Expediente: Editor Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa Pâmilla Vilas Boas
O filósofo Abraham Moles deixou uma frase muito pertinente para o século em que vivemos: “Os objetos são portadores de signos e valores da vida cotidiana. Mudam os valores da vida, mudam os signos, mudam os objetos”. Na verdade, tudo muda! Inclusive nossa relação com o espaço que nos cerca! O design e a arquitetura são duas disciplinas que estão evoluindo muito rápido. Elas nos apresentam hoje um novo estilo que reflete de modo direto a evolução de nossa sociedade e a maneira com a qual nos relacionamos com os espaços a nossa volta.
Projeto gráfico e coordenação gráfica Cláudio Valentin Capa: Daan Roosegaarde A Revista iDeia é uma publicação da Editora PlexuDesign, patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas afins ao design e formadores de opinião. Contato: contato@revistaideia.com Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da revista.
Essa nova forma de relacionamento está recebendo o nome de Arquitetura Interativa, ou seja, espaços que se comunicam com o público em geral e interagem com todos os seus habitantes, apresentando características que vão além das funções e da estética. E essa proposta se associa a uma quantidade enorme de disciplinas, como design, arquitetura, engenharias, artes, iluminação, tecnologia, entre outras. Na edição de número 13 da Revista iDeia Design estamos trazendo um pouco desse novo universo, que se apresenta aos nossos olhos de forma vibrante e vivaz. São matérias, entrevistas, artigos e projetos de profissionais espalhados por várias partes do mundo, principalmente aqui no Brasil, onde o elemento criatividade é a chave para resultados tão bem elaborados. Para o ano de 2016, nossa equipe está preparando uma surpresa para todos vocês que curtem a iDeia Design. Não teremos as edições divididas em seções, como fazemos desde o início. Teremos a publicação de três coletâneas, dentro da temática design e disciplinas correlatas. Em 2017, voltaremos com a sequência das edições, publicando a edição de número 14. Temos certeza que gostarão desse formato pop up. Então, convido todos vocês a degustar cada página desta edição. Tenho certeza que ficarão surpresos com o material que escolhemos, com todo cuidado e atenção que merecem! Boa Leitura. Camilo Belchior
Ícones
Le Corbusier
Uma nova orquestra para o novo mundo Le Corbusier propôs uma nova arquitetura em interação com desejos emergentes por Pâmilla Vilas Boas “A jornada solar de 24 horas ritma a atividade dos homens” Em 1933, Le Coubusier, juntamente com um grupo de arquitetos, escreveu a “Carta de Atenas”, um manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas, na Grécia. No documento, Corbusier discutiu a arquitetura contemporânea e o conceito de urbanismo moderno. Para ele, a cidade deveria ser considerada um organismo concebido de forma funcional, que resolvesse as necessidades do homem. Em vez da densidade das cidades tradicionais, os edifícios deveriam se desenvolver em altura, entremeados por áreas verdes. Essa proposta influenciou o desenvolvimento e reconstrução das cidades europeias do pós-guerra, atravessando vários países e continentes, como Alemanha, Argentina, Bélgica, França, Índia, Japão e Suíça. No Brasil, a principal influência dessas ideias se materializou no projeto piloto de Brasília. A carta era uma resposta aos problemas causados pelo rápido crescimento das cidades, mecanização da produção e mudanças no transporte. Para os arquitetos da época, a arquitetura moderna poderia ser uma forma de resolver tais problemas. Jeanneret, mais conhecido por Le Corbusier, nasceu em 1887 em La Chauxde- Fonds, Suíça, mas viveu a maior parte de sua vida na França. Era pintor, designer, arquiteto e sintetizou essas disciplinas para pensar numa nova relação do homem com seu entorno. Como designer de móveis, participou de eventos como a exposição de Paris, em 1925, onde apresentou o mobiliário feito para a empresa francesa ThonetFrères. Este ano completam-se 50 anos do falecimento do arquiteto. Em comemoração à data, o Departamento de Negócios Estrangeiros e Desenvolvimento Internacional, do Ministério da Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Energia e do Ministério da Cultura e Comunicação anunciou que a França vai propor ao Comitê do Patrimônio Mundial o relatório “Obra arquitetônica de Le Corbusier”. 17 obras foram escolhidas para constar na lista de Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco. O resultado sairá em junho de 2016.
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ÍCONES | Le Corbusier
De acordo com o relatório, esse conjunto de obras reflete a história do Movimento Moderno através de meio século - foi construída durante o nascimento do Movimento, no início dos anos 1920 até meados dos anos 1960, quando o estilo começou a ser desafiado. Sua obra propôs uma nova forma de pensar a interação entre arquitetura, pintura e escultura, em grande medida para responder aos grandes desafios do século XX: inventar uma nova linguagem arquitetônica; modernizar técnicas arquitetônicas e responder às necessidades sociais e humanas do homem moderno. Ainda segundo o relatório, a obra arquitetônica de Le Corbusier marca o nascimento de três grandes tendências em arquitetura moderna: purismo, brutalismo e arquitetura escultural. Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Fabio Duarte de Araújo, Le Corbusier percebeu que a indústria estava alterando a vida urbana, que a economia transformava-se de um mundo rural para as cidades; que a produção industrial permitia que os mesmos objetos estivessem em qualquer lugar do mundo e que a arquitetura típica perdia força frente a uma arquitetura global. “Le Corbusier traduziu a produção industrial para a arquitetura, com habitações modulares; para uma cidade com fluxo livre e constante; e com uma estética própria, nova, experimental, para um mundo industrial de escala global que se inaugurava”, afirma. Villa Savoye, Poissy Photo : Paul Kozlowski ©FLC/ADAGP, 2015
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ÍCONES | Le Corbusier
Para Fábio, Le Corbusier percebeu que esse mundo faria o ser humano ter novos desejos e necessidades. As referências não seriam mais locais, mas mundiais. De acordo com o pesquisador, a cidade do futuro, para Corbusier seria fortemente marcada pelo papel dos carros e dos aviões. “Era a máquina trazendo liberdade de movimento para as pessoas, antes restritas ao seu entorno imediato. Claro que vendo hoje, parece-nos que Le Corbusier condenou nossas cidades por sua ênfase no carro. Mas, à época, o automóvel era um exemplo de uma máquina que liberaria o ser humano de seu mundo próximo”, ressalta. Pavilhão Phillps Foto: CC BY-SA 3.0
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ÍCONES | Le Corbusier
Arquitetura multimídia Le Corbusier pertencia a uma família de músicos e, embora não tenha exercido o ofício, se inspirou nele para criar um sistema de medidas baseado na altura do homem, conhecido como Modulador. O sistema foi baseado primeiramente na altura média de um homem francês: 1.75m e depois nos seres míticos e nos heróis: com 1,829 m. Sua proposta mais ousada, o Modulador foi concebido para ser um instrumento regulador de medidas da escala humana universalmente aplicável. Esse sistema de medidas e proporções foi uma contribuição importante para o design de espaços interiores e dos móveis de habitação desenvolvidos por ele. O arquiteto observou que a música é composta por sons fragmentados e divididos, que foram transmitidos de geração a geração graças ao sistema de escrita musical codificada pelo compositor alemão Johann Sebastian Bach. E, foi graças a essa escrita, que a composição musical pôde ser aprimorada por outros músicos. O mestre em arquitetura pela Faculdade
Modulor - Sistema de proporções elaborado por Le Corbusier Imagem: divulgação
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ÍCONES | Le Corbusier
de Arquitetura e Urbanismo da USP, Ennio Possebon, explica no artigo “O modulor de Le Corbusier: Forma, Proporção e Medida na Arquitetura” que foi justamente na busca de uma analogia com a música que ele tentou desenvolver uma ferramenta com medidas visuais e geométricas no âmbito da construção, para facilitar a escrita e ajudar a desenvolver a composição arquitetônica.
Le Corbusier Foto: divulgação
Essa aproximação de arquitetura e música se materializou também em obras como o convento La Tourette, localizado na França. O pesquisador José Cabral dos Santos, no artigo “Estratégias digitais – Arquitetura e Música eletrônica” aponta que, nessa obra, a composição das janelas se assemelha ao ritmo de uma composição musical. O autor explica que a obra foi fruto de uma parceria entre Le Corbusier e Iánnis Xenákis, engenheiro e músico grego. José Cabral ressalta que o Pavilhão Philips, edifício projetado por uma equipe multidisciplinar em Bruxelas/ Bélgica, é considerado por muitos como a primeira experiência multimídia. O arquiteto Le Corbusier, o artista Iánnis Xenákis - que desenvolveu o projeto do exterior - e o compositor Edgard Varese criaram o “Poema Eletrônico”, numa síntese orgânica de luz, imagem, ritmo e som. Para o pesquisador, trata-se de uma experiência de espacialização da música num ambiente de envolvimento sensorial. Essa linguagem dinâmica é percebida também em projetos de Corbusier que levaram em conta as projeções de luz natural para criar um ambiente que se transforma ao longo do dia. A Capela de Notre Damedu Haut, na cidade de Ronchamp, a sudeste de Paris, uma das obras mais significativas da carreira de Le Corbusier, é um exemplo de design que aproveita o ciclo solar para criar uma arquitetura cinética com a luz natural, que cria espaços contemplativos pelo uso da luz.
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ÍCONES | Le Corbusier
Chapelle Notre-Dame-du-Haut, Ronchamp Photo : Paul Kozlowski ©FLC/ADAGP, 2015
Couvent Sainte-Marie-de-la-Tourette, Eveux Photo : Olivier Martin-Gambier ©FLC/ADAGP, 2015
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EntrevistaNacional Gabriela Carneiro
Arquitetura interativa e suas aplicações por Ana Cláudia Ulhôa
Foi no início deste século que a arquitetura interativa tomou forma e começou a ganhar espaço no mundo e também no Brasil. O uso de processadores de informação digital para a realização de projetos que visam à interação, modificou a maneira de se pensar, criar e utilizar o espaço. Pesquisadora desde 2002, quando entrou para o Nomads.usp - Núcleo de estudos de habitares interativos (durante o curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo), Gabriela Carneiro experimentou de perto todos os desafios e possibilidades que esse campo oferece. Após desenvolver alguns projetos e realizar um mestrado, também na USP, Gabriela se dedicou à tese de doutorado, a fim de entender o contexto, fundamentos e processos da arquitetura interativa.
Projeto Gêmeos, realizado por Gabriela Carneiro durante o mestrado.
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Fotos: divulgação
Baseada nesse trabalho, a pesquisadora explica para a equipe da Revista iDeia como surgiu essa área da arquitetura, como é concebido esse tipo de projeto e como ele tem sido aplicado atualmente.
O projeto Gêmeos foi exposto Ars Eletrônica, na Áustria.
ENTREVISTANACIONAL | Gabriela Carneiro
Revista iDeia: Por que você decidiu pesquisar arquitetura interativa? Gabriela Carneiro: Sempre me interessei por arquitetura contemporânea no geral e, na USP São Carlos, as pessoas discutiam bastante arquitetura contemporânea, novos modos de vida e tecnologia. Quando entrei para o Nomads.usp comecei uma pesquisa sobre critérios ambientais para o desenvolvimento de mobiliário doméstico, além de outra, sobre leitura comparativa da produção brasileira com a internacional. Nesse momento, me deparei com objetos que tinham tecnologia embutida, como mesa multitoque e cadeiras que se comunicavam. Aquilo despertou meu interesse, no sentido de como eles são desenvolvidos. Isso me levou a fazer o mestrado sobre objetos interativos. Ainda durante a graduação, comecei a investigar tudo o que nós, como arquitetos e designers, precisávamos estudar, saber e entender para conceber esse tipo de objeto. Aí, me aproximei da eletrônica e da arte interativa. Fui para a Áustria fazer parte do mestrado no departamento de Cultura da Interface, que fica em Linz, onde ocorre o festival Ars Eletrônica. Lá há uma cena bem interessante de arte e tecnologia, e foi onde desenvolvi minha primeira experiência em como conceber esse tipo de objeto, pensando na tecnologia como outro material a ser manipulado. Ao projetar uma cadeira, por exemplo, pensamos em textura, cor, conforto. Então, comecei a me perguntar como seria possível utilizar a tecnologia como um desses critérios e como usar as características da tecnologia digital para agregar ao conceito do objeto. Para isso, não poderia simplesmente pensar algo e passar para o técnico
desenvolver. Comecei a perceber que era necessário certo conhecimento de tecnologia. Dessa forma, fiz o projeto inteiro e comecei a ter contato com o Arduino, uma plataforma de prototipagem de objetos e coisas interativas. Além de conversar com os professores, ter um aconselhamento do desenvolvimento desse tipo de projeto, fiz os Gêmeos – [projeto Gêmeos Afetivos: duas peças de mobiliário que se comunicam e reagem a determinadas ações do usuário], vi as pessoas interagindo com eles e isso foi a base do mestrado. A escala do objeto permite essa experimentação de uma maneira mais livre, porque, para fazer experimentalmente um projeto de arquitetura, já fica um pouco complicado. Ri: Você desenvolveu os Gêmeos no mestrado e fez um trabalho junto com o Guto Requena durante o doutorado. Como funcionavam esses dois projetos? GC: No primeiro, desenvolvi a ideia de que os objetos eram parte de uma narrativa. Eles tinham uma história entre eles e as pessoas. Conversei com gêmeos para entender o que é essa relação. Eles falaram bastante de como são parecidos, mas, ao mesmo tempo, muito diferentes. Explicaram que, no começo, é muito legal essa coisa de ser parecido, mas depois passam o resto da vida tentando mostrar que são indivíduos distintos. Isso foi me norteando para o formato do objeto e para o tipo de interação entre eles. Explicando mais tecnicamente, era um projeto muito simples: dois cubos com algumas aberturas, diferentes um do outro, e cada um também com uma luz de uma cor diferente. Esses objetos se comunicavam por rádio frequência. Então, se você
O mobiliário interativo de Gabriela foi inspirada na relação de irmãos gêmeos.
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ENTREVISTANACIONAL | Gabriela Carneiro
Com o Guto Requena desenvolvemos uma empresa, a D3. Eles tinham um espaço comercial de aproximadamente 50 m² e queriam fazer um ambiente interativo. Desde a primeira conversa já era para ser interativo, porque o ideal é que a arquitetura espelhe aquelas atividades que acontecem no local e era uma empresa que trabalhava com interfaces interativas. Desenhamos juntos o que seria essa parte interativa e, no fim, chegamos a um painel com alguns triângulos luminosos, que ficam por trás de placas dependuradas. Esses triângulos reagiam a como as pessoas utilizavam esse espaço. Colocamos um sensor na porta para que a parede saudasse as pessoas que entravam no local. Tinham também sensores de presença e, de acordo com a movimentação, a parede apresentava outro comportamento. Mas, o legal desse projeto foi o workshop que fizemos, porque não tínhamos nenhuma referência e era até
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complicado conseguir explicar para os clientes o que fazíamos. Na dinâmica, os convidados tinham a planta do espaço, algumas cartas com sensores e outras cartas conceituais e, em grupos heterogêneos, eles tinham que discutir o que iria acontecer naquele espaço. Tudo isso serviu, em primeiro lugar, de insumo para terminarmos o projeto. Em segundo lugar, para os clientes entenderem o que era aquilo e o que fizemos. Colocamos toda a plataforma em uma linguagem que todos dominam, para eles se reapropriarem do espaço. Então, nesse caso, a arquitetura interativa não é uma obra fechada. Ela vai adquirindo novas facetas a partir de como as pessoas se apropriam dele. Ri: Você falou sobre o fato de alguns projetos de arquitetura interativa não serem obras fechadas. O que te chama mais atenção nessa área é essa possibilidade? GC: O principal da arquitetura interativa é fazer com que os designers e arquitetos saiam dessa posição de consumidores da tecnologia para protagonistas do desenvolvimento tecnológico. Hoje em dia existem grandes empresas que determinam como se relacionar com a tecnologia. Você sair desse mundo consumista, no qual tudo é determinado por essas companhias, sair desse papel de esperar o próximo software para se apropriar criativamente da tecnologia, é o que mais me encanta. Vejo também que há uma diferença relevante entre arquitetura tradicional e interativa. No projeto arquitetônico tradicional, muitas vezes olhamos o resultado. Na
Fotos: divulgação
encostava-se a um, o outro respondia, e vice versa. Se você encostava-se aos dois ao mesmo tempo, era outro tipo de resposta, tanto luminosa quanto uma vibração, com diferentes tipos de vibração. Ele ficou uma semana exposto no Ars Eletrônica de 2007 e pude observar como as pessoas o manipulavam. Tinha gente que pegava os dois, colocava junto e deitava. Como ele vibrava, algumas pessoas iam lá para se massagear. As crianças enlouqueciam tentando entender o que estava acontecendo; eles não sabiam por que o outro piscava, por exemplo. Foi muito legal para ter esse feedback bem direto.
