhar com tipografia e realizou uma

seguir. Nessa época, o jovem realizou uma

exposição em que usava a cerâmica como

inscrição no vestibular de música da UFMG,

suporte para a escrita.

mas mudou de ideia quando visitou um tio em Betim, na Região Metropolitana de Belo

As tonalidades desenvolvidas por ele ao

Horizonte. No local, funcionavam diversas

longo dos anos também viraram obra

olarias e Máximo se encantou pelo cenário

de arte. Máximo Soalheiro montou uma

repleto de fornos, fogos e tons de laranja.

instalação fixa, na sede do Google da capital mineira, com mais de 2 mil potes

A partir daí, ele se dedicou a aprender as

de cores minerais, que ficam expostos em

técnicas básicas da terracota, uma argila

uma parede. Seu projeto mais recente

simples cozida no forno sem passar por

foi o que levou oito músicos ao palco do

processo de vitrificação. Ao todo, foram

Grande Teatro do Palácio das Artes para

quatro anos de aprendizado até o ceramista

executar obras de artistas como Bobby

decidir abrir seu próprio ateliê e fabricar,

McFerrin, Björk, Hermeto Pascoal e Caetano

inicialmente, utensílios para casa. Ainda não

Veloso, utilizando cilindros de cerâmica com

satisfeito, Máximo iniciou uma pesquisa, entre

tamanhos e larguras diversificados.

1978 e 1984, com o objetivo de aprender mais sobre os minerais que compõem a

Apesar de não buscar um traço regional

argila, o efeito do fogo nesses materiais e os

para sua cerâmica, Máximo explica que

diferentes tipos de pigmentação natural.

Minas Gerais foi fundamental para seu trabalho. “Estamos em BH, que fica dentro

“Tive que estudar de mineralogia, geologia

do quadrilátero ferrífero, onde há uma

a engenharia de materiais. Na verdade, é

incidência de ferro e minerais associados. No

um trabalho de uma base muito técnica.

Norte, por exemplo, temos uma formação

Quando a cerâmica é exposta a uma

geológica muito diferente do que temos

temperatura e a uma composição do ar,

aqui. Ou seja, Minas é uma província

isso muda fundamentalmente o material e

mineralógica muito extensa e seria impossível

as cores. Então, durante essa pesquisa, reuni

ter essas cores e essa pegada em outro

mais de 2.500 corpos de provas”, conta

lugar”, destaca.

Máximo Soalheiro. Após esse trabalho, o ceramista criou uma linha de produtos com formas simples e um colorido suave, que lembra algo que veio

Máximo Soalheiro

da terra, e dão uma característica única para suas obras. Máximo também começou 97


Na exposição Tipografia e Cerâmica, Máximo Soalheiro reuniu suas duas paixões em um mesmo espaço.

O projeto Mineral reuniu músicos e peças de cerâmica para criar um concerto no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, Minas Gerais.

A instalação realizada por Máximo na sede do Google em Belo Horizonte, Minas Gerais, contou com cerca de 2 mil potes com cores minerais desenvolvidas por ele.

Fotos: divulgação

Além das peças de cerâmica, Máximo Soalheiro também cria projetos tipográficos que foram apresentados na exposição Tipografia e Cerâmica.

Heloísa Galvão Nascida e criada no município de Castelo, no Espírito Santo, Heloísa Galvão também acredita que suas origens influenciaram diretamente suas obras. “Acho que essa coisa de ter morado em um sítio, cercado de montanhas, tem uma presença muito forte em meu trabalho. Tive contato profundo com a natureza até os 17 anos, então, não é à toa que fui buscar uma matéria que é terra e pigmentos que são minerais”, afirma. De acordo com Heloísa, a carreira começou quando se mudou para Vitória, com o objetivo de cursar Artes Plásticas na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). No início, ela se dedicou ao estudo de técnicas antigas de fotografia, como cianotipia, van dyke e albumem. A jovem só percebeu que seu caminho seria a cerâmica quando experimentou usar esse material como suporte para a impressão de suas imagens. Mesmo não alcançando os resultados esperados, Heloísa não teve dúvidas de que iria continuar trabalhando com a cerâmica pelo resto de sua vida. Ela conta que a liberdade de criação que

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A série Moles tem suas formas criadas pelo próprio peso da peça, que é retirada da forma antes de terminar de secar.

