iDeia Design - Edição 07

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Edição 07 |Mai - Jun - Jul/2014 ISSN 2317 - 9406



Editorial Expediente: Editor Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa Bruna Aguiar Danilo Borges

É inegável a grande influência que a Itália teve, e ainda tem, no design desenvolvido em várias partes do mundo, principalmente no Brasil. Depois de um pós-guerra, o país começa a se desenvolver prodigiosamente e é a partir desse momento que o “made in Italy” conhece seu sucesso internacional. “Um dos setores de maior desenvolvimento foi o automobilístico, sendo o carro um elemento emblemático da sociedade de consumo, assumindo um papel de influenciador e influenciado, ao mesmo tempo, por necessidades e gostos vigentes naquela época”*. A partir daí, outros setores, como o mobiliário e o de iluminação, acompanharam esse sucesso e se desenvolveram de forma a transformar seus criadores em verdadeiros ícones do design.

Gabriele Lanza Pâmilla Vilas Boas Projeto gráfico e coordenação gráfica Cláudio Valentin Capa: Galeria Vittorio Emanuele II - Milão Itália

Baseado nesse contexto, a temática desta oitava edição da Revista iDeia faz um recorte sobre as influências da cultura italiana no design brasileiro. Para tanto, em nossas entrevistas internacionais, conversamos com os designers Francesco Zurlo, também professor e especialista em design estratégico e o diretor de criação da Fontana De Arte, Giorgio Biscaro. Já nas entrevistas nacionais, as fontes foram o diretor da Questto|Nó, Levi Girard, e com a designer e professora Suzanna Padovano.

Foto: Cioli Stancioli A Revista iDeia é uma publicação da Editora PlexuDesign, patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida.

Para a seção Perfil, abordamos dois italianos que atuam em áreas distintas: o arquiteto Maximiliano Fuksas e o designer radicado no Brasil, Giovanni Vannucchi. Já na seção Lighting, mostramos o trabalho de um dos nomes mais expressivos no cenário europeu, o lighting designer Maurizio Rossi.

Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas afins ao design e formadores de opinião.

Na seção Projetos, mostramos dois trabalhos extremamente primorosos: o do Museu de Ciências Naturais da PUC-Minas e o de uma residência, desenvolvido pela arquiteta Márcia Mundim.

Contato: contato@revistaideia.com Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores

Relembramos o belo e importante trabalho do designer italiano Achille Castiglioni na seção Ícones e, em Criador & Criação, falamos sobre a genialidade do considerado primeiro designer do mundo, Leonardo Da Vinci.

e não refletem a opinião da revista.

Para a seção Ação Social, mostramos o bonito trabalho desenvolvido por Tio Flávio, que está levando aos recuperandos da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados de Santa Luzia um pouco de humanização e ressocialização através da arte. E esta edição não estaria completa sem a generosa participação de nossos colaboradores, os designers Enrico Sales e Kátia Pêgo, que nos trazem artigos inteligentes e interessantes. Boa leitura, Camilo Belchior

*Paula da Cruz Landim (citação)


John Thachara - Inglaterra Escritor consagrado e crĂ­tico de design. Fundador e diretor da The Doors of Perception


Colaboradores

Enrico Salis - Rio de Janeiro | Brasil Enrico Salis nasceu em Milão em 1986 e formou-se em design pela Universidade Politecnico di Milano em 2009. Há cerca de 4 anos mora e trabalha no Brasil realizando projetos de mobiliário, interiores e cenografia. Atualmente, o seu estúdio esta instalado na cidade do Rio de Janeiro.

Kátia Pegô - Milão | Itália Atualmente cursa o doutorado em Sistemi de Produzione & Design Industriale no Politecnico di Torino. Possui mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Universidade Federal de Minas Gerais (2010), especialização em Planejamento e Gestão Ambiental pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (1999) e graduação em Design Industrial pela Universidade do Estado de Minas Gerais (1996).

Eraldo Pinheiro - Minas Gerais | Brasil Formado em Arquitetura e Filosofia pela UFMG (1980), tem formação eclética e mantém escritório próprio desde a graduação. Atua na área de arquitetura de interiores com ênfase em projetos comerciais de lojas de moda, restaurantes e residências, somando mais de 1500 projetos executados de norte a sul do pais. Atualmente, projeta para várias indústrias de móveis de madeira, aço inox e alumínio, para áreas internas e externas. Visita o Salão de Milão há mais de 25 anos.




pág. 8 - Perfil - Massimiliano Fuksas

Por um mundo mais orgânico por Pâmilla Vilas Boas “Como um autêntico organismo - uma armação de madeira cercada por um reino vegetal feito de água e essências: uma base completamente livre e totalmente envidraçada suporta dois volumes, com estrutura de madeira e preenchimento. Trechos de água e vegetação, refletindo nas janelas, terá o efeito de ocultar a base. Os dois volumes anteriores, ligados entre si ao antigo edifício por passarelas, sediará as salas de leitura da biblioteca e do pequeno auditório. Na extremidade da área, encontra-se o acervo da biblioteca, disponível gratuitamente, a cafeteria e um jardim de inverno”.


Perfil - Massimiliano Fuksas - pág. 9

É assim que o arquiteto italiano Massimiliano Fuksas descreve o projeto de ampliação do Instituto Italiano de Cultura de São Paulo (IICSP) desenvolvido, em 2008, pelo Estúdio Fuksas, seu primeiro projeto na América Latina e, segundo ele, um dos mais emocionantes de sua vida. Massimiliano Fuksas nasceu em Roma, em 1944. Graduou-se na Universidade “La Sapienza” (Roma) em 1969 e hoje é um dos arquitetos mais importantes da Itália. Desde a década de 80, ele tem sido um dos grandes protagonistas da cena da arquitetura contemporânea, além de atuar como professor visitante em diversas universidades, como a de Columbia, em Nova Iorque, e a École Spéciale d’Architecture, em

Paris. Entre 1998 e 2000, Fuksas foi diretor da “VII Mostra Internacional de Arquitetura de Veneza”. Ele mantém o estúdio Fuksas, liderado por Massimiliano e Doriana Fuksas, com escritórios em Roma, Paris e Shenzhen (China). Entre suas principais obras estão a Universidade de Brest (França), o Ginásio de Paliano (Itália), o Centro Comercial Europark (Áustria) e o Centro de Pesquisas da Ferrari (Itália). O projeto de ampliação do Instituto Italiano de Cultura de São Paulo vai abrigar restaurante, teatro, duas galerias e centro multimídia. Massimiliano explica que a ideia foi criar uma comunicação harmônica com a realidade existente, já que o prédio neoclássico é patrimônio cultural de


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São Paulo. Ele explica que a fachada do edifício, na Avenida Higienópolis - construída nos anos vinte do século passado, a qual abriga o escritório administrativo - permanecerá intacta e, nos fundos, a nova expansão cresce separadamente, mas em continuidade com aquela existente. “Por sua tradição arquitetônica e de planejamento urbano, sempre pensei que o Brasil seria o lugar perfeito para o meu primeiro projeto na América do Sul. A expansão do Instituto Italiano de Cultura em São Paulo é orgânica, acredita na sustentabilidade e na proteção do ambiente. Quando trabalhamos em um projeto,

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pensamos sobre todas essas coisas: tentamos recriar partes da natureza para trabalhar com água e para obter armazenamento de energia”, relata. O arquiteto ressalta que a proteção de áreas verdes ou a criação de edifícios eco-compatíveis não é suficiente para um desenvolvimento urbano sustentável. Ele acredita que é possível contribuir com a sustentabilidade das cidades com a criação de uma geografia que integre a economia, a paisagem e o humano, com o respeito à mobilidade, ao meio ambiente, à política, sociedade e conhecimento.


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1. Instituto Italiano de Cultura de São Paulo. 2, 3. Aeroporto Internacional de Shenzhen Bao’na, na China. Fotos: arquivo Fuksas

Não temos um estilo criativo distintivo Para Fuksas, a arquitetura é capaz de criar emoções a partir da utilização dos diversos elementos para a transformação de um lugar. “É a ideia que leva à definição do projeto, como no Aeroporto Internacional de Shenzhen Bao’na, na China. Não temos um estilo criativo distintivo. Nós não queremos um. Lutamos toda a nossa vida contra o conceito de estilo. Se fugir do estilo e formalismo, a inspiração e o frescor das ideias criam uma aceleração dos resultados. O foco do nosso interesse sempre foi o ser humano,” explica.