ENTREVISTANACIONAL | Gabriela Carneiro
arquitetura interativa o que me encanta é o processo, a investigação, as pessoas saírem da zona de conforto e se apropriarem de uma maneira diferente dessa tecnologia cada dia mais acessível. Temos informação de como programar por controladores. Há 15 anos um arquiteto programar por um controlador era raro, um designer programar por um controlador era muito trabalhoso. Hoje, existem tecnologias, como o Arduino, que possibilitam que tomemos posse e nos aventuremos nessa área do desenvolvimento tecnológico. Então, acho que a arquitetura interativa é necessária nesse sentido.
os computadores chegaram para a população leiga, porque antes era restrito a pessoas muito técnicas e isso ocorreu também na arquitetura.
Ri: Em sua tese de doutorado, você usa um capítulo para explicar o contexto do surgimento desse tipo de arquitetura. Conte-nos como e quando a arquitetura interativa teve início. GC: A arquitetura, desde o começo, se apropriou da tecnologia. Se for olhar, por exemplo, a automação residencial desde quando surgiu o controle remoto, era preciso apertar um botão e, de longe, abrir uma janela. Desde os anos 1950/60, havia algumas explorações pragmáticas, funcionais da tecnologia e havia também arquitetos que eram pontos fora da curva, como John Frazer. Eles tiveram um contato muito intenso com o desenvolvimento da tecnologia digital, então estavam soldando circuitos, pensando em algoritmos e trazendo esse pensamento para a arquitetura desde os anos 1960/70. Mas, foi no começo desse milênio que essa tecnologia começou a ficar mais acessível. Foi na década de 1980/90 que
Para mim, um dos trabalhos mais emblemáticos foi o do Museu Kunsthaus Graz, na Áustria, elaborado por Peter Cook. A fachada do edifício é um display de baixa resolução, desenvolvido pelo realities: United. Essa fachada, que se chama Bix, foi pensada concomitante ao edifício, para se relacionar com tudo o que acontece lá dentro. Inclusive, eles fazem chamadas para artistas explorarem conteúdos para aquele espaço. Acho que esse projeto foi um dos que me direcionaram para o tipo de investigação que queria propor para a arquitetura interativa. E isso aconteceu, principalmente a partir do ano 2000, quando essa tecnologia começou a ficar mais acessível e surgiram todas essas plataformas para artistas, como o Pure Data e o Arduino. Isso popularizou um pouco mais o uso da tecnologia e trouxe esse poder para arquitetos e designers. Acredito que é a partir daí que a arquitetura interativa em si, que é essa
Temos alguns projetos, como o do Jean Nouvel, do Instituto do Mundo Árabe, que já usava alguns sensores, mas não era um ambiente programado. Nouvel trabalhou com a ideia de muxarabis árabes. Ele fez toda a fachada que, de acordo com a luminosidade, e os diafragmas abriam e fechavam. Era uma resposta muito direta, até onde conheço o projeto, não havia ali microcontroladores.
Fotos: Projeto do espaço comercial da empresa D3. O ambiente conta com um painel que possui triângulos capazes de reagir ao movimento e som.
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ENTREVISTANACIONAL | Gabriela Carneiro
Workshop realizado por Gabriela Carneiro para desenvolver o projeto do ambiente interativo da empresa D3.
Fotos: divulgação
apropriação da tecnologia conceitualmente, começou a ganhar algum espaço e até se configurar como campo de estudo. Ri: Você falou sobre a automação. A automação residencial pode ser considerada arquitetura interativa? Qual é a diferença entre as duas? GC: É muito clara a diferença do que considero arquitetura interativa e projetos de automação residencial. A arquitetura interativa pega essa tecnologia voltada para eficiência de processos e produtos e se apropria disso. Ela traz para o conceito do projeto e subverte essa concepção como melhoradora de processos. Ri: Quais são as maiores dificuldades enfrentadas por quem faz arquitetura interativa hoje em dia? GC: Uma das dificuldades é aquele primeiro encantamento, de achar que o projeto interativo é muito superior à arquitetura tradicional, e não é. A interatividade é mais uma camada de significado que pode ou não utilizar como recurso para transpor, para a arquitetura, determinado conceito. Essa medida de você não utilizar a tecnologia pela tecnologia é a maior dificuldade hoje em dia, porque esse tipo de projeto tem se destacado cada vez mais. No meu caso, por exemplo, é cada vez mais fácil explicar para as pessoas o que faço. Antes, era praticamente impossível. Está ficando uma coisa mais popular, mais disseminada e, muitas vezes, os clientes chegam e falam: “Quero isso, porque isso está na moda”. Isso acontece muito também na arquitetura que não é interativa, mas você tem que dizer: espera aí, isso aqui é realmente um tipo de projeto que cabe essa camada? O que adiciona ao projeto? É essencial? acho que isso é o mais difícil. O primeiro esboço dos Gêmeos era uma parafernália tecnológica, queria colocar tudo, aquele monte de sensores e LEDs. Aí, um professor falou: “Se você conseguir tirar toda a tecnologia e o conceito ainda existir, é porque não precisa da tecnologia para esse projeto”. Ele sempre dava a ideia de enxugar tudo. A dificuldade de tudo que é novidade é isso, você conseguir se apropriar desses novos 14
Gabriela Carneiro, pesquisadora da USP na área de Arquitetura Interativa. Foto: divulgação
ENTREVISTANACIONAL | Gabriela Carneiro
O workshop do ambiente da D3 contou com a planta do local, cartas com sensores e cartas conceituais.
recursos e fazer um projeto que seja realmente relevante em algum sentido. Ri: Mas, o que é fundamental ao fazer um projeto como esse? O que o arquiteto precisa ter em mente? GC: O que fiz no doutorado foi, justamente, tentar organizar isso. O que é essa arquitetura interativa e como a gente pode se aproximar dela? Para isso, formulei nove critérios conceituais para o desenvolvimento desse tipo de arquitetura. Olhando para essas áreas vizinhas da arquitetura e para os projetos em si, cheguei nesses conceitos, mas percebi, no geral, que, para desenvolver esse tipo de projeto, é preciso enxergar a arquitetura como interativa no sentido de que não é mais um espaço físico, mas parte de uma rede maior de entidades, pessoas, variações de tempo, tudo aquilo que quer fazer dialogar com aquele espaço. Então, a partir desses novos conceitos, por exemplo, é preciso pensar nos participantes e nas regras. Porque você precisa disso embutido ali no microcontrolador. Então, para fazer isso é preciso entender a arquitetura de uma outra maneira e também ter um certo conhecimento técnico, mas de fundamentos dessa tecnologia digital para dialogar com pessoas mais técnicas sobre as possibilidades interativas e como você pode aplicá-las. Ri: Você citou o design de interação, a arte digital e a arquitetura interativa. Qual é a fronteira entre essas três áreas? GC: Os projetos mais interessantes são justamente os que desafiam essas fronteiras. São os que você não sabe muito bem se são arquitetura ou arte. A arquitetura interativa hoje traz tecnologia para dentro da arquitetura. Acho que a ideia é justamente dissolver essas fronteiras, e fica cada dia mais difícil de ver ali o que é design de interação, arte digital ou arquitetura interativa.
Ri: Como você vê o campo da arquitetura interativa no Brasil? O olhar modernista que ainda predomina em algumas faculdades atrapalha ou estamos nos desenvolvendo e caminhando para termos cada vez mais pessoas estudando e realizando projetos nessa área? GC: Estamos caminhando para essa direção. Inclusive, digo isso pelo contato nas escolas. Vejo, por exemplo, em São Carlos / SP, que o pessoal do primeiro ano já está tendo contato com fabricação digital, algoritmos para modelagem. Tem sempre uma primeira resistência, mas acredito que seja inevitável que esse tipo de projeto cresça cada dia mais, até porque a utilização da tecnologia vai crescendo aos poucos. Acho que realmente acontece em uma passada um pouco mais devagar e essa corrente tradicional do modernismo ainda é muito forte nas escolas, mas existem também algumas iniciativas independentes. Aproximei-me um pouco da área de arte interativa e comecei a ver várias oficinas. Por exemplo, o SESC tem várias oficinas de tecnologia digital, que tenta disseminar um pouco esse uso criativo da tecnologia. Mas, quando se trata de fabricação digital, há todo um processo em que faz a tecnologia, mas ainda tem aquele apego à fórmula. Então, muitas vezes o processo é feito com sensores que determinam as variáveis da fórmula e ainda tem pouco projeto que traz a tecnologia para o produto final. Isso ainda é pouco, acho que falta um diálogo sobre isso. No Brasil, percebo que essa discussão de tecnologia e arquitetura ainda é muito mais valorizada na questão da fabricação digital. A arquitetura interativa em si, o produto final interativo, ainda demora um pouco para ter o mesmo alcance que o processo interativo. Mas está indo, acho que é inevitável.
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EntrevistaNacional Marcelo Bicudo
Para entender a interatividade por Ana Cláudia Ulhôa
Marcelo Bicudo já avisa de cara: “interatividade não tem necessariamente a ver com tecnologia”. Para quem não possui muita intimidade com a área, a associação entre arquitetura interativa e uso de alta tecnologia pode ser imediata. No entanto, o professor da USP explica que “o espaço bem projetado, pautado pelo uso e pelo usuário, já possui uma natureza interativa” e que os dispositivos digitais podem ser de grande valia, desde que sua utilização contribua, de alguma maneira, para o resultado final do projeto. Essa lição foi aprendida por Bicudo ao longo das experiências adquiridas na graduação de Arquitetura e Urbanismo na USP, no mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP, além dos anos dedicados à licenciatura e ao seu escritório de comunicação e branding especializado em experiências de consumo, o Epigram Brand Union.
Revista iDeia: Como você conheceu a arquitetura interativa e quais foram seus primeiros trabalhos na área? Marcelo Bicudo: Além de ser arquiteto, tenho mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica. Nessa área do conhecimento você se aprofunda na antropologia, psicanálise, percepção humana, linguística e na própria cultura. Para mim, interatividade não tem necessariamente a ver com tecnologia. Uma arquitetura low-tech pode ser interativa, criando experiências para sentir com o próprio corpo. Nesse sentido, uma das primeiras experiências que me marcaram foi a montagem da exposição Parade, com acervo do Pompidou, na Oca, em São Paulo. Posteriormente, outro projeto foi importante para alargar meu repertório. Esse aconteceu no Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão, para a Petrobras. Junto à equipe do arquiteto Siegbert Zannettini, liderei o grupo de designers que desenvolveu todo o trabalho de wayfinding (conjunto de
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Foto: Epigram
Partindo do processo de desenvolvimento de seus trabalhos, Marcelo explica alguns detalhes sobre esse campo, que tem conquistado cada vez mais espaço, como o diálogo entre arquitetura interativa e outras áreas do conhecimento. Além ainda da relação entre tecnologia e interatividade, as diferenças entre projetos de caráter reativo e interativo e a maneira como os recursos interativos têm impactado no trabalho dos arquitetos e designers.
Projeto feito por Marcelo Bicudo para a Asics.
ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo
pistas visuais, auditivas, táteis ou outras, que permitem que as pessoas se movimentem dentro de um espaço de maneira segura e informada). Era um projeto grande, complexo e tecnológico. Depois, recebi bastante influência do pensamento da minha orientadora no mestrado e doutorado, Giselle Beiguelman, que é uma das pesquisadoras mais reputadas na área de design e tecnologia.
Vitrine interativa da loja da Asics na Rua Oscar Freire.
Foto: Epigram
Ri: Um de seus trabalhos mais conhecidos no campo da arquitetura interativa é o de revitalização da área ao redor da Estação da Luz, em São Paulo. Como surgiu a ideia de instalar totens interativos nos pontos de ônibus para trazer informações sobre o que estava acontecendo na região? MB: O projeto da Nova Luz, como foi chamado, foi uma experiência de parceria público-privada daquelas que mudam a vida. As audiências públicas, a complexidade legal, a história da área, os equipamentos culturais, espaços públicos e as diversas dinâmicas urbanas que lá acontecem tornaram tudo muito interessante e difícil. Como conectar tudo isso? Em uma visita a campo, andando pela região, quase como um flâneur, me ocorreu que ali existiam historias incríveis que foram sendo esquecidas, como por exemplo, uma
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ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo
música composta em uma mesa de bar por Adoniran Barbosa. Esse pensamento me remeteu a um conceito que eu estava pesquisando, o do “turismo da descoberta”. Nada daquele turismo mainstream, mas um espaço a ser percorrido, descoberto aos poucos. Imagine estar esperando um ônibus que só vai chegar em 15 minutos e ter informação sobre o melhor cafezinho da região, que está a 100 metros de você? Ou sentar-se à mesa que o Adoniran compôs Trem das Onze? Ou do lado de fora de um museu participar ou, ao menos, saber que exposição está acontecendo lá? A ideia era “colocar luz” em cada canto, em cada história, em cada pequeno ou grande acontecimento que passou e que ainda está lá, mas que nos grandes centros urbanos fica invisível. Os totens interativos seriam alimentados por web apps, trazendo tudo que há de interessante no local. QR codes e sistemas RFID ajudariam a interação das pessoas por meio de smartphones. Era um projeto bem contemporâneo no uso da tecnologia. Ri: Você orientou um trabalho de conclusão de curso, na FAU, sobre “Galeria de arte com suporte a novas mídias”. Como a nossa relação com espaços tradicionais, como o museu, tem sido modificada após a criação de projetos que utilizam recursos interativos? MB: As palavras que mais tenho ouvido no universo das mídias digitais são “disruptive” e “reframe”. Coloquei-as em inglês, pois a tradução para o português não é muito precisa, mas elas representam bem o espírito da época que estamos vivendo. Tudo está aí para ser ressignificado.
Vitrine interativa da loja da Asics na Rua Oscar Freire.
Uma iniciativa interessante nesse sentido aconteceu no museu Cooper Hewitt, em Nova Iorque. Nesse museu de design você pode navegar de diversas formas: linearmente pelas obras; digitalmente, in loco, experimentando os processos criativos de cada trabalho; ou mesmo criando sua própria coleção, por meio de dispositivos eletrônicos nos quais você carrega as obras consigo, proporcionando diferentes experiências de um mesmo espaço.
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Fotos: Epigram
Por que um museu é assim desde que começamos a organizar e catalogar coisas em um espaço para visitação? Por que não pode ser diferente? Para expor um trabalho digital preciso colocar uma televisão ou smartphone pendurado na parede? Acredito que não, pois o próprio espaço pode modificar a obra e ser modificado por ele. Ainda não temos todas as respostas projetuais para tanto e alguns pré-conceitos nos obrigam a agir de determinada forma, mas acredito fortemente que as fronteiras disciplinares e os limites do que entendemos por arquitetura vêm se modificando. Com isso, a arquitetura de programa, seja ela um museu ou qualquer arquitetura institucional está aí para ser questionada.
Para o lançamento de um tênis de corrida, Marcelo estimulou as pessoas a postarem fotos de São Paulo acordando.
ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo
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ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo Ri: Você é um profissional que possui formação e atuação em três áreas diferentes: arquitetura, design e comunicação. Como você une essas áreas? Quais projetos você destacaria? MB: Meu trabalho como arquiteto e designer reside justamente na fronteira entre disciplinas. Criei um método de trabalho que chamei de Bretail ou Branding + Retail. Como construir marca em ambientes de consumo? Como criar experiências de consumo em ambientes comerciais? A partir desses conceitos desenvolvemos diversos espaços comerciais ou ações de ativação de marca interativas. Um projeto que implantamos, que foi bastante interessante, foi para a Asics. Fizemos peças de ponto de venda, para o lançamento de um tênis de corrida, com o conceito de que quem corre de verdade corre cedo, às cinco da manhã. Criamos uma hashtag #corrocedo, que colocamos em todos os displays e materiais gráficos no ponto de venda, convidando as pessoas a postarem no Instagram sua visão da cidade às cinco da manhã, mostrando coisas que ninguém vê. Surgiram fotos incríveis de São Paulo acordando. Todas elas eram mostradas em tempo real em uma vitrine interativa na loja da Rua Oscar Freire. Outro projeto bastante lúdico foi a loja e quiosques da Happy Town, no qual uma criança poderia “dar vida a um bichinho de pelúcia”. Ganhamos vários prêmios com esse projeto. Além desses, criamos um quiosque para a categoria de perfumes da Natura, instalado em diversos shoppings centers do Brasil. Nele, além de interagir com os produtos, era possível assistir a um filme de cada marca de perfume, sendo que durante a exibição do filme publicitário um sistema aspergia o cheiro do próprio perfume.
