Expediente: Editor
2015, considerado pela UNESCO como o Ano Internacional da Luz!
Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa
O objetivo desta iniciativa é destacar a importância da luz e de todas as tecnologias a sua volta, importantes na vida dos cidadãos, bem como para num futuro, que esperamos seja próximo, a melhoria do desenvolvimento das sociedades de todo o mundo, no que tange à luz, sua utilização ou a falta dela. Essa é uma oportunidade ímpar para nos inspirar, educar e motivar a uma união em escala mundial.
Pâmilla Vilas Boas Projeto gráfico e coordenação gráfica
A décima primeira edição da Revista iDeia Design aproveita este “marco” para refletir um pouco a cerca do tema, seja tratando da luz natural ou artificial.
Cláudio Valentin Capa e contra-capa: Cirque du Soleil / Norman Jean Roy A Revista iDeia é uma publicação da Editora PlexuDesign,
Buscamos proporcionar um panorama amplo, mas com recortes bem direcionados. Trouxemos para nossa matéria de capa a ideia da luz como elemento de sustentação para um dos maiores espetáculos mundiais, O Circu du Soleil , que utiliza com maestria a luz artificial para envolver e encantar milhões de admiradores por onde passa.
patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas afins ao design e formadores de opinião. Contato: contato@revistaideia.com Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem
Abordamos a importância da utilização correta da luz natural nos espaços residenciais e corporativos, sobre as alterações que o regionalismo e suas culturas tem sobre os resultados da iluminação artificial. Nossa edição está recheada de convidados ilustres, todos especialistas em suas respectivas áreas, nos ofertando um pouco do seu conhecimento. Afinal, não podemos deixar de pensar que, segundo a grande maioria de filósofos contemporâneos “o conhecimento” é a mola mestre do século XXI.
a opinião da revista.
Outra novidade para essa edição são pequenas evoluções que fizemos na estrutura estética da revista, tanto no que diz respeito à sua edição, alterando alguns elementos gráficos, bem como sua estrutura física, quando aumentamos a gramatura das páginas, tudo isso para lhe proporcionar mais prazer em seu tour pela revista. Não poderíamos deixar de citar na seção Ícones, nossa homenagem a Peter Gasper, mais conhecido como o “mago da luz”, que nos deixou ano passado aos 73 anos de idade e foi um dos pioneiros na arte da iluminação no Brasil. Muita luz para todos nós! Camilo Belchior
ARTIGOS
Márcia Chamixaes Graduada em 1988 em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco, tem pós graduação em Projetos Luminotécnicos, Construção Sustentável, Gestão de Obras e Projetos e Gestão da Qualidade e da Produtividade. Foi sócia daVia Arquitetura Iluminação entre 1994 e 2014 , sendo co-responsável pela criação, desenvolvimento e implantação de projetos de iluminação e arquitetura. Atualmente, desempenha a função de Gerente Geral do Patrimônio Cultural no governo de Pernambuco, é vice presidente do Instituto de Arquitetos, IAB-PE e delegada, por Pernambuco, no Conselho Nacional de Políticas Culturais, CNPC do Ministério da Cultura. Membro da Câmara de Arquitetura e Turismo da União Internacional de Arquitetos -UIA.
Roberta Vieira Arquiteta com doutorado em Engenharia Civil na área de conforto ambiental. Professora da Escola de Arquitetura da UFMG, é coordenadora do Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável. Membro da Secretaria Técnica do PROCEL Edifica na equipe de implementação dos Regulamentos de Eficiência Energética em Edificações. Revisora da Revista Ambiente Construído. Membro da Comissão Internacional de Iluminação, CIEbr/ INMETRO. Consultora em Iluminação Natural e Eficiência Energética em Edificações para aplicação de Etiquetagem PROCEL Edifica e na avaliação de atendimento a critérios LEED.
Foto: divulgação Theo Jansen
Arquiolhar
Ana Lúcia Rodarte
Um diálogo entre a arquitetura e a fotografia por Ana Cláudia Ulhôa
Ao entrar na casa de Ana Lúcia Rodarte não é difícil perceber a paixão que a arquiteta possui pela fotografia. Ao lado da porta de entrada, na sala de estar, sala de jantar e até mesmo no lavabo é possível encontrar várias fotos feitas por nomes consagrados e por ela mesma. Um exemplo do trabalho de Ana é uma imagem de formas geométricas que lembram uma escama de peixe em tons de cinza, azul claro, branco e preto. O quadro, pronto para ser pendurado na parede do apartamento, parece uma pintura abstrata, mas, na verdade, é uma foto impressa em fine art de um prédio em Milão, Itália. Desde muito nova, a arquiteta possuía o hábito de fotografar tudo o que via pela frente. Após começar a trabalhar como decoradora, também revelou uma preferência pela fotografia, ao escolher obras de arte para serem usadas como objetos de decoração. “Eu sempre tive uma relação muito forte com essa área. Gostava de tirar foto das pessoas, das viagens que fazia e, quando ia procurar alguma peça para meus clientes, acabava tendendo para a fotografia”, afirma.
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ARQUIOLHAR | Ana Lúcia Rodarte
Capela do Palace Hotel, em Tokyo. Foto: Ana Lúcia Rodarte
Rodarte conta que seus companheiros de viagem sempre precisaram ter muita paciência, pois ela adora gastar horas fotografando cada lugar por onde passa. Porém, ao retornar para casa, mesmo os que não gostavam de esperar pela arquiteta pediam para ver o resultado dos seus cliques. “Na verdade, eu tirava foto de tudo, porque era uma forma não só de guardar o que tinha visto, mas também de passar aquilo para as pessoas. Quem viajava comigo sempre queria ver minhas fotos e todo mundo elogiava, dizendo que minhas imagens eram as mais bonitas”.
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ARQUIOLHAR | Ana Lúcia Rodarte
Templo no Nepal.
Na Índia, Ana Lúcia Rodarte preferiu captar a imagem das pessoas que encontrava na rua.
Foram justamente os elogios de pessoas próximas que encorajaram Ana Lúcia a investir na arte de fotografar. “Estava fazendo uma Casa Cor quando um amigo me falou: Ana, se eu fosse você, colocava suas fotos. Então, meu caminho começou por aí. Fiz algumas fotografias que ficavam no piso, encostadas na parede, e todo mundo que chegava já elogiava”. Dois anos depois, Rodarte realizou uma série de fotos para a Casa Cor que homenageou Oscar Niemeyer. Para compor o ambiente, que seria o escritório do arquiteto, Ana saiu a campo e clicou detalhes de todas as obras de Niemeyer que existem em Belo Horizonte. O resultado foi uma surpresa. “Quando as pessoas chegavam lá, só viam as fotografias. Meu 6
ARQUIOLHAR | Ana Lúcia Rodarte
trabalho como designer de interiores ficou em segundo plano. As pessoas falavam: Nossa! Que lindas as fotos, de quem são? E, em resposta, dizia: São minhas! E todos diziam: Não acredito. Você tem que levar isso mais a sério. Inclusive, apareceu uma galerista de Vitória, Espírito Santo, que se interessou em comprar todas as obras e vendi uma grande parte”, conta, entusiasmada. Após tanto incentivo, Ana Lúcia passou a investir em equipamentos e aulas de fotografia. E, hoje, tem sempre por perto sua Nikon ou uma Sony compacta.
Fotos: Ana Lúcia Rodarte
Arquitetura de Katmandu, Nepal.
Grande parte de suas fotos são de viagens que realiza pelo mundo. Até agora, Ana já clicou cidades dos EUA, Itália, Inglaterra, Japão, Índia, Nepal, Tibet, Butão 7
ARQUIOLHAR | Ana Lúcia Rodarte
e Turquia. O tema recorrente nas mais de mil fotos que ela faz por viagem é a arquitetura. Janelas, revestimentos, pedaços de fachadas são captados em enquadramentos e ângulos pouco tradicionais, que dão um ar cubista ou até abstrato a suas obras. “Minha fotografia é muito autoral e tem uma pegada muito forte para arquitetura. Pego um detalhe de um prédio e transformo aquilo em uma coisa geométrica. Acho que as duas áreas são muito encadeadas uma à outra. Minha profissão e a fotografia são o senso da estética, do olhar, das formas”, analisa. No entanto, Rodarte também possui trabalhos em que o objeto retratado é o ser humano. Em suas passagens pelo Oriente, Ana percebeu como a expressão, a maneira de se vestir e os rituais desses povos poderiam render imagens muito mais ricas. “É outro mundo, outro universo. Lógico que, na Índia, tirei fotos lindas dos templos e do Taj Mahal, mas o que mais fazia era fotografar pessoas. Eles têm esse lado da felicidade, que só eles entendem. Você vê uma pessoa num lugar muito pobre, mas que sorri e está toda colorida
Detalhe da estrutura do Hotel Hyatt Capital Gate, em Abu Dhabi.
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Foto: Ana Lúcia Rodarte
ARQUIOLHAR | Ana Lúcia Rodarte
e enfeitada. Isso mexe um pouco com minha cabeça e acabo indo para um lado mais romântico da fotografia”. Mesmo tendo sua essência na arquitetura, Ana Lúcia se diz aberta a novas experiências. Afinal, o mais importante é aprimorar seu trabalho. “Agora, quero muito ir para o deserto do Atacama. Já vi fotos lindas de lá. Apesar de ser diferente do que faço, acho que é um exercício. Não penso em mudar, você tem que ter seu foco, mas tem que ter a mente aberta. É igual à profissão mesmo, você tem que saber tudo, tem que entender um pouco de cada coisa para agradar as pessoas”. Agora que está se envolvendo cada vez mais com a fotografia, Ana revela que não pretende parar nunca e que essa área já tomou um rumo profissional em sua vida. “Você entra em um caminho que não tem muito retorno, porque vai querendo se aprimorar cada vez mais. Vai vendo mais coisas, sendo mais crítica com seu trabalho e não quer guardar só para você. Quer que os outros vejam, quer ouvir a opinião das pessoas. Realmente, é uma coisa que me dá muito prazer”, finaliza.
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Perfil
Hugo Tejada
Um designer realista Hugo Tejada transforma experiências em produtos de iluminação por Pâmilla Vilas Boas
Traços orientais, efeitos de um eclipse lunar, formas femininas e os tradicionais balões zeppelin. No trabalho do designer espanhol Hugo Tejada conceitos e experiências diferentes se materializam em produtos de iluminação, que transcendem nossa relação com a realidade. “A luz que molda objetos iluminados artificialmente está sempre associada à maneira de experimentar o mundo ao nosso redor. O nascer do sol, um flash de luz penetrando através das árvores, podem ser elementos inspiradores na concepção de novos produtos de iluminação”, revela. Hugo Tejada estudou desenho industrial na Universidade CEU Cardenal Herrera de Valência e especializou-se em design automotivo. Seu interesse pelo lighting design partiu de uma casualidade. “Estava no segundo ano do mestrado dedicado ao design de automóvel, quando
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PERFIL | Hugo Tejada
Fotos: divulgação copyright – HugoTejadaStudio
“Projeto Discobolo - criado para a empresa Mantra, combina Design e Arte com tecnologia LED”
participei de um concurso de uma empresa de iluminação, que me pediu para trabalhar em seu departamento de design. Na sequência dos trabalhos, fiquei interessado na indústria e hoje é a área em que me sinto mais confortável”. Em 2011, Hugo criou seu próprio estúdio de design em Valência, onde colabora com diversas empresas. Entre elas a brasileira Mantra, especializada em iluminação decorativa e técnica, para a qual o designer criou a coleção Hemisféric, definida por ele como minimalista e atemporal. Produzida em alumínio e acrílico de alta qualidade com tecnologia de LED, o produto traz o efeito mágico da iluminação em edifícios para uma luminária funcional e, ao mesmo tempo, expressiva. O designer explica que ideia não era criar um produto da moda, mas algo eterno, que não estivesse associado a um estilo ou movimento artístico.