Arquitetura transformadora O Aeroporto Internacional de Shenzhen Bao’na, na China, inaugurado em 2013, é o maior edifício público construído em Shenzhen. O projeto aumentou a capacidade do aeroporto em 58%, permitindo o acesso de até 45 milhões de passageiros por ano. Composto por três níveis: partida, chegada e serviços, que se ligam verticalmente para criar vazios e permitir que a luz natural incida do ponto mais alto para o mais baixo. O conceito do espaço é uma fluidez que combina a ideia de movimento e de pausa, consi

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derando cuidadosamente a experiência humana no processo, nas distâncias e na facilidade de orientação. O design de interiores foi estilizado com “árvores” que servem de saída de ar condicionado, os check-in são ilhas, os passport-check têm um acabamento em aço inoxidável que refletem um favo de mel. O Estúdio Fuksas está envolvido em mais duas fases da ampliação do aeroporto, previstas para terminar em 2025 e 2035. O projeto foi tão marcante que o cliente, Shenzhen Airport (Group) Co., tentará algo inusitado: um copyright da obra. Já o projeto “18 Septemberplein” foi criado pelo Estúdio Fuksas para uma das principais praças da cidade de Eindhoven, na Holanda. A praça é a conexão entre a área da estação central e da principal zona comercial da cidade. A demanda por 2.000 lugares de estacionamento para bicicletas, em conjunto com a função logística importante da praça, levou ao projeto de um estacionamento subterrâneo, deixando espaço para o movimento de pessoas na praça. Dois edifícios semelhantes contrastam com o contexto do lugar para marcar

o espaço da praça. A entrada para o estacionamento de bicicletas é formada por uma faixa central de azulejos, fontes de luzes e elementos em vidro embutido. À noite, os elementos, em conjunto com a luz que passa através do vidro do estacionamento, criam uma tapeçaria de luz. Outra obra que traduz a paixão de Fuksas pelo ser humano, pelos espaços e pela natureza é o projeto para a sede do centro de pesquisa da Ferrari, localizada no coração do complexo industrial da empresa, em Maranello (Itália). O projeto vem do desejo de trazer o ambiente natural para esse complexo de alta tecnologia, de modo a criar um confortável local de trabalho. Plantas de eletricidade, água e bambu são usados, de modo que o edifício torna-se sua própria paisagem. Acima da linha de água algumas passarelas criam uma rede interligada entre as duas salas de reuniões. Cada uma distingue-se por suas cores vermelho e amarelo. A luz solar, ao atingir o espaço, remete a ideia de um material precioso que representa toda aquela criação industrial. Somado a isso, há uma área de bambu capaz de filtrar a luz e dissecá-la em mil direções.

4, 5, 6. projeto “18 Septemberplein” 7. Sede do Centro de Pesquisa da Ferrari Fotos: arquivo Fuksas


pág. 14 - Perfil - Giovanni Vannucchi

Um italiano que faz design com alma brasileira por Ana Cláudia Ulhôa


Perfil - Giovanni Vannucchi - pág. 15

A paixão pela arquitetura e pelo design não surgiu por acaso. Desde criança, Giovanni Vannucchi conviveu com pessoas ligadas à arte. O avô, dono de antiquários em Florença e Roma, a mãe, pintora, e o irmão, arquiteto, exerceram grande influência em Vannucchi que fez com que a escolha por essas áreas não fosse uma decisão planejada, mas um processo natural. Por isso, o italiano, que vive no Brasil desde os quatro anos, não teve dúvidas na hora de escolher o curso de graduação. Prestou vestibular para Arquitetura na USP e se formou em 1979. O conhecimento que permitiu a entrada dele na área do design também foi conquistado na faculdade, já que, na época, não existia uma graduação específica em design. “A FAUUSP oferecia uma formação humanista e abrangente. Assim, junto com as matérias de arquitetura e urbanismo, tínhamos aulas de design de produto e de comunicação visual”, conta. A decisão de abrir a própria empresa foi tomada ainda na universidade. No penúltimo semestre de faculdade, cinco colegas decidiram reunir suas expertises e habilidades pessoais para criar a Oz Design. Já no primeiro ano, venceram um concurso público da

A Kimberly é cliente da Oz Desgin há mais de dez anos.

Empresa Municipal de Urbanismo de São Paulo (Emurb), para realizar o desenho do mobiliário urbano da cidade. “Ganhar um projeto com essa importância, recém-formados, nos deu a tranquilidade de saber que estávamos no caminho certo. Eu, André Poppovic e Ronald Kapaz continuamos juntos desde aquele ano”. Hoje, a Oz Desing trabalha para empresas como Coca-Cola, Kimberly Clark, Ajinomoto e Porto Seguro, prestando serviços nas áreas de projetos editoriais, sinalização, identidade visual, desenho de embalagens, design de produto, branding, ambientação, entre outros. Um dos projetos premiados da empresa foi o rebranding e design da família tipográfica da marca de equipamentos esportivos Penalty. Em 2011, esse trabalho ganhou dois prêmios na iF Communication Design Awards, um na categoria “Crossmedia” e outro na “Typography”. De acordo com Giovanni Vannucchi, todos os projetos que entram na Oz Design passam por uma pesquisa sobre o cliente, seu mercado, concorrentes, diferenciais e valores, antes de serem iniciados. “No caso da Penalty, percebemos, no decorrer do trabalho, que a brasilidade era um componente forte de identidade da marca. Essa concepção norteou todo o design e tivemos a possibilidade de definir os vários pontos de contato da marca, desde o


pág. 16 - Perfil - Giovanni Vannucchi

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redesenho do logotipo, sua aplicação nos produtos, embalagens, ambientação do showroom e o desenho de uma tipografia proprietária, a Ginga”. Um dos trabalhos mais recentes da equipe de Vannucchi é o relançamento da Coca-Cola Light no Brasil. Ele conta que após a realização de algumas pesquisas, a multinacional americana descobriu que existia um público significativo no país que gostava da Coca-Cola Light. De acordo com o estudo, essas pessoas sentiram muita falta do produto quando saiu do mercado para dar lugar à Coca Zero. Percebendo a importância de reinserir o produto no mercado, a Coca-Cola pediu para que a Oz Design criasse a lata e a garrafa da nova Coca Light. “Desenhamos uma embalagem cuja mensagem aparece de forma direta. A paixão dos consumidores pelo produto foi representada por um coração estilizado. Uma embalagem icônica e que, por sua força, passou a ser o principal elemento de comunicação da campanha de relançamento”, explica. Apesar de ter nascido em Florença, Giovanni Vannucchi diz que o design italiano nunca foi a principal influência de seu trabalho. “Considero-me brasileiro. É claro que sempre permanece uma relação com o país de origem, porém não me sinto particularmente influenciado pelo design italiano. Sempre procurei me informar sobre o que se produz em várias partes do mundo, pois a rique-

za está em entender por que se faz aquele tipo de design naquele lugar”, comenta. O interesse de Giovanni pelo que é feito no Brasil pode ser percebido através da lista de cargos que o designer já ocupou em diversas instituições da área. Ele foi um dos fundadores e diretor da ADG Brasil – Associação dos Designers Gráficos do Brasil; um dos fundadores do Comitê de Design e membro do Conselho de Ética da ABRE – Associação Brasileira de Embalagem; e um dos fundadores e atual diretor de Relações Institucionais da ABEDESIGN – Associação Brasileira das Embalagens de Design. Depois de passar por todos esses cargos, Vannucchi tem uma visão clara sobre o design feito no país. Para ele, o Brasil é hoje um importante gerador de bom design. “Existe uma liberdade inequívoca em nossa produção, provavelmente fruto da grande mistura multicultural que é nosso país e que não cria padrões restritos a serem seguidos. Fluência no uso das cores; o uso de materiais inusitados ou combinações criativas desses materiais; o resgate da produção artesanal de qualidade e sua reinterpretação por designers e a consciência ambiental cada vez mais presente na produção dos designers têm criado uma identidade que vem fazendo nosso design ser reconhecido e admirado no mundo. O aumento no número de prêmios internacionais que o país tem recebido na área é uma prova disso”, finaliza.

Embalagem criada para o relançamento da CocaColaLight

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Th e He art Corpo rat io n

Luz para ler. Luz para trabalhar. Luz para relaxar. Luz para divertir.

A Brilia que você já conhece está de cara nova e com um universo de possibilidades pela frente. Só o que não vai mudar é a qualidade e a inovação, que continuam sendo a essência da nossa marca.


pág. 18 - Lighting - Maurizio Rossi

Maurizio Rossi por Danilo Borges

Desde 1975, Maurizio Rossi é o único representante da Itália na seleta lista da Associação Internacional de Designers de Iluminação (IALD, em inglês). O reconhecimento não é por acaso, pois, para ele, projetos luminotécnicos exigem profissionais especializados no segmento: “Atualmente, qualquer arquiteto que já projetou uma luminária considera-se um designer de iluminação”, ironiza. Em entrevista exclusiva à iDeia, além de defender a classe dos lighting designers, Rossi fala sobre seu trabalho à frente da M.R.L.D., empresa sediada em Roma, que possui projetos em todo o mundo. Revista iDeia: Como está o design de iluminação hoje na Itália? MR - De modo geral, os projetos de iluminação arquitetônica na Itália são muito confusos. Qualquer arquiteto que já projetou uma lâmpada considera-se designer de iluminação. Existem empresas de iluminação que fornecem “projetos de design” que só são aceitos porque os clientes pensam em economizar o custo de um projeto “real”. Obviamente, essas empresas farão projetos apenas com seus próprios produtos, o que é um enorme conflito de interesse, que afeta, também, a qualidade e a profundidade de um projeto de iluminação arquitetônica. Isso, entretanto, não significa que não existam trabalhos bem feitos. Pessoalmente, acredito que nenhum arquiteto ou engenheiro italiano tenha seguido um curso regular


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1 e 3. Hotel Mediterraneo 2. Rist. Citta ’ Scienza Daylight Study Fotos: divulgação

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de design de iluminação arquitetônica por mais de seis meses. Algumas universidades oferecem “mestrados” em projetos de iluminação sem, no entanto, exigir um curso introdutório de design de iluminação! Na Itália, você pode desenhar luminárias bonitas que, talvez, acabem em museus. Mas, pessoalmente, não acho que saber projetar produtos legais signifique ser capaz de atuar como designer de iluminação.

