Por que amamos ou detestamos os objetos?
Autor do livro Design Emocional
Edição 08 |Ago - Set - Out/2014 ISSN 2317 - 9406
Editorial Expediente: Editor Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa Danilo Borges Pedro Vaz Perez Pâmilla Vilas Boas Projeto gráfico e coordenação gráfica Cláudio Valentin Capa: Divulgação Don Norman A Revista iDeia é uma publicação da Editora PlexuDesign, patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas afins ao design e formadores de opinião. Contato: contato@revistaideia.com Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da revista.
Mesmo com todas as tecnologias, funcionalidades e usabilidades dos produtos disponíveis atualmente, eles ainda não são suficientes para satisfazer nossas necessidades como consumidores e usuários do século XXI. Hoje, queremos ter mais do que o “material”, queremos vivenciar uma nova experiência ao adquirir produtos, ou ao nos relacionar com objetos que já fazem parte da história de nossas vidas. Mais do que nunca, o Design Emocional se aprimora com o objetivo de entender e assimilar a significativa relação emocional que temos com os objetos a nossa volta. E, foi pensando em entender um pouco mais sobre esse vasto universo, que a oitava edição da Revista iDeia é dedicada à relação entre design – emoção – objeto. Para nossa matéria de capa, convidamos o respeitado professor Don Norman, considerado por muitos como o papa do design emocional, em função de sua literatura dedicada a esse tema. Nas entrevistas internacionais buscamos o dinamarquês Martin Lindstrom, autor de vários livros consagrados, entre eles “Brandsense”, que nos fala sobre a relação emocional que temos com as marcas. Ao seu lado, temos um dos principais defensores do design emocional, Marco van Hout, integrante do conselho da Design & Emotion Society. Na seção Perfil, optamos por mostrar o talento de dois jovens brasileiros e promissores profissionais dedicados à relação emocional que temos com os objetos. São eles os designers Anderson Horta e Pedro Braga. Na entrevista nacional, convidamos outro talento jovem, o jornalista e pesquisador Frederick van Amstel, editor do blog Usabilidoido, que vive hoje na Holanda, onde cursa seu doutorado. Em Ícones, temos dois grandes designers, conhecidos mundialmente pelo trabalho que realizam, extremamente ligado à relação emocional: Alessandro Mendini e Stefano Giovannoni. Na nova seção, “Opinião”, convidamos o arquiteto Dalton Monteiro para nos falar sobre a relação entre iluminação e emoção! E Trazendo a questão para o lado material, apresentamos, na seção Projetos, o belíssimo projeto luminotécnico realizado pela arquiteta Mariluce Duque na reforma do teatro mineiro, Francisco Nunes. Em Miscelânea, abordamos dois assuntos muito interessantes: o movimento Memphis, importante para a história do design e o projeto Something Good, que fala sobre a experiência de união do trabalho de designers e artesãos. Temos ainda ótimas dicas de leitura com Rita Ribeiro, na seção Ler Mais. Em artigos, contamos com a colaboração de três convidados muito queridos: Andrea Nacacche, Daniel Padilha e Marcelina Almeida. Como vocês podem perceber, nossa oitava edição está mais do que especial... Então, só posso desejar uma ótima leitura! Camilo Belchior
Andréa Naccache Psicanalista e estudiosa da ética do processo criativo, Andréa dirige a pesquisa CRIATIVIDADE BRASILEIRA, realizada com Alex Atala, os irmãos Campana e Jum Nakao. Além de clínica, faz consultoria e treinamento em inovação. Realizou projetos com: Whirlpool-KitchenAid, BOX1824, USP, Rico Lins + Studio, Escola Panamericana de Arte e Design, Editora Abril e Possible Worldwide. Em 2009, esteve no MIT para estudos de arquitetura empresarial e design. No mesmo ano, lançou o NÚCLEO DE CRIAÇÃO, grupo de pesquisa do processo criativo com orientação psicanalítica, em atividade continuada.
Daniel Padilha Cofundador e estrategista de marca na Pyrsona BrandHouse, palestrante, professor de curso livre no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, professor na Pós-Graduação da PUC de Minas Gerais, professor convidado na ESPM/SP e Universidade Estadual de Londrina. É graduado em Comunicação Social com ênfase em Design e especialista em Construção de Marca pelo Centro Universitário Belas Artes, MBA Executivo em Gestão de Marcas pelas Faculdades Integradas Rio Branco.
Colaboradores
Marcelina das Graças de Almeida Graduação em História (1989), Mestrado em História (1993) e Doutorado em História (2007) pela Universidade Federal de Minas Gerais - Docente nos cursos de graduação e pós-graduação da Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais e professora titular da Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá Ltda. Coordenadora do ASI - Arquivo de Som e Imagem, situado no Centro de Estudos em Design da Imagem da Escola de Design,UEMG.
Rita Ribeiro Rita Ribeiro é Doutora em Geografia, pesquisadora na área de culturas urbanas e líder do grupo de pesquisa Design e Representações Sociais e professora do Programa de Pós-Graduação em Design na Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG
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Luz é emoção por Pedro Perez
Ao longo de toda uma vida dedicada à arquitetura, Dalton Gomes Monteiro pôde observar as transformações, evoluções e permanências nos projetos arquitetônicos em todo o mundo. Mas, para o arquiteto, se há um campo que realmente ganhou destaque, ao longo das décadas, foi a iluminação. “Luz é emoção. Fazer Lighting Design é projetar com a própria emoção”, avalia. Dono de uma carreira profissional marcada por projetos de prestígio – como a sede social do Jockey Club Brasileiro; o Gabinete da Presidência da República, além de conceituadas residências e hotéis de luxo por todo o país – Dalton Monteiro concedeu entrevista exclusiva à Revista iDeia falando sobre a importância do Lighting Design em projetos arquitetônicos e nos indicou uma de suas referências no campo, o projeto de um restaurante em Paris, do designer Noé Duchaufour Lawrance.
“Em Paris, no alto da torre de Montparnasse, está instalado o restaurante Ciel de Paris, um misto de design retrô-futurista e contemporâneo. Seu teto é inspirado nas bolhas de champagne, usando fontes distintas de iluminação, direta e indireta. Sua iluminação é complementada por pontos na cor laranja, no teto, e linhas de luz, destacando os móveis, de tonalidade escura, criando um clima agradável, tanto de dia como de noite, numa feliz homenagem à Cidade Luz. Reparem no carpete com desenhos que “espelham” as formas das luminárias do teto. Móveis modernos dão o ar de contemporaneidade ao ambiente. Estando em Paris, vale uma visita.”
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Revista iDeia: Qual a importância do lighting designer num projeto arquitetônico? Dalton Monteiro: É um parceiro que vem agregar qualidade ao trabalho, valorizar aquilo que muitos não veem. Num projeto, o arquiteto emprega uma emoção e uma dinâmica ao trabalho, mas são elementos que precisam ser ressaltados, e é isso que um bom lighting designer consegue fazer. Ele abre os olhos do espectador. Ri: Como um projeto de iluminação bem realizado pode impactar ou melhorar a vida das pessoas? DM: Ele destaca os pontos principais desejados pelo autor do projeto, trazendo mais realismo, mais cor para os detalhes. A emoção é um detalhe importante na apreciação de uma obra de arte. A iluminação é como se fosse a moldura que valoriza essa obra prima.
Fotos: Vincent Leroux/Temps Machine Projeto: Noé Duchaufour Lawrance
pág. 8 - Opinião - Danton Monteiro
Ri: De que forma a iluminação pode mudar a “alma” de um projeto? DM: Valorizando essa “alma”. Se desejamos um ambiente tranquilo, calmo, utilizamos cores suaves; ao contrário, se queremos estimular sua apreciação, usamos cores quentes, detalhes vigorosos. A iluminação destaca esse enfoque, acrescenta mais afirmação, mais certeza aos ambientes. Ri: Então, como podemos aproximar o Lighting Design do conceito de “design emocional”? DM: É simples. Luz é emoção. Fazer Light Design, portanto, é projetar com emoção. Ri: Quais relações você vê entre estética e sustentabilidade no Lighting Design? DM: Metaforicamente, assim como o trapézio é a sustentabilidade do trapezista, o projeto luminotécnico é o trapézio do arquiteto. Utilizando-se dele, o profissional pode conseguir sempre mais das suas formas e volumes. Ri: Como você vê o mercado para o Lighting Designer no Brasil? DM: Promissor. Nossos profissionais da iluminação já são requisitados até para projetos no exterior. Seus trabalhos costumam ser publicados em revistas especializadas do mundo inteiro. É preciso agora convencer os compradores de serviços de arquitetura a aceitarem o investimento adicional que o Lighting Design agrega ao
Restaurante Convoglia Foto: divulgação
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projeto arquitetônico, o que, muitas vezes, traz, inclusive, retorno financeiro. Temos que provar ao cliente que pagar mais por um projeto complementar não é custo, é investimento. Ri: Em sua opinião, quais são os principais designers de iluminação em atividade no Brasil e no mundo? DM: Não gosto de citar nomes, para não me esquecer de ninguém. Mas, contornando as falhas, poderia citar a Esther Stiller, com quem tive os primeiros contatos na área. Podemos citar, ainda, Peter Gasper, que, apesar de falecido, ainda é muito lembrado como o grande parceiro de Oscar Niemeyer. Os nomes de Carlos Fortes e Guinter Parschalk também me vêm à lembrança e, para finalizar, cito a Rafaela Romitelli, por seu projeto especial com fitas LED para o Café 7 Molinos, no Shopping JK, em São Paulo. Ri: Quais foram os projetos de Lighting Design mais marcantes e desafiadores da sua carreira? DM: Um deles, já bastante antigo, foi para o salão de convenções do Rio Palace Hotel, no Rio de Janeiro. Posso citar ainda os tetos dos salões de convenções do Golden Tower Hotel, em São Paulo, e o auditório das Lojas CEM, em Salto (SP). O mais desafiador, entretanto, está sendo o da Capela Ecumênica das Lojas CEM, em fase de conclusão.
pág. 10 - Opinião - Danton Monteiro
Ri: Quais são os desafios da Capela? DM: Por tratar-se de uma obra sem qualquer vínculo funcional com a empresa contratante, sendo apenas mais um item de atendimento aos funcionários, teria que ser uma obra pequena, sem maior destaque dentro do parque industrial onde se encontra. Assim, a arquitetura é pequena, delicada, mas de uma dinâmica forte, que estou procurando valorizar com a iluminação. Durante o dia, como sua estrutura e cobertura são todas de vidro, a luz natural resolve a iluminação. Para o entardecer, entretanto, estou buscando soluções discretas na aparência, mas significativas em termos luminotécnicos. Vamos ver como esse desafio vai terminar... Ri: Fale um pouco sobre seu processo de trabalho no que concerne ao desenho de iluminação. DM: Sou um arquiteto voltado, principalmente, aos projetos arquitetônicos e de interiores, e certamente, procuro
Fotos: Vincent Leroux/Temps Machine Projeto: Noé Duchaufour Lawrance
Opinião - Danton Monteiro - pág. 11
valorizá-los com a iluminação. Dou muita importância à luz. Porém, como ainda luto contra a resistência dos clientes na contratação de um profissional específico, acabo eu mesmo resolvendo a questão. Mas, sempre que posso, me consulto com algum profissional do ramo, das lojas, ou projetistas de luminárias. Método de trabalho? Por aproximações sucessivas, isto é, checando sempre, antes de concluir o trabalho. Tenho procurado conhecer melhor as lâmpadas e fitas de LED, já que as incandescentes estão saindo do mercado. A arquitetura ganha com eficiência e nós, profissionais, com novas formas e qualidade de luz.
Arquiteto Dalton Monteiro
pág. 12 - EntrevistasNacionais - Frederick van Amstel
O design e a política do dia a dia por Pâmilla Vilas Boas
Quando o pesquisador Frederick van Amstel começou a estudar jornalismo, a Internet ainda despontava no Brasil e ele já acreditava no potencial revolucionário do meio digital. Na faculdade, ele percebeu que as grandes transformações na comunicação não ocorrem por causa dos meios, mas por causa das pessoas que os utilizam e o constroem, a partir de lento processo de mudança cultural. Ao buscar as pessoas revolucionárias, encontrou a “tribo dos designers” que, para ele, são os responsáveis por fazer a mudança acontecer num campo político completamente diferente: o dia-a-dia. van Amstel é editor do blog Usabilidoido e, atualmente, vive na Holanda, onde realiza pesquisa de doutorado sobre design participativo na Universidade de Twente. Ele foi jurado dos concursos IF Design Awards e Peixe Grande e prestou consultoria em Design de Interação para empresas como Electrolux, InfoGlobo, Magazine Luiza, Tramontina e Duty Free Dufry. Em entrevista à iDeia, Frederick aborda como o design, ao invés de empobrecer a atividade humana, pode intervir no desenvolvimento e na valorização das pessoas, a partir de um pensamento mais expansivo e participativo. Revista iDeia: Como você define o conceito de design expansivo? Como ele pode contribuir para o desenvolvimento humano? Frederick van Amstel: Hoje em dia é cada vez maior o design que, intencional ou não, empobrece a atividade humana, chegando mesmo a torná-la desnecessária devido à automação. E, não é preciso imaginar robôs futurísticos para sacar que o design pode empobrecer a atividade humana; as redes sociais, os celulares, os produtos de ostentação e os apartamentos minúsculos já estão aí para isso. O design expansivo consiste em criar espaços para que as atividades do dia-a-dia não sejam comprimidas, aceleradas, fatiadas e embaladas em pacotes. Se as pessoas estão cansadas da rotineira falta de espaço para suas atividades e os designers estão dispostos a fazer algo a respeito, então o design expansivo é uma tese relevante. Slow food, intervenções urbanas e produtos afetivos são exemplos atuais do que eu chamaria de design expansivo. A questão que eu ponho aos designers e interessados é: que outros tipos de design podemos criar se focalizarmos no desenvolvimento da atividade humana?