esse material proporciona conquistou seu coração. “Para mim, a cerâmica tem o que procurava lá no começo da minha pesquisa, que era uma coisa de encontrar uma matéria que me trouxesse essas possibilidades de construção. Você dá a forma do que quiser, imagina uma coisa e consegue construir”, recorda. Após se formar, a ceramista abriu um estúdio em Vila Velha, onde realizou seus primeiros trabalhos e permaneceu por setes anos. Para se especializar nessa técnica, Heloísa Galvão realizou um mestrado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e frequentou o estúdio de cerâmica de Harvard, em Boston, Estados Unidos, por um ano. Hoje, ela vive em São Paulo, desenvolvendo peças feitas em porcelana líquida. Heloísa esclarece que dentro todas as variedades de cerâmica, essa é a que possui mais fluidez e leveza, características que estão sempre presentes em suas obras. Como é o caso de um

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Fotos: divulgação A série Sólidos tem como objetivo brincar com a forma pesada das pedras e a leveza da porcelana líquida.

A série Prismas surgiu do interesse de Heloísa Galvão pelas formas dos minerais.

Denise Saboia desenvolve trabalhos com diversas utilizações. Através de um processo artesanal da cerâmica, a artistas cria utensílios de cozinha, vasos e peças de decoração.

Denise Saboia de seus primeiros trabalhos, uma instalação de asas de

Já Denise Saboia encontra seu impulso criativo em

anjos com três metros de altura na capela do Morumbi.

coisas bastante diversas, muitas delas presentes em seu cotidiano. “Minhas inspirações são as mais variadas

Outros projetos de destaque da ceramista são a

possíveis. Às vezes você está em um lugar e vê alguém

série Líquida, que consiste em vasos bem finos que

vestido com uma estampa que te dá ideias de formas.

trazem gotas em suas bordas; a série Lagos, em que

Ou pode trabalhar dependendo de uma necessidade,

pratos ainda molhados são colocados para repousar

como quando meu pai teve AVC e eu desenvolvi uma

e adquirem a forma dada pelo próprio peso do

xícara que ele podia segurar com todos os dedos e não

objeto. Todos criados de forma bastante intuitiva,

se queimar”, diz.

como comenta Heloísa. “Busco inspiração em meu próprio processo interno e, normalmente, uma série vai

Denise explica que seu objetivo como ceramista é criar

resultando da outra”, esclarece.

obras que sejam universais. Segundo ela, isso tem muito a ver com o fato dela ter nascido no Rio de Janeiro, ter se mudado para a Paraíba na adolescência e, depois de casada, para o Ceará. Além disso, Denise Saboia costuma ir para exterior visitar os filhos e vender suas

Heloísa Galvão

peças. “Me considero uma pessoa do mundo. Devido às minhas vivências, tenho uma coletânea de informações, e meu trabalho mostra isso”.

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Porém, a ceramista chegou a desenvolver

espaço, assim como no Sebrae, Escola de

trabalhos com temáticas regionais, como em

Artes e Ofícios e Instituto Dragão no Mar.

um projeto no qual ela imprimiu rendas típicas do Nordeste em objetos de cerâmica. Essa

Segundo ela, a cerâmica é instigante porque

influência começou quando Denise se mudou,

dá asas para a imaginação e sempre traz

aos 15 anos, para João Pessoa, na Paraíba.

algo de inesperado. “Com a argila você

Lá, seu pai lhe conseguiu aulas com Francisco

pode criar quase tudo, peças utilitárias,

Brennand, um renomado ceramista de

decorativas, escultura. Além disso, é sempre

Pernambuco. No entanto, alguns anos depois,

uma surpresa, porque nessa arte do fogo

ela retornou ao Rio de Janeiro para estudar

nada é previsível. Sempre tem o resultado

Belas Artes, em diversos cursos, como no do

da reação do fogo através da química, dos

Parque Lage.

esmaltes, da argila. Então é uma área que empolga muito”, conclui.