Ri: Você disse que “interatividade não tem necessariamente a ver com tecnologia”, mas até que ponto a tecnologia é importante para a realização de projetos interativos? 20
Foto: Epigram
Ri: Nos projetos de arquitetura interativa percebemos que, em muitos casos, há um diálogo com outros campos, como a cibernética. Como é essa relação com as diversas disciplinas na arquitetura interativa? MB: É muito comum os profissionais do design e da arquitetura lidarem com os chamados projetos complementares. Por conta disso, é natural que qualquer trabalho seja multidisciplinar. Quando o projeto se complexifica, como no caso dos interativos, sou amplamente favorável migrar da multidisciplinaridade para a interdisciplinaridade. O que quero dizer é que na multidisciplinaridade, o projeto arquitetônico vem primeiro e depois surgem os complementares, modificando muito pouco a concepção do projeto. Na alta complexidade, não é possível o arquiteto trabalhar sozinho. É preciso que outros setores, tais como programação, engenharias de sistemas, tecnologia, comunicação visual, desenho industrial, entre outros trabalhem lado a lado com os arquitetos e designers. Nesse sentido, conceitos e ideias surgem de todos os lados. É um processo mais complexo de gerenciamento, mas muito mais rico. No projeto da Happy Town, as crianças podiam dar vida a um bichinho de pelúcia.
MB: Até pouco tempo atrás, ainda existia uma visão de projeto de arquitetura pouco centrada nos usuários e centrada em demasia no próprio autor. Nesse sentido, colocava-se uma divisão entre o projetista, o projeto e o usuário, gerando baixa interação entre as pessoas e os espaços. Hoje, muitas vezes parte-se dos comportamentos culturais para o desenvolvimento de um projeto, não tentando adequá-los à arquitetura, mas exatamente o contrário. Essa nova postura projetual gera identificação por parte de quem usa o espaço, originando assim interatividade. Dessa forma, para mim, todos os projetos deveriam ser interativos, ainda que a interação se dê pela contemplação. Interativos ao olhar, tato, olfato e demais sentidos, sendo que, para isso, não há necessidade de tecnologia, no sentido de colocação de dispositivos e sistemas digitais. Acredito no uso de sistemas tecnológicos apenas quando isso faz sentido. O espaço bem projetado, pautado pelo uso e pelo usuário, já possui uma natureza interativa.
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ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo
Ri: Qual a diferença entre projetos reativos e interativos? MB: Projetos reativos de arquitetura são aqueles, como o próprio nome diz, que apenas reagem a presença humana ou a determina ação ou a programação. Existe um feedback do espaço envolvido, mas este não necessita de interação. Por exemplo, existe um projeto em Londres chamado de Shorcuts, no qual luzes acendem com a presença humana, revelando novos caminhos a serem descobertos. Com isso, quem criou o projeto espera que o pedestre se abra a novos percursos. Arquitetura interativa depende do diálogo, ou seja, depende da interação ou de uma ação específica para que ocorra um feedback do sistema tecnoló-
No projeto desenvolvido para a Natura, as pessoas podem assistir a um vídeo sobre o perfume e sentir o seu cheiro no ar.
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gico. Este tipo de arquitetura é bastante comum em exposições de arte interativa, na qual você toca em uma tela e, por exemplo, modifica o espaço ou a própria obra. Ri: Existem vários níveis de interação? Quais são eles? MB: Não só existem diferente níveis de interação, como existem diferente tipos de interação. Começando pelo último que é mais fácil de se compreender e descrever, podemos imaginar diferentes projetos que sejam interativos ao toque, a fala, ao movimento ou a outra ação específica qualquer. Quando começamos a cruzar mais de uma ação/ interação esperada diria que começamos a criar diferentes níveis de interação. Isso porque, a lógica de programação se complexifica, criando vários “ifs”. Por exemplo: uma pessoa pode bater palmas e falar a palavra luz e automaticamente acender a luz da entrada da casa, mas se ela apenas bater palmas e não falar nada, o sistema pode responder com uma pergunta. Imagine isso em espaços concebidos para a interação de diversas pessoas? Muitas
Fotos: Epigram
Contudo, dispositivos tecnológicos podem potencializar a interação, quando bem aplicados. Podem ainda fazer do espaço físico um epicentro de uma experiência que se estende pelo digital de forma remota, constituindo o que costumo chamar de jornada de interação.
ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo coisas podem acontecer ali, obrigando o sistema a cruzar diversos níveis de interação. Chamamos esses sistemas de complexos e emergentes, pois depende da interação de diversas variáveis ou pessoas, cuja coordenação das ações é imprevisível.
Marcelo Bicudo, professor da USP e diretor da Epigram Brand Union.
Ri: Como a interatividade tem mudado a maneira de projetar do arquiteto? MB: A velocidade e a complexidade de leitura do mundo tem modificado completamente a forma de se projetar. Costumo dizer que, para um mundo complexo, precisamos ter repostas projetuais igualmente complexas, porém criando interfaces simples. Isso quer dizer que um arquiteto ou designer sozinho não tem mais a capacidade de sentar em sua sala e conceber o mundo. Projetar passa a ser um ato coletivo. Coletivo entre projetistas de diferentes naturezas, mas também em conjunto com os clientes ou contratantes. Isso faz com que o arquiteto tenha que se abrir, desprovendo-se de suas vaidades, abrindo a caixa preta do processo criativo. Isso trouxe ganhos, mas também dificuldades. Não é fácil trazer diferentes visões, que poderiam agregar ao processo de concepção e desenvolvimento de um projeto. Um trabalho coletivo não pode ser representado pela média dos pensamentos e das visões, pois isso empobrece demais o projeto. Com isso, o arquiteto tem que ser mais e mais um maestro, tirando partido de cada instrumento, mas sabendo conduzir o processo. Soma-se a isso novas ferramentas de gestão e de projeto que surgem a cada dia, impulsionadas por uma nova economia digital. O pensamento do Vale do Silício, da
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ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo
tecnologia de ponta e das start-ups vem invadindo a prática projetual, obrigando a nós, arquitetos, termos que repensar nossa própria profissão. Mais do que isso, a tecnologia acaba por influenciar a própria linguagem. Ri: Você acha que essas mudanças serão permanentes? A tendência é realizar cada vez mais trabalhos que possuem recursos interativos, deixando os projetos comuns de lado? MB: As mudanças no processo de projeto são permanentes e em constante evolução. Da mesma forma, acredito que a interatividade da arquitetura, da forma com que explicitei em outras respostas também é permanente. Para mim, todo projeto tem que colocar o ser humano no centro, abrindo-se a interatividade. Contudo, ressalto mais uma vez que um projeto interativo não depende exclusivamente da tecnologia para acontecer, mas ela será cada vez mais presente. Há que se levar em consideração também que a tecnologia já está em nossas vidas, por meio de smartphones, computadores, dispositivos vestíveis, tais como óculos e relógios integrados a aplicativos e ao próprio espaço. Logo mais veremos a Internet das Coisas realmente acontecer. Nossos eletrodomésticos, carros e casas estarão todos integrados à computação nas nuvens. Diante disso, não há como negar que a tecnologia avançará ainda mais, mas tudo isso nos parecerá algo mais natural.
Ri: Como é esse projeto para um novo modelo de escola global? MB: O que posso dizer sem consultar o cliente é que há uma séria de iniciativas de escolas internacionais chegando ao 24
Fotos: Epigram
Até porque, o mesmo se dará nas salas de aula. Estou desenvolvendo um projeto para um novo modelo de escola global e posso dizer, pela pesquisa que fizemos ao redor do mundo, que também é inexorável a presença da tecnologia na escola e no processo de aprendizagem. Estimula-se com isso novas formas de inteligência, interatividade e percepção do mundo. O desafio é congregar o high com o low-tech. Temos chamado isso de high-touch. Ou seja, alta tecnologia com o ser-humano no centro de tudo. Tecnologia sensorial, sem perder a tatilidade do mundo.
Projeto de wayfinding para a Petrobras.
ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Bicudo
Brasil e também iniciativas de grupos de escolas repensando como as crianças e adolescentes aprendem. Significa dizer que o ensino deixa de ser centrado em disciplinas para desenvolver o aprendizado por competências. O que isso representa na prática? Em primeiro lugar, a discussão sobre problema e solução. Ou seja, as disciplinas serão trabalhadas conforme a necessidade ou estratégia de abordagem a um problema dado. As disciplinas não serão aprendidas a priori, para depois serem experimentadas. Já se sabe que há um grande aumento na retenção dos conteúdos, em cerca de 30% a mais, quando os estudantes “aprendem fazendo”, o que no Vale do Silício chamam de “learn by doing” e esse formato é muito diferente de como aprendemos hoje nas escolas. Esse novo jeito de ensinar, por meio de experiências práticas e por competência, exige um novo formato de sala de aula, mais flexível, que consiga se adaptar a cada dinâmica. Espaços para trabalhar sozinho, em grupo, possibilidade de fazer maquetes e protótipos enquanto se aprende e se discute. Como se misturasse a biblioteca com a sala de aula e laboratórios. Tudo no mesmo lugar e se transformando constantemente. Claro que a tecnologia tem papel fundamental nesse processo, facilitando o acesso a conteúdos, mas nem tudo tem que ser high-tech. Tocar, sentir e dialogar são processos importantes e que não podem ser perdidos. Tudo isso tira o professor da zona de conforto, pois ele provavelmente não dominará todos os assuntos, mas terá que ser um facilitador do conhecimento e um curador do aprendizado. Nesse sentido, a relação entre professor e aluno deixa de ser hierarquizada. Não há mais frente e fundos de uma sala de aula. O professor não está no centro das atenções, mas sim o ensino. Da mesma forma que a sala de aula é modificada, os corredores, biblioteca e outros espaços tradicionais têm que ser ressignificados, para abraçarem a interdisciplinaridade e a simultaneidade. O projeto que estamos fazendo para um novo modelo de escola olha para tudo isso. Olha para a arquitetura, para o mobiliário e para o papel desses professores que são, na verdade, facilitadores do conhecimento. Em 2016 e 2017 começaremos a ver essas iniciativas já funcionando.
O projeto de wayfinding tinha como objetivo oferecer um conjunto de pistas visuais, auditivas e táteis para permitir que as pessoas se movimentem dentro de um espaço de maneira segura e informada.
Os modelos disruptivos das start ups do Vale do Silício têm obrigado as pessoas a repensarem suas atuações profissionais e tem redefinido mercados da noite para o dia. Saber lidar com essa nova complexidade precisa começar na escola. 25
EntrevistaNacional Gisele Pinna
Por uma nova dimensão espacial Pesquisadora discute a importância da arquitetura na criação de espaços híbridos, entre o real e o virtual. por Pâmilla Vilas Boas
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ENTREVISTANACIONAL | Gisele Pinna
Se a convivência entre as pessoas depende da sensação de estar no mesmo espaço e não necessariamente de estar, porque que, com as tecnologias que existem hoje, a arquitetura não pensa em novas dimensões espaciais de interação? Essa foi a principal inquietação da professora e pesquisadora Gisele Pinna, que vem desenvolvendo diversas pesquisas para abordar uma nova dimensão espacial de convivência mediada pela tecnologia. Gisele é doutora em Arquitetura e Urbanismo pela USP, professora titular da Universidade Positivo e desenvolve uma pesquisa em conjunto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pinna se considera uma exploradora das tecnologias digitais emergentes e suas possíveis aplicações no campo da arquitetura e urbanismo. Para ela, desde os primórdios, o homem utiliza elementos de suas obras de arquitetura para representar a integração entre espaço real e virtual. Hoje, com o avanço das tecnologias de telecomunicações, é possível realizar o velho sonho de um espaço híbrido: um misto de real e virtual como se fosse um único. Revista iDeia: O que te motivou a pesquisar a constituição de um espaço híbrido? Por que é importante essa interface entre espaços reais e virtuais? Gisele Pinna: Sou de São Paulo e me mudei para Curitiba. Antes de fazer o doutorado, não tinha filhos ainda, e sentia muita saudade de conversar e conviver com minha mãe, principalmente de momentos como assistir TV na mesma sala. E foi justamente esse insight que me motivou. Se minha mãe estivesse aqui, de alguma maneira compartilhando esse espaço comigo, poderíamos estar vendo TV juntas e discutir sobre a programação. O que faz você conviver com uma pessoa? Não é o fato de estar no mesmo ambiente, é o de se sentir no mesmo ambiente. Tirando o sentido tátil, se você tiver o estímulo visual e sonoro, você consegue simular muito fielmente a convivência com aquela pessoa. Se a convivência depende da sensação de estar no mesmo espaço e não necessariamente de estar, porque, com as tecnologias que existem hoje, a arquitetura não usa isso a seu favor?
Protótipo do projeto que prevê uma nova dimensão espacial de convivência mediada pela tecnologia. Imagem: Fernando Macedo
Ri: Você chegou a pensar se essa interface seria possível? GP: Dado que esse contexto é passível de discussão e que uma interface poderia abranger a superfície de uma parede completa, por exemplo, eu passo para um aspecto mais tecnológico da minha tese de doutorado. O que essa interface de comunicação precisa atender para potencializar a percepção de integração? Por exemplo, se eu tenho um espaço virtual que tem uma luz, a luz deveria também iluminar o espaço real, amplificando essa percepção espacial. Os tons, a iluminação, tudo isso é muito importante nessa integração. Eu criei, teoricamente, uma tecnologia que chamo de pixel volumétrico. Imagina que você está no canto esquerdo ou direito da sala. O que você enxerga em um dos cantos é diferente do outro. Se você cria uma tela, você não pode ter o mesmo estímulo visual, um pouco do que acontece com o cinema 3D. Eu começo a discutir possibilidades conceituais de abordar essa questão. Depois faço uma análise das tecnologias de hoje e o que mais se encaixa nessa possibilidade. Existem iniciativas de laboratórios que estão tentando desenvolver tecnologias que melhorem a usabilidade dessas interfaces, no sentido de possibilitarem uma convivência mais natural, mas nenhuma ligada à arquitetura - estão sempre pensando no computador e no dispositivo.
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ENTREVISTANACIONAL | Gisele Pinna
Ri: Você já pensou em implementar essa interface? GP: Conversei com um professor da McGill University quando estive no Canadá. Ele estava tentando soluções, na área da engenharia, para isso. Como minha área de atuação é a arquitetura, estou mais interessada na relação do homem com seu espaço. Colocamos o desafio que os engenheiros interessados podem tentar resolver. Em minha tese eu descrevo o pixel volumétrico e dou algumas sugestões de possibilidades. Ri: Como esse tema vem sendo discutido na arquitetura? GP: Uma coisa muito pouco discutida no campo da arquitetura é como o edifício se comunica com seu público. O que é discutido, geralmente, é que o espaço comunica por causa da sua conformação, provocando estímulos que as pessoas interpretam de algum modo. A influência da luz na percepção do espaço, por exemplo. O que não se fala e eu desconheço abordagens nesse sentido, é como a arquitetura pode ser pensada como um meio de comunicação, uma tecnologia de comunicação. Em minha tese de doutorado fiz um estudo histórico mostrando que, desde as pinturas murais, eles usavam as paredes das construções como se fossem uma janela para um espaço virtual. Quando você representa um jardim do tamanho da parede inteira, por exemplo, você está tentando trazer a ideia de um jardim virtual para dentro de um espaço interno.
Na obra “A Trindade” do artista Masaccio ele utilizou técnicas de representação pensadas em função de quem estava na igreja, para que desse a impressão de um espaço virtual.