Frederick van Amstel Fotos: arquivo pessoal
EntrevistasNacionais - Frederick van Amstel - pág. 13
Ri: Com o Design de Interação é possível criar experiências de interação não só na Web. Como ele pode ser incorporado em outros ramos do design e em outras áreas do conhecimento? Fva: Design de interação diz respeito à maneira como as pessoas podem interagir socialmente por meio de tecnologias. A maior parte dos especialistas nessa área trabalha com produtos de informação, tais como websites e aplicativos. Porém, conheço alguns profissionais experimentando essa abordagem com eletrodomésticos, brinquedos e, até mesmo ambientes. Em meu doutorado, estou trazendo minha experiência no design de interação para a arquitetura e o resultado tem sido bem interessante. Pensar um prédio como um espaço de interação abre caminhos para a arquitetura contribuir para o desenvolvimento de atividades humanas, não só no quesito estético, mas também no quesito usabilidade. Ri: Como o design emocional vem rompendo com a linha funcionalista do Design, muito influente no Brasil, que ainda acredita que a forma de um objeto segue sua função? FvA: O funcionalismo se propõe a colocar a
função dentro do produto, como se fosse parte da forma, daí o dito “a forma segue a função”. Essa abordagem cai por terra quando o usuário encontra outra função para o produto, que não aquela pensada pelo designer. A gente faz isso o tempo todo em nosso dia-a-dia e nem nota. A função da cadeira não é para alcançar algo no topo do armário, nem tampouco é função do armário guardar coisas em seu topo. A cadeira é projetada para sentar e o armário para guardar objetos dentro. Apesar de concordarmos que as funções “originais” são melhores, continuamos a subir na cadeira e guardar coisas no topo do armário. Isso porque não agimos racionalmente o tempo todo. O dia-a-dia, em especial, é o espaço que encontramos para nos aliviar da exigência de racionalidade dos estudos, do trabalho, da economia e da política. O design emocional explora essas “outras racionalidades” do ser humano, deixando de lado a paridade entre forma e função. O resultado do design emocional, o produto afetivo, não tem uma função aparente, explicada pela forma. A forma sequer remete a um símbolo, a outra
pág. 14 - EntrevistasNacionais - Frederick van Amstel
Planejamento colaborativo de um centro de diagnóstico
coisa. O produto afetivo seduz o usuário pelo material, pela cor, pelo cheiro, pela interação, enfim, pela experiência sensorial imediata que proporciona. Pode não ter função alguma, mas a gente quer usar. Isso pode parecer irracional num primeiro momento, mas, considerando o contexto de empobrecimento da atividade humana que mencionei anteriormente, o produto afetivo pode ser a esperança de começar uma nova atividade. Ri: Como o design livre pode contribuir para uma sociedade mais criativa? Fva: Design livre tem a ver com meu lado ativista. Sabemos muito pouco da origem dos produtos que estão ao nosso redor - como eles foram projetados, com quais materiais; qual foi o impacto social e ambiental da fabricação. Se essas informações estiverem livres para os usuários, eles podem não só tomar melhores decisões de compra, como também continuar o próprio projeto do produto através de customizações e gambiarras. Em longo prazo, o design livre levaria a uma conscientização maior do papel do design na sociedade, principalmente, do potencial que oferece para que as pessoas desenvolvam seu potencial criativo no dia a dia. Ao invés de usar passivamente um produto do jeito que ele foi projetado pra ser usado, no design livre o usuário usa de uma forma diferente, muito mais criativa do que a original. Diversas iniciativas atuais estão criando condições para libertar esse potencial criativo do usuário: wiki do produto, código-fonte aberto, impressoras 3D, laboratórios de colaboração, etc. As consequências dessas práticas em larga escala não podem ser antecipadas, mas acredito que serão positivas.
EntrevistasNacionais - Frederick van Amstel - pág. 15
Visualizando o fluxo de atividades num centro de diagnóstico
Ri: O Open Design rompe com algumas ideias fortes no design, como a questão da autoria. Como essa proposta pode ser absorvida pelos designers e pelo mercado? FvA: Embora exista um culto gigantesco à autoria no design, nem todos os designers estão em busca de fama. Para a maioria, a motivação principal é colocar boas ideias no mundo. O problema é que muitas delas acabam guardadas numa gaveta só porque o designer não teve recursos para registrá-la, não encontrou um investidor ou não conseguiu terminar o projeto. Disponibilizar a ideia num repositório de código aberto público abre a possibilidade para algum interessado continuar o projeto. Pode ser que ele roube a ideia sem dar créditos, mas, pelo menos, a ideia foi colocada no mundo. Isso não será justo se alguém ganhar dinheiro com o roubo da ideia, porém, fará todo sentido se o produto for usado para fins não lucrativos, ou seja, suprir demandas sociais não exploradas pelo comércio. Ri: Por que o open design pode ser considerado uma proposta política? FvA: Todo design é uma proposta política, porém, é da política do dia-a-dia que estou falando.
Disponibilizar o código-fonte do produto é uma opção que o designer tem de promover a criatividade no dia-a-dia, superando o consumo passivo. O código-fonte aberto torna o produto um bem público, podendo ser utilizado para aprender uma determinada técnica ou para criar novos produtos. O problema é que no design, o código-fonte não é suficiente para que isso aconteça. Os desenhos em 2D ou 3D de um produto não contam toda a história. Para continuar um projeto, é preciso ter acesso às decisões que levaram àquele desenho. Por isso, eu prefiro usar o termo design livre ao invés de open design: é preciso mais do que disponibilizar códigos-fonte abertos, é preciso projetar em público e documentar o processo. Isso sim é uma proposta política revolucionária! Imagine se os estádios da Copa do Mundo tivessem sido projetados assim? As chances de corrupção seriam muito menores, pois haveria milhões de fiscais observando o projeto.
pág. 16 - EntrevistasInternacionais - Martin Lindstrom
Por um marketing mais emocional por Pâmilla Vilas Boas
Martin Lindstrom revela como a emoção pode aproximar as marcas de seus consumidores Quando criança, na Dinamarca, o jovem Martin tinha apenas um pensamento: LEGO. O jardim da família tornou-se sua própria criação, a LEGOLAND, atraindo visitantes de diferentes lugares – incluindo os advogados da empresa de brinquedos. É com essa narrativa, recheada de emoção, que o publicitário Martin Lindstron conta por que tornou-se um dos principais estudiosos sobre marcas no mundo. Martin é, hoje, responsável por aconselhar executivos da Corporação McDonald, Procter & Gamble, Nestlé, Microsoft Corporation, The Walt Disney Company, RedBull, GlaxoSmithKline, PepsiCo, entre outros. Uma das principais autoridades em neuromarketing, foi eleito, em 2009, como uma das 100 personalidades mais influentes da revista Time. É autor de vários best-sellers e pioneiro na pesquisa sobre psicologia do consumidor, marketing, marcas e pesquisa neurocientífica.
Martin Lindstrom Foto: divulgação
EntrevistasInternacionais - Martin Lindstrom - pág. 17
Ri: Quais são os principais desafios das marcas na contemporaneidade? ML: Existem vários. O principal é controlar as marcas em um mundo onde o consumidor está no poder, não as marcas, que se tornaram extremamente dependentes da interação com esses consumidores. E, nesse envolvimento, são eles que podem fazê-la morrer ou crescer – basta falar sobre ela nas mídias sociais. Livro best-seller de Martin Lindstrom , em que ele analisa o que faz com que as pessoas comprem. Foto: divulgação
À iDeia, Martin fala sobre a importância dos aspectos sensoriais e emocionais das marcas, numa época em que os consumidores têm papel cada vez mais ativo no futuro das empresas. Revista iDeia: Qual é o futuro das marcas? Martin Lindstrom: Marcas se tornarão verdadeiramente sensoriais e começarão a apelar, sistematicamente, para o maior número de sentidos possíveis. Estudos mostram que quanto mais sentidos você despertar, mais você será lembrado. Além disso, há uma correlação direta entre o número de sentidos e o nível de lealdade do consumidor.
Antigamente, o criador de uma marca talvez tenha tido o controle de 70% sobre ela. Isso foi reduzido para 30% e, como a tendência é continuar caindo, os consumidores ganham cada vez mais poder. Ri: Ao mesmo tempo em que estabelecem a relação entre o consumidor e as empresas, a internet e as mídias sociais também colocam as companhias em uma situação vulnerável. Como lidar com isso? ML: Trabalhar com e não contra o consumidor. Sempre que me pedem ajuda para transformar uma marca, eu digo às equipes para, em primeiro lugar, passar um
pág. 18 - EntrevistasInternacionais - Martin Lindstrom
BrandSense, livro de Martin Lindstron que defende a utilização dos cinco sentidos no branding, desde a criação do produto até sua comunicação.
tempo nas casas dos consumidores – viver com eles – e, em seguida, trazer à tona seus pensamentos. Poucas empresas no Brasil realmente vivem com o consumidor. Em vez disso, têm uma tendência a ler relatórios e olhar para as estatísticas nos escritórios. Depois de visitar os consumidores, é preciso se envolver com eles, interagir e iniciar um diálogo. Dessa forma, você descobrirá não só o que eles pensam, como também conhecerá seu paladar, visão de vida e de esperança. Também será natural ter um contato constante com eles, a fim de obter um sentido para o que é certo e o que é errado em sua comunicação. Isso ajudará as empresas a saírem de situações vulneráveis em que muitas marcas, em todo o mundo (e no Brasil), estão vivendo atualmente. Ri: Quais são as suas técnicas para construir marcas em um mundo tão transparente? ML: Normalmente, gastamos de dois a três meses vivendo nas casas dos consumidores, antes mesmo de dialogar com a empresa e com os executivos. A partir daí, criamos mapas emocionais altamente sofisticados de vários daqueles humores, opiniões, preferências e perfis, ajudando-nos a compreender a verdadeira situação da empresa. É em “campo” que vamos ver se a marca tem um problema, se há algum perigo à frente ou se existem oportunidades. E isso precisa ser supervisionado. Então, levamos o cliente conosco, a fim de fazê-lo
ver, em primeira mão, o que está acontecendo. Na experiência, tudo fica muito mais convincente do que apenas compartilhar um relatório. O cliente precisa sentir e compreender a mentalidade do consumidor e isso não vai ocorrer por meio de relatórios. Ri: Por que as marcas são capazes de evocar tantos sentimentos? ML: Porque se tornam um símbolo para outros aspectos de nossas vidas, que significam algo para nós. Um carro não é, necessariamente, um veículo de transporte, mas um meio para os homens conquistarem as mulheres. É o mesmo caso de um perfume, por exemplo. O fato é que as grandes marcas têm a capacidade de se
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A United Colors of Benetton criou um estilo ilustrativo passível de desconstrução, totalmente independente do logotipo da empresa. Foto: Divulgação Benetton
adaptar e conectar emoções para além de sua proposição. Ao longo do tempo, essas emoções se tornam tão integradas que o produto, de repente, não é apenas um carro, um perfume ou um papel toalha, mas o espelho de emoções que se relacionam com a nossa vida. Ri: Como o Design Emocional tem contribuído para essas novas relações entre objetos, marcas e usuários? ML: Tem contribuído bastante e continuará a fazê-lo no futuro. Como mais esforços serão colocados em projetos de produtos, comunicação e ambientes sensoriais, as pessoas, consequentemente se envolverão mais, o que levará a uma ligação mais forte entre consumidores e as marcas.