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Ri: De todos os projetos que você já desenvolveu, por qual deles você tem um carinho especial e por quê? MR - Há alguns anos, todos os meus projetos, grandes ou pequenos, têm sido executados no computador, usando técnicas convencionais de “realidade virtual”, capazes de mostrar aos clientes espaços “reais”, com a iluminação verdadeira; não se trata mais de um conjunto de renderings agradáveis, mas que não se relacionam com o real. Graças aos meios tecnológicos que temos à disposição atualmente, venho defendendo, há muito tempo, a realização de projetos de design de iluminação utilizando a realidade virtual: computadores, Skype, câmeras de vídeo etc., que podem ser feitos mesmo quando não se conhece, pessoalmente, o cliente ou os outros profissionais envolvidos.

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Certa vez, fui contactado por um cliente – um arquiteto que não exercia a profissão – para elaborar o projeto de uma casa com jardim, à margem de um lago no norte da Itália. Mas, como ocorre muitas vezes, ele


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não pretendia gastar muito. Sugeri, então, fazermos tudo sem nos encontrarmos pessoalmente, o que aceitou de bom grado. Houve uma longa preparação, com demoradas conversas conceituais e “expedições preparatórias” por seus arquivos de desenhos, fotos etc., sempre em “realidade virtual”. Foram vários meses de discussões por telefone ou via Skype, desenhos indo e voltando e troca de informações. Isso não é diferente de qualquer projeto conduzido da forma tradicional. Depois da aprovação do cliente, pude acompanhar – de Roma, por câmera de vídeo – a execução do projeto. Houve algumas mudanças no curso normal de trabalho, mas tudo correu bem. Infelizmente, nossa relação satisfatória terminou em uma disputa sobre o uso de uma determinada iluminação no jardim, a qual considerei inadequada. Apesar desse desfecho infeliz, o projeto foi feito, executado e controlado até o final sem nenhum problema. Isso me provou o que eu defendia e ainda defendo: que, em alguns casos, é possível fazer um projeto de iluminação arquitetônica sem sair do estúdio. Foi o projeto que mais me deu satisfação, pois foi uma experiência que eu nunca havia feito antes. Ri: Na sua opinião, qual a influência do design de iluminação na cultura brasileira? MR - Confesso que sei muito pouco sobre as especificidades dos projetos de iluminação no Brasil, mas, pelo pouco que li a respeito, acredito que essa profissão está fazendo grandes avanços e que há um grande interesse na cultura de iluminação arquitetônica no Brasil. Com uma luz artificial, projetada por um designer de iluminação arquitetônica, podemos, adequadamente e com sensibilidade, perceber o nosso ambiente, seja ele qual for. Ri: Em quais projetos luminotécnicos vocês está trabalhando atualmente? MR - No ano passado, concluímos um trabalho importante em Roma, mas, infelizmente, não pude utilizar as fotos devido a peculiaridades do cliente. Também em 2013, fui convidado a projetar uma lâmpada decorativa e a participar, como único italiano, do “Ilumina”, um projeto português, patrocinado pela União Europeia,


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4. Rest . Convoglia Foto: divulgação

que teve por objetivo promover a indústria de iluminação do país. Minha luminária será produzida por uma grande empresa de Portugal e será apresentada, este ano, na Frankfurt Lighting Fair. Outro dois projetos ambiciosos, sobre os quais ainda não posso dar detalhes, são um hotel cinco estrelas em Marrocos e a iluminação da maior mesquita xiita de Al Najaf, no Iraque, o que poderia abrir as portas para a iluminação de outras mesquitas semelhantes no país. Finalmente, também iremos participar de uma concorrência para a iluminação arquitetônica de um prédio antigo em Malta, na costa do Mediterrâneo. A proposta é transformar o espaço em um planetário. Ri: Você conhece o trabalho de lighting designers brasileiros? Qual? MR - De acordo com a lista da IALD (sigla, em inglês, da Associação Internacional de Designers de Iluminação), que relaciona os mais importantes designers de iluminação, existem três profissionais trabalhando como designers de iluminação no Brasil. Com certeza haverá outros. Nas inúmeras revistas sobre arquitetura, design e iluminação que recebemos em nosso estúdio, cheguei a ver alguns projetos brasileiros, que foram muito bem feitos, mas que, pelo que me lembro, não tinham, nos créditos, o nome do designer, apenas as empresas que forneceram os equipamentos. Pelo menos aqui na Itália, percebo que, infelizmente, há pouco intercâmbio cultural entre os italianos interessados em iluminação e seus colegas brasileiros, provavelmente por causa da imprensa especializada, que busca, quase sempre, as mesmas fontes europeias ou norte-americanas, raramente em outros lugares. Ri: Como o design de iluminação pode contribuir para a melhoria de aspectos sustentáveis ao redor do mundo? MR - Raramente nos lembramos que, quando um projeto é realizado por verdadeiros designers de iluminação, ele está sempre atento às diferentes fontes de luz, à economia de energia e à eficiência. Também procuram realizar uma dimmerização


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adequada e a chamada “programação crepúsculo”, fatores que possibilitam uma notável redução de consumo de eletricidade, além de ampliar a vida útil da fonte de luz. Sejamos realistas: as verdadeiras economias de energia só podem ser alcançadas quando entendermos que a iluminação, em qualquer cidade, deve ser baseada em estudos coordenados de designers de iluminação profissionais, capazes de elaborar e aplicar um plano de energia sustentável. Ri: Você acha que os designers que estão se formando nos dias de hoje estão sendo bem preparados para o desenvolvimento de projetos de iluminação? MR - Posso responder apenas sobre a Itália. Aqui, quando uma empresa privada, um museu, uma superintendência, um prefeito, ou quem quer que seja, decide encomendar um projeto de iluminação, costumam recorrer a uma empresa de equipamentos luminotécnicos ou a arquitetos que aprenderam alguma coisa na prática. Talvez, para se orgulharem um pouco mais, contratam os “mestres” em iluminação, engenheiros, ou uma série de outros profissionais. Mas esses geralmente acabam fazendo o design para aqueles que executam os projetos de iluminação arquitetônica ou para os vendedores de equipamentos de iluminação, pois a formação desses “mestres”, em contraste com todos os outros cursos, não têm valor legal.

A iluminação arquitetônica tem fundamentos psicológicos essenciais, teatro, fisiologia do olho humano, teoria da cor, fotografia etc. etc. etc. – assuntos cujo conhecimento total só se pode adquirir com um curso acadêmico sério de design de iluminação, o qual, no entanto, não existe na Itália! Assim, não saberia responder ao certo à sua pergunta. O que sei é que, na Itália, há um “mestrado” em iluminação que não exige qualquer grau de preparação. Ri: Nos fale um pouco sobre sua empresa e o seu processo de trabalho no desenvolvimento de projetos de iluminação? MR - Com o advento dos computadores, mudei minha maneira de projetar a iluminação, descentralizando-a ao máximo. Em meu estúdio, trabalho com cinco máquinas em rede e divido meus projetos em duas partes distintas: 1) desenvolvo todo o aspecto criativo referente à evolução dos conceitos e apresentações na “realidade virtual”, incluindo a especificação de todos os equipamentos fornecidos e os seus custos. 2) a execução técnica dos desenhos e os detalhes de cada um, o que geralmente é baseado em outros estudos que trabalham exclusivamente desenhos técnicos – tudo, é claro, com a minha supervisão final.

5. Giacometto Floor Foto: divulgação



pág. 24 - EntrevistasNacionais - Suzana Padovano

Suzanna Padovano: “Ainda estamos a léguas de distância de sermos um país exportador de design, apesar das propagandas otimistas a favor”. por Ana Cláudia Ulhôa Sempre preocupada com sua formação, Suzana Padovano viajou o mundo e frequentou instituições de renome nas cidades de Genebra, Londres, Roma e Providence (EUA). Ao voltar para o Brasil, a designer abriu a e-DAU, equipe Designers Arquitetos Urbanistas em rede Ltda, e começou a trabalhar com consultoria e desenvolvimento de projetos nas áreas de design industrial, gráfico e moda. Também realizou atividade como professora nas universidades Mackenzie, Unip e FAAP. Toda essa bagagem fez com que Suzana desenvolvesse uma visão crítica em relação ao Brasil e ao design produzido no país. Em entrevista à iDeia, Padovano reflete sobre o design industrial brasileiro, as dificuldades impostas aos profissionais da área, compara a produção nacional com a italiana, além de contar um pouco sobre sua trajetória profissional e viagens que realizou.