Ri: Como um projeto arquitetônico pode se comunicar com a comunidade do entorno? GP: Ao longo da história temos vários exemplos. Com o desenho de perspectiva do Renascimento, novos recursos tecnológicos contribuíram para ampliar a sensação de integração espacial. O artista Masaccio, na obra “A Trindade” (1425-28), simula que Cristo está dentro de um nicho, mas não existe esse nicho fisicamente, ele foi pintado a partir de técnicas de representação pensadas em função de quem estava na igreja, para que desse a impressão de um espaço virtual. Depois que fiz esse percurso histórico, cheguei na provocação do por Gisele Pinna
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Protótipos do projeto que prevêem uma nova dimensão espacial de convivência mediada pela tecnologia. Imagens: Fernando Macedo
que a arquitetura hoje não aborda esse tema, se existem tecnologias para isso. Por que um edifício não pode ser uma janela para espaços virtuais integrados a ele. Tenho várias paredes em um edifício que poderiam ser janelas para vários edifícios ao redor do mundo. Quando você assiste o Jornal Nacional, por exemplo, o Willian Bonner aparece ao lado da “mulher do tempo” (Maria Júlia Coutinho). Ela não está no mesmo lugar que ele, ela está sendo filmada para simular que compartilham o mesmo espaço. É essa interação que abordo: uma interação do espaço real com o espaço virtual. Penso que os arquitetos não enxergam o potencial da arquitetura na criação de uma nova dimensão espacial incorporada à dimensão virtual. Não se trata, simplesmente, de uma tela de TV que você enxerga apenas a face da pessoa do outro lado, ou um site, um computador. Trata-se de uma dimensão de integração espacial, é outra coisa. Ri: O dinamismo da internet já vem sendo incorporado à arquitetura? Como o novo paradigma da comunicação compartilhada pode alterar os processos e as dinâmicas da arquitetura e urbanismo? Como isso impacta nas noções de usabilidade na arquitetura? GP: Desconheço qualquer iniciativa nesse sentido, a não ser muito pontualmente, como o exemplo do Jornal Nacional, apenas uma ilustração dessa possibilidade. Ela não é discutida no âmbito da criação arquitetônica. Arquitetura cria espaços para a vivência e uso das pessoas. Apesar de vivermos num universo digital multiconectado, a realidade da produção arquitetônica é outra. Os espaços arquitetônicos não são conectados. Não temos,
por exemplo, uma sala em que uma de suas paredes apresente uma sala em qualquer outro lugar do planeta e que possibilite a convivência entre as pessoas. Ainda que já exista tecnologia disponível para que os espaços sejam conectados (visual e sonoramente), isso ainda não acontece. Ri: Como a comunicação à distância e a globalização podem impactar nos projetos arquitetônicos e sua relação com as pessoas? GP: Caso os espaços fossem conectados, se estabeleceria uma relação de convivência de pessoas geograficamente distantes. O arquiteto então deveria projetar não só os espaços físicos, como também suas relações com os espaços conectados, e isso transformaria substancialmente o pensar sobre o projeto arquitetônico. Ri: Quais são os principais projetos que você está envolvida atualmente? GP: Estou envolvida com pesquisas acadêmicas que exploram a temática do uso das ferramentas digitais no campo da arquitetura. O principal questionamento é como ferramentas disponíveis hoje podem ser incorporadas pela área da arquitetura? Qual o impacto que do uso de recursos digitais na relação de entendimento de um projeto arquitetônico? Ri: Para você, o que é ser um arquiteto hoje? GP: Ser arquiteto não mudou em nada. Arquiteto é o profissional que reconhece seu mundo, seu momento histórico e tecnológico e que o traduz em bons espaços; espaços adequados, confortáveis, que atenda às necessidades da sociedade. 29
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Imagem: LaCozza Š Dollar Photo
EntrevistaNacional Marcelo Tramontano
Novas formas de morar Pesquisador discute a necessidade de um habitar mais flexível para a família contemporânea por Pâmilla Vilas Boas Casas divididas em cômodos – quarto, sala, cozinha e banheiro - executadas principalmente em alvenaria de tijolos e agrupadas em zonas sociais, íntimas e de serviço. Pode a habitação burguesa europeia do século XIX ainda satisfazer nossos desejos na atualidade? Para o arquiteto Marcelo Tramontado a família contemporânea, diversa em seus modelos e possibilidades de arranjos, carece também de novas formas de morar. Para ele, uma moradia totalmente flexível é possível e necessária para abrigar os desejos de transformação dos sujeitos e sua interação com o habitar na atualidade. Tramontano é mestre e pós-doutor em arquitetura pela Escola de Arquitetura de Grenoble na França; doutor em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo; professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP e coordenador do Nomads, Núcleo de Estudos de Habitares Interativos. Revista iDeia: Quais são as principais transformações sobre a habitação na atualidade? Ri: Está havendo uma transformação imensa da família nuclear formada por pai, mãe e filho. O ano de 1964 foi o turning point da taxa de fecundidade das mulheres, quando foi possível controlar o nascimento dos filhos com a disseminação da pílula anticoncepcional. Isso trouxe outra posição para a mulher no mercado de trabalho. A relação entre o casal se alterou, os filhos são planejados. A porcentagem de famílias nucleares está diminuindo no mundo ocidental e no Brasil também. O censo de 2010 apontou que menos da metade das famílias brasileiras são nucleares. Os outros 53% são diversos: famílias unipessoais, mães com filhos, avós com netos, famílias recompostas. Casais homossexuais com filhos ou não, casais que não são mais casados. Mesmo as pessoas sozinhas, podemos dividi-las em três grandes grupos: jovens que acabaram de se formar e estão indo para o mercado de trabalho; pessoas de 40 e poucos anos saindo de uma separação conjugal, ou pessoas de terceira idade, geralmente mulheres, que acabam morando sozinhas. Dessa forma, as classificações são completamente diferentes para cada um desses grupos e para os modos de vida deles. Tem uma diversidade imensa de demandas que as pessoas não sabem formular, por que o mercado propõe sempre as mesmas soluções. Revista iDeia: As formas de morar seriam diferentes para cada um desses grupos familiares? Ri: Imagine, por exemplo, uma senhora com mais de 70 anos. Ela precisa de muito espaço de estocagem, a vida inteira nos armários, enquanto uma pessoa que acabou de se formar ou um casal sem filhos, com um ritmo de vida urbana, não tem essa demanda. Outros exemplos são pessoas ligadas ao esporte, ao ciclismo, muito diferentes dos intelectuais, músicos, pessoas ligadas à arte. Tudo isso pressupõe espaços muito diferentes. Um espaço para cuidar do corpo, pode ser importante para alguns grupos e para outros não. Percebemos que há uma necessidade muito grande de habitações que sejam programáveis, flexíveis e que possam se adaptar a esses diferentes grupos. Ou eu faço projetos completamente diferentes, ou penso em habitações que não vão ser como as que temos hoje no mercado, com paredes de alvenaria.
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ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Tramontano
Revista iDeia: É possível fazer um projeto de moradia completamente flexível? Ri: Sim. Tanto de uma forma simples, com grandes espaços multifuncionais - temos cada vez mais essa ideia dos dormitórios misturados com espaço de recepção e cozinha, por exemplo, quanto com paredes móveis e divisórias de correr. Existe um projeto na Holanda, E-motive House, com um espaço bem pequeno, todo programado e reconfigurável por automação residencial. Nesse caso, todo o espaço físico pode ser alterado. O Nomads - Núcleo de Estudos de Habitares Interativos fez um projeto parecido com divisórias de correr, de acordo com um comando de voz. Já tem muita coisa feita para pessoas com mobilidade reduzida que vão morar nos apartamentos e precisam de autonomia. É justamente nessa área que vamos encontrar os maiores avanços no uso dessa tecnologia para a reconfiguração do espaço. Revista iDeia: O que significa a desterritorialização do morar? Ri: Percebemos que o morar não se faz mais só nesses lugares (casas, apartamentos etc). As pessoas moram na cidade, em percursos, no automóvel, que é uma extensão do espaço privado no espaço público. Isso tem se potencializado com a maior mobilidade dos equipamentos: celulares, smartphones, tablets. O facebook, por exemplo: você viaja, vai para o outro lado do mundo, abre o face e se sente em casa. Uma casa ampliada no mundo digital e que faz parte da nossa vida tanto quanto o espaço físico. Efetivamente, o morar se faz aí também. Revista iDeia: Nesse sentido, como seria possível pensar em espaços desterritorializados? Ri: Como seriam esses edifícios coletivos? Como poderiam ser, agregando esferas de trabalho e de lazer para além do que o mercado vem oferecendo - uma piscina ou uma salinha de ginástica? Isso quando o edifício se preocupa em se equipar com esses espaços. Precisamos entender que existe um pensamento que é diferente da lógica do mercado imobiliário. Quando você pensa o centro antigo de São Paulo, por exemplo, nas pessoas que estão indo morar lá, existe muito essa compreensão de que estão indo
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morar na região por causa dos equipamentos culturais, dos bares etc. Já o mercado, quando implanta os edifícios nesses lugares, tende a modifica-lo. É um pouco do que está acontecendo com a Rua Augusta/SP. As pessoas querem morar perto da Augusta pelo que ela é. E agora, cada vez mais, está havendo uma substituição dos bares da Augusta por prédios, apartamentos e escritórios, que têm em seu discurso publicitário a ideia da Augusta como um lugar bacana, underground. O que eu estou propondo é uma lógica inversa. De que o desenho dessa habitação considere o local e permita conexões. Algumas tentativas e ideias interessantes foram realizadas pela Ideia!zarvos, uma pequena incorporadora que contrata escritórios para fazer pequenos e modernos prédios na Vila Madalena/SP, alguns deles com praças internas. No fim das contas, a implantação não é tão ousada. Por outro lado, no projeto, tem tudo isso de considerar o bairro e abrir espaço para outros públicos. Revista iDeia: O que é o do it yourself na arquitetura? Ri: Acho fundamental na habitação, por que o espaço de habitar pode ser desenhado por arquitetos e designers, mas deve ser customizado por quem mora nele. Essa história de paredes flexíveis ou um mínimo de flexibilidade é justamente para abrir esses espaços de interação. Essa ideia já está na cabeça das pessoas quando se fala de mobiliário e seria muito importante se pudesse ser feito também na edificação propriamente dita. Não é difícil, mas demanda uma série de cuidados. Uma divisória móvel, por exemplo, precisa resistir a essa mobilidade. Precisamos definir se vai ser móvel todos os dias, ou se vai ser móvel só quando a pessoa mudar para o local, ele customiza e não mexe mais, ou se terá uma mobilidade de uma vez por ano, um momento de receber pessoas e fazer uma festa, por exemplo. Não é difícil, no mundo há vários exemplos, mas o mercado brasileiro é muito conservador. Vamos encontrar coisas assim em residências particulares, feitas sob medida, mas aí é muito mais caro. Revista iDeia: Se essa proposta é viável, por que o mercado não a implementa? Ri: Existem algumas iniciativas. A idea!zarvos faz vários prédios e não tem nenhum apartamento igual ao outro. Eles começaram
ENTREVISTANACIONAL | Marcelo Tramontano
Imagens do projeto E-motive House (2002) criado pelo arquiteto holandês Kas Oosterhuis. No projeto, a construção da casa, assim como seu imobiliário, são programáveis e podem se transformar e se comunicar emocionalmente com seus habitantes, numa combinação de espaço real e imagem virtual. O E-motive House é uma estrutura programável, um longo espaço que pode se movimentar. Trata-se de um estudo sobre o que o arquiteto chama de realidade estendida. Imagem: VAA.ONL
com um projeto que chamava “Movimento Um” com prédios com plantas totalmente flexíveis. Tem outro, da construtora MaxHaus, que é a aplicação desse conceito. Eles te dão a planta e você pode inventar a sua dentro do sistema deles. Você compra essa flexibilidade inicial, põe a parede onde quer e não mexe mais, mas já é um passo. Revista iDeia: Essa mobilidade pode ser pensada também para as moradias de interesse social? Ri: É uma coisa triste de se ver. O principal problema na habitação social no Brasil é que o projeto das residências é feito baseado na renda da família e não no tamanho dela. Pode ter de três a nove pessoas morando nos mesmos dormitórios. Só aí já existe uma imensa justificativa para se flexibilizar. Poderia ser um perímetro similar com divisórias distintas, por exemplo. Sabemos que, no caso de casas, as pessoas tendem a mexer na casa inteira e a construir no terreno todo. O problema maior, nesses casos, é o sistema construtivo utilizado. É feito de tijolo, então é um quebra-quebra se quiser tirar uma parede e é uma construção difícil para acrescentar uma parede nova. Depois de pronto é muito difícil de alterar. Se considerássemos sistemas leves, seria mais fácil. Coisas que já são utilizadas no mercado. Não é nada absurdo, é uma mudança de mentalidade e de cultura sobre o habitar.
Marcelo Tramontano
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PERFIL | Daan Roosegaarde
Perfil
Daan Roosergaarde
Novas propostas para o futuro por Ana Cláudia Ulhôa “Começa com um sonho e, em seguida, é como um sabor em sua boca, mas você não sabe os ingredientes. Então, você começa a ler, escrever, viajar, para comunicar o que for necessário para transformar o sonho em algo real”, afirma Daan Roosegaarde. Basta observar a utilização da luz, a brincadeira com as cores e os movimentos delicados de qualquer uma das obras de Daan para entender de onde nascem as ideias desse artista holandês, considerado pela fundação de arte Kunstweek como o talento do ano de 2015.
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Foto: divulgação
PERFIL | Daan Roosegaarde
Highway Smart são estradas com pedras cintilantes que brilham a noite e tem por objetivo criar caminhos interativos e sustentáveis usando a luz, energia e informação.
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Foto: divulgação
PERFIL | Daan Roosegaarde
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PERFIL | Daan Roosegaarde
Lotus é uma esfera produzida com folhas de alumínio maleáveis, que através de um sistema, reagem aos movimentos humanos, dobrando-se, liberando a passagem da luz.
Formado em Belas Artes pela Academy of Fine Arts de Enschede, Holanda, e pós-graduado em Arquitetura pelo Berlage Institute de Rotterdam, também na Holanda, Roosegaarde ficou conhecido por desenvolver projetos de design social que exploram a relação entre pessoas, tecnologia e espaço. Para definir a maneira como trabalha, o artista criou o termo “tecno-poesia” que, de acordo com ele, “significa você conectar mundos de inovação, novos materiais, novas tecnologias, com imaginação, novas ideias, novos sonhos”, explica. Daan conta que esse conceito permeia suas obras desde o início de sua carreira. Quando fundou o Studio Roosegaarde, em 2008, seu primeiro projeto, Dune, teve como proposta criar uma paisagem interativa pública. Através da instalação de centenas de fibras de LED, Daan Roosegaarde fez nascer, às margens do rio Mass, um verdadeiro jardim de luz. Composta por sensores, alto-falantes e softwares, a obra era capaz de acender ou apagar suas lâmpadas ao detectar sons e movimentos ao seu redor.
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PERFIL | Daan Roosegaarde
Dune é uma instalação produzida com hastes metálicas e iluminação na pontas , que reagem ao som e aos movimentos produzidos pelos visitantes.
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Foto: divulgação
PERFIL | Daan Roosegaarde
Uma característica importante do trabalho do artista é a preocupação com a questão ambiental. Considerado o líder “verde” mais influente de seu país, Daan diz que, ao criar um projeto, ele busca olhar “mais para a natureza”. Afinal, “eu sempre brinquei na natureza e com a natureza, então, quando eu cresci, era lógico que iria continuar com isso”, ressalta. O Smart Haighway, por exemplo, foi um trabalho que ganhou destaque por oferecer uma solução sustentável para a iluminação e sinalização de rodovias. Elaborada no ano de 2012, em parceria com a Heijmans Infrastructure, a estrada inteligente utiliza sensores e tintas que captam energia nas faixas pintadas sobre o asfalto. A ideia é que elas absorvam energia durante o dia para brilharem no período da noite e orientarem os motoristas que transitam pelo local. 39
PERFIL | Daan Roosegaarde
Crystal é uma pastilha iluminada por LED que ascende e troca de cor à medida que as pessoas as tocam ou movimentam criando um grande mosaico mutável de luz.
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Liquid Space é uma estrutura interativa, instalada no Centro Yamaguchi de Artes e Mídia, no Japão, que tem a capacidade de tornar-se maior, menor e mudar sua tonalidade de cor, de acordo com o comportamento dos visitantes.