pág. 20 - EntrevistasInternacionais - Marco van Hout
Teoria e prática do Design Emocional por Ana Cláudia Ulhôa
Especialista em entender, medir e projetar o impacto emocional em produtos, serviços e interações, Marco van Hout é, atualmente, um dos principais defensores do design emocional. Com uma carreira voltada para a pesquisa, o designer atua hoje no projeto Medialab Amsterdã, que realiza pesquisas em aplicações de mídias interativas, em conjunto com parceiros da indústria criativa e educação. Também é co-fundador da SusaGroup, que desenvolve e implementa ferramentas de medição, inovação e métodos de design para otimizar a experiência e o impacto emocional do usuário. Além disso, Marco é membro
Marco van Hout Foto: divulgação
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do conselho da Design & Emotion Society e editor do projeto-emotion.com, plataforma criada para que profissionais e pesquisadores possam discutir temas marcantes da experiência emocional no design. Nesta entrevista, van Hout fala sobre as pesquisas na área, os passos para um projeto de design emocional e a aplicação da teoria nas empresas. Revista iDeia: O que podemos entender por “design emocional” neste novo século? Marco van Hout: As emoções desempenham um papel essencial em todo o período de nossas vidas. O conceito de emoção se refere a um fenômeno afetivo particular e específico: um breve episódio de coordenar um cérebro autônomo e as mudanças de comportamento, que facilitam uma resposta a um evento externo ou interno de significância. Emoções são cruciais para a disciplina de design devido à sua influência - tanto de aquisição quanto de comportamento de uso. Se as pessoas não se sentirem bem, elas não vão comprar e nem usar o produto/serviço. Poderíamos afirmar que essas emoções são difíceis de gerenciar, devido à sua natureza subjetiva. No entanto, existem princípios universais sobre a forma que o projeto provoca emoções. Uma vez que um designer entende esses princípios, ele ou ela é capaz de projetar estrategicamente para um impacto emocional específico. Chamamos então de design emocional a “emoção projeto” (a emoção em si não é projetada, mas sim as circunstâncias que podem provocá-las). Ri: Qual é a importância da criação de uma rede internacional para discutir o assunto? MvH: A influência da “qualidade emocional”, nas decisões de compra está crescendo. As empresas estão sendo obrigadas a fazer a diferença, a fim de proporcionar uma experiência completa e significativa para o consumidor. Em muitos mercados, os produtos são semelhantes no que diz respeito às suas características
técnicas, qualidade e preço. Os consumidores, porém, estão à procura de produtos, marcas e serviços que lhes proporcionem uma sensação de bem-estar, felicidade ou que criem uma experiência memorável ou significativa. Portanto, não é surpresa que mais e mais empresas estão desafiando seus designers e departamento de P&D para, positivamente, manipular o impacto emocional de seus designs. Para eles, torna-se vital ter uma compreensão profunda de como os produtos provocam emoções e como as ferramentas e métodos que avaliam ou criam o impacto emocional de um determinado design podem ser usados. Esse é um fenômeno global e, já há algum tempo, estudiosos e profissionais de todo o mundo têm tentado encontrar novas teorias e maneiras de se trabalhar em torno desse tema. Nós fornecemos uma plataforma para o intercâmbio de pesquisa, inspiração e uma rede de colaboração. Ri: A emoção relacionada com os objetos pode se tornar previsível e controlável? MvH: Não. Esse é realmente um dos maiores equívocos sobre o campo. É por isso que eu prefiro referir-me à disciplina como motivada pela emoção do design ou “design para emoção”. Como a motivação do projeto é altamente dependente de interesses pessoais e expectativas, o impacto emocional de seu projeto pode mudar instantaneamente, às vezes por causa de uma associação mais simples que o usuário tem com ele. Tomemos como exemplo o carro da FIAT Croma, que foi introduzido na década de 80, na Holanda. Na Itália, ele foi um sucesso por causa do ajuste que tinha com o cliente-alvo: os homens. No entanto, na Holanda, no mesmo momento, o Croma era também o nome da marca de uma manteiga de cozimento e foi, principalmente, anunciada e orientada para as mães tradicionais. Essa associação ofuscou a avaliação do carro, esse modelo da FIAT foi um grande fracasso nos Países Baixos. Portanto, eu sempre me estresso quando eu treino os designers em motivação de projeto, pois não os oriento apenas para orquestrar as condições e as interações
pág. 22 - EntrevistasInternacionais - Marco van Hout
PosturAroma Foto: MediaLAB Amsterdam
* www.designandemotion.org
corretas, mas também para que eles percebam que nunca terão garantia sobre o impacto que seus projetos terão em um nível emocional.
ampla coleção de ferramentas e métodos e um monte de trabalhos acadêmicos, em nossa biblioteca de conferências anteriores, que apresentam esses métodos.
Ri: Como envolver as emoções dos usuários no processo de design? Quais são os métodos, teorias e técnicas específicas para despertar emoções ou evitar um produto em particular? MvH: Para incluir, estrategicamente, o impacto emocional de seu projeto no processo de design, é possível distinguir três etapas principais:
Ri: Quais são os principais projetos desenvolvidos pela Design & Emotion Society hoje? Quais são os principais exemplos de produtos desenvolvidos a partir de sua interação com o público? MvH: A Design & Emotion Society oferece uma plataforma para o debate e a partilha de conhecimento através de nossas conferências internacionais bianuais. Este ano, entre 06 e 10 outubro, celebraremos nossa 9 ª edição, em Bogotá, Colômbia. Pesquisadores, designers e pessoas da indústria irão apresentar seus recentes trabalhos na área.
1) Entender (o que são as emoções, como elas são provocadas, etc); 2) Medir / Explorar (o que faz com que as emoções sejam ou não provocadas a partir de um conceito ou solução existente); 3) Meta (que emoções gostaria de provocar com seu design); 4) Projeto (recursos e características de design que, de tal maneira, apoiam as emoções alvo a serem provocadas). Dentro dessas etapas existem muitos métodos e ferramentas que estão disponíveis, a fim de obter percepções. No site da Design & Emotion Society* , temos uma
Outra plataforma importante que temos é a iniciativa para os capítulos locais. Temos de Chicago, Amsterdã, Reino Unido, Austrália, Brasil. Em nosso site, as pessoas podem solicitar uma licença para lerem nossas diretrizes e enviarem um bom plano. Nossos capítulos locais organizam eventos ocasionais, seminários e iniciativas, o que é realmente bom para a comunidade, pois ela poderá trabalhar, em conjunto, em um nível mais local.
EntrevistasInternacionais - Marco van Hout - pág. 23
Ri: Como as organizações podem incentivar seus designers para estarem cientes do aspecto emocional de produtos e serviços? MvH: Primeiro de tudo, uma organização precisa adotar a ideia de que eles terão de começar a desenvolver um ecossistema em que a empatia para os usuários, a beleza da criação e a necessidade de profundo questionamento têm um papel central. Se for deixado apenas para os designers “cuidarem”, não haverá produto final, o que pode ter um impacto significativo sobre o usuário, seu bem-estar e sentimentos. Gestores, pesquisadores, marqueteiros, desenvolvedores de negócios, todos eles deverão ter uma paixão compartilhada e reconhecimento para o impacto efetivo e emocional do que eles estão projetando, produzindo e vendendo. Uma vez constituído esse ecossistema, a organização deve se certificar de que haja tempo suficiente, recursos e instalações que possam garantir, a todas as partes interessadas da empresa, gastar tempo no entendimento, explorando e projetando para um produto final “emocional”. Ri: Quais são os princípios que orientam a motivação do projeto? Quais são as características de um objeto que pode gerar uma relação emocional? MvH: Para mencionar brevemente algumas técnicas de design que podem ser aplica-
das para melhorar o impacto emocional de um projeto, podemos nos concentrar em: (1) Personalidade (2) Personalização, (3) Antropomorfismo ou (4) Avaliação, a fim de apelar para emoções específicas. No caso da personalidade, você está procurando algo para incluir características da personalidade na experiência com o produto. No caso de produtos digitais, a personalidade pode ser um tom de voz, comportamento ou aparência. Por exemplo, podemos pensar nos faróis bonitos do Beetle (Volkswagen), que por terem essa característica provocam certas emoções agradáveis em pessoas que também o acham bonito. Personificação é sobre a relação entre nossos corpos e nossas emoções sentidas. Certas posturas ou movimentos do corpo podem induzir emoções específicas. Uma pesquisa mostrou que enquanto você se move para cima, você está mais inclinado a sentir emoções positivas do que quando está se movendo para baixo. Enquanto projeta as interações com seus produtos, você pode ter esse tipo de percepção em conta. Um exemplo é um conceito que, recentemente, foi trabalhado no Medialab Amsterdam, encomendado pela Cisco e que será apresentado na conferência do Design & Emoção em Bogotá, o “PosturAroma”. Ele consiste em um colar que Fiat Croma - Década de 80 Foto: divulgação
pág. 24 - EntrevistasInternacionais - Marco van Hout
Equipe MediaLAB Amsterdam Foto: divulgação
pretende dar suporte às mulheres para que elas se sintam mais seguras no espaço público. Através da detecção de comportamento, ele exala uma fragrância para o usuário, a fim de lembrá-lo que ele deve ficar em pé ou caminhar mais ereto. A ideia é que essas mulheres se sintam mais positivas e tenham uma expressão mais confiante. O antropomorfismo é sobre a tendência humana de atribuir qualidades semelhantes às humanas a objetos não vivos. Isso inclui características físicas, mas também qualidades de comportamento e interação. Nossas percepções e ideias antropomórficas influenciam na forma como interagimos com os animais, robôs e produtos - o quanto gostamos deles, o quanto cofiamos, e, definitivamente, como nos sentimos a respeito deles. Os exemplos típicos de aplicações são os animais de pelúcia com características humanas. Mas, aplicações mais sutis podem ser encontradas, bem como, o stand-by do Macbook Pro, que parece uma “respiração” de uma pessoa que está dormindo. Na tradição cognitiva da emoção psicológica, uma avaliação é definida como uma avalia-
ção rápida da situação, no que diz respeito ao bem-estar de cada um. Em relação ao design, meu companheiro do conselho da Design & Emotion Society, o professor Pieter Desmet, investigou como a aparência do produto provoca emoções e propôs que a teoria de avaliação pode ser usada para explicar como os produtos provocam emoções. A avaliação do produto é uma avaliação automática do efeito que um produto tem sobre o bem-estar de alguém. Pieter propôs quatro tipos principais de avaliações de produtos: a relação entre um produto e os objetivos de alguém, o apelo sensorial do produto, a legitimidade de uma ação representada pelo produto e a novidade do produto. Pelo efeito sobre o nosso bem-estar, com base nas diferentes avaliações de produtos, podemos projetar as características específicas de produtos que podem apoiar o bem-estar de um usuário-alvo. Essa abordagem tem um grande potencial, se você tem uma boa compreensão de para quem você está projetando. As outras abordagens que mencionei antes têm mais potenciais se você gosta de se concentrar nos princípios mais universais de impacto emocional.
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pĂĄg. 26 - Ă?cones - Alessandro Mendini
Alessandro Mendini Foto: Ramun
Ícones - Alessandro Mendini - pág. 27
Uma explosão de cores e vida por Ana Cláudia Ulhôa
Quem nunca brincou de enxergar formas humanas nos objetos? Ao olhar para um carro, por exemplo, é fácil imaginar um rosto. Os faróis formam olhos grandes e brilhantes. Já no para-choque, normalmente, encontramos uma boca sorridente, que nos passa um ar amigável. É com essa sensação que o designer e arquiteto italiano, Alessandro Mendini, gosta de brincar quando entra em seu atelier, em Milão, para criar móveis e utensílios domésticos. Uma das peças mais bem sucedidas de Mendini é o saca-rolha Anna G. Conhecido como “a bailarina”, o objeto - líder absoluto de vendas da Alessi desde sua criação, em 1994 - foi inspirado em uma amiga do designer. Ao analisar o saca-rolha, não é preciso muito esforço para ver um cabelo chanel, orifícios que remetem a olhos e boca, pescoço e braços alongados e um vestido colorido de mangas bufantes. Segundo Alessandro, as peças que lem-
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bram seres vivos costumam ser mais bem sucedidas. “É muito mais fácil ver um amigo numa figura que tem olhos”, explicou em uma palestra que realizou no Brasil, em setembro de 2013, a convite da Vitrine e da A Lot Of Brasil, com matéria publicada pela Casa Vogue. Outra característica marcante da obra de Mendini é a utilização das cores. Aos 83 anos, o designer conta que criou apenas duas obras sem qualquer colorido. Todas as outras têm tons vibrantes e variados, como o sofá K2, que chega a reunir oito tonalidades diferentes. “O uso das cores deve ser emocional. Às vezes dois tons não combinam harmoniosamente, mas sua união cria uma vibração e é isso que importa”, diz na matéria da Casa Vogue. Sempre poético, Alessandro afirma não ser designer, arquiteto, artista ou artesão, “apenas crio produtos com estética, poesia e alma”. Em outra entrevista, agora para a Casa Cláudia , ele afirma: “As cores me importam muito, porque
Ícones - Alessandro Mendini - pág. 29
Poltrona Proust 1978 Foto: divulgação
entre as coisas mais belas da natureza estão as flores. Elas são coloridas, e fazer coisas que tenham a ambição de se assemelhar às flores é interessante”. Ele ainda revelou que sua cor favorita é o rosa. “Porque é a cor da rosa, e rosa é um dos mais belos objetos do universo”. Sobre sua atuação como arquiteto, Alessandro Mendini comenta que sempre fez projetos pequenos e que seu trabalho é como “uma acupuntura estética no tecido doente da cidade”. Entre as obras mais conhecidas estão o Museu Groninger, construído na Holanda; a Estação de trem e ônibus, em Hannover, Alemanha, e a Galleria Mendini, em Lörrach, também na Alemanha. Para desenvolver seus projetos, seja de arquitetura ou design, Alessandro revela que começa da parte para depois seguir para o todo. “A ideia é a mesma do pontilhismo: se cada pequena parte tem qualidade, o todo também terá”, conta para a Casa Vogue.
pág. 30 - Ícones - Alessandro Mendini
Sommelier - saca-rolhas Foto: divulgação
Além do pontilhismo, é possível perceber a influência de diversas outras escolas artísticas no trabalho do designer, como o surrealismo, cubismo e pós-modernismo. A já mencionada poltrona K2 é um exemplo de objeto com traços cubistas, com suas formas geométricas e variação de cores. Mas Mendini não foi só influenciado pelas escolas artísticas. Ele também foi precursor do Movimento Memphis. Fundado em 1980, pelo arquiteto e designer Ettore Sottsass, o movimento tinha como objetivo refletir sobre a funcionalidade dos objetos, enfatizando sua estética e rompendo com a teoria. As obras do grupo tinham como principais características a utilização de
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cores fortes e formas inusitadas, características provenientes do Estúdio Alchimia de Mendini.