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PERFIL | Hugo Tejada
“Realizei muitos projetos importantes, mas por enquanto estou esperando um para me superar. Todo projeto é único. Gosto de deixar minha identidade naquilo que faço. Vivo em um mundo criativo,” ressalta. Hugo é um designer versátil - atua na área de produto, gráfico e comunicação. Já desenvolveu peças para as principais empresas de design da Espanha, como Fambuena, Vigar, Anperbar, Alfombras Veo-VEo, Ole by FM, Systemtronic, Almerich, dentre outras, além de ter projetado automóveis para a Nissan, Mclaren e Quiksilver. “Quero começar a desenvolver projetos de decoração, mas ainda é um assunto pendente”, revela.
Objetos com alma O volume é capaz de revelar uma ideia, um sentimento e uma expressão forte com o mínimo de recursos possíveis. A coleção IAARA foi inspirada na feminilidade, um exercício de capturar as curvas femininas. A coleção foi criada para a empresa Fambuena em 2013, e se destaca por seu efeito de iluminação. O exercício, como relata o designer, foi focar no movimento,
Em 2011, Hugo Tejada funda seu próprio estúdio que colabora com diferentes empresas nacionais e internacionais.
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a característica mais representativa do feminino no objeto. Ela foi feita de vidro opala tríplex e concebida para ambientes de decoração, instalações e casas. Hugo explica que seu trabalho vai do primeiro esboço até o produto final. “Meu processo criativo não é metódico, nunca sento na frente do papel e penso em produtos. As ideias vão surgindo durante o dia e especialmente à noite, mas se tiver que escolher um método criativo, me concentraria na experiência, na observação e conhecimento do produto em si. Não conseguiria definir meu estilo, então o que eu posso dizer é que gosto de minimalismo e pureza da forma, sempre tendo a usar recursos limitados na criação de um conceito novo”. A observação do mundo e a análise das necessidades diárias, o influenciam diretamente na criação de novos conceitos para facilitar a relação do usuário com os objetos. “A realidade dos meus produtos é tentar criar conceitos, que são tangíveis e capazes de contar uma história, além de cumprir sua função. Sou um designer bastante realista, e tenho tomado meu papel
PERFIL | Hugo Tejada
Fotos: divulgação copyright – HugoTejadaStudio
Projeto Hemisferic – Coleção de lâmpadas minimalistas em forma de arco. Um objeto em suspenção que gera uma sensação mágica.
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PERFIL | Hugo Tejada
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Projeto Sรกhara
Projeto Hemisferic
Projeto DYKY
Projeto Tower
Projeto Pasion
Projeto Stick
PERFIL | Hugo Tejada
Projeto Banyo Table&Floor
Projeto Vintage
na sociedade, acredito que os objetos podem tornar nossa vida mais fácil ”.
Projeto Discobolo
Hugo acredita que a iluminação está vivendo um momento importante. Ele ressalta a qualidade dos produtos lançados nas principais feiras de design do mundo, que revelam conceitos atraentes numa multiplicidade de estilos e tendências. Mesmo que seja difícil definir uma tendência atual, a grande inovação, para Tejada, é a utilização da fonte de luz LED. “Todos os fabricantes do mundo estão desenvolvendo e incorporando essa tecnologia. Estamos em um bom momento, temos uma grande variedade de materiais ao nosso alcance que ajudam a traduzir nossos pensamentos mais profundos”, completa.
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Instalação Deep Screen exposta em Pequim. Foto: divulgação
Ondas do mar, sonoras ou de luz. Para Muti Randolph não importa o tipo, todas são igualmente fascinantes e importantes para seu trabalho. É através dos tubos que pega no mar de sua cidade natal, Rio de Janeiro, que o artista estimula sua criatividade para unir música e iluminação em projetos de clubes, galerias, cenários e instalações. Formado em Comunicação Visual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Muti é um dos pioneiros em arte digital, animação e ilustração 3D no Brasil. Um de seus trabalhos mais famosos é o clube D-edge, em São Paulo. Nesse projeto, Randolph produziu uma iluminação que se movimenta e troca de cor, de acordo com o ritmo da música que está sendo tocada no momento. 16
Perfil
Muti Randolph
Muti Randolph e seus espaços fluidos
por Ana Cláudia Ulhôa
Detalhe da instalação Deep Screen. Foto: divulgação
“O D-edge foi um divisor de águas em minha carreira e no design de pistas de dança. Foi quando eu comecei a abrir mão de elementos físicos estáticos, reduzindo-os ao mínimo para servir de suporte a equipamentos de luz e vídeo, que fazem a arquitetura se modificar ao longo do tempo. No caso desse projeto, dançar com a música”, explica. Muti Randolph também realizou uma instalação para a Creators Project, iniciativa de arte e tecnologia da revista Vice,* em conjunto com a Intel. A obra apresentada foi Tube, que consiste em um suporte de vídeo tridimensional, formando esculturas de luz em movimento. Essa instalação passou por Nova York, Pequim, São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Muti Randolph, seu fascínio pela luz surgiu quan-
do ainda era bem pequeno, na década de 1970. Como toda criança, o artista carioca adorava desenhar e quando ganhou seus primeiros videogames, ficou encantado com a possibilidade que ofereciam de criar formas usando apenas luz. “No jogo Surround (da Atari), tinha um modo em que em vez de lutar contra o adversário, você podia desenhar livremente com o joystick, numa resolução extremamente baixa, com pixels do tamanho de uma tecla de computador. Mas foi uma experiência marcante. A relação de Muti com a música também começou muito cedo. A mãe do artista é pianista clássica, por isso Randolph foi criado ouvindo compositores consagrados diariamente. Seus irmãos também amavam esse tipo de 17
PERFIL | Muti Randolph
Iluminação criada para o Clube D-Edge, em São Paulo. Foto: divulgação
arte e o apresentaram a diversos estilos. “A música é fundamental em minha vida e em meu trabalho. Grande parte dos meus projetos é para a música, seja uma capa de disco, pista de dança, cenário de show, performance de live visuals ou um cenário de ópera”. O desejo por juntar essas duas paixões em um trabalho criativo e dinâmico fez Muti Randolph se aprofundar ainda mais em seus estudos sobre o mundo digital. O artista realizou uma grande pesquisa para encontrar um sistema que controlasse a luz a partir da música, mas não obteve sucesso. Já que ninguém possuía a tecnologia que ele precisava para colocar seus projetos em prática, Muti resolveu criar seu próprio programa de computador. “Eu venho desenvolvendo um software para geração de conteúdo interativo há 20 anos. Quando comecei a fazer pistas de dança, procurei no mercado programas de VJ que estabelecessem uma resposta direta à música e não encontrei. Então venho desenvolvendo o meu próprio, que já passou por várias plataformas e linguagens. Atualmente, venho contando 18
com a contribuição de programadores parceiros”. Randolph revela que as dificuldades para quem trabalha nessa área vão bem além da questão tecnológica. Muitas vezes ele precisa enfrentar também o conservadorismo das pessoas que comandam o setor artístico. “Os primeiros trabalhos de arte que fiz, como a série de autorretratos interativa Manicômio Judiciário, eram aceitos e premiados em eventos de arte digital, mas não em eventos de arte. Até hoje o mundo da arte faz essa distinção. Para mim arte é arte. A ideia e o resultado são mais importantes que o meio de produção. A diferença é que a tecnologia, às vezes, permite criar experiências que um meio mais tradicional não permite”, Como para Muti Randolph inovação é uma palavra de ordem, em alguns momentos, seu processo de criação também pode ser um pouco mais complicado que o normal. “Varia de projeto para projeto. Alguns são mais solitários, outros requerem equipes. Para alguns eu fico meses procurando uma ideia, em outros a ideia
PERFIL | Muti Randolph
Trabalho de Muti Randolph para o Clube D-Edge, em São Paulo. Foto: divulgação
vem antes da própria demanda. Alguns são sofridos, outros não. Em geral, há uma grande tensão, pois gosto de fazer algo que nunca fiz e nunca foi feito, então, nem sempre tenho certeza se vai dar certo”. Ao explicar sua obra, Muti diz que sua intenção é sempre “criar espaços que se transformam com o tempo, reagindo a estímulos do próprio ambiente, como a música. Espaços imersivos que oferecem uma experiência nova e intensa, confundindo os sentidos”.
Muti Randolph, artista carioca que usa a luz para criar projetos de arquitetura fluida.
Randolph busca sempre pelo que é fluido, assim como as ondas do mar. “O tubo, que é meu principal objetivo no surf, é um espaço mágico, uma arquitetura em movimento que acontece em um curto período de tempo. A arquitetura (da cidade) tem uma natureza sólida, estática, mas tento reproduzir em meus projetos um pouco desse dinamismo, dessa energia que flui e transforma o espaço”.
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ARTIGOS | Márcia Chamixaes
Artigos
Márcia Chamixaes
Iluminação e regionalismo Em um mundo cada vez mais globalizado e trabalhando com iluminação em uma região onde a atuação do lighting designer, até bem pouco tempo, era praticamente desconhecida, tenho grande preocupação em desenvolver a profissão à luz dos conceitos e tecnologias mais atuais. Sem, contudo, me afastar das questões culturais da região onde vivo. A diversidade cultural, a paisagem e o clima local são, sem sombra de dúvida, fonte maior de minha inspiração e transformam meu trabalho em uma deliciosa tarefa diária. Para melhor compreensão do problema, é importante entender o termo regionalismo, que nada mais é que o conjunto de particularidades de uma região geográfica, decorrentes da cultura local. Podemos dizer que todas as ações que visam destacar, desenvolver e difundir as características e habilidades de uma localidade, no intuito de torná-la referência em determinado tema, são reconhecidas como ação regional. Contudo, para desenvolvê-las de forma sustentável, se faz necessário dedicação e pesquisa, para adaptar o conhecimento adquirido em outras culturas à realidade climática, de matéria prima, mão de obra e processos de produção, otimizando as atividades sem alterar sua essência. O lighting designer comprometido com essas questões desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento de uma cultura regional, que ultrapassa o conhecimento técnico e da academia. Esse profissional, certamente, estará mais habilitado a compreender e ser compreendido por todos os envolvidos na cadeia produtiva. Como um artífice, ao inserir em seus projetos características culturais e influências da região onde está inserido, transforma seu trabalho em um agente indutor, para o aumento da autoestima local e desenvolvimento econômico da região. “O Ceu de Pernambuco na Terra do Maracatu” – Exposição no Santander Cultural, Recife – PE, 2009 Foto: Marcelo Marona
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ARTIGOS | Márcia Chamixaes
Iluminar é uma arte em qualquer parte É muito importante tratar de forma prática a questão projetual no âmbito regional e por esse motivo, nas próximas linhas, gostaria de esclarecer como o clima e a paisagem da região onde vivo influenciam objetivamente na etapa de concepção de meu trabalho. Ter o privilégio de viver em uma região litorânea, onde o céu é claro e azul durante quase todo o ano, não é para todos. Logo cedo, antes de iniciar qualquer atividade, procuro apreender o máximo que posso da luminosidade que, no Nordeste do Brasil, invade os espaços e torna nosso dia muito mais alegre. Sim, somos um povo alegre. Provavelmente, a alegria faz parte do efeito terapêutico e estimulante dos feixes de luz branca, mas impregnada de ondas eletromagnéticas na frequência do azul, que penetram pelas janelas da alma, nossos olhos, percorrendo o nervo ótico até o cérebro e produzindo as mais agradáveis e estimulantes sensações. Pois é, o corpo humano é sábio e pelo simples fato de me dar ao direito de contemplar o céu, já inicio minhas atividades inspirada e agitada. É fato que esse céu tão azul influencia sobremaneira não só o ato de conceber e projetar, mas, principalmente, as solicitações e expectativas dos clientes. A maioria deles deseja ambientes noturnos claros, pois essa é a memória visual que eles retêm: dias claros. É nesse
Restaurante Frida, Recife-PE, 2007 Foto: Marcelo Marona
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ARTIGOS | Márcia Chamixaes
momento que entra em cena a profissional; usar conhecimentos técnicos adquiridos após anos de estudo e de experiência no exercício da profissão não é pecado, é regra número 1 para o sucesso do projeto. Aos poucos, você vai constatar que o cliente passa a olhar os espaços iluminados de forma mais crítica e se torna um grande aliado na implantação das ideias concebidas no projeto.
externas embutidas; o grau de segurança das áreas públicas para avaliar o nível de iluminação adequado; a logística para recepção dos equipamentos e ainda a capacitação da mão de obra local. Nessa etapa ficam bastante evidentes as diferenças regionais e não dedicar um bom tempo de pesquisa a ela pode inviabilizar a implantação do projeto.