PERFIL | Daan Roosegaarde
Sensor Valley é um conjunto de pilares equipados com iluminação a LED RGB, que interagem com a passagem das pessoas emitindo som e alterando sua cor.
Originada da Smart Highway, a Van Gogh Path segue o mesmo princípio. Construída na cidade de Nuenen/Holanda, onde Van Gogh viveu em 1883, o projeto consiste em uma ciclovia formada por milhares de pedras cintilantes, que à noite lembram o consagrado quadro do pintor holandês, Starry Night. “Esse trabalho é sobre a história, trazendo o património cultural de forma mais realista, mais viva. E é também sobre o futuro, transformando paisagens em energia neutra”, diz Daan Roosegaarde.
Fotos: divulgação
O projeto mais recente de Daan é o Smog Free, uma espécie de aspirador de poluição gigante. Segundo o artista, o Smog é uma torre de sete metros de altura, que suga todo o ar sujo que estiver ao redor, para depois filtrá-lo e liberá-lo em forma de bolhas de ar limpo. Se forem instaladas cada torre será capaz de tratar 30mil metros cúbicos de ar por hora. Para despertar a consciência das pessoas em relação à poluição atmosférica, Roosegaarde também desenvolveu o Smog Free Rings, um anel que traz um cubo feito com a fuligem recolhida pela torre. Uma joia possui cerca de mil metros cúbicos de resíduos. 41
Waterlicht é uma experiência sensorial que leva o visitante a sentir como se estivesse imerso num oceano de luz, produzida por um conjunto de LEDS, lentes e softwares.
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Foto: divulgação
PERFIL | Daan Roosegaarde
PERFIL | Daan Roosegaarde
Sobre esse projeto, Daan confessa que “é especial, pois ele aborda um problema social, a poluição. É uma solução para criar parques limpos na cidade e, ao mesmo tempo, conectar as pessoas para dizerem: ok! Vamos trabalhar juntos, vamos criar uma consciência. Acho que não devemos esperar do governo, mas da multidão, as pessoas devem começar a fazer. Cada um trabalhando por si só é bem melhor. Nós não podemos só esperar”. Para 2016, o artista pretende desenvolver novas obras que trabalham com emissão de luz. “Há sempre muitas ideias flutuando. Como uma água-viva profundamente debaixo da água emite luz? Ou um vaga-lume? Podemos aprender? Essas são as coisas que estou explorando no momento”. Independente do projeto, Roosegaarde lembra que seu intuito é ser sempre criativo e oferecer novas ideias para o futuro. “Meu trabalho é uma espécie de proposta do que o futuro poderia ser, mas de uma maneira muito real, muito pública. É sobre trazer mais criatividade ao mundo que você e eu vivemos todos os dias. Essa é a coisa mais importante que eu penso”, conclui.
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Perfil
Melissa Mongiat
Mais cooperação, por favor! por Ana Cláudia Ulhôa
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PERFIL | Melissa Mongiat
Foto: divulgação
Pessoas transitando nas ruas, sinais de trânsito regulando a passagem dos carros, crianças brincando em parques e o som que emerge de todos esses lugares, mas que muitas vezes passam despercebidos. Cada detalhe presente no dia a dia das grandes cidades pode servir como fonte de inspiração para a designer de interação canadense Melissa Mongiat.
O projeto Knock Stop Music convida as pessoas a criarem música através de semáforos gigantes.
“Henri Chopin (poeta francês) disse que ‘longe de ser experimental, estamos simplesmente a viver com nosso tempo’. Eu sempre gostei disso, por isso sugiro formas alternativas de viver a nossa vida, com as tecnologias, com a cidade, com o outro”, diz Melissa. Formada em Design Gráfico pela Université du Québec, em Montreal, e mestre em Ambientes Narrativos pela Central Saint Martins College of Art and Design de Londres, Mongiat nunca se dedicou a projetos tradicionais. “Gosto do poder das multidões. Logo no início, tive a chance de trabalhar em espaços públicos, onde descobri a magia de levar pessoas, que não conhecem umas às outras, a fazerem alguma coisa juntas”, afirma. Quando ainda estava estudando na Inglaterra, Melissa Mongiat realizou uma série de ambientes interativos para a sala de concertos Royal Festival Hall, que lhe rendeu uma indicação na revista Wallpaper, como uma das dez designers mais promissoras do mundo. “Fizemos assentos musicais para que qualquer um pudesse jogar, como um game, e descobrir peças clássicas. O sistema era bastante simples, embora houvesse cerca de um quilômetro de cabos correndo sob a estrutura do palco. Estávamos nas origens da tecnologia interativa. Foi muito bom ver a reação das pessoas. O fato de paredes e móveis poderem tocar música era bastante novo para o público naquele momento”. Pouco tempo depois, a designer retornou ao Canadá e deu início a uma nova etapa de sua carreira. “Conheci Mouna Andraos quando voltei a Montreal, após esses anos em Londres. Conhecemos-nos através de amigos, tivemos uns 30 minutos de brainstorm para um projeto e desde então trabalhamos juntas em praticamente tudo. De um projeto para outro, adquirimos uma sólida experiência em instalações públicas, reunimos uma equipe em torno de nós e, eventualmente, achamos um nome para tudo isso”, conta.
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PERFIL | Melissa Mongiat
Um trabalho que reforça essa ideia de cooperação é o The littleBits Store (2015), uma loja criada para uma startup estadunidense, que funciona quase como um laboratório. Mongiat explica que, ao entrar no estabelecimento, o público tem acesso a blocos de construção eletrônicos, com os quais pode dar vida aos mais diversos tipos de invenções. Cada projeto pode ser adquirido por seu criador ou deixado ali para ser reapropriado por alguém. “Para nós, eles são um dos produtos mais inspiradores. Eles estão mudando a maneira como vivemos com a tecnologia, desmistificando-a e fazendo
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The Swings é um balanço de parque que emite som de acordo com o movimento do brinquedo.
Fotos: divulgação
A empresa que surgiu dessa parceria foi o Daily tous les jours, um estúdio que, segundo Melissa, utiliza a tecnologia e contação de histórias para criar uma ampla gama de projetos, que dão às pessoas uma sensação de que elas podem alcançar mais quando estão unidas.
PERFIL | Melissa Mongiat
amizade com ela. Foi uma honra projetar a primeira loja dessa empresa e contribuir para a revolução que o littleBits está permitindo. A loja é um lugar para a experimentação e invenção coletiva, onde qualquer um se sente fortalecido pela tecnologia e obrigado a contar suas próprias histórias”, ressalta.
O projeto The Swings foi desenvolvido em 2011 e todo ano abre a temporada de primavera na cidade de Montreal.
Outro trabalho que segue a mesma linha é o Knock Stop Music (2015), que consiste em semáforos gigantes, instalados nos dois lados de uma rua localizada na cidade de São Francisco, Estados Unidos. Equipadas com um conjunto de círculos sensíveis ao toque, essas estruturas emitem sons e sinais luminosos cada vez que um pedestre encosta no local indicado. “Esse projeto foi realizado com o Autodesk Pier 9 Facility. O contexto foi a Market Street Prototyping Festival, evento que convidou designers e artistas para repensar o futuro dessa rua. Queríamos construir uma ponte sobre os dois lados da Market Street,
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PERFIL | Melissa Mongiat
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PERFIL | Melissa Mongiat
Giant Sing Along é um campo de microfones que convida os transeuntes a cantarem juntos.
porque o outro lado da rua, muitas vezes, pode muito bem ser o outro lado do mundo. Knock Stop Music apresenta dois conjuntos de sinais de trânsito, que convidam as pessoas a fazerem música em conjunto. Como a invenção de semáforos também foi o primeiro indicador de que as cidades estavam sendo governadas por carros, o projeto convida os seres humanos a tomarem conta das ruas com a música”, esclarece. Para a designer, não existe linguagem melhor do que a musical para se comunicar. Por isso, quase todos os trabalhos do Daily tous les jours utilizam sons gerados por instrumentos, objetos do cotidiano ou ações. “Você consegue imaginar um mundo sem música? Certamente, não no Brasil! Ela está em todos nós, de formas que não podemos explicar. A música é inerentemente colaborativa e as pessoas entendem bem o resultado do que elas estão criando. Leva as pessoas para fora de suas mentes e as ajuda a deixar suas inibições de lado. Fazer música cria uma base comum para que o intercâmbio ganhe lugar”, defende. Melissa Mongiat lembra no projeto The Swings (2011), por exemplo, a resposta das pessoas após a experiência de fazer música com seus
Em Choreographies for Humans & Stars os astros projetados na fachada do Planetário de Montreal se movem a partir de passos de danças feitos pelos visitantes.
próprios corpos foi muito positiva. A designer e sua equipe construíram um conjunto de 21 balanços que, ao serem movimentados para frente e para trás, dão origem a vários tipos de sons. A ideia é fazer com todos trabalhem em conjunto, pois quanto mais sincronizados sãos os movimentos, mais complexa se torna a melodia. “O projeto atraiu pessoas de todas as idades, inspirando novos hábitos com o espaço. Esse local se transformou em um destino de renome. Há quatro anos as oscilações são um ritual que abre a temporada de primavera no centro da cidade de Montreal”. Após o reconhecimento, tanto da mídia quanto do público, Melissa revela que, no fundo, o mais importante é conseguir estimular a colaboração entre as pessoas. “Experiências coletivas são mais importantes do que parecem. Quando surgem problemas hoje em dia, eles são mais propensos a serem resolvidos através da colaboração. Como uma sociedade, nós precisamos ter um senso de vida em comum. Temos que ter a sensação de que estamos vivendo juntos, nos organizando e trabalhando para resolver os problemas quando chegar a hora. Momentos compartilhados em espaços públicos é onde a vida comum começa”, conclui.
Melissa Mongiat e Mouna Andraos, fundadoras do Daily tous les jours.
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Perfil
Usman Haque
O papel sócio-político da tecnologia por Ana Cláudia Ulhôa
“Onde está a poesia em uma tecnologia que só promove a racionalidade, literalidade e verossimilhança?”. A indagação, feita por Usman Haque em seu artigo Some thoughts on “hardspace” and “softspace” , reflete bem o espírito de projetos como Marling, desenvolvido e montado em uma praça da cidade de Eindhoven, Holanda, no ano de 2012. Feita a partir de lasers, máquinas que liberam fumaça e um software de áudio, a instalação do arquiteto americano, radicado em Londres, transformou as vozes dos cidadãos em um espetáculo visual. Cada palavra emitida servia para dar origem a uma enorme onda de luz colorida que pairava sobre o local. Nesse caso, a tecnologia foi usada para criar um ambiente lúdico, no qual as pessoas tinham a oportunidade de se tornarem atores da cena urbana e refletirem sobre a forma como se relacionam entre si e com os espaços públicos.
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PERFIL | ART + COM Performance / Instalação Primal Source na cidade de Santa Mônica, na California Foto: divulgação - Haque Design
Foi exatamente essa possibilidade que fez Haque optar pelo caminho da arquitetura interativa. “Estudei arquitetura na Bartlett School of Architecture (Londres) no início dos anos 1990. Lá, sempre fui mais interessado no espaço entre edifícios do que nos próprios edifícios e na experiência dinâmica e habitação do espaço do que nos arranjos estruturais estáticos”, conta. Por isso, logo no começo de sua carreira, Usman formulou dois conceitos que permearam seu trabalho, o hardspace e softspace. “Essencialmente, foi a ideia de que, enquanto a arquitetura tradicional foi pensada como material físico ‘duro’ (paredes, pisos, telhados etc), eu estava mais interessado no material ‘soft’ (som, cheiro, luz, temperatura, campos eletromagnéticos etc). Não rejeito o material duro, é só que tendo a operar mais na parte “soft” do espectro. Reconheço que existe uma necessidade de considerar o espectro em sua totalidade, e que a correspondência de softspace e hardspace poderia ser pensada como um ‘sistema operacional’ (para usar a terminologia de computador), um quadro espacial para apoiar o espectro completo”, esclarece. Um projeto que exemplifica bem a forma como Usman Haque pensa a arquitetura é o Another Life. Instalada no parque da cidade de Bradford, Inglaterra, desde 2012, essa intervenção é considerada uma das maiores obras interativas e permanentes montadas em um espaço público da Europa.
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PERFIL | Usman Haque
O projeto Burble consiste em balões de hélio com LEDs e microcontroladores, que interagem com os movimentos do público.
Através de sensores, equipamentos de iluminação, difusores de neblina e raios laser, esse trabalho muda os padrões de luz do lugar e libera fumaça, de acordo com os movimentos das pessoas e as condições climáticas. Nesse projeto, as respostas do sistema criado por Haque nunca se repetem. O comportamento do software do Another Life deixa clara a influência da Teoria da Conversação, de Gordon Pask, nas obras de Usman. O ciberneticista acreditava que o grau mais elevado de interação era a conversa entre dois seres humanos. Dessa forma, Usman Haque sempre propõe trabalhos que convidam o usuário a conversar com o sistema.
Foto: divulgação
“Estou interessado nos tipos de projetos onde existem muitas maneiras de entrar em interação, onde você pode alterar a resposta em vários níveis, por exemplo, de modo que ele é projetado especificamente para ser reprogramado e re-configurado”, explica. Esse é o caso da instalação Burble. Apresentada pela primeira vez em 2006, ela ganhou várias versões até 2010. Todas eram constituídas por balões gigantes de hélio, contendo LEDs e microcontroladores. Lançadas ao céu à noite, as obras eram capazes de dar respostas luminosas e cinéticas variadas, dependendo dos movimentos realizados pelos participantes na terra.
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Projeto Another Life
O projeto Marling de 2012 transformou as vozes dos cidad達os de Eindhoven, Holanda, em efeitos visuais.
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PERFIL | Usman Haque
Para o arquiteto estadunidense, a realização de projetos que utilizam tecnologia se torna importante não pelos recursos de ponta, mas pelo papel sócio-político que a apropriação desses sistemas pode ter. Em Flightpath Toronto (2011), Haque levanta a questão da mobilidade urbana, por meio de uma instalação, feita em parceria com Natalie Jeremijenko. No meio da praça Nathan Phillips, em Toronto, Canadá, uma espécie de tirolesa com asas convidava as pessoas a experimentarem a sensação de voar como um pássaro pela cidade.
Fotos: divulgação
“A verdadeira oportunidade proporcionada pela construção desses projetos participativos é envolver os cidadãos na construção de uma memória compartilhada de um futuro possível. Quando fizemos Flightpath Toronto, tivemos todos, desde crianças até avós envolvidos. Poderíamos ter feito uma imagem digital de uma tirolesa para ser usada como um método de transporte na cidade, mas isso não é eficaz para dirigir a imaginação. Então, ao invés disso, nós realmente construímos um em que as pessoas pudessem experimentar visceralmente e discutir. Será essa uma boa maneira de começar a trabalhar? É barato e com menos emissão. Seria mais rápido e mais seguro do que andar de bicicleta em uma estrada cheia de carros? Ao construir essa experiência, que as pessoas desfrutam em conjunto, você as habilita a discuti-la corretamente. Você não pode discutir sci-fi (ficção científica) da mesma forma e é, por isso, que estamos sempre tentando operar no mundo real”, afirma.
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Perfil
ART + COM
Uma ruptura com a arte tradicional por Ana Cl谩udia Ulh么a
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PERFIL | ART + COM
Projeto de cenário e figurino para a ópera The Jew of Malta.
Um visitante chega a um museu e se detém diante da pintura Portrait of a Child with a Drawing, do italiano Giovanni Francesco Caroto. De repente a figura do garoto com trajes do século XVI e um papel desenhado nas mãos começa a se desfazer. Os traços vão perdendo a forma, as cores passam a se misturar e tudo vira um enorme borrão, completamente abstrato. Não, isso não é o relato de um sonho ou de uma cena de um filme surrealista. A descrição acima é do projeto The De-Viewer (Zerseher), desenvolvido pelo estúdio alemão ART+COM e exposto no Ars Electronica Center, em Linz, Áustria, no ano de 1992.