Sofá K2 Foto: divulgação
Atualmente, o designer é considerado, pela academia, como uma das maiores referência do design emocional. Mendini é membro honorário da Academia de Artes e Design Bezalel, em Jerusalém. Recebeu também um doutorado honorário da Politécnica de Milão e da École Normale Supérieure da China. Foi ganhador do Compasso d’Oro de Design, em 1979 e 1981. Carrega ainda o título de “Chevalier des Arts et dês Lettres” e tem projetos exibidos em museus como o MoMa, de Nova York.
pág. 32 - Ícones - Stefano Giovannoni
Stefano Giovannoni Foto: divulgação
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O designer mais Popular dos últimos tempos Stefano Giovannoni traduz o sentimento humano em objetos que se tornaram ícones por Pâmilla Vilas Boas Entro no shopping em direção ao supermercado para comprar uma cadeira. Logo, meus olhos são levados para um modelo colorido e me sinto em sintonia com o futuro com aquele objeto estético e sedutor. Quem nunca foi fisgado por esse produto? Criado por um dos ícones do design no mundo, o italiano Stefano Giovannoni, o Bombo Stool mudou a ideia sobre como um banco pode se transformar. Nesse e em tantos outros projetos, Giovannoni conseguiu fazer a ponte entre a concepção elitista e o design para o mercado de massa. Arquiteto, industrial e designer de interiores nascido em La Spezia (1954), Giovannoni formou-se na Facoltà di Architettura de Florença em 1978. Atualmente, vive e trabalha em Milão. É professor da Domus Academy, em Milão; da Università del Progetto, em Reggio Emilia e de Desenho Industrial na Università di Architettura, em
pág. 34 - Ícones - Stefano Giovannoni
Barbeador Piripicchio - Alessi Foto: Divulgação
Alessi - Bathroom Foto: Divulgação
Ícones - Stefano Giovannoni - pág. 35
Paliteiro Magic Bunny Alessi Foto: divulgação
Gênova. Já desenvolveu projetos para empresas como Alessi, Amore Pacific, Artsana, Bisazza, Fiat, LG Hausys, L’Oreal, Telecom, Vondom, dentre outras. O designer cria produtos emocionais que transcendem a efêmera relação de consumo. Muitos, como as linhas Girotondo, Mami e il Bagno Alessi ainda são best-sellers, depois de mais de vinte anos no mercado. Giovannoni incorpora um complexo sistema de códigos afetivos a seus projetos e, para ele, ser designer significa compreender profundamente a sociedade e como os desejos se desenvolverão no futuro. Ele nos conta que sua busca sempre foi a de mudar a abordagem de design tradicional para uma nova cultura de consumo, com base no design emocional e na comunicação dos objetos com as pessoas. “O design sempre evoca sentimentos relacionados à nossa memória e imaginação. Por isso, os objetos que possuímos dizem sobre nossa identidade e cultura”, afirma.
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Recipiente para sal e pimenta Lilliput - Alessi Foto: divulgação
Giovannoni tornou-se sucesso de mercado desde seu primeiro produto. “Sou bastante diferente de muitos dos meus colegas. Comecei a partir de uma declaração muito clara, quase cínica: a qualidade de um objeto é diretamente proporcional ao apelo do produto no mercado”, explica. Com essa perspectiva, o designer antecipou os desejos das pessoas em uma rica e variada produção, que passa pelo design de automóveis, de grandes e pequenos utensílios domésticos, à reformulação de espaços ou produtos eletrônicos, como celulares e smartphones. A partir dessa multiplidicade de linguagens, o fio condutor do trabalho de Giovannoni é a comunicação como expressão das emoções dos sujeitos sobre os objetos. “A ironia foi uma forma de expressar esse tipo de atitude, de modo que não tínhamos mais para mostrar aos nossos objetos ao invés de nós mesmos... minha intenção era democratizar o contexto de design, falando uma linguagem mais adequada para as gerações mais jovens. Alessi era uma empresa no ramo de aço e o marketing estava com medo de que o plástico pudesse criar um problema de identidade. Os Girotondo e os produtos de plástico mudaram
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Duster - Aspirador de pó Alessi Foto: divulgação
profundamente o DNA da Alessi, com uma influência muito positiva em volume de negócios”, relata. Ele explica que, no passado, a relação entre o homem e os objetos era diferente. Os objetos eram símbolo de status social ou estilo. “Através do objeto que você possui, é possível entender se você é rico ou pobre, se você tem cultura ou não. Assim, minha intenção era a de desdramatizar esse tipo de relação, criando bons objetos com um sentimento direto com a gente”, completa. Giovannoni acredita que hoje não é possível criar produtos de altíssima tecnologia com uma vida longa. Para ele, se a qualidade de um produto é a inovação, ele não permanecerá no mercado e nem se manterá atual por muito tempo. Nesses casos o que importa é o processo e a pesquisa envolvida na criação do produto. “De modo mais geral, é cada vez mais difícil ver produtos de sucesso real hoje em dia. Tecnologia tende a desmaterializar o objeto físico, transferindo, em alguns casos, o foco do projeto à interface do usuário. Muitas tipologias envelhecem após alguns meses, enquanto o calendário apertado não permite a pesquisa”, afirma.
pág. 38 - Ícones - Stefano Giovannoni
Projetos: “Girotondo” foi seu primeiro projeto, criado em 1989 em parceria com Guido Venturini
duas variações do original: “The Bombo Special Stool“ e “Al Bombo Stool”
“Family Follows Fiction” são os primeiros objetos transparentes e em plásticos criados por Giovannoni, em 1993
Ele ganhou o título de “Super & Popular” designer dos anos 2000 com “Piripicchio”
O “Bombo Stool” se tornou tão popular que Giovannoni desenvolveu
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Cico - Suporte para ovo cozido e saleiro Alessi Foto: divulgação
A série “Mami”, projetada para a empresa Alessi, foi um de seus best-sellers
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pág. 40 - Artigos - Andréa Naccache
Amor CLANDESTINO por Andréa Naccache
Convido o leitor a buscar na internet a música Meditação, de Tom Jobim e Newton Mendonça, antes de seguir pelo artigo - e a rememorar Tom Jobim, por um instante, porque é com a voz dele que iremos em frente: “Quem acreditou / No amor, no sorriso, na flor / Então sonhou, sonhou…” Momento primeiro. O sonho. Quem nunca viu ou viveu um engano de amor? “E perdeu a paz / O amor, o sorriso e a flor / Se transformam depressa demais”. Jobim traz em versos uma história longa como a da nossa cultura. Já na Grécia clássica, Platão falava a seus alunos sobre o perigo da paixão no mundo sensível. As coisas em nossa volta são imperfeitas e finitas, e a tentação de emocionar-se com elas turva o pensamento, faz julgar mal a vida. Os bons valores estavam nas grandes verdades, estáveis, não em tudo o que se transforma diante dos olhos. Era melhor amar as ideias perfeitas e, entre elas, a ideia do bem. Amar quem ama a ideia do bem. Considerar bela a ideia do bom, do justo - acima de todas as coisas.
Ironia da história, chamou-se “platônico” o amor sonhador, iludido. Platão buscava o oposto. Não queria se enganar. Depois dele, nossa tradição religiosa cuidou de afastar o amor dos objetos terrenos. Era preciso ter valores maiores, dirigidos ao céu. Palavra de Santo Agostinho. Mas não só a Igreja dissera. Também, de outras maneiras, a filosofia, a ciência, e Ricardo Reis (Fernando Pessoa), estóico: “Mais vale saber passar silenciosamente E sem desassossegos grandes. Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, E sempre iria ter ao mar. Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro Ouvindo correr o rio e vendo-o.”
Artigos - Andréa Naccache - pág. 41
Bonequinha é personagem da poltrona multidão, dos Irmãos Campana. Foto: arquivo pessoal
pág. 42 - Artigos - Andréa Naccache
Saberemos amar assim, sem sentir, sem prazer? Amamos objetos, irremediavelmente. Momento segundo. Deixamos viver o amor clandestino, contra todas as recomendações sábias. Amamos as curvas e os detalhes do outro, “muito grandes para esquecer” (Roberto). Trocamos fotos, perfumes, roupas, como preciosidades. Entendemos o teatro do amor, que constrói corpos e quartos, cama e mesa, para nos envolver de sensualidade. Amamos com presentes, amuletos, alianças. Quem ousa deixar faltar? O amor é todo de objetos. Quando termina, lá estão eles, trocando em miúdos - a medida do Bonfim, um disco do Pixinguinha, e “o resto é seu” (Chico Buarque). Ouvimos Jobim: “Quem, no coração / abrigou a tristeza de ver tudo isso se perder / E, na solidão, procurou um caminho e seguiu / Já descrente de um dia feliz”. Que felicidade existiria sem o doce das coisas? Poucos conseguem sustentar essa via pela vida. Chama-se ascetismo a distância dos valores mundanos. Furtar-se da sorte e do azar do amor, em uma vida monástica. Uma vida que deveria, em tese, proteger da dor. Fora esses poucos, restamos nós, estupidamente felizes com a chance de um encontro com o belo ao alcance das mãos, de um abraço. “Ao alcance da boca”
Luminária Tord Boontje Foto: arquivo pessoal
Artigos - Andréa Naccache - pág. 43
Prateleira italiana, da FirmaCasa Conceito Foto: divulgação
(Caetano). Estamos abandonados a uma vida de tombos, de engano e medo? Jobim cantou que não. Encontrou um momento terceiro.“Quem chorou, chorou / E tanto que seu pranto já secou / Quem depois voltou / Ao amor, ao sorriso e à flor / Então tudo encontrou / E a própria dor / Revelou o caminho do amor / E a tristeza acabou”. É desse momento, afinal, que precisava lhes falar. Tempo de uma reafirmação. Amamos os objetos, sim. Amamos pelos objetos. Nós tocamos um ao outro pela superfície da pele, pelo que se oferece ao olhar. Daí a beleza dos objetos que desenhamos e separamos uns para os outros, que criam o “presente”, palavra forte, para seduzir, para fazer lembrar. É possível amar bem sem ascender aos céus, nem se perder em nuvens. Sem ser iludido, deslumbrado. Sem futilidade ou consumismo. Com cuidadosas escolhas. Amar superficialmente. Tão bem quanto quem ama os mais elevados bens. Mas só quando já sabemos que a dor é vizinha, e os amantes resguardam um ao outro. Podemos nos proteger profundamente. Daí, então, não precisamos mais temer, evitar, esconder os objetos mais superficiais do amor. Cama e mesa.