Nem tudo que reluz é ouro
Muitos colegas acreditam que o projeto estará concluído na etapa anterior, mas uma obra não se traduz em montes de papéis. Aprendi com a experiência que o projeto só se encerra após o seu primeiro ano de funcionamento. Ou seja, só haverá a certeza do bom funcionamento se acompanharmos e avaliarmos periodicamente seu desempenho. Antes do inicio da implantação do projeto, se houver oportunidade, não deixe de fazer testes para que o cliente se sinta confiante em relação ao sucesso da implantação das ideias concebidas na fase preliminar. Fico muito feliz em transferir conhecimento em meus projetos, especialmente em minha região onde, até “ontem”, estávamos muito aquém das demais regiões do país. Proponho-me a ser uma profissional inspiradora que, para os lighting designers mais jovens, técnicos eletricistas, monta-
Passada a etapa concepção do projeto, vem o desenvolvimento dele. Dedico-me com afinco a essa fase, onde vale consultar todos os manuais internacionais e aquele CD de um curso que você fez na Conchinchina, em mil novecentos e antigamente. Entretanto, vale mais ainda ser muito crítico, pois nem tudo que reluz é ouro e nem tudo que seu cliente viu em Miami, Paris ou Nova York irá se adaptar à realidade local. Quero dizer com convicção que, nessa etapa, temos que observar todas as questões práticas para seleção dos equipamentos de iluminação do projeto, tais como: corrente elétrica de entrada local para evitar incompatibilidades futuras; a temperatura média, seja ela calor ou frio, pois o excesso deles poderá danificar o sistema concebido; o tipo de solo da região para as instalações
Ao mestre com carinho
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ARTIGOS | Mรกrcia Chamixaes
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ARTIGOS | Márcia Chamixaes
dores de exposições e outros profissionais que tão sabiamente, utilizam a luz como ferramenta de trabalho. Fazer parte da segunda geração de lighting designers no Brasil me trouxe uma grande responsabilidade: sinto-me continuamente impulsionada a compartilhar experiências. É gratificante ter uma relação de cooperação com meus pares; uma relação sempre ascendente de aprendizado. Foi assim que construí minha trajetória, sob o olhar amigo do mestre Peter Gasper e é assim que pretendo continuar na profissão.
O nosso ofício é iluminar Agora que vocês já conhecem parte do meu processo criativo e também já se localizaram na região fonte da minha inspiração, é hora de exemplificar porque as características peculiares de um trabalho regional não o impedem de ser global. Foram muitos trabalhos em alguns anos de atuação como lighting designer. Selecionei aqueles que remetem com mais clareza os conceitos de regional, porém global.
O céu de Pernambuco na Terra do Maracatu - Cafi Conheci o fotógrafo Carlos da Silva Assunção Filho, o Cafi, em situação inusitada. Era uma sexta feira de Carnaval e fui convocada, pela produção do Santander Cultural, para conceber e implantar a iluminação do renomado fotógrafo pernambucano que, pela primeira vez, desde sua saída de sua terra natal, voltava para expor fotos coletadas na adolescência em viagens de férias pelo interior de Pernambuco. A força da arte de Cafi seria valorizada pelo projeto expográfico da jo-
vem e talentosa arquiteta Carla Juaçaba. Senti-me não só lisonjeada, mas também motivada com o convite. Tão motivada que até esqueci onde se localizava o tal centro cultural: no epicentro da cidade, no marco zero do Recife. Ali, onde ocorre a abertura do Carnaval na sexta-feira que antecede ao sábado de Zé Pereira - pela batuta do mestre pernambucano, Naná de Vasconcelos, - anualmente grupos de maracatus tradicionais tocam seus tambores para saudar o Carnaval. Naquele dia, foi um Deus nos acuda para chegar lá, mas, na hora do angelus, entrei esbaforida para encontrar o Cafi contemplando o teto, deitado no chão da sala expositiva. O encontro foi uma agradável surpresa. Conversei com o artista e com a arquiteta sobre o conceito da exposição. Lá fora começaram a tocar os tambores e minha mente logo entrou em ebulição levando para bem longe no tempo meus pensamentos. Zona da mata de Pernambuco, onde se encontram os mais tradicionais maracatus. Anos 70, lembrei-me dos passeios em família no banco traseiro do fusca do meu pai. Viajando nas estradas de barro das usinas de açúcar, contemplando os canaviais, o que mais me impressionava naquele tempo era o fogo das queimadas e a cor alaranjada do céu de Pernambuco. A partir dessa memória afetiva, concebi, num piscar de olhos, a iluminação da exposição. Apesar de a exposição ter ocorrido em solo pernambucano, poderia estar levando a força de nossa cultura para qualquer outra parte do mundo. Corrijam-me se estiver equivocada.
Casa Grande Engenho Massangana Fotos: Alexandre Albuquerque
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ARTIGOS | Márcia Chamixaes
Pés para que os quero se tenho asas para voar - Frida Kahlo O México sempre foi uma paixão, desde a adolescência. Talvez porque tenha sido minha primeira viagem internacional. Naquela altura, mesmo com tão pouca idade, o país me impressionou por sua cultura. Na primeira visita não tinha a menor ideia de quem era Frida Kahlo, nem Diego Rivera, entretanto o astro Rei, o sol do México, nunca mais saiu da minha memória. Em 2007 veio a oportunidade de checar essa memória, quando recebi o convite da arquiteta Luíza Nogueira para participar da equipe de projeto para o Restaurante Frida. Foi uma delícia estudar a história da mulher ímpar que foi Frida Kahlo; artista de primeira grandeza. Pensando na energia criativa de Frida, na alegria do seu povo retratada nas cores fortes de sua pintura e no sol do México, concebi uma luminária especial para o salão principal desse projeto. Simples como a natureza da região, mas de efeito sofisticado como os antepassados do povo mexicano, que dominavam, como nenhum outro, as surpresas da mãe natureza - dominavam o Sol. O resultado do trabalho foi muito gratificante pois os usuários do espaço sempre se reportavam a ambiência do local como um fator determinante para remetê-los ao México. Um trabalho concebido no nordeste do Brasil, baseado na cultura Mexicana, mas que poderia estar em qualquer outra parte do mundo. Mai uma vez é ser global sem perder a característica regional.
Começaria tudo outra vez, se preciso fosse Tenho grande prazer em iluminar obras do patrimônio, talvez porque, desde sempre, fui apaixonada por história. A pesquisa histórica para desenvolver um trabalho dessa natureza é de grande importância para a concepção do projeto. Aqui apre-
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sentamos duas situações distintas a serem analisadas: uma fortificação e um engenho. É fato que, para ambos, menos luz é sempre mais. Nesses casos é importante frisar que mesmo as normas internacionais devem buscar se adaptar à questão regional, especialmente em relação à inserção urbana, pois é necessário que o bem iluminado não ultrapasse o máximo de três vezes o nível de iluminação do entorno. O segundo passo é analisar as características arquitetônicas mais relevantes das edificações e, em seguida, as possibilidades para sua iluminação. No caso da fortificação, entendemos que o pátio tem grande valor para a edificação. O partido de iluminação privilegia o vazio do pátio, sendo complementado pela luz interna que vaza das janelas. É um jogo sutil de cheios e vazios, que destaca a pureza da arquitetura preservada. No caso do engenho, dividido em casa grande e capela, a ideia foi valorizar os elementos mais relevantes do casarão sem, contudo, torná-lo feérico; lembremos que se trata de uma casa de campo, onde o ato de contemplar as estrelas talvez seja a maior diversão no local. A capela, implantada em um plano mais elevado, recebeu iluminação ligeiramente mais destacada para induzir o caminho para a visita e uma aura divina ao bem. Nesses casos, o regionalismo aparece principalmente na fase de desenvolvimento do projeto. Tivemos que estudar profundamente as especificações, pois, em se tratando de uma obra pública, as alterações comuns em obras privadas não seriam possíveis. Dentro desse cuidado, procuramos usar os materiais com maior vida útil e de fácil manutenção, o que nos levou a especificar muitos materiais importados, após as análises quanto às intempéries do local. Onde finalmente erramos? Não contávamos
Fotos: Marcelo Marona
ARTIGOS | Márcia Chamixaes
Forte das 5 Pontas, fachada principal
com o despreparo da mão de obra local, o que dificultou a etapa de implantação. Tivemos que simular, trocar e instruir muitas vezes, até chegarmos a um resultando mais próximo do desejado. Creio que o legado desses trabalhos - mais do que na etapa de concepção, onde usamos conceitos universais ou mesmo nos materiais utilizados, pois especificamos o melhor dos produtos globais - está no fato dos projetos terem agregado um grande número de pessoas no processo de implantação. Unidas em um objetivo comum, a junção de esforços em prol da qualidade foi, sem dúvida, uma grande vitória. O resultado é que o aprendizado das equipes foi exponencial e o conhecimento adquirido não se dá, não se vende, nem se troca, se consolida. Conclusão: o projeto global certamente deixou um resíduo regional. Finalmente, como se diz aqui no Nordeste, depois dessa “prosa gostosa”, gostaria de deixar para o caro leitor mensagem de quem viveu e conviveu com os princípios do mestre Ariano Suassuna. Em um mundo cada vez mais massificado, não perca suas raízes e busque levar sua cultura para o ofício. Trabalhando com a fabulosa arte de pintar com a luz, nunca esqueça suas referências, transformando projetos em compêndios iluminados por nossa cultura.