Foto: divulgação
Feita com um sistema de rastreamento ocular, que consiste em uma câmera, uma lâmpada infravermelha e um software de monitoramento de vídeo, a obra foi uma maneira de provocar o espectador, que possui um olhar tradicional sobre a arte e introduzir uma novidade que estava chegando naquele momento, a utilização do computador para o desenvolvimento de projetos artísticos. “No início de 1990, o computador ainda era visto como ferramenta e não um meio. Artistas que usaram computadores, geralmente o fizeram com o objetivo de produzir arte visual que, em termos estéticos, ainda era relativamente semelhante à pintura e desenho. Em vez de usar o verdadeiro potencial do computador para criar novos conceitos e um
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PERFIL | ART + COM Mobility – Reflective Kinematronic II, que faz referência a um sistema antigo de comunicação, no qual se usava um espelho e luz solar para a troca de informações a longas distâncias.
novo tipo de estética, eles apenas trocaram seu pincel por um mouse. O Zerseher foi desenvolvido em resposta a esse estado das coisas, e teve como objetivo introduzir o computador como um meio artístico em seu próprio direito e propagar uma de suas propriedades mais notáveis: a interatividade”, explica Joachim Sauter, diretor de criação do ART+COM Studios. Esse foi um dos primeiros trabalhos do grupo de arquitetos, designers, programadores e cientistas, fundado em 1988, com o objetivo de projetar e desenvolver instalações de novas mídias e espaços. “Usamos uma nova tecnologia como um meio de expressão artística e como um meio para a comunicação interativa de informações complexas. No processo, estamos melhorando as tecnologias constantemente e explorando seu potencial para a comunicação espacial e arte”, ressalta Sauter. Segundo Joachim, o diferencial do estúdio é a busca pelo novo. Ele diz que seus clientes “estão procurando a criatividade do pensamento livre, e não a investigação tecnológica ou o trabalho de design clássico”. E, sua empresa também prefere realizar serviços para pessoas “que estão à procura de trabalhos originais e que se sentem inspiradas pelo que fazemos e nos desafiam a inventar e criar algo novo”. Um projeto que ganhou destaque pela inovação foi o espaço criado para o Museu da BMW, na cidade de Munique/Alemanha, em 2008. Composto por uma praça central e sete ambientes, o edifício trabalhado pelo ART+COM recebeu, em todas as suas paredes internas, LEDs monocromáticos brancos folheados ou chapeados de vidro arquitetônico opaco para projetar imagens 3D ou em movimento. Outro elemento desenvolvido para o espaço foi uma escultura cinética, que explica o processo de concepção de um carro. Logo no primeiro ambiente, o visitante se depara com 714 esferas de metal que parecem flutuar por estarem presas ao teto através de um fio de aço bem fino. Inicialmente, esses objetos se encontram desorganizados, sem qualquer 58
O ART+COM Studios foi responsável pelo projeto interativo do Museu da BMW, na Alemanha.
PERFIL | ART + COM
forma. Por meio de sistemas mecânicos, eletrônicos e códigos, eles se movimentam e lentamente formam a imagem de um carro. Ao todo essa apresentação se repete cinco vezes, para mostrar o processo de design dos cinco modelos mais importantes da história da empresa. Para o diretor de criação do estúdio alemão, o uso de recursos interativos em museus tem se tornado cada vez mais importante, pois permite a democratização do conhecimento. “Eles alteram a velha hierarquia, em que o perito transmite o conteúdo para o leigo, criando uma troca. Com as novas mídias, essa mão única de comunicação passa a ser um diálogo, no qual pode ser oferecido, ao visitante, uma experiência única e individual ou em grupo”, afirma. Outro trabalho do ART+COM que modifica um espaço tradicional é o projeto desenvolvido para a ópera The Jew of Malta. Em 2002, a equipe de Joachim Sauter criou um cenário com telas de projeção espalhadas pelas paredes do teatro, onde o espetáculo seria encenado. Através delas foi possível dar vida, por exemplo, a aviões de grande porte, que foram gerados em tempo real e exibidos na construção. Foram instaladas também câmeras que acompanhavam os movimentos do personagem principal. O intuito era fazer com que as imagens projetadas se deslocassem junto com ele. “Esse conceito permitiu ligar
a ação à arquitetura: Maquiavel, como um personagem poderoso e dominante no jogo, tinha o poder sobre o palco e, consequentemente, sobre os seus coadjuvantes, através das possibilidades de interação dadas a ele”, recorda Sauter. Além da cenografia, os figurinos dos atores também foram incrementados com mídias digitais. Para retratar as condições e sentimentos dos personagens, o estúdio utilizou um mecanismo de reconhecimento de imagem. “Uma câmera infravermelha foi apontada para o palco, para que pudesse analisar e identificar as silhuetas dos atores em tempo real. A partir desses contornos, máscaras virtuais foram projetadas sobre os artistas, que eram, portanto, capazes de se moverem livremente. Como as fantasias eram projetadas, elas poderiam ser continuamente adaptadas aos seus movimentos”, esclarece. Joachim lembra que a tecnologia é inerente a tudo que seu grupo faz, pois os recursos de programação ajudam a criar uma rica experiência interativa. Porém, ele ressalta que o digital deve ser usado sempre como meio de expressão, nunca como forma de impressionar as pessoas. “Para nós, a tecnologia é o meio pelo qual nos comunicamos, mas é o que nós comunicamos que deve estar no centro das atenções e não o funcionamento de nossas criações. Nós teríamos falhado se as pessoas se fascinassem pela tecnologia em primeiro lugar e não se envolvessem com o conteúdo”, conclui.
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EntrevistaInternacional Michael Fox
O Neural Sky ĂŠ um projeto do Fox Lin Inc. Quando as pessoas se aproximam, uma luz ĂŠ disparada de uma pessoa a outra, criando uma rede 3D.
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ENTREVISTAINTERNACIONAL | Michael Fox
Ambientes do futuro por Ana Cláudia Ulhôa
Um computador central que abre e fecha portas, janelas e compartimentos, controla a luz, temperatura e tudo o que for preciso para manter o ambiente de acordo com as necessidades de quem o utiliza. Essa imagem futurista é muito comum em filmes de ficção científica, como 2001: Uma Odisseia no Espaço, em que o supercomputador HAL 9000 controla a nave Discovery e a mantém em ordem para o conforto de seus tripulantes. No entanto, esse cenário deixou de figurar apenas na telona para participar cada vez mais de nossa realidade. Um exemplo disso é uma casa no Colorado, Estados Unidos, equipada com um programa que observa o estilo de vida de seus moradores e aprende a antecipar e adequar o ambiente às necessidades de seus habitantes. Esse projeto é só um dos vários que estão catalogados no livro Interactive Architecture, do arquiteto Michael Fox, em parceria com o também arquiteto Miles Kemp. A obra é uma compilação de trabalhos arquitetônicos que dialogam com a tecnologia e refletem o que podemos esperar da arquitetura interativa nos próximos anos. Nas mais de 200 páginas do volume, é possível encontrar projetos que vão de instalações a casas programáveis a edifícios inteligentes. Fundador do escritório Fox Lin Inc.; membro do grupo de pesquisa em arquitetura interativa Kinetic Design Group e parceiro da NASA no desenvolvimento de estudos de tecnologia, Michael Fox conta um pouco sobre sua carreira, explica como a arquitetura interativa tem afetado nossas vidas, como foi o processo de produção do Interactive Architecture e ainda revela: lançará mais um livro sobre o tema em maio de 2016. Revista iDeia: Como começou seu interesse por arquitetura interativa? Michael Fox: O interesse surgiu a partir da investigação sobre o Kinesis (plataforma de processamento de dados em tempo real) e os movimentos dentro da arquitetura. Estamos preocupados com a forma como a arquitetura poderia promover interações sociais e criar conversas. A intenção do projeto é mostrar que cada indivíduo é uma parte essencial de uma rede de interações que definem nossos ambientes. Ri: Como surgiu a ideia de criar o Kinetic Design Group e como funciona? MF: A Kinetic Design Group no MIT foi desenvolvida a partir de uma curiosidade em aplicações de sistemas cinéticos inteligentes e responsivos. Queríamos estender as técnicas e tecnologias utilizadas atualmente para realizar projetos sustentáveis em arquitetura. Ri: Quando e como a Fox Lin Inc. foi fundada? MF: Eu conheci Juintow Lin na escola de arquitetura há quase 20 anos e nos reunimos em Los Angeles, em 2003. Abrimos nosso primeiro escritório juntos, como Fox Lin, em Venice Beach, em 2005. Durante nosso tempo longe do escritório, ambos trabalhamos como professores na California Polytechnic State University. Desde 2008, temos operado como uma empresa de arquitetura de serviço completo, com projetos de todas as escalas na área da grande Los Angeles.
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ENTREVISTAINTERNACIONAL | Michael Fox
Ri: Você diz que na Fox Lin vocês estão “abertos a trabalhar em praticamente quaisquer projetos em que um bom design seja necessário”. Mas, como é feita essa seleção? MF: Olhamos para o trabalho que borra as fronteiras entre arte e arquitetura. Estamos mais interessados tanto em edifícios quanto em ambientes que foram projetados para responder, adaptar, mudar e vir à vida. Ri: Você tem uma parceria com a NASA. Como é esse trabalho? MF: Essa relação foi construída ao longo do tempo com projetos não-patrocinados para os meus alunos da California State Polytechnic University de Pomona. Com essa parceria, tornou-se cada vez mais possível participar de trabalhos financiados mais complexos. Isso culminou no projeto de pesquisa Wii in Zero-G, em 2014 (quando Michael voou em gravidade zero com seus alunos e cinco foram selecionados para participar do NASA’s 2013 MUREP Education Flight Programare, conduzindo suas próprias investigações sobre vídeo games no espaço). Ri: Você escreveu o livro Interactive Architecture com Miles Kemp. Como surgiu essa parceria? MF: Miles era um ex-aluno meu na Sci-Arc. Seus interesses em design interativo e arquitetura, alinhados com minha ideia de escrever meu primeiro livro, cresceu organicamente em nossas conversas sobre o tema da arquitetura interativa e robótica arquitetônica. Ri: Como você selecionou os projetos que entraram no livro? MF: Os projetos incluem insights sobre a tecnologia que irá ser parte inevitável e completamente integrante de como vamos fazer nossos edifícios e ambientes no futuro. Ri: Quais projetos você considera mais inovadores e importantes para a discussão de arquitetura interativa? MF: Um hotel em Israel concluiu recentemente um projeto chamado Eco: 29, que é um
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O projeto Bubbles foi desenvolvido pelo Fox Lin Inc. em 2006.
Bubbles consiste em sacos infláveis que se enchem ou esvaziam de acordo com o volume de pessoas que visitam a obra.
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“morphing*” dinâmico, espacialmente adaptável para ser um salão de casamento ou espaço de eventos. Literalmente, todo o interior pode mover-se. O projeto baseia-se em diversas áreas do conhecimento fora da arquitetura, incluindo engenharia mecânica, ciência da computação, projeção digital, design de tração e acústica. A motivação para esse projeto refere-se à possibilidade de alterar dinamicamente layouts espaciais para atender à necessidade de mudanças rápidas, tanto no contexto de uma cerimônia de casamento, quanto para outros eventos, como o lançamento de produto de uma empresa. Eco: 29 foi inovador em muitos aspectos, porque é o maior espaço totalmente interativo de seu tipo no mundo. Ri: Na introdução do livro você diz: “este livro analisa o potencial da arquitetura interativa: o que é, como ela pode afetar nossas vidas, o que é necessário na sua concepção, e para onde estamos indo no futuro”. Depois de muito pesquisar, a que conclusão você chegou? Qual é o potencial da arquitetura interativa? MF: É, realmente, a noção de um mundo conectado. À medida que continuamos a abraçar um mundo onde as fronteiras entre o físico e digital são cada vez mais tênues, estamos começando a ter uma visão de maturação para a arquitetura que participa ativamente em nossas vidas. Nossos ambientes arquitetônicos estão se tornando tão indissoluvelmente ligados a nossas tendências tecnológicas, que começam a definir entre si de um modo correspondente. Esse é um mundo físico não só é digital, mas também é perfeitamente em rede e conectado. Ri: Uma de suas preocupações no livro é abordar as implicações sociológicas, psicológicas e sustentáveis da arquitetura interativa. Fale um pouco sobre isso. MF: A paisagem atual do espaço interativo é construída sobre a convergência da computação embutida (inteligência) e uma contrapartida física (cinética) que permite que ambientes arquitetônicos sejam capazes de se adaptar. A arquitetura interativa surge de um desejo de criar espaços e objetos que podem
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ENTREVISTAINTERNACIONAL | Michael Fox
atender às necessidades de mudança no que diz respeito às demandas individuais, sociais e ambientais. Ri: No livro há vários exemplos de casas inteligentes. Como a arquitetura interativa tem sido utilizada no ambiente doméstico? MF: Jovens designers estão começando a perceber que é possível construir qualquer coisa que eles possam imaginar. Hoje, temos disponíveis sensores que podem sentir quase qualquer coisa, desde gestos complexos para emissões de gás carbônico até a cor do seu cabelo. Além de detecção, um mundo digital interconectado significa que os conjuntos de dados também podem ser condutores de um prédio ou ambiente interativo, que vão desde o uso da internet para os padrões de tráfego aos comportamentos de multidão. Impulsionados pelas aplicações, esses são genuinamente novos desenvolvimentos e ideias, que promovem rapidamente pensamento avançado no campo. No
Capa do livro Interactive Architecture, de Michael Fox.
*Morphing de imagens é uma técnica de processamento de imagem usada para calcular uma transformação, ou “metamorfose”, a partir de uma imagem para outra. O processo é chamado de “morph” (metamorfose) em termos abreviados. A ideia é criar uma sequência de imagens intermediárias, que quando colocada em conjunto com as imagens originais, representam a transição de uma imagem para o outro.
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Eco 29 é um espaço de evento totalmente dinâmico localizado em Israel.
ENTREVISTAINTERNACIONAL | Michael Fox
entanto, é importante compreender que as fundações dessa área estão ocorrendo com o tempo, que já remonta quase 30 anos. Ri: Seu próximo livro se chamará IA: Adaptive World. O que você pretende discutir? MF: Meu primeiro livro foi sobre o conceito e documentação histórica da arquitetura interativa. Desde que foi publicado, muitos projetos foram construídos nessa área, então o próximo será uma documentação de parte das obras que, desde então, estão vindo à vida. Os projetos incluem insights sobre a tecnologia que será inevitável e parte completamente integrante de como vamos fazer nossos edifícios e ambientes no futuro. Portanto, os projetos são devidamente organizados não pela forma como são feitos e como se parecem, mas sim pelo que fazem: eles animam, comunicam, mediam, evoluem e catalisam. IA: Adaptive World também será publicado pela Princeton Architectural Press.
Michael Fox, fundador do Fox Lin Inc. e do grupo de pesquisa em arquitetura interativa Kinetic Design Group.
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EntrevistaInternacional Dan Lockton
Design com Intenção
Dan Lockton discute o impacto do design na vida das pessoas e seu poder de transformação social por Pâmilla Vilas Boas
Saúde, meio ambiente, desenvolvimento social. Para o designer e pesquisador Dan Lockton, a interação entre design e pessoas pode propiciar mudanças de comportamento em prol do benefício social e ambiental. Dan atua como consultor na interface entre indivíduos, produtos, serviços e ambientes físicos e digitais e está cada vez mais interessado no que ele chama de compreensão pública dos sistemas cotidianos. Ou seja, como interpretamos, compreendemos e interagimos com as infraestruturas, tecnologias e sistemas complexos ao nosso redor e como eles poderiam ser projetados para estimular a mudança. Dan estudou Design Industrial e Engenharia na Universidade de Brunel, em Londres, onde atuou em projetos como o desenvolvimento de bicicletas dobráveis e produtos de mobilidade. É mestre em Política Tecnológica e em Design de Engenharia Industrial, pesquisador do Royal College of Art de Londres e PhD em design pela Universidade de Brunel. Para o seu doutoramento, ele desenvolveu o Projeto com Intenção, um kit de ferramentas multidisciplinares para designers atuarem na mudança de comportamento. Para Dan, as novas tecnologias podem permitir que uma nova onda de interação entre design e pessoas floresça.