pág. 44 - Artigos - Marcelina Almeida
Os artefatos e o homem:
Relações e Interconexões entre a vida e a morte
por Marcelina Almeida
“Toda sociedade projeta (investe) em sua cultura material seus anseios ideológicos e/ou espirituais e, se aceitarmos essa premissa, logo é possível conhecer uma cultura – pelo menos em parte-através do legado de objetos e artefatos que ela produz ou produziu.” Rafael Cardoso O ser humano, desde sempre, se encontra em um mundo povoado de artefatos e objetos, alguns naturais e outros produzidos por si. Este mundo de coisas vem sendo apropriado, redefinido e ressignificado ao longo de sua trajetória histórica. Os artefatos externos ao corpo biológico auxiliam e ampliam funções motoras, permitem a realização de atividades, auxiliam na ocupação do espaço e na demarcação dos lugares, dos territórios, sejam políticos, sociais e culturais. Deste modo, compreende-se como um galho, um osso ou uma pedra deixam de ser apenas matéria e adquirem outra densidade, outra profundidade, se metamorfoseiam em armas, ferramentas, abrigo ou um objeto mágico, simbólico. A construção das culturas evidencia os diálogos que se estabelecem entre homem e objetos. Ao rastrearmos nosso habitat, investigando nosso redor, identificaremos, facilmente, objetos, artefatos que nos são úteis, inúteis, amados ou detestados. Essa questão ambígua se explica em decorrência do fato que, aquilo que produzimos, cotidianamente, ou seja, os artefatos característicos da nossa cultura material, nem sempre respondem a uma necessidade física, prática, biológica, mas respondem também aos reclames do nosso universo simbólico. É fato, compreensível, a dimensão ocupada pelos artefatos, na vida dos seres humanos, seja no passado e na contemporaneidade. Equipamentos eletrônicos, vestimentas, utensílios domésticos ou de trabalho, de guerra, dentre outros, povoam e dimensionam as relações humanas. Os
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Anjo da saudade, mármore, autoria desconhecida, Cemitério do Nosso Senhor do Bonfim. Foto: arquivo pessoal
objetos podem ser catalisadores de tendências, formadores de complexas estruturas culturais, servem como suporte para interações entre grupos e refletem perspectivas e visões de mundo. São os artefatos, muito mais que objetos, em sua dimensão concreta, através e transversalmente, desenvolvem laços emotivos, afetivos e constroem experiências que, ao serem compreendidas fornecem informações que só podem ser capturadas através dos significados que os objetos evocam. Nesta interrelação entre homens e artefatos é que se constroem as experiências que se, em sua maioria, emergem nas relações da vida, também se constituem nas experiências que dizem respeito à morte. A princípio pode nos causar estranheza, mas a morte e o culto aos mortos podem nos auxiliar a refletir sobre a dimensão simbólica que é construída a partir
pág. 46 - Artigos - Marcelina Almeida
Flores artificiais decorando túmulo no Cemitério do Nosso Senhor do Bonfim Foto: discentes da disciplina “Lendo Imagens”, Escola de Design/UEMG, 2011
dos objetos. Sendo o homem o único, entre os seres vivos, capaz de articular pensamento, conhecimento e inteligência e, através desses mecanismos expressar sentimentos, emoções e decepções, habilita-se por esses meios a representar as concepções que possui acerca de tudo que lhe cerca, inclusive a morte. Cria artefatos e símbolos para exprimir suas vontades, sonhos, desejos e medos. Um desses temores está ligado à morte. Uma questão a ser continuamente inquirida e muitas formas de enfrentamento e apreensão desse fato inexorável têm sido gestadas pelo homem ao longo dos tempos, seja no campo filosófico, seja no campo religioso-simbólico. Para o homem construir imagens representativas da morte foi e é crucial utilizar-se da faculdade de estabelecer julgamentos críticos e morais e, finalmente, o despertar dos sentidos para o significado desse fato. Não se sabe precisar, com exatidão, quando esse sentimento se aguçou, mas é aceito na comunidade científica o pressuposto de que, dentre nossos antepassados, o homem de Neandertal é o primeiro a enterrar os mortos. Portanto, desde o período denominado Paleolítico Superior, aproximadamente 30.000 anos a.C, já se praticava o sepultamento, possibilitando a conservação dos esqueletos. De acordo com os especialistas, os neandertalenses, cuidando de seus mortos, realizavam os enterramen-
Artigos - Marcelina Almeida - pág. 47
tos intencionais, permitindo inferir que, naquele momento, a relação entre os seres humanos não se limitava à vida. Oferenda de flores, marcação com pedras e colocação, junto ao corpo, de objetos, denota um sentimento, uma emoção e ao mesmo tempo a noção de que aquele ser iria precisar daqueles utensílios, qual fosse o destino para o qual se partia. Nesse sentido, ao se avaliar as construções megalíticas – menirs, dolmens, cromlecs – erguidas num passado remoto, podemos apreendê-los como representações e figurações do sentido da morte que, naquela altura, parecia familiar. Essas construções podem ser compreendidas como lugares de ritos simbólicos, marcos de retorno e da memória do grupo e dos mortos, indicando, também, o sentido de grandiosidade e pompa. O mesmo pode ser inferido ao se analisar os cemitérios oitocentistas, na cultura moderna, através do quais túmulos, sepulturas, mausoléus e ornamentos dialogam e expressam a experiência simbólica dos seres humanos com a dolorosa e enigmática experiência da morte. Portanto, podemos inferir que os artefatos, os objetos, manipulados e construídos pelo homem, dialogam com experiências várias que transitam entre o viver cotidiano e suas surpresas e a morte, a nossa única e derradeira certeza.
Detalhe túmulo Cemitério do Nosso Senhor do Bonfim, jardineira em mármore Foto: José Rocha
pág. 48 - Artigos - Daniel Padilha
O emocional funcional por Daniel Padilha
No final de 2013, fui convidado para ministrar uma palestra sobre Gestão de Marcas em Belo Horizonte. O público era, em sua maioria, estudantes e jovens empreendedores, sedentos por assuntos ligados ao universo das marcas. Para mim, esse tema sempre foi envolvente – não por ser o meu “ganha pão” – mas por acreditar que, hoje, é a única forma que temos para solucionar problemas que encontramos nas mais diversas camadas que compõem a sociedade. Por isso, levo para minhas aulas e palestras um pouco da minha experiência com produtos e serviços. É uma forma de tangibilizar informações aspiracionais sobre o que tenho experimentado. Foto: © Olivier Le Moal | Dolar Photoclub
Artigos - Daniel Padilha - pág. 49
Meu objetivo na palestra era deixar claro para o público que a raiz do trabalho de construção de marcas é sua ressonância. Esse relacionamento entre marcas e pessoas não é de hoje, mas, com o passar dos anos, tantas mudanças aconteceram que seu entendimento ficou mais complexo, principalmente no que diz respeito ao nosso comportamento de consumo. Ao finalizar o bate-papo com os estudantes, um rapaz me procurou e disse que precisava me contar uma história. Em três minutos, explicou por que e como conseguiu convencer sua esposa a comprar uma das marcas que eu tinha apresentado durante a palestra, a água norueguesa VOSS, com posicionamento premium. A grande estratégia foi mostrar a ela que aquela garrafa, que mais parece um frasco de perfume, poderia se transformar em um lindo vaso de flores para decorar a sala do casal. Com embalagem desenhada pelo ex-diretor artístico da Calvin Klein, Neil Kraft, que guarda 350ml de água 100% natural, envasada diretamente na fonte, a VOSS conquistou o mercado premium com o trabalho de design emocional, somado à qualidade do produto artesanal. E, hoje, em casa, também possuo uma garrafa de VOSS, que foi transformada em vaso – fui induzido positivamente. Vivemos a onda da transformação de commodities em produtos premium. Alguns chamam esse fenômeno de “gourmetização”; outros, de oportunismo. Para mim, tanto faz. O importante é o questionamento levantado a partir dessa transformação.
O momento propício em que começo a me perguntar por que nos sentimos envolvidos com essas marcas, como somos conquistados e, principalmente, por que nos deixamos conquistar... Certo dia, ouvi uma palestra de Fernando Rodrigues, CEO da ICN Agency, na qual ele comentou que, provavelmente, nossos corações haviam sido programados para serem felizes e conquistados. E conquista tem tudo a ver com relacionamento, não é? Quando estudamos o “relacionar-se” das marcas, começamos a entender o funcionamento desse duelo entre emoção e razão, o qual, nem sempre, é entendido pelos profissionais, causando danos à imagem das organizações. Então, qual será a função da emoção na construção da identidade e reconhecimento afetivo dos consumidores? Atualmente, vejo que a melhor maneira dessa conquista acontecer é através de métodos que evoquem suas necessidades. Podemos dividir esse processo em três etapas. Primeiramente, marcas podem usar de ações que estimulem e deem a sensação de euforia para chamar o público. Nesse caso, estratégias sensoriais são muito bem-vindas. A segunda consiste em criar um ambiente harmônico, trabalhando o romantismo através de pequenas ações surpresas, capazes de gerar grande impacto. Ser surpreendido positivamente é uma das sensações mais gostosas – podemos compará-las a uma entrega emocional que vá além do que imaginamos, como prêmios, convites especiais ou até mesmo
pág. 50 - Artigos - Daniel Padilha
uma visita exclusiva. Por fim, a etapa mais complexa é o trabalho de indexação, pois é nela que executamos estratégias de fidelização e que fazem o consumidor entender o poder de pertença, confiança e entrega emocional e racional da promessa da marca. Vale ressaltar que essa construção não possui uma ordem, pois o relacionamento humano não é linear. Enquanto escrevia esse artigo, conversei com algumas pessoas para entender a opinião geral sobre o assunto. Um dos comentários mais interessantes, e que me despertou mais curiosidade, veio de um dos meus contatos próximos. Para ele, não podemos amar objetos, produtos e marcas, mas podemos nos apegar. Então, o que seria esse tal apego? Seria o hábito que temos de criar vínculos? Mais que despertar o desejo, o que temos em mãos é a possibilidade de atender necessidades reais e revolucionar a forma de como estamos lidando diariamente com as pessoas. Isso mostra que nós, profissionais, precisamos estudar o vínculo e a impressão que as pessoas possuem sobre determinada marca. Transformar o emocional em funcional.
VOSS - Glass Foto: divulgação
Precisamos olhar com mais atenção para o entendimento do design como processo na construção de conexões. Interromper seu uso apenas como fator estético e começar a usá-lo como processo para a criação de vínculos emocionais mais duradouros, pois o desejo é despertado pela função e a cultura da adoração do subjetivo está longe de ser compreendida por inteira.
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Luz para ler. Luz para trabalhar. Luz para relaxar. Luz para divertir.
A Brilia que você já conhece está de cara nova e com um universo de possibilidades pela frente. Só o que não vai mudar é a qualidade e a inovação, que continuam sendo a essência da nossa marca.
pág. 52 - MatériadeCapa - Don Norman
O resgate emocional por Danilo Borges
Quando estamos diante de um objeto – seja ele um celular, uma faca de cozinha ou um abajour – a primeira pergunta que nos fazemos costuma ser: “como isso funciona?”, ou “para que serve?”. Afinal, a funcionalidade e utilidade são os principais fatores que nos levam a investir tempo e dinheiro em um determinado produto, não é mesmo? Segundo o professor da Universidade da Califórnia, em San Diego (UCSD), Don Norman, nem sempre essa é a resposta correta. Muitas vezes, o aspecto prático pode ser a justificativa “racional” que encontramos para a compra de uma faca (que serve para cortar) ou de um smartphone (utilizado para se conectar à internet), por exemplo. Mas, para além da praticidade, questões de ordem emocional desempenham um papel determinante em nossas relações com os objetos, conforme afirma Norman, autor do livro “Design Emocional – por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia a dia”. Embora a colocação possa parecer óbvia à primeira vista – afinal, já são conhecidas a força das marcas e a capacidade do marketing em afetar nosso subconsciente –, a obra de Norman é resultado de um intenso estudo na área da psicologia cognitiva, fazendo da expressão “design emocional” um conceito que vem ganhando força no mercado. O reconhecimento da importância das emoções no design também significa, para Norman, uma revisão de seu próprio ponto de vista. No final dos anos 1980, ele ganhou notoriedade por ter publicado o livro “O design do dia a dia”, em que defendia, justamente, a funcionalidade dos objetos em detrimento da estética. “Em meus primeiros trabalhos, buscava a lógica e a racionalidade. Naquela época, estava preocupado em fazer
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Donald Norman Foto: divulgação
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Um medo inato de alturas ou uma experiência prazerosa? Foto: Sxc.hu
um produto que fosse útil e pudesse ser facilmente compreendido”, lembra o professor da UCSD. Com o passar dos anos, no entanto, essa tese começou a ser questionada. “Algumas pessoas me diziam: ‘ok, seu livro nos ensina a fazer um produto que é funcional e compreensível, mas que não é agradável, nem bonito’. A partir daí, comecei a estudar uma forma de combinar prazer e emoção no mundo do design”, afirma. De acordo com Norman, as emoções possuem, pelo menos, três níveis distintos, que ele chama de visceral, comportamental e reflexivo. Enquanto os dois primeiros ocorrem de forma subconsciente, o último está relacionado à reflexão sobre uma determinada experiência.
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A montanha-russa opõe um nível de emoção - o sentido visceral de medo - a um outro nível, o orgulho reflexivo de realizar uma proeza. Foto: © Cheryl Casey | Dolar Photoclub
O nível visceral está relacionado às nossas impressões e preferências intrínsecas, as quais, segundo Norman, são as mesmas para a maioria das pessoas. “Em geral, não gostamos de comidas amargas e preferimos as doces. Apreciamos cores vivas e não nos sentimos bem na escuridão”, exemplifica. Portanto, é nessa etapa que olhamos para os objetos e fazemos os primeiros julgamentos, utilizando adjetivos como “feio”, “bonito”, “bom”, “ruim” etc. Já o nível comportamental diz respeito às nossas expectativas e experiências que vivemos no dia a dia. Dirigir um carro ou utilizar um utensílio doméstico, por exemplo, são ações que, apesar de realizadas de forma automática e
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subconsciente, impactam diretamente em nossa relação com os produtos. Por fim, a etapa reflexiva é aquela em que refletimos sobre as experiências vividas. “Nesse estágio, olhamos para o passado e avaliamos se algo foi bom ou ruim, além de pensarmos sobre nossas decisões. A opção por um carro ‘ecológico’, por exemplo, remete a uma preocupação consciente com questões ambientais, e não necessariamente com a estética ou com o desempenho daquele veículo”, afirma. De modo geral, o design emocional deve envolver os três níveis, mas a ênfase entre um ou outro pode variar de acordo com
Design Emocional Livro de Don Norman, que faz uma reflexão acerca da relação emocional que temos com os objetos.