Forte das 5 Pontas, Pátio das Armas
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ARTIGOS | Mรกrcia Chamixaes
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ARTIGOS | Márcia Chamixaes
Artigos
Roberta Vieira
Uso da luz natural em projetos Em tempos em que a sustentabilidade e a economia de energia estão na pauta das discussões, os olhares voltam-se para o uso de técnicas passivas de iluminação e ventilação, de forma a evitar gastos desnecessários com condicionamento de ar e iluminação artificial durante o dia. Nesse contexto, uma edificação será mais valiosa quando propiciar a máxima satisfação ao fornecer conforto e prazer ao usuário no ambiente interior; atender as necessidades desses usuários e minimizar o gasto de energia. Tudo isso reduzindo os custos iniciais de construção e os de longo prazo. Os gastos iniciais de curto prazo podem ser minimizados por sistemas de construção integrados e pelo uso de materiais e métodos adequados para cada localidade. Já os de longo prazo incluem operação e manutenção da edificação, a produtividade pessoal, e o custo de substituição da edificação. Enquanto alguns desses custos são intrínsecos ao programa da edificação, a maioria pode ser minimizada por um projeto inteligente. Em especial, abordo aqui a necessidade de se trabalhar bem com a iluminação natural em edificações para fornecer conforto ao usuário, melhorar a produtividade da tarefa e equacionar adequadamente o balanço energético da edificação, evitando, especialmente, o excesso de ganho de calor no verão.
Museu Acrópole de Atenas Foto: Arquivo pessoal Roberta Vieira
Para tal, os projetistas devem aprender a projetar usando conceitos que possam ser julgados por suas mentes e não somente através do uso de instrumentos. Essa percepção é fundamental para poder-se utilizar plenamente as oportunidades, com liberdade e criatividade na concepção do projeto do ambiente luminoso. O melhor uso da luz natural não se refere somente a economia de energia, mas também à criação de ambientes mais agradáveis e luminosamente prazerosos para os ocupantes. Para se atingir esses objetivos deve se dar prioridade ao projeto de iluminação e insolação integrado a um amplo conhecimento das condições climáticas. 29
ARTIGOS | Roberta Márcia Chamixaes Vieira
Dessa forma, um projeto de iluminação de qualidade será aquele que atender adequadamente às necessidades do homem com relação a informação visual. Sejam elas relacionadas à execução de atividades ou necessidades biológicas por informação visual, relacionadas aos conceitos de sobrevivência e segurança, que englobam as necessidades por orientação espacial, o ajuste do relógio biológico e o contato com elementos da natureza. Deve-se notar ainda que alguma forma de controle da radiação solar incidente é necessária quando houver muitas horas de insolação no ano e que um sistema ampliado de admissão de luz pode ser usado quando houver predominância de dias encobertos. Quando houver aberturas laterais, é mister controlar a luz natural, para que não haja excesso de luz nas proximidades das aberturas, causando ofuscamento e sobrecarga térmica pela entrada excessiva de sol. E que a luz possa ser redirecionada para as partes mais profundas do ambiente, de forma a fazer com que a distribuição da mesma seja mais homogênea. Tal requer que as aberturas sejam mais altas, que os ambientes sejam menos profundos em relação à entrada de luz natural, que os pés direitos sejam maiores, que as cores sejam claras e que haja sistemas de redirecionamento e controle da luz como persianas refletoras, light-shelves (ou prateleiras de luz) e brises capazes de redirecionar a luz solar. Essas estratégias podem ser usadas em combinações diversas, atentando-se sempre para o tipo de ambiente e tarefa visual. Já no caso de sistemas zenitais como claraboias, sheds, domos e lanternins, deve-se atentar, no Brasil, para as altas cargas térmicas do sol próximo às porções mais altas de céu, e os sistemas devem, necessariamente, ser protegidos da incidência direta do sol. As zenitais, por essarem em locais mais desobs-
Museu Acrópole de Atenas Fotos: Arquivo pessoal Roberta Vieira
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truídos das edificações, esquentam e, portanto, devem ser localizadas em pés direitos bastante elevados, para evitar contato direto do colchão de ar quente gerado abaixo da cobertura com os usuários do espaço. São elementos que distribuem a luz de maneira mais homogênea que as aberturas laterais e deveriam ser mais usadas em edificações baixas, como supermercados, shoppings, galpões... Sua limitação e não permitir vista exterior o que pode ser complementado com aberturas laterais, mas são sem dúvida alguns dos elementos que quando bem usados permitem a iluminação mais interessante do espaço interno.
ARTIGOS ARTIGOS | Márcia | Roberta Chamixaes Vieira
Há arquitetos que entendem a maestria de dominar a entrada de luz com um adequado balanço de ganho de calor. Entre eles são mestres da arte de iluminar Renzo Piano, Alvar Aalto, Rafael Moneo, Lelé, entre outros. Esses arquitetos transformaram em diversos de seus projetos a luz direta do sol, ofuscante, dura, carregada de carga térmica em luz difusa, harmônica, bem distribuída, mágica. Isso é feito através do rebatimento da luz direta em superfícies brancas difusoras, com o uso de elementos difusores na entrada da luz nos ambientes e com superfícies internas de rebatimento. Especialmente nos museus, hoje pode-se ver cada vez mais o uso da luz natural para favorecer a visualização de obras de arte em suas cores mais reais. Essa luz é tão importante que mesmo museus em prédios históricos têm sofrido reformas para dar entrada a essa fonte de luz. Sempre controlada, difundida, mas com uma graça que lhe é toda peculiar. Aconselho aos viajantes a visitarem os museus l´Orangerie, em Paris; o de Arte Moderna, em Estocolmo; a Acrópole de Atenas, ou o Getty Center, em Los Angeles. E, no Brasil, todas as obras desse mestre que nos deixou recentemente, chamado Lelé, para ver e experimentar essa linda luz natural. E, se quiserem companhia, vou junto!
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Ícones
Divisor de águas Peter Gasper trouxe novos conceitos para a iluminação na arquitetura brasileira e ajudou a consolidar a profissão de lighting designer no país por Pâmilla Vilas Boas
A luz foi a principal ferramenta de Peter Gasper, um dos pioneiros do lighting design no Brasil. Assim como a pausa é importante para a música, o estudo das sombras, para ele, era tão importante quanto o da luz. Essa sabedoria Gasper levou para projetos como a iluminação do Cristo Redentor; da missa celebrada pelo Papa João Paulo II no Aterro do Flamengo (RJ); das três edições do Rock in Rio, dentre outros. Mais recentemente, iluminou o Centro Administrativo de Minas Gerais e o estádio Beira Rio, em Porto Alegre. “Ele sempre dizia que não iluminar é tão importante quanto iluminar”, afirma seu discípulo, Rodrigo Cruz, lighting designer que trabalhou nos últimos 12 anos no escritório de Gasper. Peter Gasper morreu em maio do ano de 2014, no Rio de Janeiro, deixando um importante histórico, que não se resume apenas ao desenvolvimento dos principais projetos de iluminação do país. Ele também ajudou a consolidar o lighting design no Brasil; difundiu conceitos para o entendimento da profissão e participou da criação da Associação Brasileira de Arquitetos de Iluminação - ASBAI. “Acredito que o principal legado de Peter foi o uso da luz como instrumento de emoção nos projetos realizados”, afirma Rodrigo Cruz. Hoje, à frente dos projetos do Escritório Peter Gasper e Associados estão a lighting designer Liane Cantanhede além de Rodrigo Cruz. Nascido na Alemanha e radicado no Brasil aos onze anos de idade, Gasper começou a trabalhar na TV Tupi e na Rede Globo, ainda na década de 1960. Rodrigo explica que Peter presenciou a passagem da televisão em preto e branco para a colorida e, em consequência, o movimento de profissionalização da iluminação
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Peter Gasper foi um dos pioneiros do lighting design no Brasil.
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ÍCONES | Peter Gasper
Iluminação do Palácio da Alvorada em junho de 2005
Iluminação do Cristo Redentor em março de 2011
Iluminação do Centro Administrativo de Minas Gerais em março de 2010
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ÍCONES | Peter Gasper
TV. “Esse aprendizado mais profissional se iniciou nos cursos em Berlim e, fato dele ser alemão, foi um diferencial em sua trajetória”, afirma. Para Rodrigo, o estudo da arquitetura e a atuação, por muitos anos, em televisão, foram ingredientes fundamentais na carreira de Peter. Além disso, os cursos de iluminação e a formação em TV em cores, cinema e teatro, possibilitaram que implementasse a visão artística aplicada à iluminação na TV.
Rodrigo revela que, em 1983, a carreira de Peter foi se afastando da cenografia em direção à arquitetura, boa parte por influência de Oscar Niemeyer. Na época, o arquiteto estava envolvido com o projeto de construção do sambódromo do Rio de Janeiro. Nesse período, Gasper assessorou Niemeyer na iluminação do espaço “defendendo os interesses da televisão, em uma época em que a Globo profissionalizava cada vez mais a transmissão dos desfiles”, afirma o lighting designer. Ele ressalta que, graças à sinergia entre os dois, a parceria foi se consolidando. Niemeyer também achou interessante ter a seu lado alguém que pensasse a luz artisticamente. A partir daí, o trabalho de Peter ficou muito conhecido, em razão dos conceitos artísticos aplicados à iluminação de obras urbanas. “Havia apenas o luminotécnico, mais de engenharia de luz do que da arte. Destacar as curvas da arquitetura de Brasília com luz e trabalhar com claros e escuros para tornar o ambiente mais agradável foi um divisor de águas e trouxe novos conceitos para a iluminação na arquitetura brasileira”, conclui Rodrigo Cruz.
Fotos de divulgação
A faculdade artística de Gasper foi o teatro e, a faculdade técnica, a televisão, que permitiram experimentos como intensidades, foco, temperatura e reprodução de cores, contraste e dinâmica. “Ele sabia que a luz interferia nos cenários e precisava dominá-la. Aprendeu a domar a cenografia, não com paredes de compensado e pano, mas com outra ferramenta: a LUZ. Foi assim que revolucionou a iluminação cênica na TV e pôs fim à chamada luz chapada, aquela branca e forte que ilumina tudo por igual. Criou sutilezas e nuances com uso da luz em equipamentos menores”, ressalta Cruz.
Paixão pela arquitetura
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ÍCONES | Jules Fisher
Ícones
Jules Fisher:
O nome por trás da magia da Broadway por Ana Cláudia Ulhôa
Com mais de 50 anos de atuação em peças da Broadway, Jules Fisher é considerado hoje uma das maiores referências do design de iluminação para entretenimento.
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ÍCONES | Jules Fisher
Mestre em criar efeitos que podem causar ansiedade, tensão, surpresa ou admiração. Jules Fisher começou a provocar fortes emoções nas pessoas quando ainda era um adolescente que se divertia apresentando truques de mágica. Daí para o teatro profissional foi um pulo. Ao entrar para o high school, Fisher ingressou em uma companhia de teatro, onde ocupou diversos cargos até se tornar lighting designer. A partir daí, começou a trilhar o caminho que o levaria para o hall da fama da Broadway.
pela profissão, Fisher resolveu ingressar na Carnegie Mellon University para estudar iluminação teatral. Em seu último ano de faculdade, foi convidado para fazer um show Off-Broadway, circuito de teatro de Nova York com casas de espetáculos de capacidade menor do que as da Broadway – entre 100 a 499 assentos. A peça foi All the King’s Men no velho Stage 74, em Nova York, no ano de 1959. “Isso levou a mais dois convites. Por isso, quando me formei, já esteva com três shows em execução na cidade”.