EntrevistasNacionais - Suzana Padovano - pág. 25

Revista iDeia - Quando e como você se interessou pelo design? Suzana Padovano - Meu interesse pelo design surgiu cedo, antes mesmo de ingressar na Faculdade. Em minha infância e juventude estive sempre ligada às artes. Desenhava bastante, ensinada por minha mãe, que era pintora, e mais tarde estudando desenho e pintura. Além disso, gostava de observar os objetos e produtos a minha volta. Perguntava a mim mesma como eles eram feitos, como eram lançados no mercado e considerava maravilhosa a possibilidade de criar/fazer algo em grande escala para todos. Entretanto, ainda não existiam faculdades de design aqui em São Paulo. A única opção, para mim, seria cursar a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (FAU), que incluía uma disciplina de desenho industrial (terminologia da época). Iniciei o cursinho para Arquitetura, mesmo não apreciando a escala dos projetos arquitetônicos. Queria mesmo praticar design, não no sentido de produtos artesanais, mas o design de chão de fábrica, de indústria. Foi nesse momento que eu soube da existência da abertura do Curso de Desenho Industrial e Comunicação Visual da Faculdade de Comunicações e Artes do Mackenzie e optei por ele.

Linha de Interfonia desenvolvida por Suzana para a Arbus

Ri - Como foi o processo de abertura de sua empresa, na década de 1980? SP - Depois de trabalhar em Brasília por três anos seguidos, acabei saindo do emprego. Isso aconteceu devido às dificuldades de permanecer lá por toda a semana, voltando somente nos fins de semana para São Paulo. Eu e meu marido, Bruno Roberto Padovano, que é arquiteto e urbanista, resolvemos iniciar nossa parceria abrindo um escritório de arquitetura, design e comunicação visual, em 1981, então denominado de Sacchi Padovano Associados SC Ltda. Hoje, depois de algumas alterações em sua razão social, tornou-se e-DAU equipe Designers Arquitetos Urbanistas em rede Ltda. No e-DAU, sou presidente e trabalho com uma equipe multidisciplinar em projetos arquitetônicos e urbanos, que incluem paisagismo, mobiliário urbano e comunicação visual, entre outros. Trabalho igualmente com projetos de pesquisa no NUTAU/SP – Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, como consultora em design industrial. Sobre as aulas, meu grande sonho ao retornar ao Brasil era poder lecionar e passar para os alunos brasileiros aquela maravilhosa experi-

Anel para o dedinho feito em ouro e brilhante, desenhado por Suzana Padovano


pág. 26 - EntrevistasNacionais - Suzana Padovano

ência de ensino que eu tinha vivenciado. Iniciei minhas aulas de projeto de design de produto no Mackenzie. Depois, tive outras experiências na UNIP e, finalmente, na FAAP/FAP, onde permaneci por 12 anos como professora e, sucessivamente, como coordenadora do Curso de Desenho Industrial e Sequencial de Moda, que foi criado por mim. Hoje, não leciono mais, nem pretendo fazê-lo por questões éticas. Ri - Você já ganhou vários prêmios com projetos na área de design industrial. Um exemplo é a linha de interruptores elétricos, que conquistou o 1ª lugar do Prêmio Lasar Segal, no XII Prêmio de Design Museu da Casa Brasileira. Como você vê o design industrial hoje no Brasil? Como ele se encontra em relação ao italiano? SP - O design industrial, hoje, no Brasil, é praticamente inexistente. Estamos com o país desindustrializado. Quase todas as indústrias ditas brasileiras estão na mão de estrangeiros, isto é, são multinacionais e muito poucas criam um design verdadeiramente local. Existem também outros problemas, como a falta de incentivos reais, de infraestrutura, comprometimento com a inovação e falta de credibilidade na profissão, onde os valores pagos ao nosso trabalho são ínfimos ou mesmo negados, com os empresários dando preferência à cópia de produtos do exterior. Podemos igualmente observar que são poucos os grandes meios de comunicação que trazem reportagens semanais sobre design. Ainda estamos a léguas de distância de sermos um país exportador de design, seja em que ramo for, apesar das “propagandas” otimistas a favor. A Itália tem uma história muito diferente. Primeiramente, por sua cultura artística de milênios. Depois, porque eles sempre usaram o design como marketing mundial, quando ainda ninguém fazia isso. Os empresários eram “iluminados” e souberam intuir e usar o valor agregado dado pelo design. Lá, os designers eram arquitetos e prestigiados em sua profissão. Os empresários perceberam, desde sempre, que o valor estético e tecnológico de seus produtos eram fatores imprescindíveis e fundamentais para sua exportação e consequente sobrevivência. Tudo isso, na efervescência dos debates críticos oferecidos por revistas de design (Domus, Abitare, Ottagono, Interni), que promoveram uma verdadeira revolução cultural e consequente incentivo à pesquisa. Ri - Como você avalia a importância da influência do design italiano no Brasil? SP - O design italiano foi de suma importância e influência para o mundo e merece um lugar especial, se não de honra, na breve história do design. No Brasil, ele teve a mesma importância e influenciou uma geração inteira de designers, e ainda é referência.


EntrevistasNacionais - Suzana Padovano - pág. 27

Colar Ninho

Anel Ouro Fotos: divulgação

O milagre italiano iniciou-se por volta dos anos 1950, com a Itália abandonando sua produção artesanal de cerâmica e vidro para iniciar-se na produção industrial. Isso devido à introdução de novos materiais, como o alumínio e os termoplásticos, que facilitaram a criação e respectiva produção. Essa indústria orientou-se para objetos da vida doméstica e profissional, como mobiliário, utensílios do lar e para escritório e, igualmente, o setor automobilístico. Grande parte de sua produção e criatividade foi devida a uma efervescência cultural, com debates e textos críticos sobre design e arquitetura, assim como resultado de uma forte política industrial, incentivadora da exportação de seus produtos para o mundo. Eles visavam crescimento econômico, obtendo repercussão internacional e tornando o seu design e designers icônicos. Souberam criar igualmente um forte marketing do design italiano, desde o surgimento do “Salone del Mobile Italiano” (1961). Criaram o que hoje chamamos de “branding”. Temos ainda que mencionar que os designers italianos foram muito corajosos e possuíam muita bagagem cultural e, consequentemente, conceitual. Mas, tiveram também os empresários locais, com mente muito aberta e apoio a essas ousadias criativas, procurando sempre um design inovador, que deixava de lado a criação mais tradicional dos produtos. Procuravam, em certo momento, um design mais lúdico, colorido, fluido, que estimulava o mercado e o consumo. Tudo isso influenciou o design brasileiro e, principalmente, os designers de origem italiana, mas somente na medida em que houvesse tecnologia

e materiais nacionais similares, levando a uma tradução daquela linguagem para uma linguagem local e própria. Ri - Quais os principais elementos italianos possíveis de se perceber no design brasileiro? Como podemos visualizar essa influência? SP - Podem-se perceber alguns traços formais, principalmente no que concerne ao mobiliário, com utilização de vários materiais, adoção de formas fluidas, a leveza, a ludicidade e talvez alguns aspectos menos funcionalistas, no sentido principalmente da adoção da ergonomia como elemento de conforto, na época do “estilo” Memphis ou Pós-moderno. Entretanto, como são inúmeras as áreas ativas do design, não só do mobiliário, fica difícil especificar traços e generalizá-los. O panorama do design mundial atual é de mútua influência. Hoje é complexo falar em um estilo ou “MARCA”, no sentido de personalidade ou traço característico de um país. Todas as nacionalidades estão em todos os lugares, num mix heterogêneo de visões, traduções, interpretações e revisitações múltiplas. Todos acabam comendo do mesmo prato. Ri - Quais nomes italianos você destacaria? SP - Existem muitos nomes italianos importantes e se eu citar todos tomaria muitas páginas, mas posso destacar alguns aos quais acompanho o trabalho, tais como: Antonio Citterio, Alberto Meda, Giorgetto Giugiaro, Stefano Giovannoni, Guido Venturini e os já falecidos Ettore Sottsass, Castiglioni e Enzo Mari. Entre os mais jovens Gianpaolo Allocco e Andrea Borgogni. Todos de grande criatividade, talento e, sobretudo, bem assessorados em uma parte do mundo onde a tecnologia e a pesquisa são privilegiadas, diferentemente daqui.


pág. 28 - EntrevistasNacionais - Levi Girard

O espírito do empreendedorismo italiano em suas múltiplas vertentes por Pâmilla Vilas Boas

Para o designer Levi Girard, a influência do design italiano vem muito mais do espírito empreendedor de seus descendentes que do próprio design. Sócio-fundador da Questto Design, um dos primeiros escritórios no Brasil a usar ferramentas 3D para projetos, Levi dirige, há 18 anos, uma equipe de designers e projetistas. É também diretor da Associação dos Designers de Produto e responsável pelo desenvolvimento de novos negócios e direção geral de projetos na Questto|Nó, da fusão da Questto Design com a Nódesign. A Questto|Nó já conquistou os mais importantes prêmios de design do mundo, como o iF Design Awards (por 12 vezes); 5 IDEA Awards/USA; o Design Preis (Alemanha), além de premiações no Brasil, como o IDEA Brasil e o Museu da Casa Brasileira.