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Jaguar 1961 - Visceralmente empolgante. Esse carro é um exemplo clássico do poder do design visceral, elegante, empolgante. Esse carro faz parte da coleção de design do Museu de Arte Moderna de Nova York. Foto: © RW-Design | Dolar Photoclub
o tipo de produto ou a área de atuação. Normam exemplifica: “Estilistas costumam explorar as aparências e, portanto, o nível visceral. Profissionais da área de tecnologia da informação tendem a privilegiar a experiência e a interação entre usuário e interface. Já o marketing preocupa-se com o nível reflexivo, com a imagem que formamos, conscientemente, sobre uma determinada marca ou produto”, diz.
6.
Além de terem originado um livro e um novo conceito – o design emocional –, as pesquisas de Don Norman também o levaram a uma nova fase intelectual. Em palestras e apresentações disponíveis na internet, ele costuma dizer que, atualmente, tem se importado apenas com o prazer
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O componente sensual do design comportamental – O design comportamental enfatiza o uso de objetos, neste caso a sensação sensual do chuveiro: um componente essencial, frequentemente esquecido, do bom design comportamental. Foto: © Кирилл Рыжов | Dolar Photoclub
e a beleza das coisas. “O novo Norman é só beleza”, brincou ele na abertura do Ted Talks, em 2003, um ano antes da publicação de Design Emocional. Por vídeo-conferência, o professor da UCSD conversou com a revista iDeia no escritório de sua casa. Durante a entrevista, ele se levantou para buscar exemplos de produtos que o encantavam mais pela estética e pela emoção do que pela funcionalidade. Da sala de estar, trouxe uma versão dourada do Juicy Salif, conhecido espremedor de frutas de Philippe Starck – o qual, aliás, ilustra a capa do seu livro. “Esse espremedor não é, de forma alguma, funcional. Mas eu o aprecio de forma reflexiva, como um símbolo artístico de como um espremedor poderia ser. Por
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Espremedor de frutas de Philippe Starck “juicy Salif” - um objeto ícônico, usado não para espremer frutas, mas como adorno. Seu criador teria dito: “ meu espremedor de frutas não foi feito para espremer laranjas; foi feito para iniciar conversas” Foto: divulgação
isso, não o utilizo para fazer suco, mas para manter uma conversa em minha sala de estar”, conta. A descoberta da importância das emoções no design não quer dizer, no entanto, que a funcionalidade tenha sido abandonada por Don Norman. “Quando não entendemos como um produto funciona, isso nos gera ansiedade e uma série de emoções negativas. Por outro lado, quando compreendemos bem um objeto, tendemos a agir reflexivamente e criar uma imagem positiva daquela experiência. Na verdade, é um equívoco separar funcionalidade e emotividade, como fiz no passado”, afirma. Uma prova disso é o recente lançamento de uma versão revisada de “O Design das coisas do Dia a Dia”, na qual o professor da UCSD, literalmente, acrescenta um pouco de emoção à obra. “O livro estava ficando desatualizado e, por isso, decidi complementá-lo com o que aprendi, ao longo dos últimos anos, sobre a atuação do design em cada um dos três níveis de emocionalidade”, afirma.
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Luz sobre as memórias de um teatro O projeto de iluminação do teatro Francisco Nunes, em Belo Horizonte, buscou aliar o resgate histórico à aplicação do que há de mais sofisticado em termos tecnológicos. por Pâmilla Vilas Boas
As tesouras, peças que compõem o suporte do telhado, encobertas por mais de 30 anos, foram reveladas novamente. Durante o processo de reforma do Teatro Francisco Nunes, foram muitas as surpresas que possibilitaram novas formas de pensar a iluminação do espaço. Interditado pelo Corpo de Bombeiros em 2009, o famoso teatro foi reaberto em 6 de maio último, após longo processo de revitalização. A abertura ocorreu durante a 12º edição do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte (FIT-BH), com um projeto luminotécnico especial, que buscou no que há de mais sofisticado na área, ferramentas para valorizar os traços e características originais do espaço.
Teatro Francisco Nunes Foto: Drika Vianna
A madeira original das tesouras data dos anos 1950, quando o Chico Nunes, como é carinhosamente chamado, ou teatro de Emergência, como conhecido inicialmente, foi construído. O teatro foi inaugurado pelo prefeito Otacílio Negrão de Lima, em uma época em que a cidade era carente de espaços destinados
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à cultura e o Palácio das Artes ainda estava em construção. Autor do projeto, o arquiteto mineiro Luiz Signorelli, de traços clássicos e versáteis, foi influenciado pela estética modernista de Niemeyer. Na década de 1980, o Francisco Nunes passou por sua primeira reforma, que, do projeto original, manteve apenas sua volumetria. Em seu interior, foram várias descaracterizações. Após a interdição, por apresentar sinais de fragilidade estrutural e risco de desabar, um cuidadoso restauro foi proposto, buscando revalorizar as características do projeto original de Signorelli. A estratégia da arquiteta mineira Mariluce Duque, responsável pelo restauro, foi o de jogar luz sobre a história do teatro Francisco Nunes. Em parceria com a Templuz, empresa especializada em tecnologia e iluminação, foi possível contrapor os rastros de um tempo antigo com o que há de mais contemporâneo em termos de luminotécnica. Mariluce relata que, quando o telhado foi retirado para a reforma, foi uma surpresa encontrar as tesouras, compostas por madeira revestidas em lâmina de garapa. “Fiquei
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Fotos: Ludmila Loureiro
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pensando que isso era um elemento que merecia destaque. A solução para valorizar esse elemento foi uma iluminação especial”, ressalta. A ideia inicial era a instalação de refletores, mas havia a vontade de que a fonte de luz não fosse percebida pelo público, dando apenas um efeito discreto. Para tanto, a solução encontrada foi a utilização de uma fita de LED inserida atrás das tesouras. A lighting planner da Templuz, Paola Duarte, explica que esse foi justamente o local em que ela teve o maior receio de instalar iluminação, mas que obteve o resultado mais interessante. “A princípio essas tesouras não iam aparecer, mas, como se trata de uma revitalização, cada hora surge uma novidade. O projeto de iluminação, por exemplo, foi revisado nove vezes. Sem dúvida, a maior surpresa foram as tesouras. Optamos por destacá-las e assumí-las de maneira conceitual. Por isso, propusemos essa iluminação indireta e o resultado ficou ótimo”, relata. O conceito da iluminação foi baseado na utilização do LED para agregar luz e segurança, uma vez que o teatro utiliza materiais inflamáveis como madeira e carpete, ressalta Paola. Para ela, o LED é um caminho sem
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volta. “Fizemos muitas reuniões com a arquiteta Mariluce e toda a equipe que estava tocando a obra para compatibilizar essas informações. Não é um projeto de mesa, é um projeto que exige que você vá à obra, converse com outros profissionais e dialogue com todo mundo. Não posso especificar um produto que atende a minha parte, sem consultar a todos”, afirma. O resultado, para a arquiteta, ficou excelente. “A fita de LED possibilitou uma luz difusa e bela que, com outra tecnologia de iluminação, esse efeito não teria sido alcançado”. Mariluce Duque explica que foi feita uma pesquisa extensa sobre a história do teatro, para identificar as mudanças necessárias na estrutura física, que possibilitasse um maior conforto para o artista, o público e corpo técnico, e que, ao mesmo tempo, trouxesse a tona o sistema construtivo original do teatro. “Resgatamos essa história em todos os sentidos, pensando sempre em intervenções numa situação contemporânea onde as pessoas pudessem identificar claramente o que é novo e o que é antigo. Buscamos mostrar o sistema construtivo, influenciados por essa arquitetura brutalista de sistemas aparentes”, destaca.
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Iluminação móvel
Foto: Ludmila Loureiro
Outro grande destaque da reforma foi a parte cenotécnica do palco, que antes possuía maquinaria manual e agora possui um sistema misto: motorizado e de contra pesagem para as varas de luz e cenário, facilitando as manobras e a consequente montagem dos espetáculos. Como explica a arquiteta, foi utilizada a proposta contemporânea de instalar trilhos que possibilitassem um espaço mais flexível e abrigasse diferentes tipos de espetáculos. “A ideia era trabalhar com flexibilidade de luz nos trilhos e ter vários tipos para atender as exposições móveis”, afirma. Já o foyer do teatro foi ampliado e a remoção do mezanino, construído apenas na reforma de 1982, deixou à mostra o pé direito duplo do ambiente, como no projeto original. “Tivemos esse cuidado de identificar o que foi positivo na reforma de 82 e o que veio a descaracterizar. A luz cumpriu essa função. Na plateia, a luz valorizou o que era original, já no foyer ela trouxe o que há de mais contemporâneo possibilitando o melhor uso do espaço com uma luz mais âmbar para dar um clima intimista. Propusemos um mix de iluminação com muitos efeitos para várias propostas,
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possibilitando o melhor uso desse espaço”, completa. Para a arquiteta, a luz de teatro tem essa característica: ela é cênica, cumpre papel estético e ao mesmo tempo, precisa ser funcional, servindo ao público que vai assistir aos espetáculos. “A luz deve possibilitar a leitura e a orientação do espectador sem perder a aura intimista do teatro”, explica. Para ela, esse é o ponto fundamental e foi um dos maiores desafios do projeto luminotécnico. “A Templuz é parceira, trocamos muitas ideias. Fizemos vários testes em conjunto. Foi uma troca muito boa”, destaca.
O restauro e modernização do Teatro Francisco Nunes é fruto de uma parceria público-privada entre a Prefeitura de Belo Horizonte e a Unimed BH. “Consciente da importância deste equipamento cultural para a cidade de Belo Horizonte, a Unimed BH abraçou essa causa e assumiu a contratação dos projetos de arquitetura e complementares, assim como a execução da obra, disponibilizando um montante de R$13 milhões nesse empreendimento”, explica a arquiteta Mariluce Duque.
Arquiteta Mariluce Duque Foto: Ludmila Loureiro
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O design e seu poder de comunicação Pedro Braga valoriza as possibilidades de interação em produtos que nos fazem pensar por Pâmilla Vilas Boas
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As formas suaves da bandeja “Pão de Açúcar” representam as montanhas do Rio de Janeiro. O desenho minimalista da mesa de jantar “Gestalt” é capaz de unir o design estético ao reflexivo. O designer Pedro Braga (RJ) busca, em suas criações, estabelecer uma comunicação com o usuário. Para ele, um ponto importante é transcender a função e agregar valor intelectual aos objetos. Valor esse que pode acontecer a partir de uma brincadeira com a estética do produto, ou até mesmo envolver o seu uso. Ele exemplifica essa relação por meio do “Pazzo”, um dosador de espaguete que criou no formato de um rosto humano, no qual a “boca” é o espaço para selecionar a porção necessária para o preparo do alimento. Segundo ele, essa é a parte que representa a estética do objeto. O usuário mede a quantidade necessária atravessando a massa por essa boca, que possui diâmetro equivalente à medida da porção, ou seja, sua função. “Nessa tarefa, o produto cria a comunicação, já que, para o usuário, ao preparar sua comida, ele também estará “alimentando” o dosador (reflexão). Ele ainda possui imãs na parte de
trás para ser fixado na porta da geladeira, reforçando a ideia de fetiche do objeto. De ele estar presente no ambiente da cozinha e contribuir para torná-lo mais divertido e envolvente, passa a ser uma peça de decoração”, explica. Pedro Braga possui formação em Desenho Industrial pela PUC-RJ e iniciou sua carreira trabalhando com o designer Marcelo Lobo, na LB2 Design. Em 2011, lançou a “Pedro Braga Design”, sua marca autoral. O interesse em trabalhar com design veio cedo. “Sempre tive muito contato com o desenho e a arte, desde pequeno, principalmente em casa, com meu pai. Ele gostava de arte, pintava quadros, construía lindas maquetes de trem, possuía vários hobbies artísticos.” Sua escolha pelo design de produtos ocorreu ao longo da faculdade, principalmente pela percepção do quanto um produto pode impactar a vida das pessoas e da sociedade. “Quem nunca na vida viu um objeto passando na rua, ou numa revista de decoração, e simplesmente falou para si mesmo: eu preciso
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desse produto na minha sala? Nesse momento já temos o design emocional se manifestando através da estética, ocorre um fetiche provocado pelo objeto”, afirma. Mas, para ele, o design emocional pode ir além e provocar reflexões e novos pensamentos, a partir da forma ou da estética. “Ele diz respeito a todos os aspectos em como o produto irá se relacionar com o usuário, a interação entre eles. Como irá trabalhar a forma e a estética, e responder à sua função e usabilidade. Essa interação entre ambos pode ser uma relação mais comportamental, puramente estética, ou pode provocar uma reflexão ao usuário. Nesse último caso, ela é mais emotiva e envolve o intelecto.” Braga faz parte da nova geração de profissionais da chamada “Indústria Paralela” e opta por uma produção com baixo impacto ambiental e geração de resíduos. São profissionais que possuem o conhecimento produtivo necessário para concretizar suas ideias, o que resulta num modelo econômico de produção mais dinâmico, que aproxima a indústria e o designer. Um exemplo é a metodologia de criação norteada pela produção autoral em pequena escala. “Para isso, utilizo processos produtivos automatizados, a partir da tecnologia CNC (Controle Numérico Computoriza-
1: Pedro Braga Foto: Lucas Zappa 2: Estante Cruzada Foto: Estúdio Beringela
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do), que dispensa moldes, altas tiragens e investimentos exorbitantes. Como consequência, os produtos oferecem uma logística simples e barata para o transporte e estoque”, destaca.