Ri: O design tem sido usado em seu poder para influenciar o consumo das pessoas. É possível pensar a influência do design em prol do meio ambiente e da diversidade cultural? DL: Eu acho que os designers estão cada vez mais conscientes do poder que têm de transformar a vida das pessoas, e afetar a sociedade para melhor. Design tem sido frequentemente utilizado no passado (assim como atualmente para influenciar o consumo das pessoas em termos de persuadi-las a consumir mais, ou bens de maior valor - publicidade, branding, design da embalagem). Mas, as ideias semelhantes podem ser aplicadas para ajudar as pessoas consumir menos, ou de forma diferente, e há 66
Foto: divulgação
Revista iDeia: Como o design pode contribuir para a “mudança de comportamento” para o benefício social e ambiental? DL: Tudo o que foi projetado tem efeito sobre nossas ações, de produtos, serviços ao ambiente construído, e o desenho das políticas governamentais. Então, se nós, como designers, estamos mais conscientes do que estamos fazendo, e os efeitos de nosso trabalho na vida das pessoas, temos o potencial de afetar o comportamento delas. Isso poderia significar ajudar as pessoas a agir de maneira a mantê-los saudáveis, melhorar as condições sociais, ou ajudar as pessoas a ter menos impacto sobre o meio ambiente através da maneira como eles vivem. Todo o projeto pode ser para a mudança de comportamento. É antiético para os designers não considerar o poder que têm, e como usá-lo com sabedoria.
ENTREVISTAINTERNACIONAL | Dan Lockton
muitas outras abordagens que os designers usam, como trabalhar com pessoas para ajudar a compreender os contextos da vida cotidiana, para pensar os problemas estruturais de maneiras mais sutis, que podem ser de grande benefício para transformar a sociedade. Ri: Por que o designer deve apropriar-se do poder de sua influência sobre as ações humanas? DL: Designers realmente têm habilidades em implementar suas ideias: protótipos, testes, mas, acima de tudo, a capacidade de comunicação. Isso potencialmente dá aos designers um tipo diferente de energia do que outras pessoas com ideias, como políticos ou sonhadores. Mas esse poder precisa de responsabilidade e consciência mais profunda das estruturas políticas e sociais e os efeitos que estão inerentemente imbricados no que fazemos e agimos, e os efeitos sobre a vida das pessoas.
Kit de ferramentas do projeto Design com Intenção.
Ri: Qual a importância da interação no Design com Intenção? DL: Interação, realmente, deve ser usada em situações em que pessoas e tecnologia, ambientes, outras pessoas, etc, atores, interagem uns com os outros, ou seja, existem loops de feedback em que um ator afeta o outro e, por sua vez, é afetado pelo primeiro, e assim por diante. Basicamente: sistemas em que pelo menos um ator aprende alguma coisa, ou é alterado pela interação. Quando eu usei o termo em Design com Intenção, eu talvez não tenha sido muito claro sobre essa distinção, mas o que quero dizer é que, provavelmente, situações em que a informação ou significado são comunicados pela tecnologia, ou pelo computador, é tanto em resposta às ações do usuário, e também visa ter um efeito sobre as ações subsequentes por parte do usuário.
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ENTREVISTAINTERNACIONAL | Dan Lockton
Kit de ferramentas do projeto Design com Intenção.
Ri: Qual é a diferença entre arquitetura de controle e arquitetura de interação? DL: Usei o termo “arquiteturas de controle”, do professor de direito americano Lawrence Lessig, para descrever exemplos de ambos os sistemas físicos e digitais que tenham sido concebidos, ou estruturados (“arquitetados”) para restringir e exercer controle sobre as pessoas que os usaram. Isso inclui tanto a “arquitetura disciplinar” física, como os picos que inibem os semteto de dormirem em determinado local que, infelizmente, se torna cada vez mais predominante em muitas cidades, e recursos digitais, tais como gerenciamento de direitos digitais. Desde então, é claro, a extensão da vigilância digital pelos Estados Unidos e outros governos foi revelado por Edward Snowden, que, para além dos aspectos de vigilância de controle em si, também revelou toda uma gama de estratégias utilizadas pelos governos para manipular a mídia social e discussões on-line. Essas duas também são parte de uma forma distribuída de controle, seja concebido ou legitimada através de sistemas projetados. Ri: Nessa relação entre design, interação e mudança de comportamento, qual é a importância de estudos cibernéticos? DL: A maioria das questões que se esbarra, ao pensar por meio das interações entre o design e o comportamento das pessoas, tem sido descrita e explorada, de uma forma ou de outra, pela cibernética a partir da década de 1950. Enquanto o sujeito pode ser popularmente confundido com robôs e sistemas de controle, muitos dos princípios e temas subjacentes,
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ENTREVISTAINTERNACIONAL | Dan Lockton
desenvolvidos pelo lado mais humano (ou animal) da cibernética - a partir de Margaret Mead e Gregory Bateson de Gordon Pask, Stafford Beer e outros - são essencialmente sobre encontrar e explorar padrões no mundo. Todos aplicáveis em sistemas de todos os tipos (talvez metáforas “defensáveis” no termo de Pask). Quando pensamos sobre os seres humanos que interagem com sistemas projetados, que se destinam a afetar o comportamento, a cibernética, especialmente cibernética de segunda ordem, dá-nos ferramentas e leis muito úteis para a compreensão deles e projetá-los, melhor. Ri: Por que a ideia de criar um kit com ferramentas de design para influenciar o comportamento humano? Quais são as ferramentas mais importantes neste processo? DL: Gosto de tentar extrair “padrões do mundo”. O kit de ferramentas do Design
com Intenção começou como uma tentativa de categorizar, através de exemplos reais, os tipos de estratégias ou táticas que eu tinha me deparado, nos quais os produtos, serviços ou o ambiente construído tinham sido projetados para ter algum efeito sobre o comportamento das pessoas. A ideia é que ele pode ser usado tanto como um catálogo ou um conjunto de ideias provocadoras, que podem ser aplicadas em outras situações, tais como durante a fase de geração ideia de um projeto e sua concepção. Eu os desenvolvi no contexto de projeto para um comportamento sustentável, tentando projetar produtos que influenciaram o comportamento das pessoas para benefício ambiental. O kit de ferramentas atualmente compreende 101 “design patterns” com formulações como, por exemplo, “O que aconteceria se você projetasse seu produto para fazer isso?”, com um exemplo do padrão em uso. Os padrões são agrupados em oito “lentes”, que são uma tentativa de capturar diferentes “visões de mundo” sobre o comportamento das pessoas e quais fatores são importantes. Nenhum delas é “certa” ou “errada”, embora eu tenha incluído alguns padrões que considero antiéticos, porque é importante que eles não sejam esquecidos ou mantidos escondidos.
Dan Lockton
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Artigo
Marco Túlio
Dois momentos históricos de um encontro entre o cinema e a arquitetura interativa por Marco Túlio Ulhôa
O legado da fenomenologia no campo das artes e do pensamento crítico foi fundamental para que, na primeira metade do século XX, vários artistas, filósofos e pesquisadores abordassem conceitualmente o extravasamento dos limites que separam a arte e a vida. As possibilidades projetadas na expansão dos domínios da experiência, aos poucos, deixariam de se submeter a uma metodologia própria do pensamento teórico, para se tornarem evidências materiais das pesquisas em torno das formas e dos mecanismos de mediação. Foi assim que o cinema transbordou os limites da tela de projeção, originando aquilo que ficou historicamente conhecido como o Cinema Expandido. Uma espécie de vertente conceitual do campo cinematográfico baseada no diálogo entre o filme, o espaço físico e as condições da espectatorialidade. Ampliando-se para o campo das artes plásticas e consolidando-se mais propriamente no âmbito das galerias de arte, as pesquisas
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inauguradas pelos entusiastas do cinema expandido tiveram seu apogeu entre as décadas de 1960 e 1980. Sem ocultar os avanços promovidos pelas iniciativas de diversos outros realizadores que, desde as primeiras projeções organizadas no final do século XIX pelos irmãos Lumière, em cafés de Lyon e Paris, o Cinema Expandido contribuiu enormemente com a ampliação das possibilidades implícitas na experiência da imagem em movimento. Por mais que as questões conceituais levantadas pelo Cinema Expandido tenham se constituído em detrimento da sala de cinema como convenção da experiência cinematográfica, a colaboração dos mais variados campos da arte e da técnica foi fundamental para as pesquisas em torno das formas de ampliação da imagem no espaço. Historicamente, existem dois exemplos que, ainda hoje, são extremamente simbólicos a respeito de como as salas de cinema também foram repensadas como meios
Cinema (Dan Graham, 1981)
ARTIGO | Marco TĂşlio
Film Guild Cinema (Frederick Kiesler, 1929)
Frederick Kiesler
Cinema (Dan Graham, 1981)
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ARTIGO | Marco Túlio
de interação. O primeiro deles é o Film Guild Cinema, projetado pelo arquiteto, designer e escultor austríaco, Frederick Kiesler. Membro do grupo neoplasticista De Stijl, Kiesler foi um importante colaborador dos movimentos surrealista e dadaísta, ao lado de figuras como Marcel Duchamp, Man Ray e Fernand Léger. Construído em 1929 em Nova York, o Film Guild Cinema é talvez o primeiro exemplo de arquitetura interativa voltada para as especificidades da sala cinema. Sua simples proposta de interação é composta por um sistema de projeção capaz de sincronizar as demandas da imagem e da tela. O dispositivo criado por Kiesler, chamado “screen-o-scope” e que lembra a abertura de uma câmera, é alternado de acordo com as especificações da imagem projetada através da abertura da “íris-tela”, que interfere na geometria do filme exibido. Em 1986, o Film Guild Cinema foi substituído pelo 8th St. Playhouse, cinema que também se tornou famoso pela exibição dos históricos Filmes da Meia-Noite e que, em 1990, teve a suas atividades encerradas. Assim, o Film Guild Cinema se tornou uma proposta pioneira frente aos outros projetos de Kiesler que mais tarde surgiriam como novas leituras da tradicional sala de cinema. O segundo e ainda mais complexo exemplo de interatividade entre cinema e arquitetura foi denominado simplesmente como “Cinema”. Trata-se de um projeto que
atualmente existe apenas como modelo arquitetônico, após ter sido integrado a um edifício comercial. Projetado em 1981 pelo multi-artista americano Dan Graham, o Cinema situa-se no térreo de um prédio de esquina em que, no eixo do encontro entre as ruas, está inserida uma tela de projeção convexa. Do lado exterior do prédio, têm-se a leitura de uma superfície plana, onde o transeunte pode assistir à projeção revertida e sem som. Em contraste, os espectadores que estão na sala do cinema podem, de acordo com a iluminação do filme, olhar através das paredes de vidro, para as pessoas que passam pela rua. Uma vez que as ruas são mais iluminadas, os pedestres não podem ver dentro da sala durante a sessão e a fachada de vidro também se torna um espelho para o exterior. Com isso, o trabalho de Graham é capaz de promover um deslocamento das condições de espectatorialidade, servindo como uma manutenção dos limites entre o espaço público e o privado. Entretanto, ao lado do projeto de Kiesler, a obra de Graham também aponta para uma visão sobre a maneira como o cinema nem sempre esteve acomodado à convenção da sala escura. Por fim, cabe ressaltar que nem só de mecanismos e procedimentos voltados para uma experiência realista do filme sobrevive o cinema ou legitimam-se as empreitadas em torno da sétima arte.
Marco Túlio Ulhôa é jornalista, doutorando em Comunicação na linha de pesquisa de Estudos de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense e especialista em Produção e Crítica Cultural. E-mail: mtulhoa@gmail.com
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LU Z OFICIAL
2015
Projetos Bortolini
Um novo conceito de escritório por Ana Cláudia Ulhôa
A cada nova revolução tecnológica, o espaço de trabalho se modifica para se adequar às mais recentes necessidades das empresas e seus funcionários. Desde o surgimento do modo de produção fordista, até o advento da internet e dispositivos móveis, surgiram diversos modelos de escritório. Uma empresa brasileira, especializada em móveis corporativos, realizou recentemente uma pesquisa através de seu Estúdio de Inovação & Design, e propôs um novo conceito de escritório. Depois de passar quatro anos estudando e observando os mais diversos tipos de ambientes de trabalho, a Bortolini apresentou o que foi chamado de transescritório.
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PROJETO | Bortolini
De acordo com Paulo Dias Batista Júnior, designer que lidera o grupo de pesquisas da corporação, o escritório demasiadamente aberto e padronizado não atende mais a diversidade que existe dentro das empresas. “Não são todos os funcionários que trabalham da mesma maneira. Alguns precisam falar mais ao telefone, outros precisam se concentrar e há ainda os que realizam trabalhos sigilosos. Muitas vezes, a pessoa pode fazer cada uma dessas coisas num só dia. Além disso, muitas pessoas trabalham ocasionalmente, não são todos fixos que chegam de manhã e vão embora ao fim da tarde”, observa. Diante disso, sua equipe começou a imaginar um ambiente que atendesse às necessidades de todos os tipos de profissionais que compõem uma empresa e que ainda fosse dinâmico, para responder rapidamente às mudanças de um mercado cada vez mais competitivo.
Porém, Fábio Bortolini, diretor de marketing da empresa, lembra que essa é apenas uma das soluções oferecidas atualmente. Segundo ele, independente da configuração adotada, o mais importante, na hora de montar um escritório, é valorizar as pessoas. É preciso “compreender a forma como trabalham e proporcionar espaços estimulantes e funcionais para favorecer a comunicação, a criatividade e a produtividade”, afirma. Para ele, o maior desafio é “entender, de forma geral, o momento de cada empresa e seu perfil de gestão para compor a melhor solução para cada caso. Depois, de forma específica, as atividades e perfis de cada pessoa, para então definir as especificações do mobiliário”.
Foto: divulgação
Na prática, o que esse modelo propõe é uma nova organização do espaço. Agora, os ambientes não são mais definidos por paredes
ou divisórias, mas pelo mobiliário. Para criar um escritório, o empresário precisa apenas de uma única seção de móveis adaptáveis e interligados, que contém mesas individuais de trabalho com divisórias baixas para permitir uma interação controlada; mesas compartilhadas para uma interação aberta; e estações isoladas para reuniões sigilosas e tarefas que exigem concentração.
Modelo de transescritório proposto pela Bortolini Mobilipario Corporativo.
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PROJETO | Bortolini
Linha Legale
Fábio ressalta que os móveis devem ser escolhidos de forma criteriosa, pois eles são essenciais para o bom desempenho de uma equipe. “Quando não há um cuidado na escolha das características do mobiliário para o tipo de atividade realizada em um ambiente, pode-se criar um desequilíbrio. O mobiliário deve facilitar ou controlar as interações das pessoas, a partir do layout e das funções de cada elemento. O suporte adequado dos equipamentos e acessórios, segundo preceitos ergonômicos, evita a fadiga precoce ou lesões decorrentes de esforços repetitivos. De maneira mais ampla, o mobiliário delimita espaços onde as pessoas se organizam para trabalhar e se relacionar, e eles podem estimular tanto a comunicação como a concentração, o bem estar e a produtividade”, diz.
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Linha Legia da Bortolini
PROJETO | Bortolini
Linha Pluri
Fotos: divulgação
Para acertar na escolha das peças, o diretor de marketing dá a seguinte dica, “deve-se observar primeiramente a que uso ele se destina, para escolher a tipologia correta (plataformas lineares, reuniões, áreas recreativas ou de treinamento etc). Depois, escolher produtos que tenham suporte adequado aos equipamentos e materiais de trabalho, como estrutura para cabeamento e conexões, suportes para monitor e demais acessórios. Os acabamentos devem ser adequados para o trabalho em escritório, e nas superfícies de contato direto. Devem-se evitar peças pintadas, metálicas, de cores cansativas. Suas bordas também devem ser todas revestidas com fita borda de espessura e raio adequados, suavizando o apoio, sem interromper o fluxo sanguíneo”, orienta.
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PROJETO | Bortolini
Um elemento do mobiliário que merece atenção é a cadeira. Por estar em constante contato com o corpo, ela pode afetar não só o rendimento dos funcionários, mas também sua saúde. Por isso, Fábio Borotlini alerta, “ela deve ser escolhida conforme o uso. Para trabalhos de longa duração, devem possuir todas as regulagens que permitam o ajuste ergonômico a cada biótipo, além proporcionar suporte lombar enquanto o corpo se movimenta e não somente em uma posição estática, como tradicionalmente se definia a ergonomia em cadeiras de trabalho”, diz. Fábio recorda que, além de comercializar móveis corporativos e realizar pesquisas sobre modos de trabalho e suas aplicações no design de produtos, a Bortolini também faz questão de auxiliar os clientes durante o desenvolvimento de seus projetos. Esse serviço está disponível em suas unidades e lojas parceiras localizadas nos EUA, África do Sul, Portugal, Espanha, América Latina e 16 estados brasileiros. Em Belo Horizonte, a marca possui uma representante na Savassi e mantém uma parceria com a Templuz.