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Produto: FIAT MyStream Foto: Cleber da Silva

Revista iDeia: Como o design pode contribuir para a busca de novas soluções e criação de novos objetos conectados com esse mundo de grandes transformações? Levi Girard - O design poderá ser o centro de todas as transformações, justamente por aliar, harmonicamente, os inúmeros componentes da construção de um produto, serviço ou uma nova forma de viver. Dos smartphones às novas concepções de cidades, o design possibilita acesso a experiências que, sem dúvida, não seriam possíveis se pautadas unicamente pelo pensamento racional ou econômico. Ri: Qual o papel do designer na atualidade? LG - Por ser um profissional multidisciplinar e que trafega muito bem em áreas tão distintas como engenharia, produção e marketing, o designer tem tido a oportunidade de, cada vez mais, conectar várias competências num mesmo pensamento. O foco não é econômico, nem de eficiência máxima na produção, mas de harmonia entre os inúmeros fatores que constroem um produto ou um serviço e que, no fundo, precisam ser percebidos. Essa oportunidade de posicionamento da profissão num patamar muito mais estratégico carrega consigo uma enorme res-

ponsabilidade, e não apenas o “bônus” de podermos nos sentar junto ao board das empresas para ajudar a definir seu destino. Por conta disso, essa formação precisa ser cada vez mais ampla e rica, não apenas durante a faculdade, mas também durante todo o processo de amadurecimento dos profissionais. Sem dúvida, é uma das atividades que mais dependem de uma visão global do mundo, das diversidades culturais, dos desafios de manutenção da saúde do planeta, aliados à efetividade do que se cria. Ri: Como você avalia a influência da cultura italiana no design brasileiro? LG - Somos um país onde as referências europeias e, em especial, a italiana, são muito marcantes. Quanto ao design, o brasileiro é influenciado não só por inúmeras culturas, mas também é fruto de um cenário de grande diversidade de referências, contextos econômicos e oportunidades que foram criadas ao longo do tempo. É verdade que a cultura italiana teve e tem papel fundamental na construção do design brasileiro, da mesma forma que na própria construção da cultura. Mas, antes desse raciocínio, precisamos procurar entender o que é design no Brasil, quais são as formas de manifestação e em que estágio essa introdução está em


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cada setor da economia brasileira. Assim, podemos perceber uma influência maior em setores como o moveleiro e menor nos mais técnicos, como equipamentos médicos e industriais. Ri: Quais aspectos da cultura brasileira têm influenciado o design produzido no mundo? LG - Não acredito que a cultura brasileira chegue a influenciar o design no mundo. Infelizmente, ainda somos pouco globalizados. Nossa cultura multiétnica e extremamente rica, em termos de variedade de expressões, ainda margeia a aplicação efetiva no design brasileiro e pouco interfere no que é produzido globalmente. Acho que a influência tem muito mais a ver com nosso mercado consumidor, com suas

características muito próprias de comportamento - tanto de compra como de uso de produtos e serviços. Dessa forma, influenciam, e muito, o que se produz em termos de design no Brasil. No entanto, percebermos recentemente certa influência em mercados semelhantes, em alguns aspectos, ao brasileiro, como o indiano e o latino americano. Ri: Ainda podemos considerar a Itália como um país de vanguarda no que diz respeito ao design, a criatividade e a inovação? LG - Sem dúvida, a Itália é uma referência em design muito bem construída ao longo das últimas décadas. Mas, também devemos considerar o que é produzido em outros lugares do mundo. Em minha

Produto: NATURA SOU Foto: divulgação Natura


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Produto: DabiAtlante New Versa Foto: divulgação DabiAtlante

visão, apesar de o design italiano ter suas características muito próprias e valores bastante definidos, acho que estamos num momento em que o design é global, sem fronteiras. Esteticamente, há características muito próprias de cada cultura de design. Mas, em termos de inovação e criatividade, hoje temos excelentes exemplos que vem dos locais mais improváveis do globo. Ri: Como a sua ascendência italiana tem influenciado seus trabalhos? LG - Credito à ascendência italiana muito mais a questão do espírito empreendedor e a busca por oportunidades interessantes, do que pela influência estética propriamente dita. Acho inclusive que muito da riqueza do design italiano, do desenho de automóveis a objetos de uso diário, vem mais do espírito empreendedor dos empresários italianos do que do próprio design. Claro que criar numa atmosfera como a italiana é algo sensacional, mas o fato de a Itália ter assumido o design no século passado como um dos pilares para reconstrução do país proporcionou que inúmeros designers fenomenais pudessem desenvolver seus trabalhos e que esses projetos chegassem efetivamente ao público

consumidor. Portanto, o talento criativo italiano, conectado ao espírito empreendedor do país, proporcionou a chegada ao estágio avançado de design que eles conquistaram. E nós, como descendentes que trabalham com design ao redor do mundo, devemos muito a essa junção de sucesso. Ri: O design italiano é reconhecido mundialmente por aliar o prático e o necessário ao bonito e ao prazeroso e por pensar soluções que atendam necessidades e desejos, que propiciem conforto e beleza. Seriam esses princípios que nortearam a originalidade do design brasileiro? LG - Aliar o prático e necessário ao bonito e prazeroso é uma definição global de design, não necessariamente italiano. O que muda é nossa interpretação pelo que é bonito e prazeroso, princípios muito subjetivos. Claro que o design italiano é muito mais emocional do que o produzido na Dinamarca, por exemplo. Mas, esse último tem sua dose de prazer e estética que traduz o que representam esses princípios na cultura daquele país. No caso do design brasileiro, que tem


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uma diversidade muito grande em suas expressões, esses princípios também são aplicáveis. Mas, podemos colocar outros ingredientes, alguns mais racionais, como a necessidade de se criar produtos de menor custo de produção e muito mais otimizados do ponto de vista de adequação ao mercado. Outros, muito mais emocionais, como a “malemolência” do brasileiro, o uso das cores e as soluções mais divertidas, podem ser percebidas no que se produz por aqui. E isso vai de móveis a eletrodomésticos, percorrendo inúmeros setores de mercado. Ri: Quais projetos você tem desenvolvido atualmente? LG - Temos evoluído bastante em projetos de inovação pelo design e em pesquisas sobre o tema. São novas fronteiras, que depois alimentam o próprio escritório com projetos em áreas que não atuávamos antes, e tão diversas como indústria de bebidas ou softwares corporativos, só para ficar em dois exemplos. Ri: Qual a importância da relação entre design e sustentabilidade? LG - A sustentabilidade entra como uma

das pautas a serem consideradas na criação de produtos ou serviços, da mesma forma que outros fatores mais comumente aceitos, como viabilidade econômica, tecnologia disponível etc. Isto é, não é um tema opcional e sim fundamental quando pensamos em qualquer coisa nova. Isso mostra o amadurecimento de como se encara o assunto. Mas, não há dúvida que, infelizmente, o tema da sustentabilidade ainda não é regra no mercado. Ri: O design brasileiro tem sido efetivo na busca de novas soluções que atendam os anseios da sociedade? LG - De forma objetiva, a resposta é sim. O que ocorre no Brasil é que o design ainda não é bem compreendido como atividade que gera inovação e desenvolvimento. Ainda há a visão do design unicamente como estética, que é um fator importante, mas não fundamental. Mas, a mudança de percepção do valor do design como elemento transformador e gerador de inovação é constante e positivo. Estamos no caminho certo, apenas poderíamos acelerar um pouco, como muito do que se faz em nosso país.

Produto: Schneider Electric - Linha Miluz Foto: Cleber da Silva


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pág. 34 - EntrevistasInternacionais - Francesco Zurlo

Francesco Zurlo e a visão ampliada do design. por Bruna Aguiar O italiano Francesco Zurlo, arquiteto, designer e professor da Faculdade de Design do Politécnico de Milão (Poli.Design), na Itália, fala à iDeia sobre como vê o desenvolvimento do design ao redor do mundo e como o Brasil se posiciona nesse processo. Revista iDeia: A Itália é um dos países que mais se destaca pelo design. Isto é uma tradição. Qual sua percepção sobre o design Italiano atual neste mundo globalizado? Francesco Zurlo - O design italiano ainda possui uma reputação alta em todo o mundo e isso se deve a um sistema complexo de fatores. Por um lado, temos a história do design italiano construída por arquitetos que, literalmente, inventaram a profissão, porque, para muitos deles, não era possível a construção de edifícios. O outro lado é composto por um sistema de atores - a escola, a distribuição, museus, exposições e empresas - que têm apoiado


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e ampliado esse trabalho. Além disso, vivemos em um ambiente que nos ajuda, pois estamos habituados ao bom, porque nossas cidades estão cheias de obras de arte e isso ajuda na construção do bonito. Mas, também existe uma tensão para que tudo seja muito bem feito. As empresas italianas aceitaram isso e levaram esse desafio aos designers. São esses os ingredientes de sucesso do design italiano: transformar narrativas (e às vezes sonhos) em algo concreto, tecnicamente impecável e bonito no todo e nos seus detalhes. A experimentação e exploração de novas estradas têm encontrado – talvez mais no passado do que no presente, uma classe média educada e esclarecida, que criou, em primeiro lugar, um mercado interno e, em seguida, se firmou internacionalmente. Tudo isso ocorreu de baixo para cima, sem qualquer tipo de intervenção do governo ou política estruturada. Se compararmos internacionalmente, essa é uma diferença substancial. Os outros lugares contam com os recursos do governo para se apresentarem ao mundo, nós não. Temos que confiar em nossa própria força. Mas a tradição, a cultura e a paixão dos italianos faz com que, apesar dessa assimetria na competição, estabelecer-se mundialmente.