3 e 4: Pazzo Gula Fotos: Estúdio Berinjela
“Os processos estão se tornando mais automatizados e menos custosos. Estão mais acessíveis aos designers contemporâneos e isso gera produtos bem acabados, com linha de produção menor e mais pulverizada entre vários artistas. A indústria também está trabalhando mais o design dentro de suas linhas de produção”, diz. Segundo Braga, o mercado brasileiro vem começando, aos poucos, a consumir e absorver mais o design em suas casas, havendo uma oportunidade interessante a ser trabalhada. “Ao mesmo tempo, estou vendo os designers mais comunicativos, mais unidos, compartilhando experiências e conhecimentos e isso tem sido muito bom para o fortalecimento da profissão e sua consolidação no Brasil. O cenário futuro promete ser interessante”, destaca.
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Os melhores anos de nossas vidas por Ana Cláudia Ulhôa Imagens de personagens de jogos de vídeo game, situações que ocorrem apenas em desenhos animados e outras referências que lembram a infância e adolescência das últimas gerações. Apresentar peças que tragam recordações de tempos tão agradáveis, fazendo surgir um sorriso no rosto das pessoas, é o objetivo do trabalho do designer mineiro Anderson Horta. Interessado nos objetos e seu processo de criação desde pequeno, Anderson era aquele aluno que vivia desenhando na sala de aula. Em casa, adorava montar e desmontar seus brinquedos e criar peças diferentes com os materiais que achava pelo caminho. Porém, foi só no período do vestibular que Horta descobriu a profissão de designer. Após realizar um teste vocacional e fazer uma pesquisa sobre a área, Anderson ingressou na FUMEC, se graduando no ano de 2006. A partir daí, o designer começou a atuar em agências e escritórios, mas sempre realizando projetos paralelos. A vontade de se dedicar a um trabalho mais autoral fez com que Horta abrisse, em 2009, a Anderson Horta Emotional Design.
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Anderson Horta Foto: Maria Eugenia Monteiro
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Escaping vase Fotos: Anderson Horta
“Eu sempre tive vontade de fazer peças minhas. Aí eu comecei a jogar as minhas criações na internet. Eu fiz um blog e coloquei todas as peças lá. Essa exposição fez a coisa ir tomando corpo. A gente sempre tem sites que descobrem objetos novos na web e divulgam. Assim, eu comecei a ser entrevistado e a ter obras publicadas em sites, blogs e revistas”, conta. Segundo o designer, a opção pelo design emocional veio da sua preocupação em buscar uma identidade própria para suas luminárias, utensílios de cozinha e móveis. “Eu sempre procurei achar uma identidade de criação. Quando eu era estudante na graduação, eu fazia os trabalhos de faculdade e não achava o meu jeito de projetar. Eu comecei a descobrir uma
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linguagem praticando. Fui pesquisando um pouco mais a respeito das teorias do design, buscando referências e descobri o design emocional”. Um exemplo de peça criada por Horta que segue essa linha é a luminária 80’s Ghost. Inspirada no Atari, vídeo game da década de 1980, o objeto, feito em plástico colorido, tem o formato do fantasma do jogo Pac Man. “Ela é uma mega recordação de infância de duas gerações diferentes. Quando você dá de cara com um ícone desses relido para um objeto de design, isso te desperta alguma coisa. Aqui tem uma lembrança, e é uma lembrança coletiva. Isso significa muito para nós”, afirma.
O vaso Escaping também busca remontar os velhos tempos, usando como referência os desenhos animados. Feito em barro, a peça possui um formato de calças, que simulam o movimento de corrida, como se estivesse tentando fugir de alguma coisa. “O Escaping tem uma pegada meio cartoon. Quando a gente é criança vê coisas criando pernas e saindo correndo. Essa é uma lembrança nossa que passa da memória racional, é uma memória afetiva”, explica. Segundo o designer, as referências usadas para criar seus produtos não saem apenas da sua própria vivência, mas da observação de tudo o que está em volta. “Quando eu estou lidando com lembran-
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Embalagens dos produtos Fotos: Anderson Horta
ças da infância, eu busco as minhas memórias. Mas não são só as minhas especificamente. Procuro as recordações da minha noiva, dos meus irmãos, amigos. A gente vai pegando coisas no ar”. Ele ainda completa “sabe aquele efeito de quando você está sentado em uma mesa de bar, desenhando no guardanapo uma ideia que parece ter caído do céu? Ela não caiu do céu, ela está circulando na sua cabeça o tempo todo, o que você fez foi juntar uma coisa com outra e aquela junção ali formou uma nova coisa. Isso pode acontecer em qualquer momento”. Sobre seu processo de criação, Anderson Horta conta que é necessário “existir um método, porque eu não posso ficar esperando a ideia acontecer espontaneamente sempre. Normalmente, eu tenho a ideia e registro na hora, depois eu vou desenvolvendo aquele pensamento. Ele é só o início. Provavelmente, no final, a ideia que tive antes não vai estar exatamente como caiu no meu colo”. Hoje, Horta realiza projetos tanto para a Anderson Horta Emotional Design quanto para empresas que buscam desenhos exclusivos de luminárias, estandes para eventos e lojas de shoppings. De acordo com o designer, independente do tipo de projeto que esteja trabalhando, seu foco sempre será a memória e o fun. “O que você fala com humor tem um peso muito grande. É um peso de impacto, que te faz pensar sem ser desagradável. Por isso, faço um vaso com pezinhos que saem correndo, porque quando a gente olha a gente ri. Eu acho que a melhor relação que você pode ter com alguma coisa é você olhar e dar um sorriso. É a melhor resposta que a gente pode ter”.
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pág. 80 - LerMais
Ler Mais por Rita Ribeiro
Um passeio pela memória Recentemente, passeando pelos sebos de nossa cidade, que agora se concentram no Edifício Maletta, comecei a pensar em como os livros ali ficavam em estado adormecido, esperando alguém abri-los para despertar, no leitor, o conhecimento. Essa imagem é o motivo da seleção abaixo. Por que falar apenas de lançamentos? O conhecimento fica ali, só nos esperando. E, se nesta edição o tema é a emoção, começamos nosso percurso com três livros que falam da memória, a chave mestra da emoção. Boa leitura!
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O MUSEU DA INOCÊNCIA, Orhan Pamuk – Cia das Letras “ Era o momento mais feliz da minha vida, mas eu não sabia. Se soubesse, se tivesse dado o devido valor a essa dádiva, tudo teria acontecido de outra maneira?” A memória insiste em recriar momentos, que nem sempre foram tão perfeitos como a sua lembrança. Em “O museu da inocência”, o autor narra a história de Kemal que, na Turquia dos anos 70, dividida entre a modernização e as tradições, vive um intenso amor, que vai perseguindo-o ao longo do tempo e o obrigando a colecionar migalhas de sua amada. A frustração e paixão contidas se revelam em pequenos objetos – grampos de cabelos, guimbas de cigarro, que ele coleciona caprichosamente, enquanto narra sua história. E é na impossibilidade desse amor que ele constrói seu museu. Ao atribuir valor a esses efêmeros objetos, o autor nos mostra como eles são elementos importantes na constituição de nossas emoções. Duvida? Olhe ao seu redor.
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O TANGO DA VELHA GUARDA, Arturo Pérez-Reverte – Ed. Record Não existe música mais passional que o tango. Suas origens remontam à periferia de Buenos Aires, aos amores impossíveis, num perfeito duelo de paixões. E é esse o clima do romance que se passa em três tempos: os anos 20, 30 e 60 na Europa, que marcam os encontros e desencontros do dançarino de tango Max Costa, um adorável marginal, e de Mecha Inzunza, a bela e determinada esposa de um compositor, que busca uma inspiração para compor um tango. Numa viagem de navio para Buenos Aires, eles se conhecem. Dos salões requintados do transatlântico, aos bares de tango em Buenos Aires, na França no período entre guerras e na Itália dos anos 60, o casal tece sua história de forma dramática, com encontros e desencontros. De acordo com o personagem de Max, existem os tangos para se lamentar e aqueles que matam. O Tango da Velha Guarda, certamente, está na segunda categoria.
O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA, Gabriel Garcia Marquéz – Ed. Record Boas histórias ficam no tempo. Se é para falar de emoções, essa é uma das melhores obras do autor colombiano, recentemente falecido. O ponto de partida é a história real dos pais de Marquéz, que se apaixonaram, mas pela oposição dos pais da moça, foram afastados durante um ano. Nesse período, o casal manteve sua paixão, já que ele era telegrafista e montou uma rede para se comunicar com a amada onde ela estivesse. Assim, surgiu a inspiração para o casal Florentino Ariza, telegrafista, violinista e poeta e Fermina Daza, sua amada. É uma história de uma longa espera. Mas, as esperas às vezes, valem muito à pena. O livro foi filmado (mas não fez jus ao romance!) e serviu de inspiração para outras histórias, como a do filme “Escrito nas Estrelas”, dirigido por Peter Chelsom. Se você gostou do livro, veja esse filme!
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DESIGN-DRIVEN INNOVATION: mudando as regras da competição, Roberto Verganti – Ed. Pritchett do Brasil Os designers tentam traduzir emoções dos consumidores em produtos. Isso é tido como o normal nas teorias. Mas e, se ao invés de traduzir emoções, eles criassem novas? Essa é a proposição instigante de Roberto Verganti. Design-driven innovation é a inovação guiada pelo design é o processo conduzido nas áreas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas para gerar significados, não apenas produzir novos produtos. Ele atribui ao designer papel preponderante nesse processo, pois o designer parte de sua própria experiência e visão de mundo para propor novos significados. Como afirma o presidente da Artemide no livro: “Mercado? Que mercado? Não olhamos as necessidades do mercado: nós as propomos às pessoas!”. E Verganti comprova sua teoria a partir de estudos de casos de diversos produtos. Quem nunca se encantou com uma peça da Alessi?
O FUTURO CHEGOU, Domenico de Masi - Ed. Casa da Palavra O subtítulo – modelos de vida para uma sociedade desorientada – já deixa claro duas proposições do autor, mais conhecido em nosso país por obras como “O Ócio Criativo” e “Criatividade e Grupos Criativos”. A primeira é que não há progresso sem felicidade. E o mundo atual oscila entre a desorientação e o medo. As grandes revoluções burguesas e proletárias que visavam a liberdade, igualdade e fraternidade já se foram há muito. Outra é que nossa capacidade de interpretar a realidade vive uma crise, já que nossos modelos e categorias mentais foram criados na época industrial e não mais são capazes de explicar o presente. Daí, acabamos sendo induzidos a desconfiar do futuro. Partindo dessas premissas, Masi discute diversos modelos de vida, para, quem sabe, possamos pensar num modelo alternativo. Em meio à tantas desconfianças frente ao futuro, vale prestar atenção ao último capítulo do livro, dedicado ao Brasil e que se chama “ O futuro chegou – o modelo brasileiro”, no qual ele discute aspectos culturais, as recentes manifestações de 2013 e conclui que “ nenhum outro país é amostra igualmente representativa e metáfora igualmente significativa do mundo inteiro em sua atual fase evolutiva. [...] Como no século XX, a mistura brasileira tornou-se modelo e paradigma, graças à interpretação genial que dele fizeram “os inventores do Brasil”; assim, hoje, o mundo inteiro espera alguém que o reinvente, conferindo-lhe, através de um novo modelo, uma nova e consciente identidade.” Às vezes é preciso que alguém de fora nos mostre nosso valor. E Masi faz isso, com competência e emoção.