“Tornei-me um mágico amador em meus anos de escola. Eu também tinha interesse em ciência, óptica, luz e eletricidade. Aos 15 anos, comecei a trabalhar em um teatro como aprendiz, mas logo fui promovido para gerente de palco, e lá eu vi a luz”, conta Jules à equipe da iDeia. Depois de conhecer um pouco do lado técnico do lighting design e se apaixonar
Depois de realizar algumas dezenas de espetáculos no Off-Broadway, Fisher teve seu talento reconhecido por membros do circuito de teatro mais famoso dos Estados Unidos. Em 1963, fez a sua estreia na Broadway com a encenação de Rio Spoon Anthology, no Teatro Boot e a peça foi um sucesso.
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ÍCONES | Jules Fisher
A cada vez que as casas lotavam e as apresentações terminavam com o público aplaudindo de pé, Jules ganhava mais respeito em sua área. Esse reconhecimento fez o designer querer expandir sua atuação no mercado. Em 1968, ele fundou a Fisher Marantz Stone, com Paul Marantz e Charles Stone, e passou a se dedicar também a projetos de iluminação arquitetônica. Entre os trabalhos de maior destaque estão o Javits Convention Center; o restaurante Four Seasons e a reforma da Carnegie Hall. Inquieto, Jules não parou por aí. Em 1971, abriu mais uma empresa. Dessa vez, no setor de consultoria. Após passar anos frequentando casas de espetáculos, o designer começou a perceber todas as deficiências que elas traziam para o público e para as pessoas que trabalhavam
Jules Fisher e Peggy Eisenhauer na premiação do Tony Awards de 2013. Foto: Jemal Countess / stringer © Getty Images
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ÍCONES | Jules Fisher
nas produções. “Eu vi que os teatros têm erros de projeto. O Music Box, em Nova York, por exemplo, não tinha bilheteria. O Theater Forest in Philadelphia não tinha camarins. Nossa empresa de consultoria, Fisher Dachs Associates, é capaz de corrigir esses erros ou ajudar a criar novos espaços”, explica em uma entrevista para o site Archlighting*. Além desses dois empreendimentos, Jules Fisher ainda criou mais uma companhia especializada em projetos de lighting design para peças de teatro, filmes e shows, chamada Third Eye Ltda. Sua parceira nessa empresa foi Peggy Eisenhauer, designer de iluminação que conheceu em 1985. Segundo Eisenhauer, em uma matéria do site Playbill **, seu primeiro contato com o
* http://www.archlighting.com/lighting-designers/jules-fisher.aspx ** www.playbill.com - 23/6/2005 Musical Bring in ‘da Noise, Bring in ‘da Funk de 1996. Foto: Divulgação
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ÍCONES | Jules Fisher
O musical Assassins, de 2004, faturou o Tony Awards de melhor iluminação. Foto: Divulgação
trabalho de Fisher foi em 1972, depois de assistir ao espetáculo Pippin. “Eu tinha 13 anos e fiquei emocionada com a iluminação. O iluminador daquele espetáculo foi Jules Fisher. Eu sabia que ele era um herói e precisava descobrir mais sobre ele. Soube que ele tinha frequentado a Carnegie Mellon. Eu me apliquei e eu entrei”. Na faculdade, Peggy foi a uma palestra de seu ídolo e ficou tão encantada que ligou para sua mãe só para falar sobre a experiência que tinha acabado de viver. Percebendo a emoção da filha, a mãe de Eisenhauer escreveu uma carta para Jules, que abriu as portas para a jovem designer entrar no mercado de iluminação de entretenimento. “Jules me permitiu usar seu nome para conseguir um emprego no New York Shakespeare Festival. Em pouco tempo, começamos a
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trabalhar juntos”, conta na Playbill. Nessa mesma entrevista, Fisher rasga elogios à parceria e esclarece porque a contratou. “Percebi que Peggy tinha talento para além de qualquer um que já tinha visto antes. Ela tem essa capacidade musical inata para capturar o tempo com a luz. Percebi que todo o trabalho que eu estava fazendo poderia ser muito melhor se trabalhasse com ela”. Depois de 50 anos de estrada e muitos musicais importantes no currículo, como Hair, Chicago e Bob Fosse’s Dancin, Fisher acabou se tornando uma das maiores referências no mundo do entretenimento. Ele também iluminou shows de músicos consagrados, como The Rolling Stones, David Bowie, Kiss, The Who e Whitney Houston, além de ter feito trabalhos para a televisão, óperas e balés.
ÍCONES | Jules Fisher
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ÍCONES | Jules Fisher
Ragitme, musical da Broadway montado em 1998. Foto: Divulgação
Até o momento, Fisher já foi indicado 20 vezes para o Tony Awards por sua atuação como ligthing designer, recebendo um total de nove prêmios. Atualmente, ele é o designer que mais foi agraciado com essa condecoração. Jules explica que não existe tanta diferença na iluminação de diferentes meios de entretenimento. “A iluminação deve cumprir os requisitos técnicos de cada mídia, mas a contação de histórias é a mesma”. O designer diz que o papel do profissional que atua nesse setor é saber que ele é “uma ferramenta para o diretor usar, a fim de realizar a visão dele”, afirma. Para as pessoas que admiram o trabalho de Fisher e desejam iniciar sua trajetória no ramo do ligthing design, ele dá a seguinte dica: “Estude tudo. Veja todas as produções de teatro que você puder. Trabalhe em todos os cargo no teatro e seja curioso”.
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Sergei Eisenstein
A arte como referência para o lighting design por Ana Cláudia Ulhôa
Soldados aparecem marchando escada abaixo. Em uma tomada mais aberta é possível ver todos enfileirados com suas armas prontas para atirar. De baixo de um sol forte, as sombras dos oficiais são refletidas nitidamente no chão. Após alguns disparos, há um corte para uma imagem na qual populares descem correndo, desesperadamente, os degraus que levam ao porto. Mais uma vez, os soldados aparecem. Porém, nesse momento, vemos apenas suas pernas e sombras em cima dos corpos das pessoas atingidas. Esse é um trecho de uma das cenas mais clássicas do cinema, a da escadaria de Odessa, do filme Encouraçado Potemkin, dirigido por Sergei Eisenstein. Nela, o espectador pode perceber como o jogo de luz e sombra é capaz de ressaltar uma emoção ou uma intenção do diretor. A projeção da sombra dos soldados cobrindo os corpos no chão, por exemplo, reforça a ideia de opressão do exército czarista sobre o povo. O uso desse tipo de recurso é uma das características que tornou Eisenstein um diretor consagrado na história do cinema mundial. Outros nomes também utilizaram o claro e escuro com maestria em seus filmes. Como é o caso dos expoentes do expressionismo alemão, Friedrich Wilhelm Murnau e Robert Wiene, que dirigiram os longas Nosferatu e O gabinete do Dr. Caligari, respectivamente. Mas não é só o cinema que utiliza a luz para causar diferentes sensações em seu público. Diversos tipos de arte lançam mão desse artifício e acabam servindo de referência para os profissionais da área do lighting design. David Bosboom, designer de iluminação com passagens pela Brodway, Ballet Bolshoi e Disney, diz que “se você quiser ser um bom profissional, veja tudo: exposições, cinema, teatro, dança. Eles podem ser uma fonte de inspiração para você”.
Serguei Eisenstein, diretor do filme O Encouraçado Potemkin de 1925. Foto: Divulgação
Desde que se mudou para o Brasil, em 2007, para ficar mais próximo da esposa brasileira e do filho, o nova-iorquino começou a dar aulas e palestras sobre design. Como material de suporte ele optou por slides de grandes mestres da pintura. “Para passar a técnica eu deveria ter um laboratório, mas é uma coisa que envolve custos, precisa ter produção e não é comum no Brasil. Então, resolvi usar essas imagens para mostrar aos meus alunos o que quero dizer”. 45
LUZ,CAMERA,AÇÃO | Sergei Eisenstein 1.
1. Friedrich Wilhelm Murnau, diretor do filme Nosferatu, de 1922. Foto: divulgação 2. Cena do filme O Gabinete do Dr. Caligari. 3. O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene, mostra uma das características mais marcantes do expressionismo alemão, o jogo de luz e sombra.
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4. Close no rosto do personagem Cesare. A luz é usada para destacar a expressão do ator, Conrad Veidt. 5. No filme Nosferatu, o claro e escuro é usado para criar um clima de suspense.
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LUZ,CAMERA,AÇÃO | Sergei Eisenstein
Como exemplos, ele cita os trabalhos de Monet, Rembrandt, Hopper, Chardin, Vermeer, entre outros. O designer explica que “Monet seria um bom modelo para entender o uso de cores complementares, de como misturá-las”. Sobre Hopper, David analisa: “Ele utiliza muita luz, sua iluminação é mais severa, gerando mais contrastes”. Na pintura, uma das escolas mais lembradas pela valorização da luz é o Barroco. Em seu livro, História da Arte, Graça Proença esclarece que, na arte barroca, há o predomínio das emoções e não do racionalismo, como no renascimento, movimento que a antecedeu. Por isso, existe um “acentuado contraste de claro-escuro, o que intensifica a expressão dos sentimentos”. Em Rembrandt, artista destacado por Bosboom, é nítida a preocupação com a gradação da claridade, meios-tons e penumbras que envolvem as áreas de luminosidade mais intensa. Para perceber essas características, basta olhar a tela A lição de anatomia do Doutor Tulp, que traz um grupo de estudiosos que observa atentamente o professor dissecando um cadáver. O corpo deitado na mesa recebe uma iluminação bem intensa, enquanto o resto está sob uma luz bem fraca, dando um clima de descoberta ao quadro. Como David Bosboom destaca, qualquer experiência é válida para o profissional da área do lighting design. Todas as formas de arte e situações onde há luz podem ser observadas para agregar conhecimento. “No caso do teatro, o profissional vai fazer uma iluminação de um momento do dia. Você tem que ter anotações mentais de como é essa luz naquele instante. Por isso, eu digo, ande na rua, veja a luz, a noite, o poste. Observe a luz em todos os momentos e faça anotações”, conclui. 47
Criador&Criação
Esculpindo o intangível Guto Requena materializa memórias e emoções em projetos de design, iluminação e interatividade. por Pâmilla Vilas Boas
Criador Guto Requena Memória, cultura digital e poéticas narrativas são as grandes preocupações do designer, professor e pesquisador, Guto Requena, que fez do seu próprio apartamento, entre a Av. Paulista e a Av. Consolação, em São Paulo, um experimento sobre as novas formas de morar na atualidade. Nele, Guto aplicou seus estudos de interatividade tecnológica e transformou um apartamento velho num espaço que muda de função de acordo com suas necessidades. Uma extensão do seu computador, hoje a verdadeira moradia de muitos de nós. Guto, 34 anos, graduou-se em Arquitetura e Urbanismo na USP e, durante nove anos, foi pesquisador do Centro de Estudos de Habitares Interativos da Universidade de São Paulo (NOMADS). Em 2007, ele obteve o mestrado na mesma Universidade, com a dissertação “Habitar Híbrido: Interatividade e Experiência na Era da Cibercultura”. Em 2008, Guto fundou o Estúdio Requena que atua em todas as áreas que relacionam o design a objetos, interiores, arquitetura e cidades. Desde 2012, Guto é colunista do jornal A Folha de São Paulo, onde escreve sobre design, arquitetura e urbanismo. Ele criou, escreveu e roteirizou o programa de TV “Nos Trinques” para o GNT e já desenvolveu web series, para o mesmo canal, gravadas em Milão, Paris, Amsterdam e Londres. Requena foi selecionado pela Google para projetar seu escritório brasileiro. Em 2013, ganhou o prêmio internacional “Building of the Year” pelo Archdaily na categoria “Arquitetura de Interiores” pelo projeto da sede da Walmart. Para o designer, somos capazes de moldar memórias através do uso experimental de tecnologias digitais. “O bom design deve contar uma boa história”, afirma.