Francesco Zurlo na cidade de Nanjing / China Foto: Carla Sedini

Ri: Em sua opinião, quais as principais influências que a Itália teve sobre o design brasileiro? FZ - O Brasil possui uma comunidade italiana que mantém um amor pelo país de origem e que é responsável por nos fazer permanecer no coração dos brasileiros. Sempre houve uma relação cultural e comercial entre os dois países. Não há como esquecer, por exemplo, do papel desempenhado por Lina Bo Bardi na história da arquitetura brasileira. O sucesso mundial dos irmãos Campana, que está de alguma forma ligada à influência do design italiano. Massimo Morozzi, diretor de arte da Edra, foi o arquiteto responsável por esse sucesso, porque teve contato com o toque local e a criatividade de Campana, e foi capaz de acomodar os desafios da empresa italiana. As influências, no entanto, também estão presentes nos automóveis, uma vez que o Brasil é um dos países mais importantes do mundo para a Fiat e na prestação de serviços, a partir do momento em que a TIM, empresa de telecomunicações italiana, é uma presença importante no mercado brasileiro. Eu não gosto de falar sobre as influências por uma única vertente, eu penso que o segredo do sucesso está na troca e na inovação. Ri: Você acredita que no mundo atual, no qual a globalização é forte, ainda exista uma identidade de design nas culturas de vários países? FZ - Acredito na fórmula de Michael Porter, o guru da estratégia norte-americana, sobre a vantagem das nações (e regiões) que hoje decorrem de uma “Competititon em casa”, ou seja, das competências distintivas ou do que cada país tem de melhor. A lógica é a de explorar outras áreas, porque as transformações e os fluxos são rápidos e inesperados. A Itália está associada a uma forte identidade com produtos que poderíamos chamar de “Lifeware”: alimentos, roupas, móveis. Mas, automação e o setor


pág. 36 - EntrevistasInternacionais - Francesco Zurlo

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automobilístico são muitas vezes distintos. A dimensão da identidade é dinâmica e requer constante redefinição de si mesma, porque mudam as cenas e os atores em foco. Ri: Sabemos hoje que o design estratégico é uma das ferramentas do design que mais auxiliam as empresas. Como ele pode ajudar no desenvolvimento de países menos desenvolvidos ou com pouca cultura de design? FZ - O design estratégico é um estado de espírito, não uma disciplina. Sua capacidade é aumentar os problemas. Uso essa expressão, emprestada de Eames, em seu bonito filme “Power of Ten” (curta metragem realizado por Charles e Ray Eames (EUA). Isso significa o desenvolvimento de uma visão sistêmica das coisas e a flexibilidade necessária para se aproximar e se afastar dos problemas. Possibilita vê-los melhor, para redefini-los, para ler todo o contexto e enxergar os detalhes. Essa visão sistêmica pode ser aplicada a qualquer artefato, tangível ou intangível. Implica uma presença humana que tem como objetivo adaptar a tecnologia para melhorar a qualidade de vida. É uma habilidade que pode ser aplicada a diferentes “objetos de design”, desenvolvida para os problemas de bem-estar. Como se impor em situações que não são sensíveis ao potencial do design? Acho que a melhor coisa a fazer é demonstrar o que você pode fazer.

Ri: Qual a sua visão sobre o design praticado hoje? FZ - O design tem crescido muito nos últimos anos. Há 30 anos, era considerado uma habilidade, que vinha depois de todas as escolhas terem sido feitas. Era o último ator no arranjo de uma organização e, simplesmente, dava uma forma agradável às coisas. Por muitas razões - orientação ao cliente em primeiro lugar - o design mudou de cara. Hoje, suas habilidades são reconhecidas e entrou, finalmente, no controle. Não em todos os lugares, mas em muitas empresas, de forma significativa. Esse sucesso abriu portas, antes fechadas, e permitiu que o design pudesse se confrontar com diversos objetos diferentes do projeto e desempenhar um papel quase “político” em diferentes situações. O problema que se coloca hoje é puramente disciplinar: abrimos os limites do design. E agora? Essa indefinição da disciplina talvez arrisque comprometer a si própria. Ri: Como percebe o ensino de design praticado na Itália e ao redor do mundo? FZ - Eu estou com medo. As regras das universidades – “publish or perish” – estão transformando as pessoas em um amontoado, que está lá para agonizar sobre quantas publicações podem alcançar. Mas isso não quer dizer que tudo tem um impacto real no mundo. É adequado para a construção de uma contraproposta apoiá-los com todas as nossas forças. Caso contrário, não seremos capazes de

1. Estudantes do curso de Design e Gestão da China Academy of Art, 2013 – Foto: Carla Sedini. 2. Francesco Zurlo integra equipe de consultores da Panasonic que desenvolveu conceito de lâmpadas com tecnologia LED – Foto: Salvatore Valente 3. Zurlo intgera equipe de sócios para investigação europeia para apoio a industrias criativas. Foto: CCALPS


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ensinar. Eles vão aprender muito mais, em poucos meses, em uma organização industrial, comercial, institucional - que em anos de universidade. A estrada é a prática reflexiva: fazer as coisas, propor ações concretas, construir protótipos e testá-los... e, em seguida, encontrar forma e tempo para pensar sobre isso, para fazer essas experiências, para modernizar e espalhá-los. Além de obter dicas e orientações para o ensino.

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Ri: Qual sua visão sobre o desenvolvimento do design no Brasil atual? FZ - Eu tive uma experiência de consultoria no Brasil e me confrontei com várias empresas. Especialmente no campo da madeira e mobiliário. Há um grande potencial e vontade de crescer e mudar, mas também existe muita resistência. No doutorado iniciamos um projeto de pesquisa para Minas Gerais. A idéia era produzir móveis de madeira sustentável e trabalhados para um mercado low-end. Ao reunir empresas e, por meio do projeto, educando-as a tomar decisões responsáveis (menos desperdício, maior atenção aos processos, a eliminação de produtos químicos e adesivos, etc), houve uma resposta tímida. A minha impressão é que muitas empresas vivem bem com o que tem e não possuem interesse em tentar algo novo. É chamado de “dores de crescimento”, em frente a oportunidade de expandir seus negócios cai no que eu chamaria de uma síndrome de “Peter Pan”, é melhor ficar pequeno e saber o que está por vir , a ser como um maverick que explora o mundo e seu potencial. Em suma, não há incentivos para crescer. Ri: Tivemos uma época em que o design escandinavo e o italiano disputavam a atenção das pessoas ao redor do mundo com seus conceitos bem diversificados. Hoje, quais são as outras grandes tendências do design mundial, além da italiana? FZ - Acho que vamos ter algumas surpresas da China nos próximos anos. O design deles é uma cultura maravilhosa que, como um rio subterrâneo, está ressurgindo depois da Revolução Cultural e vai contaminar formas e produtos em um futuro próximo. E então, certamente, na América do Sul, o Brasil está no topo. “Brasil Faz Design” foi o lema de uma série de exposições realizadas em Milão há alguns anos... em uma delas, foi dito que o Brasil tinha design à 500 anos... a partir desses elementos de identidade, construíram uma reputação em todo o mundo.


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Giorgio Biscaro,

diretor de arte da FontanaArte por Gabriele Lanza

A iluminação pode ser o ponto de partida ou o toque final de um projeto de design. A verdade é que, independente de quando ela é inserida no processo criativo de um designer, é impossível deixá-la de lado. Este é o tema da conversa com o diretor de arte de uma das empresas italianas mais renomadas no mundo quando o assunto é design de iluminação, a FontanaArte. Giorgio Biscaro, formado em Design Industrial na Universidade de Veneza, fala um pouco, nesse bate papo com a iDeia, sobre carreira, processo de produção na empresa, sustentabilidade e a enorme influencia que a Itália teve, e ainda tem, no mundo do design.