Mas a ceramista não demorou a voltar para o nordeste. Depois de se casar com um cearense, Denise decidiu se firmar em Fortaleza, onde se encontra até hoje. Há

Denise Saboia

22 anos, fundou o seu ateliê e começou a desenvolver utensílios e objetos decorativos. Denise Saboia também dá aulas em seu 101


Desenhando o sertão de Canudos O game Árida é uma imersão nas cores, histórias e personagens que constroem e desconstroem o sertão nordestino Por Pâmilla Vilas Boas

Cícera vive uma jornada de sobrevivência e aventura no sertão brasileiro do século XIX. Com força, fé e sabedoria ela explora as regiões atingidas pela seca que se expressam em múltiplas cores e experiências repletas de magia. O Game Árida (gênero Aventura), produzido pela Aoca Game Lab de Salvador, conta a história de Cícera, uma garota que vive uma jornada de descoberta no sertão. Viver no sertão exige uma ciência própria, já que a fauna e a flora são únicas e os mais velhos da vila guardam os segredos para conseguir água e comida. É com um facão e enxada que o jogador pode conseguir água, abrir caminhos ou cortar um pé de milho. Vai que um dia você precise cruzar o sertão... A Aoca Game Lab é um pequeno estúdio aberto em 2016 e conta com um time de 7 profissionais. Desde então, eles têm focado no desenvolvimento de Árida, o primeiro jogo da empresa, lançado no dia 15 de agosto de 2019 na plataforma Steam. Árida é uma franquia de uma sequência de jogos. da Bahia e a sequência conta com o apoio da Ancine e deve ser lançada até meados de 2020. O historiador baiano Filipe Pereira, game designer e professor da primeira graduação tecnológica em Jogos Digitais da Bahia, explica que a sequência de jogos irá seguir o mesmo universo com elementos distintos de jogabilidade. “Ainda estamos trabalhando no pós lançamento desse primeiro jogo. Lançamos só para windows. Agora serão as versões para Mac e Linox. O certo que é Árida continua e isso você pode escrever”, comemora. O processo de construção de Árida foi colaborativo, envolvendo pesquisas bibliográficas e trabalhos de

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Imagens: divulgação

Este primeiro foi financiado pela Secretaria de Cultura


campo. O time ficou duas semanas in loco em Canudos e Canudos Velho, na Bahia, o que foi fundamental, sobretudo, para a consolidação do design do game. “Foi o ponto de virada do projeto. Tivemos a oportunidade de consolidar coisas da pesquisa bibliográfica e imagética e também de desconstruir muitas outras. O calor do lugar muda tudo. É muito diferente ver fotos e estar lá”, ressalta. Qual a experiência de se caminhar sozinho pelo sertão? Filipe explica que esse foi o mote inicial do design do game. “Andamos por horas sem destino, o que trouxe muitos elementos para o design, desde referência

A principal preocupação dos designers da Aoca no processo de desenvolvimento do game Árida, foi com a humanização dos personagens e a desconstrução do sertão como um local inóspito e cinza.

para a construção do espaço até elementos que incorporamos ao jogo. A presença do bode é um elemento cultural muito forte. Fomos para lugares muito distantes e, do nada, apareciam uns 15 bodes para cima da gente e do nada eles seguiam seu caminho. Tem também essa relação da afetividade que é um traço bem nordestino. Onde chegávamos sempre havia leite de cabra pra tomar, um café e isso não tem como não ser influência e não entrar no jogo” revela. O game é completamente não violento e a mecânica é mais de exploração e colaboração. Apesar do jogo ser jogado sozinho e não coletivamente, a colaboração é algo muito importante em sua concepção, além da oralidade, dos diálogos e do processo de contar

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histórias. “Trabalhamos com elementos de design

da interação com o usuário, mas é quem faz essa

não muito usuais no universo dos games, desde a

projeção”, aponta.

construção do universo ficcional até a concepção os personagens”, completa.

O que é design de jogos?

O designer de jogos geralmente atua em duas áreas: com as escolhas das mecânicas que vão estar no jogo, que tem a ver com a criação mais sistêmica e a parte mais narrativa, que flerta com

É ilustração dos personagens? É programação?

a área de roteiro. “Você pode ter desenvolvido

Usabilidade? Em linhas gerais, Filipe define o

programação e arte muito bons, mas se o game

trabalho do game designer como aquele que

design não for bom, o game terá mais chances de

tem a responsabilidade de criar os parâmetros da

falhar. Às vezes, você tem técnicos não tão boas

experiência, permitindo que os demais profissionais

assim e, se o game designer for bem estruturado,

atuem no projeto. Fazendo uma analogia,

vai ter algo de diferente. Até porque a equipe toda

seria como na construção civil. É como se o

está pensando em design durante o processo.

programador fosse o engenheiro, o artista fosse

O design está para além da parte técnica, ele

o decorador e, o game designer, o arquiteto. Ou

envolve até questões políticas. Com o design você

seja, o profissional que compreende a questão

compreende o que está tentando projetar, por que

estética, mas entende também de materiais e é

e para quem está projetando. É o pensar sobre o

capaz de criar a projeção da experiência. Filipe

fazer”, avalia.