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CRIADOR&CRIAÇÃO | Guto Requena
Guto Requena é especialista em projetos que unem design, arquitetura e interatividade. Foto: Imagens por Ayla Hibri
Criação Criatura de luz Quando anoitece, uma criatura de luz ganha a vida e passa a habitar a fachada de um prédio localizado na Avenida Rebouças, número 955, em São Paulo. Seu comportamento é uma resposta à paisagem sonora. Ela aumenta, diminui e se movimenta de acordo com as variações de intensidade do barulho no local. A cor da criatura também reage conforme a qualidade do ar. Se alguém passar na Rebouças e ela estiver vermelha, significa que está com raiva e que a qualidade do ar está péssima. Cores frias indicam uma qualidade do ar melhor. “Então a luz é fundamental, a ideia só poderia sair com esse projeto de iluminação. O que a gente criou foi uma obra de arte pública que transforma a arquitetura do prédio numa instalação interativa”, afirma o designer. A criatura de luz habita, desde janeiro de
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CRIADOR&CRIAÇÃO | Guto Requena
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CRIADOR&CRIAÇÃO | Guto Requena
“A fachada do hotel WZ Lorena, em São Paulo, se transformou em criatura de luz, que muda de cor de acordo com o volume dos sons do entorno e da qualidade do ar”. Fotos: Imagens por Ayla Hibri
2015, a fachada do hotel WZ Lorena. O projeto fez parte da reforma total do antigo hotel, construído na década de 1970. Guto explica que, ao anoitecer, a pele metálica colorida acende-se gerando a “Criatura de Luz”. As chapas coloridas do prédio estão interpoladas com chapas brancas que funcionam como rebatedores para refletir as cores das luminárias de LED em RGB. Guto explica que um processo paramétrico, gerado por computador, analisou a paisagem sonora do entorno do edifício, criando padrões gráficos coloridos como resposta a esses sons coletados. “Sensores instalados no edifício coletam a paisagem sonora do entorno. Outro grupo de sensores coleta a qualidade do ar do local, impactando na mudança de cores da criatura”, afirma. Um aplicativo para celular permite a interação direta do público com a “Criatura de Luz” a partir do toque e da voz, visualizando as ondas sonoras na fachada. Na recepção do hotel encontra-se uma mesa multitoque que exibe os dados coletados em tempo real e permite que os hóspedes interajam diretamente como a Criatura de Luz.
“O prédio se transforma em uma arquitetura interativa, respondendo aos estímulos do seu entorno e convidando a população de São Paulo a refletir sobre seus próprios comportamentos. Som e qualidade do ar são dados fundamentais para a paisagem urbana de grandes cidades como São Paulo e assim, de modo simples e direto, essa instalação de luz provoca e estimula a reflexão”, ressalta. Requena acredita que, para uma arquitetura ser interativa, ela não depende apenas da luz. Apesar disso, hoje a iluminação é um recurso viável e barato. “Esse é o primeiro prédio interativo do Brasil, mas isso tende a crescer, respondendo a estímulos, interagindo com as pessoas, comunicando informações, mais do que apenas mudar de cor. Produzir informações é o mais interessante atualmente”, avalia. Guto explica ainda que o projeto é fruto de 15 anos de pesquisa na área. “O projeto tem um impacto gigantesco nas pessoas que estão no ponto de ônibus, na região, é um marco arquitetônico, de longe elas conseguem se localizar”, afirma.
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MATÉRIADECAPA | Cirque du Soleil
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MatériadeCapa
O universo criativo da luz A iluminação do Cirque Du Soleil traduz as múltiplas possibilidades cênicas do grupo por Ana Cláudia Ulhôa e Pâmilla Vilas Boas Luzes que refletem as grades de uma jaula nos corpos dos artistas, uma bolha de água iluminada que ressalta os movimentos envolventes das duas bailarinas. Zumanity é um espetáculo concebido para revelar o lado sensual do Cirque du Soleil. Ambientada em um cabaré, a apresentação chama atenção não só pelo cenário e pelo figurino sexy, mas pela capacidade de transportar o público para um sonho incomum de acrobacias e movimentos inusitados. Dessa mistura de desejos, a iluminação é que faz a transição entre realidade, imaginação e emoções. “O Cirque du Soleil oferece não só uma história ou interpretação, mas tantas histórias e interpretações quanto pessoas na plateia”, explica o diretor de iluminação que assina esse show, Luc Lafortune.
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Para ele, “não existe uma única narrativa. A todos é dada a oportunidade de interpretar o que se vê e o que se ouve, guiados por suas próprias experiências e emoções. Consequentemente, a relação de cada espectador é individual e a apresentação torna-se profundamente pessoal”. Lafortune conta que isso só ocorre porque a concepção de uma apresentação do Cirque é bem diferente da concepção de uma peça de teatro tradicional. Para o grupo, o mais importante não é o roteiro, e sim o intuito. “Para a maior parte do show, não existe um script. Ao invés disso, há uma premissa ou uma intenção. Em um primeiro momento, realizamos uma discussão para saber qual será o tema central e esse tema se torna o catalisador para escolhas nas áreas de design, figurinos, cenário, iluminação etc”. No caso da iluminação, há uma diferença também em relação à parte técnica. “Nós estamos lidando com acrobatas e, muitas vezes, existe pouco espaço para erros. Por exemplo, iluminar um malabarista é bem diferente do que iluminar um equilibrista com toda a sua tensão, e essas divergências devem ser levadas em
Espetáculo Zumanity Fotos: Pierre Manning
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consideração. Então, uma das principais preocupações está em iluminar o artista de uma maneira em que ele seja capaz de fazer o que ele faz. No entanto, o ponto de partida para qualquer projeto é a intenção, e isso vai além das performances individuais. O conceito define a estética da iluminação e, na maioria das vezes, o conceito tem muito pouco, ou nada, a ver com o circo”. Em relação ao seu processo de criação, Luc diz que, no estágio inicial, busca informações que possam lhe servir de inspiração. Uma simples conversa, por exemplo, pode fazê-lo encontrar um caminho que irá motivar suas escolhas de cores, ângulos, texturas, entre outros. Não é à toa que Lafortune é considerado, por seus colegas de profissão, como um anarquista. “Ao se referir à minha abor-
dagem, as pessoas costumam dizer que penso fora da caixa. Não concordo com isso, pois eu nem sabia que havia uma caixa. Só fiz o que eu achava melhor. Experimentei tudo que conseguia imaginar e nunca pensei em termos de certo ou errado. Várias vezes falhei, porém, cada falha me ensinou alguma coisa. E assim, segui em frente”. Luc Lafortune nunca teve um estudo formal na área de ligthing design. Sua formação foi em produção dramática na Universidade de Concórdia, em Montreal. A princípio, seu interesse era na área de cenografia, mas começou a trabalhar com iluminação de uma maneira totalmente inesperada. Em sua primeira produção na faculdade, Luc foi destinado a ajudar o eletricista da peça. A partir daí, descobriu um talento e decidiu aperfeiçoá-lo.
Espetáculo Character Foto: Tomasz Rossa
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Toda sua técnica foi desenvolvida na prática. “Apesar de ter ido para a universidade, eu preferia gastar meu tempo no teatro, e não na sala de aula. Consequentemente, nunca aprendi formalmente como iluminar shows. Em vez disso, tive que encontrar meu próprio caminho. Minha natureza era, e ainda é, de uma pessoa que não gosta que os outros lhe digam o que fazer ou como fazer as coisas”. Luc começou a trabalhar para o Cirque Du Soleil em 1984, na primeira turnê do grupo. Seu amigo e colega de faculdade Gilles Ste-Croix, foi um dos membros fundadores da empresa. “Ele me perguntou, mais de uma vez, se queria ir para a estrada com eles. Não estava particularmente animado com a perspectiva de sair em
Espetáculo KA Foto: Tomas Muscionico
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Imagens do Espetรกculo KA Foto: Nelis Becker
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Espetรกculo O Foto: Veronique Vial
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turnê com um circo, essa era considerada uma das formas de arte mais baixas. Na verdade, eu estava interessado em fazer shows. De qualquer forma, não tive muita sorte em encontrar trabalho, então aceitei a oferta”, revela. Seu primeiro cargo no grupo foi de auxiliar de iluminação. Ele era o responsável pelo carregamento do caminhão e instalação do equipamento. No ano seguinte, Lafortune se tornou Operator Console e depois Lighting Designer. Até hoje, Luc Lafortune já iluminou mais de 12 espetáculos do Cirque Du Soleil, dentre eles KÀ, We Reinvent the Circus, Fascination, Nouvelle Expérience, Saltimbanco, Mystère, Alegría, Quidam, “O”, La Nouba, Dralion, Varekai e Zumanity. Ele
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foi também co-diretor de fotografia para a gravação, em vídeo, do espetáculo Quidam. Em 1992, seu projeto de iluminação Saltimbanco garantiu-lhe um Drama-Logue Theater Award, concedido por críticos de uma revista de teatro da Califórnia com o mesmo nome. Em 1994, ele foi eleito designer do ano pela revista Lighting Dimensions International (LDI). Em 1997, o espetáculo da Martin Professionals The Atomic Lounge, do qual Luc Lafortune foi diretor artístico, conquistou o LDI por melhor espetáculo de luzes. E, em 1998,
Espetáculo Varekai Foto: Patrick Bernath
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conquistou o Entertainment Design Award por seu projeto de iluminação para “O”. Depois de tantos anos com a trupe do Cirque, Luc afirma que o elemento mais importante do design na indústria do entretenimento é o público. “Tudo e qualquer coisa que acontece no palco afeta o público de uma forma ou de outra. Esta consideração não deve ser esquecida. Entretenimento não pode ser um ato egoísta. No que diz respeito às especificidades, imagino que elas variam de uma forma de entretenimento para outra. A única constante é a audiência”, conclui.
Luc Lafortune iluminou diversos espetáculos do Cirque Du Soleil Foto: divulgação
Espetáculo KA Foto: Tomas Muscionico
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Entrevistas Mônica Lobo
Arquiteta da luz
Mônica Lobo combina arte e tecnologia nos seus mais de mil projetos luminotécnicos por Pâmilla Vilas Boas
“Acredito que a iluminação tem o poder de revelar a essência das coisas... Ela transforma o imaterial em realidade com alma”. A frase célebre da lighting designer Mônica Luz Lobo se traduz em praticamente todos os seus trabalhos em iluminação. A arquiteta da luz já iluminou museus, igrejas, hotéis, restaurantes e residências com destaque para a Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte. Com esse projeto, Lobo conquistou, em 2006, dois prêmios concedidos pela Lesna (Illuminating Engineering Society of North America): o Prêmio de Mérito do Iald (International Association of Lighting Designers) e o Prêmio Paul Excelência em Iluminação Externa. Para Lobo, só é possível revelar a essência de um local pela iluminação a partir de uma profunda imersão na arquitetura. Imersão essa que se revela também na magia da iluminação da Igreja Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, no Rio de Janeiro. Atualmente, Mônica está envolvida na iluminação dos museu do Amanhã, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, da Imagem e do Som, em Copacabana; da L’Oréal Edifício sede e do Mosteiro de São Bento, em São Paulo.