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1. Luminária Blom Foto: Andreas Engesvik 2. Luminária portátil Foto: Yupik

Revista iDeia: Como é dirigir um departamento criativo de uma empresa italiana tradicional no mercado global de iluminação? Georgio Biscaro - A iluminação é uma das principais coisas que um designer deve pensar em um projeto. Não entendemos realmente como ela pode afetar nossas vidas e nosso comportamento: em um mundo dominado por impulsos visuais, a maior parte das coisas que conhecemos e entendemos passam por nossos olhos. A luz é o primeiro agente desse processo, porque faz com que as coisas sejam visíveis e percebíveis.

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Desse modo, dirigir o departamento criativo de uma aclamada empresa de iluminação é um grande privilégio para mim, porque posso lidar com o campo do design que mais gosto e, de alguma maneira, tocar as pessoas. Como Enzo Mari costumava dizer, o design deve transmitir conhecimento e, sendo um designer, eu anseio explorar meu papel para fazer com que os usuários estejam cientes do que a luz representa e como podemos nos relacionar com ela para influenciar nosso humor. Ri: Quais foram os principais desafios que você encontrou ao assumir seu posto na empresa? GB - Os desafios não foram dentro da empresa, mas comigo mesmo. O presidente do Grupo Nice, Lauro Buoro (que adquiriu a FontanaArte há três anos) e a CEO da FontanaArte, Barbara Politi, me deram a liberdade para propor inovações. O maior desafio foi provar que eu tinha a coragem para introduzir novas linhas de design e materiais que eram diferentes daqueles produzidos no passado e, assim, ampliar o alcance do público da FontanaArte. Saber que eu tinha o respaldo da empresa me ajudou a tomar decisões ousadas, mesmo sabendo que eu poderia (e ainda posso) desagradar alguém. Grande desafio!


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Ri: Qual sua percepção com relação ao design de iluminação global hoje e como a FontanaArte se localiza nesse contexto? GB - É inegável que a queda no consumo e a consequente necessidade de consolidar negócios levaram muitas companhias a andar por um caminho mais seguro e evitar riscos. Nem mesmo o desenvolvimento de novos recursos em iluminação trouxe grandes inovações em design. Muitas empresas preferiram trocar o bulbo pelo de LED, sem repensar o design em iluminação como um todo. Isso é ruim, porque fez nosso mercado se estagnar e se tornar entediante: eu acho que precisamos encontrar coragem para assumir riscos, porque hoje em dia é o único jeito de agregar valor a um produto. FontanaArte hoje é uma empresa interessada em inovação, e não somente de um ponto de vista tecnológico: em nossa última coleção, em 2012, exibimos novas tipologias, novos comportamentos e um alto grau de interação. E tudo foi feito para mostrar aos clientes que nós ainda podemos inovar e repensar o design em inovação, mesmo se muitas lâmpadas usarem o bulbo fluorescente. Não faz nenhum sentido usar alta tecnologia apenas pela tecnologia: ela está a serviço da qualidade do produto, em seu sentido mais amplo. O fato é que FontanaArte é parte do Grupo Nice, uma grande empresa no mercado de automação em casa.

3. Pendente Albedo Foto: Studio Drift 4. Arandela Lunaire Foto: Ferréo Babin


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Isso dá à companhia um importante know-how no campo da eletrônica, o que faz muita diferença. Nós podemos fazer poesia com tecnologia! Ri: Quais foram as principais influências que a Itália exerceu no design praticado ao redor do mundo? GB - A Itália é uma referência internacional do design. Isso se deve também a um ambiente industrial específico, composto por negócios familiares pequenos e que poderiam facilmente se arriscar (de novo a importância de assumir riscos) e experimentar com o que designers e companhias os desafiavam. Isso rapidamente evoluiu para uma dinâmica de trabalho típica, o que é único na Itália. Pessoas que visitam nossas empresas esperam achar grandes estoques e sedes imensas, mas ficam surpresos com o que encontram: pequenas construções, com menos de 100 empregados trabalhando como alfaiates para entregar um produto de qualidade. Essa relação com a produção fez da Itália líder nesse negócio e essa dinâmica peculiar, que é movida pelo design, está sendo adotada por outros designers, contribuindo para o aumento do número de empresas que são movidas pelo design ao redor do mundo. Ri: Como uma empresa tradicional como a FontanaArte influenciou o design de iluminação no mundo? GB - Desde o começo de sua história (a empresa foi fun-


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dada em 1932), a FontanaArte produz muitos dos ícones que hoje definem o design de iluminação. Não é raro ver lâmpadas contemporâneas que claramente foram inspiradas em lâmpadas mais antigas da FontanaArte.

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A visão de Ponti e Chiesa foi nova, desafiante e coerente com a visão de arquitetura e de sociedade igualitária. Desde então, designers atuais herdaram essa visão global de um mundo onde nenhuma parte fica separada, onde a cultura é uma só e onde não há qualidades diferentes. Em um sentido, eu acho que a grande lição que a FontanaArte apresenta para as gerações atuais é, predominantemente, sobre o valor da cultura e da aplicação dela. Ri: Como é, para um designer, trabalhar e dirigir outros designers? GB - É uma questão de respeito. Minha relação é muito franca e clara. Eu tento estabelecer uma relação pessoal com eles. Na verdade, eu não diria que eu os dirijo. Ao invés disso, eu inicio uma discussão informal sobre a minha visão de um determinado produto. Eu tento conhecer o ponto de vista deles e misturar com o meu, em um diálogo contínuo. Como Perazza (fundador da Magis’s) costumava dizer, é como dirigir uma bicicleta, em que a companhia e o designer pedalam juntos, mas o guidom está firmemente nas mãos da companhia. Ri: Qual é sua responsabilidade como designer e da empresa em relação à realidade global, em que a sustentabilidade é vital para os seres vivos? GB - Existem níveis diferentes de sustentabilidade. Há um grande desentendimento em relação ao termo, porque muitos tendem a confundir sustentabilidade com “recliclabilidade”. Minha visão é um pouco diferente: designers devem criar objetos duráveis, para que não haja necessidade de comprar substitutos. Não faz sentido fabricar produtos que vão durar um ano ou menos, pois isso vai gerar um mundo de lixo. Além disso, designers têm que pensar no fato de que enviar produtos também tem um custo ambiental e nós não podemos subestimar esse impacto. Outro ponto importante é que designers devem ensinar as pessoas a não pensar em estereótipos: há um tempo, e também nos dias de hoje, as pessoas entram nas lojas perguntando por lâmpadas de LED, quando nem sabem o que isso significa, só porque era algo que estava “na moda”. Os consumidores mais preparados come-

5. Balizador Koho Foto: Mika Tolvanen

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6. Luminária Yumi Foto: Shigeru Ban


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çaram a associar as lâmpadas de LED com menor consumo. Mas, adivinha? O paradoxo de Jevon’s (uma teoria econômica) estabelece que os progressos tecnológicos que poderiam aumentar a eficiência de um recurso, podem levar a um consumo maior desse mesmo recurso. Isso significa que se nós soubermos que lâmpadas de LED exigem menos eletricidade para funcionar, nós estaremos propensos a consumi-la mais. Novamente, isso é uma questão de progresso cultural, e os designers devem prestar atenção nisso, na necessidade de transmitir conhecimento. Ri: Você pode nos contar como é o seu processo de trabalho na FontanaArte? GB - Como eu costumo falar aos designers, eu não faço competições. Eu não distribuo o mesmo briefing a dezenas de designers e os deixo trabalhar nos mesmos projetos, só para descartar todos, menos um. Ao invés disso, se acho que deveríamos pesquisar sobre determinado produto, comportamento, material, ou tipologia, procuro pelo designer que seria mais apropriado para o seu desenvolvimento. Assim, eu começo a discussão com o profissional. Isso me força a estar sempre atualizado (eu gasto várias horas do meu dia me mantendo informado sobre novos talentos) porque é impossível saber de onde o peixe grande vai sair, mas eu posso usar a melhor isca e me posicionar no lugar certo: eu não gosto de pescas de arrasto. Deste contrato, onde eu estabeleço minhas ideias, eu começo a coletar o primeiro conceito e discutir com o designer os pontos críticos possíveis ou eu proponho algumas pequenas modificações. No passado, tentava o meu melhor para adquirir também um conhecimento técnico – então, algumas vezes, consigo antecipar algumas questões, sem esperar pelo envolvimento do departamento de engenharia. Isso diminui muito o processo de trabalho. Eu faço pesquisas com fornecedores e compradores para checar se a ideia do designer é viável e, uma vez que estamos certos sobre o conceito, nós começamos a construir os produtos com os gerentes dos projetos. Daí, o cronograma é muito apertado e vai, eventualmente, levar a muitos protótipos, testes, avaliações comerciais que podem, ainda, abortar o projeto ou reconsiderar isso desde as fundações do projeto.