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Alma do século XX
O movimento Memphis influenciou o design no mundo ao ampliar as possibilidades de comunicação dos objetos
“Mas no fundo do meu coração/Eu sei que não posso escapar/ Oh, mamãe, pode ser realmente o fim/De ficar preso dentro de móveis/Com o blues de Memphis de novo”. Bob Dylan
por Pâmilla Vilas Boas Foi de uma música de Bob Dylan que veio a inspiração para o movimento que marcou a história do design no mundo. Inicialmente despretensioso, o Memphis Group passou a dar mais valor às possibilidades estéticas que à ergonomia dos móveis, libertando o design das amarras da funcionalidade absoluta em prol do livre desenvolvimento criativo das formas. Como expressão de um espírito do tempo, as ideias do grupo italiano introduziram emoção nas linhas frias do design mundial. A proposta do Memphis, que existiu entre 1981 a 1988, trouxe consigo uma discussão crítica acerca dos paradigmas instaurados pela Bauhaus desde 1919, que até hoje repercutem sobre o design. O projeto dessa escola, fruto do pensamento racionalista moderno, introduziu formas e linhas simples nas artes, no design e na arquitetura, trazendo visuais mais limpos e sem adornos. As formas, pensavam os alemães, deveriam ser definidas pela função do objeto, e não mais pelo capricho pessoal ou pela tradição histórica. Seis décadas depois, de maneira igualmente contestadora, mas às avessas, o Memphis Group desafiou as convenções do design em sua época, que ainda privilegiava formas, cores e texturas convencionais. Em contraste, inspirado por movimentos como o Art Déco e a Pop Art, o grupo buscou uma alternativa mais criativa ao design e ofereceu peças que abusavam das cores, dos brilhos e de formas que, no calor do momento, chegaram a ser consideradas extravagantes e foram alvo de muitas críticas. “O famoso designer George Nelson me disse, certa vez: Memphis não é um guia, é um estado de alma. Se você não sabia que o século XX tinha uma alma, agora você sabe disso”, brinca a designer Martine Bedin, uma das fundadoras do grupo.
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1: Pintura óleo sobre tela Nathalie Du Pasquier 2: Pintura óleo sobre papel Nathalie Du Pasquier 3: Escultura - Ait-baha Martine Bedin 4: Escultura - Chaos Martine Bedin Fotos: divulgação
Origem musical
Apesar do nome tipicamente norte americano, o movimento nasceu nas noites frias do inverno milanês. Martine relata que o nome apareceu, pela primeira vez, quase que por acaso, como um rabisco no caderno do arquiteto italiano Michele De Lucchi, em meados de dezembro do longínquo ano de 1980, em uma reunião do grupo no pequeno apartamento de Ettore Sottsass e Barbara Radice. “Estávamos ouvindo uma música de Bob Dylan chamada ‘Stuck Inside of Mobile with Memphis Blues Again’. Como ninguém se preocupou em mudar o disco, Bob Dylan continuou uivando ‘the Blues Memphis again’, até que Sottsass disse: ‘Já sei! Vamos chamar
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a nossa coleção de móveis de ‘Memphis’. Todos concordaram, era um grande nome. Trazia referências a Blues, Tennessee, rock n’ roll, subúrbio americano e, ao mesmo tempo, à antiga capital dos faraós no Egito, a cidade santa do Deus Ptah”, recorda Martine. Além dos anfitriões Sottsass e Radice, e da própria Martine, outros nomes estavam presentes naquela noite de fundação: Michele De Lucchi, Aldo Cibic, Matteo Thun e Marco Zanini. Martine é a criadora da luminária campeã de vendas “Super”, e desenhou outras 27 peças para todas as coleções lançadas pelo Memphis Group. “Eu também projetei o primeiro cartaz para o primeiro convite do movimento”, afirma. O conceito “design emocional” propriamente dito é desconhecido pela designer, mas ela arrisca alguns palpites sobre o tema. Afinal, como ela propõe, o nome, em si, é bastante sugestivo. Ela acredita que, para projetar qualquer coisa, é preciso embutir nela uma dose de emoção. Do contrário, é melhor não fazê-lo. “Você pode imaginar uma música não emocional? uma pintura não emocional?”, questiona. A designer conheceu Ettore Sotssas, principal ícone do Memphis, em 1979, quando ele tinha 60 anos. Martine estava na Triennale di Milano, um museu de design e local de eventos em Milão, apresentando a construção de uma pequena casa e de uma cadeira. “Ele me perguntou quem eu era, e eu respondi perguntando-lhe: “Quem é você?” Ele riu e, em seguida, me convidou para trabalhar com ele em Milão. Ele tem sido meu mentor e teve uma enorme influência não apenas
no meu trabalho, mas também em minha própria vida. Me ensinou a ser livre. Passei a viver e trabalhar sem qualquer autoridade, pura e provocativamente livre. Comecei a minha vida buscando a vanguarda e ainda estou no limite do mercado”, relata. Antes do Memphis, Sotssas já desempenhava papel fundamental no pensamento sobre o design. Ele integrou o Studio Alchimia, criado em 1976, grupo que enfatizava o papel conceitual dos objetos. Nesse período, os fatores emocionais, mais do que os elementos racionais, passaram a ter grande influência no design, potencializando relações da ordem do sensível dos usuários com aqueles objetos, de forma que sua funcionalidade não desempenhava mais o papel primordial nessa relação. A artista Nathalie Du Pasquier, também integrante do movimento, explica que a experiência de seus anos junto ao Memphis marcou o início de sua vida profissional. Em 1987, quando o grupo foi dissolvido, ela se tornou pintora. Nos anos seguintes, começou a produzir construções abstratas que se tornaram tema de suas naturezas-mortas. “Eu não posso dizer que fui influenciada pelo estilo de Memphis, pois eu era parte dele. Eu era jovem na época e havia pessoas no grupo que eu admirava muito, essas pessoas tiveram influência sobre mim, nas formas de fazer e de pensar sobre a importância de objetos e dos rituais em torno deles. Eu não posso dizer que Memphis me influencia, mas por essa experiência eu me tornei o que sou agora”, relata.
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5: Escultura - Mandya Martine Bedin 6: Pintura - Óleo sobre tela Nathalie Du Pasquier Fotos: divulgação
Memphis e o design brasileiro Segundo o arquiteto italiano e integrante do movimento, Marco Zanini, hoje radicado no Rio de Janeiro, apesar de não terem existido designers brasileiros representantes do Memphis, o ofício no Brasil foi influenciado por este movimento, sobretudo pela quebra do velho paradigma “forma segue função”. Para ele, no país, o Memphis introduziu outras possibilidades ao design, além das ergonômicas, como funções existenciais, de comunicação e expressões de signos culturais. No final do ano passado, ele realizou a cenografia da “Exposição Memphis”, montada na loja de design Firma Casa, em São Paulo. A exposição trouxe objetos diretos da Itália que puderam ser adquiridos na loja. “Acho que é sempre importante para um país como o Brasil mostrar às novas gerações aquilo que aconteceu no passado e que influenciou profundamente a cultura do design”, afirma. Ele relata que a trajetória do grupo influenciou seu trabalho posterior de maneira marcante, o que, no entanto, não o impediu de realizar projetos diferentes, com pouca relação com as pesquisas do Memphis. “O movimento abriu várias portas e quebrou muitos muros que fechavam a profissão de designer a um círculo restrito. Afinal, muitos dos artistas do grupo não tinham uma formação oficial”, ressalta.
O mundo em que habito pág. 88 - Miscelânea - Giorgio Biscaro
“Something Good” reúne a experiência única do trabalho de artesãos no desenvolvimento de produtos com forte vínculo emocional por Pâmilla Vilas Boas “Something Good” reúne a experiência única do trabalho de arte1. sãos no desenvolvimento de produtos com forte vínculo emocional
Unir designers e artesãos em novos processos de fazer design é o objetivo do “Something Good”, iniciativa de quatro amigos que decidiram fundar um novo conceito de marca. Criado em 2013, o projeto pretende destacar pequenas empresas e artesãos, que são o núcleo da qualidade italiana em produção. O projeto foi idealizado e promovido pelos designers Giorgio Biscaro, Enrica Cavarzan, Marco Zavagno e Matteo Zorzenoni, protagonistas de renome da nova geração do design da Itália, que têm em comum um profundo conhecimento sobre a diversidade de formas de produção em seu país. Como explica o designer Giorgio Biscaro, trata-se de uma plataforma de produção e planejamento, que reúne diferentes parcerias, experiências criativas e novas redes. A proposta é abrir as fronteiras do made in Italy para designers internacionais, colaborando também com as realidades dos negócios estrangeiros. “Expandir o made in Italy não significa que queremos fechar nossa mente. Temos um profundo respeito pela cultura e estilos estrangeiros, e pretendemos, no futuro, trabalhar com designers de todas as partes do mundo, com a ideia de expandir nossas fronteiras
Miscelânea - Giorgio Biscaro - pág. 89
1: Beaver - Porta vela Design - Odo Fioravanti 2: Tournée - Espelho de maquiagem Design - Giorgio Biscaro Fotos: Something Good
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culturais. Não é fácil colocar designers em contato com artesãos, mas é uma coisa que, sem dúvida, eu gostaria de fazer”, explica. Biscaro acredita que o projeto possibilita superar os limites físicos dos objetos, para expressar outras informações, como o contexto que tornou possível sua existência. Segundo ele, o artesão produz objetos quentes, nos quais a mão do homem é realmente visível. O objetivo é que o Something Good torne todos esses valores visíveis, trazendo a ideia de que cada peça é única e foi feita especialmente para aquele cliente. “Os produtos que
vendemos são comercialmente possíveis apenas neste tempo e neste lugar, adquirindo certo valor. Acreditamos que é por isso que as pessoas estão redescobrindo o artesanato. Ele nos lembra de um tempo em que éramos felizes e despreocupados. Assim, emancipamo-nos de elementos de instabilidade”, relata. Para Biscaro, todos os dias somos bombardeados por informações visuais que criam uma linguagem, um conjunto completo de referências que determinam nossa concepção de bom, feio, mau, feliz, triste e assim por diante, o que ajuda na concepção de objetos próximos das pessoas. É por isso
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que ser emocional hoje, como explica o designer, é mais importante do que nunca. Para ele, embora não exista receita para tocar a sensibilidade das pessoas, observar as características dos produtos que se tornam ícones pode ser uma maneira de assimilar melhor os objetos. “Não é como encontrar tendências. Essa é uma palavra fictícia que se concentra apenas no aspecto visual das coisas. E escolher a cor apropriada, forma, tipologia, pode fazer um objeto mais ou menos perto da expectativa de um determinado usuário. Nesses termos, pensamos que um designer deve conhecer muito bem o mundo em que habita”, completa.
Concepção dos produtos Giorgio Biscaro ressalta que as relações entre designers, empresas e produtores se
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3: Bumblebee - Lampião a óleo Design - Giorgio Biscaro 4: Baguette - Peso de papel Design - Giorgio Biscaro 5. Split - Porta treco Design - Tomas Kral 6: Zebra - Porta documentos Design - Matteo Zorzenoni Fotos: Something Good
tornaram fortes na Itália ao longo dos anos, desde o pós-guerra até os dias atuais. Para ele, essa forma de abordar a produção ainda é insuperável. “A Itália construiu sua economia em torno da alta qualidade do artesanato italiano. O que o país não tem é a capacidade de comunicar o valor desses ofícios, mas temos esperança de que podemos preencher essa lacuna, fazendo uma forte comunicação de como as coisas são produzidas e concebidas”. O modelo de produção do Something Good respeita o ritmo de trabalho dos artesãos, com um volume de venda equilibrado e prorrogável por demanda. Ao mesmo tempo, a distribuição on-line permite a redução dos custos, resultando num preço acessível para o produto final. O projeto reinventa o processo industrial do design tradicional e se posiciona no cruzamento entre as empresas tradicionais,
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7: MRS - Garrafa Design - Matteo Zorzenoni 8: Miss - Garrafa Design - Matteo Zorzenoni Fotos: Something Good
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as galerias de arte e as lojas de design, abrindo novas oportunidades de desenvolvimento para os fornecedores locais, bem como uma experiência mais ampla de marketing global. Esse novo padrão contribuiu para quebrar as fronteiras entre projetualidade, comunicação e distribuição, unindo tudo em um processo coeso. Além disso, permite traçar uma diretriz que combina o amor pelo detalhe, as normas de fabricação de alta qualidade e a sustentabilidade da produção de uma forma global. Biscaro explica que, como optaram por trabalhar com artesãos, não seria possível aplicar a lógica habitual de mercado, pois o preço se tornaria alto, e a ideia era que os produtos fossem os mais acessíveis possíveis. “Por isso, trabalhamos em pequenos lotes, encontrando acordos com nossos produtores para fazer todo mundo feliz e criar uma economia sustentável. Sustentabilidade não é apenas o uso de materiais reciclados ou de redução do consumo, mas também produzir a quantidade correta de mercadorias. Confiamos profundamente nisso”, completa.
PATROCÍNIO:
REALIZAÇÃO:
INCENTIVO:
CAMILOBELCHIORDESIGN
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