Projeto de iluminação do lounge da Star Alliance em São Paulo Foto: divulgação
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ENTREVISTA | M么nica Lobo
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Revista iDeia: Quais são suas principais técnicas para interpretar os espaços através da luz? Mónica Lobo: Não diria que são técnicas, talvez processos e esses variam conforme o espaço a ser iluminado. O mais importante é compreender muito bem o espaço, suas funções e/ou usos e interpretá-lo através da luz, com base em um conceito elaborado após muito exercício de pensamento a respeito. Ri: De onde e como surgiu seu interesse pelo lighting desing? ML: Foi puro acaso. Através de um anúncio de jornal que procurava um arquiteto recém - formado com interesse em interiores, fui parar no escritório Esther Stiller & Gilberto Franco Consultores de Luminotécnica e aprendi uma nova forma de olhar a arquitetura, através da iluminação. Ri: Como o lighting design transformou seu olhar sobre a arquitetura? ML: É preciso uma profunda imersão na arquitetura que se quer iluminar, de maneira a conseguir revelar sua essência, como se a luz fizesse parte dessa.
Projeto de iluminação do lounge da Star Alliance em São Paulo Foto: divulgação
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Ri: Como a iluminação pode potencializar as características dos espaços? ML: A iluminação revela o espaço aos nossos olhos. Sem iluminação o espaço não existe. Dito isso o poder de revelar, enfatizar, esconder ou transformar o espaço através da luz é total. Ri: Como a iluminação pode ressaltar valores históricos e culturais? ML: Sob o ponto de vista de nosso studio, essa leitura é sempre de muito respeito e humildade, apesar de sempre pretendermos chegar a um resultado que traduza a essência desses valores. Ri: Como a arte influencia o lighting design? ML: Muito! A toda hora, seja através de artistas totalmente ligados à matéria iluminação, como James Turrel, Julio LeParc, Cruz Diez, Olafur Eliasson ou qualquer manifestação de arte onde se possa questionar e aprender novos valores estéticos.
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Projeto de iluminação do FLASHBACK Bar Fotos: divulgação
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Ri: Qual a importância conceitual da relação entre luz e sombra em projetos arquitetônicos? Como sua pergunta já insinua, não existe uma sem a outra. Ri: Como o ano mundial da luz pode contribuir para a valorização da iluminação nos espaços, ainda mais se tratando de uma ciência tão imaterial? ML: É muito importante essa atenção mundial em universos diversos do que estamos acostumados, com uma ampla discussão sobre a importância da Iluminação no dia- a -dia de todos. Ri: Quais os projetos você considera mais interessantes em sua trajetória? ML: São muitos! Todos aqueles nos quais tive o prazer em fazer parte de uma equipe afinada com o melhor resultado. Apenas um bom projeto, não é segurança de um bom resultado. Um time de profissionais comprometidos (arquitetos, gerenciadores, engenheiros, construtores, etc ) faz a diferença.
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Projeto de iluminação do Teatro Municipal do Rio de Janeiro Fotos: divulgação
Ri: Seu trabalho é diversificado e inclui patrimônios históricos, museus e espaços comerciais. Como é trabalhar as especificidades de cada local, do ponto de vista da iluminação? ML: É um dos melhores prazeres dessa profissão. Sempre ser desafiado com universos variados. Ri: Qual a importância da tecnologia LED para o lighting design na atualidade? ML: TODA! A Tecnologia LED está nos fazendo rever completamente conceitos sobre luminárias x iluminação.
Mônica Lobo
Ri: Quais os principais desafios da profissão? ML: Manter-se independente.
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Entrevistas Kevin Theobald
Uma análise positiva sobre o lighting design por Ana Cláudia Ulhôa
Mais de 40 anos de experiência e um currículo de dar inveja a muitas pessoas. A trajetória de Kevin Theobald no lighting design começou bem cedo. Ainda na escola, ele teve a oportunidade de ingressar em um grupo de teatro local e descobriu que a luz poderia cumprir uma função muito maior do que apenas iluminar. Depois de alguns projetos e muito estudo, Theobald decidiu se aventurar também no campo da iluminação arquitetônica. Algumas de suas obras mais famosas são o Burj al Arab em Dubai, National Maritime Museum Cornwall no condado de Cornwall - Inglaterra e o Russian Impressionism Museum em Moscou. De janeiro de 2012 a dezembro de 2013, o lighting designer nascido no Reino Unido se tornou o presidente da Associação Internacional de Designers de Iluminação (IALD), uma organização criada em 1969 para promover e desenvolver o setor em todo o mundo. Além disso, Kevin Theobald atua de forma regular como colaborador de revistas de iluminação e orador em conferências internacionais sobre a profissão. Tantas viagens, trabalhos e trocas de experiência com designers e arquitetos de países variados deram a Kevin uma bagagem e uma segurança enormes para avaliar o mercado de iluminação, o uso da tecnologia nos projetos luminotécnicos, os benefícios da criação de uma certificação em lighting design e ainda dar dicas para quem está dando seus primeiros passos na área.
Kevin Theobald foi o responsável pelo projeto luminotécnico do Knightsbridge Estate, prédio de Londres com mais de 500 anos. Foto: divulgação
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Fachada do Knightsbridge Estate na Sloane Street. Foto: divulgação
Revista iDeia: Como você começou a trabalhar com design de iluminação? Kevin Theobald: Eu me apaixonei pela luz enquanto estava na escola e acabei trabalhando no teatro profissional local, no departamento de iluminação. Depois de criar projetos de iluminação em vários teatros regionais e no West End, de Londres, descobri as recompensas da iluminação arquitetural que se iniciaram a partir de experiências com iluminação para exposições temporárias, galerias permanentes e, posteriormente, iluminação interior de edifícios e fachadas. Uma viagem que, até o dia de hoje, tomou 40 anos. Ri: Antes de ser presidente da International Association of Lighting Designers você era do conselho administrativo da associação. Como foi essa trajetória dentro da IALD? KT: Creio que é importante que o presidente da IALD tenha atuado em uma série de papéis de voluntariado dentro da organização, incluindo o Conselho de Administração. Por ter sido um voluntário a nível local, ajudando a organizar eventos, Charles Stone me convidou para participar da IALD em nível internacional integrando-me à Comissão de Nomea-
ções e Eleições. Eu também tinha sido da Comissão Consultiva de Planejamento da associação antes de servir no Conselho Administrativo. Eu sempre recomendo aos membros da IALD que se envolvam com a associação, pois isso pode resultar em servir em um papel de liderança. Ri: A IALD é uma associação que visa promover e fazer avançar o projeto de iluminação independente ao redor do mundo. Como é lidar com o desenvolvimento desse setor no mundo? Quais foram as principais dificuldades enfrentadas por você? KT: Os modelos de negócios de designers de iluminação ao redor do mundo não correspondem sempre à exigência da IALD pela independência, por muitas razões diferentes. Para abordar esse tema a IALD tem uma categoria de afiliados que permite que designers de iluminação, que não são independentes, também se envolvam com a associação. Os lighting designers que já tenham formado grupos locais e não estão dispostos a participar de uma organização mais internacional, também são convidados a participar. A IALD tem uma política de trabalhar com as associações locais e a intenção é
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promover a comunicação e compreensão para que todas as partes possam se beneficiar. Ri: Durante seu mandato, você promoveu uma expansão na IALD. Como trabalhou essa diversidade entre os países? KT: Eu acho que a maior descoberta feita quando a IALD estava se expandindo não foram as diferenças de iluminação dentro de diferentes culturas, mas as semelhanças. Parece haver preconceitos sobre a forma como diferentes países pensam sobre a luz, mas estes são invariavelmente falhos. A luz é verdadeiramente uma linguagem universal com pequenos “dialetos” regionais. Ri: Você também criou uma certificação em design de iluminação. Como está esse projeto? Quais são os benefícios da iluminação certificada? KT: A IALD iniciou o desenvolvimento de um certificado em design de iluminação arquitetônica como um passo importante na definição e estabelecimento deste processo. A IALD envolveu vozes de designers de iluminação mundiais no desenvolvimento do programa Certified Lighting Designer (CLD), bem como os praticantes de profissões relacionadas, como arqui-
tetura e design de interiores. O CLD está muito perto de aceitar candidaturas. O CLD é referência mundial de desempenho em design de iluminação, tornando-se uma adição valiosa para as qualificações existentes em um designer e em seu portfolio de trabalho. Obtendo o CLD, o designer comprova que está além de seus concorrentes, demonstrando aos clientes que têm um histórico comprovado no cumprimento de elevados padrões de prática profissional. O CLD valida a capacidade de um designer operar como um líder em design arquitetônico, desenvolvendo, orientando e concluindo projetos de design de iluminação de uma forma profissional e competente. Ri: Em entrevista ao site de Mondoarc, você diz que, no início de sua carreira foi difícil convencer as pessoas a colocar um designer de iluminação em um projeto. Você acha que isso mudou muito? Como está o mercado hoje? KT: Ao longo dos últimos 20 anos, o papel do designer de iluminação lentamente se tornou mais apreciado na medida em que todos os grandes projetos, e um número significativo dos menores, procuram nomear um designer de iluminação desde
Burj al Arab, em Dubai. Foto: divulgação
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a fase inicial do projeto. A partir da perspectiva dos negócios no Reino Unido, posso dizer que o mercado está crescendo. Conversando com os meus amigos e colegas de trabalho que estão nos EUA, Ásia e América Latina, entendo que as coisas estão bem em uma escala global. Ri: Além de ter sido presidente da IALD, você também é colaborador em revistas, orador em diversas conferências sobre a profissão de design de iluminação e diretor do GIA Equation. Aproveitando toda essa experiência, gostaria de saber que dicas você daria para quem está começando agora. KT: Lighting design arquitetônico está se tornando uma profissão estabelecida em muitos países e os programas de educação estão se expandindo para apoiar até mesmo em nível de primeiro grau. A educação é importante, mas a experiência prática também. Por isso, gostaria de aconselhar a todos que querem seguir uma carreira em design de iluminação a tentar conseguir um estágio ou um trabalho de assistente para aprender com designers consagrados, que têm uma riqueza de experiência no mundo real para compartilhar.
NMMC Falmouth Maritime Museum Foto: divulgação
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Ri: Para você, quais seriam as grandes questões que impactam positivamente e negativamente o lighting design hoje? KT: Curiosamente, acho que a Solid State Lighting (LEDs) tem criado as maiores influências, tanto negativas quanto positivas, sobre o design de iluminação (para além de orçamentos). Enquanto o tamanho, cada vez menor, de luminárias tem dado aos designers uma melhor flexibilidade onde a fonte de luz pode ser colocada e dando novas oportunidades para novas opções de iluminação, sua total dominância sobre o mercado de iluminação tem resultado em competições com qualidades frequentemente modificadas. Designers agora passam mais tempo do que nunca olhando para os aspectos técnicos de iluminação, apenas para garantir que os produtos estejam adequados para uso. Design de Iluminação é principalmente sobre o efeito da luz, a qualidade de iluminação e para criar belos espaços para que os seres humanos possam desfrutar, e espero que, com o mercado de LED amadurecendo, os designers sejam capazes de concentrar-se mais nisso do que onde os chips foram fabricados.