Tipos de escritórios Segundo o designer responsável pelo Estúdio de Inovação & Design da Bortolini, Paulo Dias Batista Junior, os ambientes de trabalho passaram por modificações profundas desde o início do século XX até os dias de hoje. As mais importantes ocorreram nos anos 1900, 1950, 1960 e 2000. Segundo Paulo, o modelo de escritório mais comum na primeira metade do século XX era o que tinha inspiração no fordismo. Ele era “praticamente uma extensão das linhas de montagem industriais. Esses espaços eram caracterizados por saletas ou gabinetes para gerentes e fiscalizadores, que ladeavam um
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O trasescritório une espaços de interação controlada, interação aberta, confidencialidade e concentração.
PROJETO | Bortolini
saguão com mesas isoladas entre si e ocupadas por funcionários ‘processadores’, o que permitia uma constante vigília do trabalho dos funcionários”. Já o formato da década de 1950 surgiu na Alemanha. Denominado Bürolanschaft ou escritório panorâmico, ele acabou com as sequências de mesas enfileiradas, para dar lugar a divisões em grupos. No entanto, o designer conta que foi nos Estados Unidos, em 1960, que o escritório aberto ganhou força. Houve “a criação de linhas de mobiliário integradas, com divisórias, surgindo oficialmente o Open Office, como se fosse um circuito integrado de computador, dividido por biombos, que marcavam os setores e circulações”.
Foto: divulgação
Entre os anos 1990 e 2000, a popularização da internet, dos computadores pessoais e telefones celulares transformou mais uma vez o ambiente de trabalho. Paulo explica que “essa nova configuração revolucionou totalmente o trabalho, tornando possível que uma grande quantidade de tipos de atividades, feitas no escritório, pudesse ser realizada a qualquer hora e de qualquer lugar”. Com a crise de 2008, o trabalho fora do escritório ou em grupos se tornou a saída para quem queria conter gastos. “Muitas empresas e empreendedores passaram a utilizar recursos como o home-office (trabalho em casa) e o hotteling (quando dois funcionários ocupam o mesmo posto de trabalho de forma alternada e pré-combinada). Isso permitiu aumentar a força de trabalho sem investir na construção de novos escritórios físicos dedicados. Por outro lado, o Coworking (escritório compartilhado) também possibilitou que trabalhadores autônomos diminuíssem os custos oriundos da manutenção de escritórios permanentes”, relata.
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O projeto da escadaria seria realizado em parceria com os moradores locais.
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Projetos
Escadaria Cambuci
Uma escadaria que transforma Projeto estuda novos usos do espaço público. por Pâmilla Vilas Boas
Uma arquitetura que não só concebe as pessoas, mas que permite sua influência no espaço. Essa é a proposta do projeto “Escadaria Interativa Cambuci” que visa a revitalização de uma escadaria no bairro paulistano do Cambuci, localizado entre as ruas Silveira Campos e Oliveira Lima, no centro da cidade. O projeto foi idealizado pelo o Coletivo NOMAS – formado por uma equipe multidisciplinar voltada ao desenvolvimento de projetos de arquitetura e intervenções urbanas pelas cidades.
Imagem: divulgação
A arquiteta Martina Croso Mazzuco, integrante do NOMAS, explica que a proposta é revitalizar uma escadaria de 300 metros quadrados, ao longo de 20 metros de desnível, em um bairro carente sem áreas de lazer. A escadaria se encontra próxima a um conjunto de cortiços, que abriga 416 pessoas; de um Centro Social e Educacional, que utiliza a escadaria como um ponto de acesso e um parque. A proposta foi desenvolvida a partir da observação dos usos que a comunidade já fazia do espaço. Apesar de abandonado pelo por público, é ponto de encontro dos moradores que decoram as paredes com grafites e mudas. “A ideia é reforçar a utilização da escadaria como um espaço de convivência e de lazer, que foi uma atribuição dada pela comunidade, gerando melhorias para acomodar melhor as pessoas”, ressalta.
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Imagens: divulgação
PROJETO | Escadaria Cambuci
O projeto divide a escadaria em diverentes ambientes, possibilitando maior interação entre os moradores.
O projeto é dividido em quatro patamares, voltados para diferentes faixas etárias e interesses. O primeiro patamar conta com canteiros, para que a comunidade possa cultivar hortas e paisagismo. O segundo possui mesas de estudo e um projetor de filmes, com o espaço para a instalação de uma biblioteca, que permite o uso da escadaria também à noite. O terceiro patamar foi projetado para abrigar um playground infantil com escorregador e brinquedos lúdicos. Já o quarto abriga uma churrasqueira, para ser um espaço de convivência interativa dos moradores. O primeiro passo, segundo Martina, seria reconstruir a parte estrutural da escada, que está com graves problemas, melhorar o revestimento e os muros. A proposta é que a escadaria seja revitalizada com a ajuda dos próprios moradores, a partir de workshops e treinamentos, para que aprendam os serviços. “Eles eventualmente poderiam ser contratados para executar o próprio projeto da escadaria. Uma forma também de gerar renda para comunidade e capacitá-los em diferentes serviços”, ressalta. 82
PROJETO | Escadaria Cambuci
Para Martina, a escadaria é interativa por que as pessoas não só usufruiriam do local, mas elas estariam lá para cuidar e construir o espaço. “Eu acredito que a arquitetura interativa é aquela que te convida a influenciar, mudar e alterar. Não é fixa, é uma arquitetura flexível nesse processo. Além de possibilitar a interação, a escadaria permite a materialização dos desejos diversos e da imaginação dos moradores, transformando algo tão estático, como uma escadaria, num local de atividades múltiplas”, avalia.
Integrantes do Coletivo Nomas.
O projeto foi selecionado para X Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2013, na mostra “Modos de Colaborar”, exposta no Sesc Pompeia. Ele não foi implementado por falta de recursos financeiros. O Coletivo Nomas é formado por: Martina Croso Mazzuco, Sofia Croso Mazzuco, Fernanda Tavares, Gabriel Eberhardt, Kim Azevedo, Guilherme Dias, Fernando Diaz Soler. 83
NovasTecnologias
Laboratório discute a interação entre pessoas, tecnologia e informação na cidade do futuro. por Pâmilla Vilas Boas
Tijolos, bits, concreto e sensores. Essa massa híbrida real e intangível é o alicerce da cidade do futuro - uma cidade em tempo real que existe graças a essa mistura de sensores e eletrônicos portáteis em uma nova forma de compreender o ambiente construído e a interação das pessoas e o urbano. Para os pesquisadores do Senseable City Lab, uma iniciativa de pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Fábio Duarte e Carlo Ratti, as cidades estão passando por uma profunda transformação: a convergência da informação digital (bits) e ambiente físico (tijolos). Fábio é professor da PUC do Paraná e pesquisador visitante do Senseable City Lab e Carlo é professor do Instituto e diretor do Senseable City. O laboratório, fundado em 2004 por Carlo Ratti, tem como objetivo principal estudar e antecipar como as tecnologias digitais estão transformando o modo de vida das pessoas e suas implicações em escala urbana, reunindo diversas áreas, como planejamento urbano, arquitetura, design, 84
Fotos: divulgação
Cidades sensoriais
Projeto que analizou 150 milhões de viagens de táxi em Nova York.
NOVASTECNOLOGIAS | Cidades Sensoriais Projeto Local Warming que usa sensores para aquecer pessoas enquanto caminham pelo ambiente, ao invés de todo o ambiente, economizando bastante energia.
engenharia e ciência da computação, ciências naturais e economia. Para discutir as oportunidades e desafios dessas mudanças, o Laboratório irá realizar, no dia 16 de abril de 2016, o Fórum sobre o Futuro da Cidade – Bits e Tijolos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. A proposta é convocar líderes da indústria, pesquisadores, governos metropolitanos e pessoas interessadas em vislumbrar e criar um futuro urbano comum, além de debater os desafios dessa interação entre pessoas, cidades e tecnologias. Para Fábio Duarte e Carlo Ratti, o que está acontecendo hoje em meio urbano é o mesmo que ocorreu duas décadas atrás com a indústria da Fórmula 1. “Até aquele momento, o sucesso nas pistas era principalmente creditado à mecânica dos carros e à competência do piloto. Quando a tecnologia da telemetria ganhou força, os carros tornaram-se computadores monitorados em tempo real por milhares de sensores. Os carros ficaram ‘inteligentes’ e mais aptos a responder de modo autônomo às condições da corrida”, explicam. Fibra ótica de banda larga e redes de telecomunicações sem fio dão suporte a telefones celulares, smartphones e tablets cada vez mais acessíveis. De modo similar à Fórmula 1, as tecnologias digitais vêm se inserindo nas cidades como estrutura central de uma imensa infraestrutura inteligente. “Ao mesmo tempo, bancos de dados abertos – principalmente aqueles dos governos – estão revelando uma multiplicidade de informações, e quiosques públicos estão ajudando pessoas alfabetizadas ou não, a acessar e interagir com essas informações. Junte a isso o crescimento incansável de redes de sensores e tecnologias de controle digital, todos conectados por computadores baratos e potentes, e nossas cidades estão rapidamente se transformando em ‘computadores a céu aberto’”, relatam. 85
NOVASTECNOLOGIAS | Cidades Sensoriais
Para os pesquisadores, plugar equipamentos em um edifício não mais representa uma arquitetura interativa, além de ser uma visão passiva e reducionista. “Arquitetura interativa significa que edifícios (e cidades) estão se tornando um ambiente híbrido, com computadores incorporados em todo lugar. É uma verdadeira mudança de paradigmas, que é o foco da pesquisa em nosso laboratório”, revelam.
Sensores na palma da mão O projeto HubCab, desenvolvido pelo Senseable City Lab, é um exemplo da aplicação das tecnologias de informação nas cidades. Os pesquisadores explicam que foram analisadas 150 milhões de corridas de táxi na cidade de Nova York, e descobriu-se que 40% delas poderiam ser compartilhadas, pois tinham as mesmas origens e destinos. “UberPool, entre outras empresas, usaram essa ideia em novos serviços. Outro exemplo é o projeto Underworlds. Estamos desenvolvendo sensores que circulam pelo esgoto das cidades, coletando amostras de
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DNA para detectar vírus e bactérias. Com isso, pretendemos ter um novo conjunto de informações sobre saúde e comportamento humano”, relatam. Como esse sensoriamento ocorre em tempo real, as informações sobre doenças em circulação são repassadas antes mesmo das pessoas entrarem em contato com elas. “É como se estivéssemos caracterizando o microbioma humano em escala urbana – e potencialmente detectando epidemias antes que elas aconteçam”, relatam. Carlo e Fábio explicam que são mais de 50 pesquisadores no laboratório, trabalhando em vários projetos. “Exploramos como ‘smart light’luzes inteligentes - podem ser mais interativas em diferentes contextos urbanos; usamos sensores para mapear como componentes eletrônicos viajam pelo mundo depois que são descartados; analisamos o impacto dos carros auto-guiados no tráfego urbano; e analisamos dados de smart meters - medidores inteligentes - em cidades na China”.
Imagem: granagab86 © Dollar Photo Fábio Duarte
Carlo Ratti
Como explicam os pesquisadores, os telefones celulares, por exemplo, são sensores superpotentes que podem mapear a presença de pessoas, o som do ambiente, e várias outras informações. Esses sensores portáteis são fundamentais para a coleta de informações e podem contribuir para que urbanistas, arquitetos e engenheiros entendam melhor a cidade e a forma como interagimos com ela. “Com isso, é possível planejarmos áreas urbanas mais eficientes em termos de consumo energético, com menos impactos ambientais, e mais agradáveis” ressaltam. Os pesquisadores citam o exemplo dos carros que também estão se transformando em computadores sobre rodas. Atualmente, eles contêm milhares de sensores que escaneam as cidades: eles sabem quando os freios foram acionados, qual a temperatura exterior em cada ponto, como as pessoas estão sentadas, com ou sem cinto de segurança, o peso dos passageiros, etc.
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ARQUIOLHAR | Marco Brajovick
Vitral do projeto “SPECTRUM - Instalação Sensorial de Realidade Aumentada – Cultura Inglesa 80 anos”. Foto: Rodrigo Mathias
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ArquiOlhar
Espectro de luz Instalação conecta público em explosão de cores por Pâmilla Vilas Boas
Um vitral inspirado nas catedrais góticas inglesas; a imagem do Big Ben, o relógio mais famoso do mundo, em realidade aumentada, e ainda 11 diferentes animações reveladas semanalmente. Essa é a proposta da “SPECTRUM - Instalação Sensorial de Realidade Aumentada – Cultura Inglesa 80 anos”, desenvolvida pelo Atelier Marko Brajovic que projeta, 24 horas por dia, no edifício sede da Cultura Inglesa, em São Paulo, imagens que interagem e deslocam o espectador entre o real e o virtual. A instalação ficará exposta de 7 de novembro a 26 de janeiro de 2016, mas também poderá ser vista através do aplicativo SPECTRUM Cultura Inglesa (disponível para Android e iOS) no smartphone ou tablet. O projeto ainda desafiará, semanalmente, o público a fazer sua própria interpretação sobre as 11 animações, enviando fotos por meio do aplicativo. Pelo feed do app será possível conferir todas as fotografias enviadas. “Com essa iniciativa, a exposição também se torna online, coletiva e realmente interativa”, explica Laerte Mello, gerente cultural da Cultura Inglesa.
ARQUIOLHAR | Espectro de Luz
Carmela Rocha, diretora de projetos do atelier Marko Brajovic, explica que o aplicativo reúne várias tecnologias. Como rede social, realidade aumentada, download de informações e filtros de imagem, recriados em uma instalação única e apresentada não somente como tecnologia em si mesma, mas como forma de interação, aprendizagem e construção de significado e de imaginário sobre a Cultura Inglesa. “Um pensamento integral sobre a escola e a contemporaneidade nos levou ao uso dessas tecnologias e não o contrário: elas são ferramentas de contar a história que gostaríamos”, revela. E ela explica que essa história fala de tradições e do imaginário britânico contemporâneo para pensar o tempo de vida da Cultura Inglesa. “Como comemorar 80 anos e não abordar a questão do tempo?”, questiona. Nesse sentido, a ideia foi criar uma exposição que pode ser vivenciada in loco e compartilhada na rede, tendo uma continuidade para além do espaço físico e
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do tempo. “A possibilidade de desenvolvêlo, abordando essa reflexão a respeito das novas formas da arquitetura e das relações entre as pessoas, é de grande importância. Queremos difundir novas possibilidades e questionamentos, além de propiciar ao público uma experiência talvez não antes vivenciada e, quem sabe, inspiradora para novas ideias”, afirma Carmela.
Realidade aumentada Estamos sempre conectados, interligados a outros lugares e pessoas e ao mundo virtual. Nossas vidas são entremeadas entre o físico e o digital e a noção de lugar se alterou consideravelmente. Nesse sentido, para Carmela, torna-se difícil dizer que exista arquitetura que não seja interativa na atualidade. “Levar essa reflexão para os projetos de arquitetura ou cenografia, tal qual essa instalação se propõe, é resultado dessa compreensão: nossa existência se dá em paralelo e influenciada pelo digital. Claramente, o espaço físico presencial continua sendo a principal preocupação
Fotos: Rodrigo Mathias
Montagem do vitral do projeto “SPECTRUM - Instalação Sensorial de Realidade Aumentada – Cultura Inglesa 80 anos”.
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Foto: Rodrigo Mathias
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entre os arquitetos, mas acredito ser indispensável pensar o mundo digital como partícipe do processo de projeto desde seu início, uma vez que não é uma camada a ser inserida no espaço a posteriori, é também arquitetura”, ressalta. Ela explica que é por isso que a primeira camada de leitura da instalação se dá pela experiência vivenciada com o corpo, onde a alteração constante do espaço físico, através da luz e cor, gera uma nova forma de percepção do espaço e desloca o visitante do seu cotidiano. “A instalação se complementa através da Realidade Aumentada, na qual os conteúdos, que se modificam a cada semana, contam um pouco da relação entre as duas culturas, brasileira e britânica, e estimulam o visitante a revisitar a instalação; e quando falamos em revisitar, não significa presencialmente, uma vez que além da realidade aumentada presente no edifício, o projeto se estende para o mundo virtual”, ressalta.
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