explica que existe uma confusão conceitual sobre o que é trabalhar com design de jogos que deriva

Desconstruindo estereótipos

também sobre as múltiplas possibilidades de

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definição do trabalho de um designer como um

Um lugar cinza, inóspito, inabitado e sem vida.

todo. “Fato é que o design tem uma importância

Quando se fala do Sertão, a primeira imagem que

crucial no desenvolvimento de um game. Ele não

vem a mente é de um local que ninguém gostaria

cria a experiência em si, que é gerada a partir

de estar. Felipe explica que esse foi o primeiro


desafio do design: trazer à tona um imaginário oposto na construção estética do universo do jogo. Durante a pesquisa in loco, de acordo com o game designer, foi possível perceber que, mesmo em períodos secos, o sertão tem uma multiplicidade de cores e uma diversidade estética que se torna ainda mais intensa quando chove. Do ponto de vista dos personagens, a principal preocupação foi com a humanização, diferentemente do que acontece nos jogos quando as mulheres são protagonistas. Geralmente, elas são hipersexualizadas ou tratadas como um elemento sem importância para a narrativa. “Construímos Cícera com um perfil psicológico da forma mais complexa que conseguimos, utilizando referências das meninas da cidade”, ressalta. Já na construção dos outros personagens, a equipe pensou em vetores de temáticas que seriam importantes para traduzir a complexidade do local. Como no caso do curandeiro, em que os elementos semióticos conduzem a um olhar profundo para o personagem. Nesse sentido, o maior desafio foi alinhar essa desconstrução dos estereótipos às Imagens: divulgação

demandas do mercado. A principal preocupação dos designers da Aoca, no processo de desenvolvimento do game Árida, foi com a humanização dos personagens e a desconstrução do Sertão como um local inóspito e cinza.

“Fazer um jogo e fazer com que ele seja notado já é um desafio; fazer um jogo e fazer com que seja notado com esse elemento regional tão forte e, ao mesmo tempo, tentando

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ter referências de internacionalização, é um

Apesar das dificuldades estruturais, Filipe acredita

desafio. Estamos sempre tentando alinhar nossas

que, dificilmente, um jogo com esse perfil seria

questões mais filosóficas com as questões de

gestado em outros estados, onde a cultura não é

mercado”, revela.

algo tão visceral como na Bahia. “Sou apaixonado pela Bahia, a gente respira a cultura de uma

Filipe explica o jogo está sendo baixado na

forma muito diferente. Os problemas das redes e

Romênia, China, República Tcheca, Turquia e

estrutura do mercado fazem muita diferença e

que eles ainda não sabem os motivos dessa

aqui são minimizadas com a criação de espaços

repercussão internacional. “A forma que estamos

de formação no estado. Utilizamos isso como gás e

fazendo o jogo é convidativa para eles? Faz

entendemos a responsabilidade que temos com esse

referência a algum elemento cultural? Não sei

case para inspirar outros projetos”.

se é pela percepção do espaço em que há semelhanças, é meio tentativa e erro”, analisa.

Game fora do eixo

Como Árida parte de uma imersão na cultura do sertão, Filipe acredita que ele pode servir de referência para além do design de jogos. Apesar dos estereótipos, é muito difícil falar do nordeste como

Ao mesmo tempo em que a Internet proporciona

algo unificado. “Existem traços e identificação, mas

novos mecanismos de distribuição, ainda existe

não me sinto confortável em tratar o Árida como

uma desproporção com relação ao acesso a

um jogo nordestino, ainda que ele trabalhe com

investimentos e oportunidades concentrada nos

temáticas e referências do nordeste. Não acho

grandes centros. Para a Aoca é um desafio atuar

que os jogos brasileiros devam trabalhar com esses

num mercado não consolidado e com poucas

estereótipos, precisamos buscar uma forma brasileira

iniciativas semelhantes. “Tentamos quebrar essas

de se fazer jogos, se é que isso é possível, porque são

barreiras conversando com gente do Brasil inteiro.

muitos brasis. Me incomoda muito ver gente tentando

Essa é uma área muito pautada em construção de

se espelhar em outros centros enquanto temos uma

redes”, explica Filipe.

riqueza absurda”, completa.

Equipe Aoca Game Lab

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