Zayed University, Abu Dhabi Foto: divulgação
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Kevin Theobald, ex-presidente da Associação Internacional de Designers de Iluminação (IALD). Foto: divulgação Projeto de iluminação feito por Kevin Theobald para o Hotel Hilton, em Londres. Foto: divulgação
Ri: Você sabe alguma coisa sobre os projetos de iluminação feitos no Brasil e na América Latina? Como você vê o projeto de iluminação aqui? KT: Embora eu nunca tenha trabalhado na América Latina, tive a honra de servir no conselho da IALD com lighting designers do México e do Brasil e acredito que a luz tem, possivelmente, maior influência nessa região do que em muitos outros lugares do mundo. Sou levado a crer que o negócio de iluminação também é bom aí, especialmente impulsionado pelos eventos esportivos internacionais destinados para o Brasil e o boom associado na construção.
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Iluminação interna do Hotel Hilton, em Londres. Foto: divulgação
PROJETOS | Ed. Villa Positano
Projetos
Condômínio Edifício Villa Positano
Revolução em LED
Templuz destaca a importância de aliar design, tecnologia e iluminação para soluções em eficiência energética. por Pâmilla Vilas Boas
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PROJETOS | Ed. Villa Positano
Área de convivência e recreação Foto: Jomar Bragança
A iluminação traz ainda mais requinte para nosso imaginário do que seria caminhar por Paris, a cidade da luz. É esse charme que o arquiteto Leonardo Rotsen propôs para o projeto Positano da Privilege Construtora, realizado em parceria com a Templuz, graças às novas tecnologias em LED. “O objetivo era que a obra tivesse um temporizador de iluminação que ligasse as luzes ao escurecer, até umas duas da manhã, como funciona nas grandes cidades, que mantêm seus monumentos todos iluminados”, afirma Leonardo. Segundo ele, o projeto foi todo pensado para valorizar o layout e o acabamento do edifício. Localizado na Savassi, região centro-sul de Belo Horizonte, o edifício Villa Positano chama atenção principalmente à noite. Para Rogério Ladriola, diretor da Privilege, a iluminação é a gravata do terno. “Não adianta você fazer um edifício sofisticado, e chegar ao final, não valorizar esse produto totalmente”, afirma.
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PROJETOS | Ed. Villa Positano
A Templuz ofereceu o LED como alternativa pois, apesar de ser mais caro, seria a tecnologia mais viável, tendo em mente a economia de energia e a durabilidade do produto. “Nos pontos estratégicos e áreas comuns, utilizamos a fita de LED para não pesar na conta do condomínio”, conta a lighting planner da Templuz, Luciana Carlucio. “Preocupamo-nos muito com a sustentabilidade do edifício, por isso recebemos bem a ideia da Templuz. A iluminação valoriza o acabamento e é um item no qual temos muito cuidado ao especificar. E os resultados têm sido excelentes. Um morador tirou uma foto do edifício com iluminação acesa, postou no facebook e fez um sucesso danado”, ressalta Ladriola.
Atenta às transformações Para Lorena Mattos, diretora da divisão de iluminação do Grupo Loja Elétrica, tecnologia, design e iluminação estão, a cada dia, mais interligados. “As pessoas buscam produtos que tenham conceito e design, que cumpram o papel da iluminação, com alta eficiência energética”, afirma.
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Foto: Jomar Bagrança
Apesar da tecnologia LED ainda estar em fase de transição, Lorena acredita que será a fonte de luz que mais iremos utilizar. Ela ressalta que, a cada três ou quatro meses, aparece uma tecnologia ainda mais eficiente em relação ao número de
Facha da externa do condomínio
PROJETOS | Ed. Villa Positano
Hall
Fachada interna do condomĂnio
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lúmens por Watt consumido. “Começamos com 30 lúmens por watts, passamos para 50, 70, 80, 90, e hoje já temos produtos com 120 lúmens por watts. Existe uma expectativa de que, em breve, teremos produtos com 150. Se agregamos a tecnologia LED com automação, você potencializa ainda mais a economia de energia”, relata. Lorena explica que foi justamente a busca pelo conhecimento e a constante atualização sobre novas tecnologias que possibilitou a criação de um setor de projetos na Templuz. “Hoje não podemos parar, nosso conhecimento precisa acompanhar os produtos que estão em desenvolvimento. A busca pela inovação tem que ser constante”, avalia. Ela ressalta ainda que, mesmo o cliente profissional, arquiteto ou designer de interiores, precisa de um atendimento especializado com o apoio de um lighting planner para auxiliar na especificação da parte técnica de iluminação que envolve Entrada principal Fotos: Jomar Bragança
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muita tecnologia. “Às vezes eles ficam confusos sobre como especificar o tipo de lâmpada e equipamento para atingir o efeito desejado. Daí, a necessidade de ter uma equipe especializada na área de iluminação”, afirma. Sobre o método de atendimento, Lorena explica que o primeiro passo é uma entrevista com o cliente para identificar as necessidades e objetivos. A partir do briefing, a lighting planner vai desenvolver o projeto, apresentar ao cliente, acompanhar o processo de instalação e verificar o resultado final. “A luz é algo não palpável, mas que impacta diretamente em nossas vidas. A questão da eficiência energética é um tema fundamental na atualidade e, por isso, temos que nos preocupar em fazer projetos sustentáveis, não especificando lâmpadas que consomem muito e que tenham vida útil curta, para não gerar consumo desnecessário aos clientes”, completa.
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Dicas
Iluminação em todos os sentidos
A Revista iDeia ouviu diferentes profissionais da área e separou dez dicas sobre o que você precisa levar em conta em um bom projeto de iluminação.
“A iluminação é o elemento primordial para que o ambiente seja agradável e eficiente. É fundamental definir corretamente os aparelhos e fontes luminosas, em função da utilização do ambiente, para que a decoração não seja prejudicada, as cores deformadas ou a iluminação ora deficiente, ora excessiva”.
Cristina Morethson Arquiteta e Designer Interiores
“Tanto quanto traduzir a personalidade do cliente através de revestimentos, mobiliário e complementos, temos a complexa missão de deixá-lo confortável na luz branca, morna ou fria, direta ou indireta, pontual ou geral. Um projeto de luz deve permitir a cada um criar os cenários da vida”.
Eraldo Pinheiro Arquiteto
“É através da iluminação que a arquitetura e o design de interiores se efetivam. O uso adequado da cor da luz, o tipo de lâmpada, a maneira como elas são distribuídas e posicionadas e até mesmo o design das luminárias influenciam potencialmente a percepção do espaço, bem como as relações e atividades nele pretendidas”.
Fernanda Albert Arquiteta
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“O projeto luminotécnico é o resultado de uma série de escolhas, feitas de acordo com as demandas do cliente. Temos a disposição infinitas opções em luminárias, lâmpadas e acessórios que serão especificados com base na adequação entre técnica e necessidades do cliente. A sequência de projetação deve seguir os seguintes critérios: Briefing para montar a lista de necessidades do cliente e contato com o espaço; definição da ambiência desejada e do tipo de lâmpada e/ou luminária que pode resultar nessa ambiência; pesquisa de mercado para procurar lâmpadas, luminárias e acessórios que sejam adequados à proposta do projeto e às demandas do cliente; levantamento dos dados técnicos das lâmpadas e luminárias escolhidas; projetação que inclui cálculos, plantas, memorial, orçamentos, etc; execução e verificação. “Na situação atual, é bom que lembremos sempre ao cliente da importância da eficiência energética na escolha das fontes de luz”.
Flávia Bizzotto Designer e Professora
“Para um bom projeto luminotécnico leva-se em conta a definição do layout e o uso de cada espaço. Exploro a iluminação nas áreas de trabalho e, nas áreas de trânsito, uma iluminação mais suave. Com a facilidade de acesso às lâmpadas em LED, pelo custo e variedade de modelos, substituindo as lâmpadas comuns, tenho usado em móveis especiais e armários para iluminação de efeito decorativos e até mesmo melhorando a área de trabalho. Por ocupar pouco espaço, principalmente as fitas em LED, não esquentar muito e ser econômica. Esse recurso substitui a falta de forro de gesso para embutir as luminárias.”
Gleice Cristina de Almeida Santos Designer de interiores
“Um bom projeto de iluminação deve sempre levar em conta o mobiliário existente e o projetado pelo profissional (ou idealizado pelo cliente). Análise do pé direito e dos pontos de luz natural do local também são fundamentais, além de um estudo das atividades a serem realizadas nos espaços, já que cada ambiente pede um tipo de iluminação distinta. Deve - se avaliar se há pontos a serem valorizados, como obras de arte e adornos, para que esses recebam também um tipo de iluminação especifica.”
Jacqueline Ortega Designer de ambientes formada pela UEMG
“A iluminação é a parte mais prazerosa do projeto. Em ambientes como sala de estar e quartos, por exemplo, podemos brincar com a iluminação e criar o clima que quisermos. É possível que um único ambiente tenha diferentes cenas, em diferentes momentos do dia. Já ambientes de serviço, como escritório e cozinha, pedem sempre boa luminosidade. Acho que a maior dica para uma boa iluminação é ter ajuda de um profissional e optar sempre pelas lâmpadas em LED que hoje já possuem diferentes formatos, efeitos e tonalidades. Os resultados de um bom projeto luminotécnico são surpreendentes e sempre valorizam o espaço”.
Juliana Stark Cavalcante Arquiteta especializada em Interiores 91
DICAS
“A luz exerce um papel essencial em nosso cotidiano. A cor da lâmpada é muito importante para dar o aconchego necessário a qualquer lugar. Para criar um ambiente com a iluminação mais agradável, combinamos a luz corrigida difusa com a luz focal, para destacar e valorizar a decoração, proporcionando um clima especial”.
Júnia Carsalade e Ana Paula Lucchesi Arquitetas
“Para ambientes como a sala de estar, que é a única de um apto, uma dica é utilizar recursos de iluminação criando várias cenas em um mesmo ambiente. Para esse espaço, podemos executar uma sanca iluminada com lâmpada fluorescente amarela para a iluminação geral e ter pontos de focos em cima da mesa lateral e/ ou central, com lâmpadas AR 70 para valorizar objetos ou obras de arte”.
Patricia Guerra e Roziane Faleiro Arquitetas
“Um bom projeto de iluminação contempla o conforto dos usuários, o conhecimento do ambiente e seu entorno, o controle da luz natural, a economia de energia, especificação de lâmpadas, luminárias e acessórios de fornecedores comprometidos com qualidade em produtos e serviços, a análise de custos e o conhecimento técnico. Ausência de ofuscamentos, adequação da quantidade e cor da luz, luminárias e lâmpadas apropriadas, tendem a garantir conforto aos usuários, bom humor e saúde. Os LEDs, por sua vida útil extensa, alta eficiência luminosa e ausência de mercúrio, têm conquistado cada vez mais especificadores e clientes interessados na economia de energia e conservação do meio ambiente. Entender o espaço a ser planejado, seus propósitos e condicionantes projetuais, permite maior assertividade quando aliados a atributos técnicos, permitindo valorização de superfícies, volumes, texturas e cores”.
Roberta Lopes Designer
“Ao iluminar áreas molhadas, como piscinas, espelhos d’água, cascatas, chafarizes, Spas e outros, minha dica é sempre optar pela fibra ótica. Essa tecnologia oferecerá, certamente, os melhores resultados por diversos fatores, dentre eles, total segurança pela não transmissão de energia elétrica para os refletores, manutenção quase nula e distante da água, alta durabilidade e eficiência energética. Tudo isso sem falar no mais visível dos benefícios: uma estética requintada de iluminação aquática, com acabamento impecável.”
Wilson Sallouti Especialista em iluminação
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DICAS
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