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Achille Castiglioni Foto: divulgação


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Clássico, mas sem perder o frescor Criações de Achille Castiglioni ainda são referência de originalidade para designers e consumidores por Ana Cláudia Ulhôa

“Eu vejo em torno de mim uma doença profissional de levar tudo muito a sério. Um dos meus segredos é brincar o tempo todo”. Foi essa união entre rigor e espírito de liberdade que levou Achille Castiglioni (1918-2002) a se tornar um dos grandes nomes do design italiano. Seu processo de criação consistia em se apropriar de objetos do cotidiano, repensar sua forma e função, para depois dar origem a um produto completamente novo. Para entender como Castiglioni trabalhava, basta observar o banco Sella (1957), por exemplo. Esse projeto consiste em um assento de bicicleta preso a uma haste tubular e uma base arredondada de ferro fundido. Segundo o designer, a ideia de criar esse banco surgiu da simples vontade de utilizar o telefone e, ao mesmo tempo, poder se movimentar. O interesse incessante por recriar tudo o que estava a sua volta, fez com que Achille redefinisse e melhorasse vários objetos já sacramentados no mercado. A mesa Cumano, lançada em 1979, se tornou uma evolução das mesas de café projetadas até o momento, por trazer um sistema de fechamento totalmente inovador para a época (veja na figura X). Outro exemplo é o copo Paro, que foi desenvolvido com


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dois lados para serem usados dependendo da quantidade de bebida servida.

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No total, Achille Castiglioni criou mais de 150 produtos, grande parte deles para as italianas Flos, no setor de iluminação; Zanotta, na área de móveis; e Alessi, especializada em produtos para a casa. Durante quase toda a sua carreira, Achille trabalhou com seus irmãos mais velhos, Livio Castiglioni e Pier Giacomo Castiglioni, parceria que rendeu ao designer sete prêmios Compasso D’Oro e uma exposição permanente no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa). Paola Antonelli, curadora de arquitetura e design do MoMa, foi aluna de Castiglioni, quando este lecionava na Faculdade de Arquitetura do Politécnico de Milão. Em uma entrevista para o Jornal The New York Times , ela lembra que o designer italiano vivia repetindo que “projeto exige observação”. Para ela, essa frase revela a preocupação que Achille tinha em tentar enxergar, no lugar-comum, o que os outros não conseguiam ver. De acordo com Antonelli, a genialidade de Achille Castioglioni é tão grande que pode ser comparada a de Duchamp. “Quando o design for reconhecido universalmente, como uma força cultural que está na Itália, ele será considerado

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1. A luminária Arco, desenvolvida em 1962, foi relançada depois de 50 anos e ainda conquista os consumidores. 2. Poltrona Sanluca, 1961

3. Sella, de 1957, utiliza um banco de bicicleta e uma base arredondada para dar movimento à peça. 4. A Taraxacum 88 foi projetada para a Flos, em 1988, e se tornou um ícone do design moderno.


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Ícones - Achille Castiglioni - pág. 47

surpreendente, como Duchamp em sua influência”. Para Anderson Horta, designer de produtos, Castiglioni é lembrado até hoje não só pela originalidade de sua obra, mas também pelo momento político que a Itália vivia quando Achille entrou no mercado. “Ele estava ali na Itália logo depois da Segunda Guerra, então ele foi um dos responsáveis por aquele movimento de construção do design italiano. Nesse período, ele já tinha uma criação muito particular, por isso podemos dizer que ele foi um dos profissionais que ajudou a estabelecer uma marca para o desenho italiano e ajudou a fomentar o mercado, que havia descaído muito por causa da guerra”, argumenta. Um dos produtos que conquistou os consumidores da época foi a luminária “Arco”. Criada em 1962, a peça era composta por uma base de mármore de 50Kg, um refletor semiesférico de alumínio e um braço telescópico de aço inox. Segundo Castiglioni, o modelo foi desenvolvido para resolver o problema da necessidade de furar o forro da casa na hora de instalar uma peça de iluminação. Horta ressalta que, mesmo depois de 52 anos do lançamento da “Arco”, a luminária não sofreu qualquer tipo de alteração. Para ele, isso só mostra como “o desenho de Castiglioni virou um clássico, mas sem perder o auge de frescor”.


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Forma e emoção: o novo design italiano por Enrico Salis

Todos aqueles que se interessam por design industrial reconhecem o italiano como um dos mais influentes internacionalmente. Não é mistério o fato de que, por muitos anos, esse modelo tem sido admirado, estudado e até copiado. Mas, será mesmo que os italianos possuem capacidades criativas superiores à média, ou existe algum outro fator que determinou tamanha influência no cenário internacional? E como essa influência tem evoluído nos últimos anos? Será que ela ainda existe? Antes de responder a essas perguntas, é necessário dar um passo atrás e contar um pouco da história de quem escreve, para que o leitor possa compreender melhor o ponto de vista aqui apresentado. Meu nome é Enrico Salis, nasci em Milão, em 1986 e morei lá até me formar em design, em 2009, pela universidade Politecnico di Milano. Apesar da nacionalidade italiana, minha carreira profissional aconteceu quase inteiramente no Brasil e talvez seja por isso que minha visão do design reflita um pouco a influência de ambas as culturas.

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2. 1. Nome do projeto: Una seconda vita (Uma segunda vida) Ano: 2006 Tipologia: Fruteira Design: Paolo Ulian Produção: Attese Edizioni Descrição: A fruteira em cerâmica apresenta furos que, além de decorar a peça permitem, em caso de queda, que a fruteira dê origem a porta-objetos menores. A partir de um evento, geralmente negativo, são geradas novas possibilidades formais e estéticas. 2. Nome do projeto: Lingotto (Lingote) Ano: 2006 Tipologia: Forma para gelo Design: Giulio Iacchetti Produção: Fratelli Guzzini Descrição: Como comunicar que a água é preciosa quanto o ouro? O designer Giulio Lacchetti teve a ideia de moldar os cubos de gelo como se fossem lingotes de ouro, desenhando uma inovadora forma em silicone. Fotos: divulgação

Dizer que existe um design italiano significa, primeiramente, admitir que existe uma dimensão local do design, quase geográfica, territorial. Isso é, com certeza, uma grande verdade! O design, em qualquer lugar do mundo, nasce para responder às demandas locais, sejam essas industriais ou particulares. Igualmente, as respostas a essas demandas, também chamadas de “projetos de design”, são resultado de fatores locais: materiais, mão de obra, tecnologia, fornecedores. Também existem, em qualquer projeto, componentes globais extremamente importantes (pensemos, por exemplo, no conceito de ergonomia). Podemos dizer então, que o design, em qualquer lugar do mundo, é o resultado da combinação de fatores locais e globais. Se os fatores globais são comuns, os fatores locais são diferentes em cada lugar e são eles que permitem diferenciar um movimento de design do outro. Foi graças aos fatores locais, por exemplo, que entre os anos de 1950 e 1990, o design italiano conseguiu se destacar com força no cenário internacional. Ao longo dessas décadas, a dimensão local (e italiana) do design

era um fator primário: o andamento da economia, da demanda, do empreendorismo, do estilo de vida e dos sonhos dos consumidores fomentaram a criação de novos produtos, ideias e soluções. A indústria começou trabalhar sempre mais em parceria com aqueles que, futuramente, se tornariam os primeiros grandes mestres do design italiano: Gio Ponti, Franco Albini, Marco Zanuso, Achille e Pier Giacomo Castiglioni, Bruno Munari e Enzo Mari. Nos anos 1960, o crescimento da economia e o entusiasmo empresarial estimularam o design italiano ao extremo, pedindo que os designers redesenhassem todos os objetos do cotidiano e exigindo a invenção de novos produtos e novas funções. O fenômeno foi quase exclusivamente italiano e aconteceu com larga antecedência em relação ao resto do mundo. O que, por um lado, justifica ainda hoje o primado do Made in Italy. A partir dos anos 90, a pós modernidade trouxe dois novos fatores ao cenário mundial. Primeiramente a globalização, que transformou muitas questões locais


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3. Nome do projeto: Do Not Disturb (Não perturbe) Ano: 2005 Tipologia: Aquário Design: Joe Velluto Produção: Massimo Lunardon Descrição: O estúdio italiano Joe Velluto imaginou um aquário com espaço privativo anexo para os peixes que não querem ser perturbados terem um pouco de privacidade.

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4. Nome do projeto: Arquétipo Ano: 2012 Tipologia: Mesa de centro Design: Enrico Salis Produção: Atelier Salis Descrição: Mesinha lateral composta por uma estrutura metálica e um tampo de vidro. O projeto pretende quebrar, com a repetição de modelos padronizados, o olhar sobre objetos de uso cotidiano. Fotos: divulgação

(como, por exemplo, materiais e tecnologia) em fatores globais. A livre circulação de mercadorias e a possibilidade de fabricar no exterior diminuiram a força dos fatores locais, tornando o design sempre mais global e, no caso do design italiano, sempre menos italiano. Ao mesmo tempo, com a chegada da internet, a digitalização da informação tornou imediata a circulação de imagens e notícias, reduzindo as distâncias culturais e permitindo que referências e inovacões, antes locais, se tornassem globais da noite para a dia. Foi a partir desse momento que o design italiano perdeu parte de sua força inovadora e, do ponto de vista estético, ficou menos reconhecível. Contudo, outra visão, tipicamente italiana de enxergar o design, ficou mais forte, mais madura e mais atual. Isso porque, quem entende de design sabe que ele não é somente estética, mas que existe algo a mais. Algo que não pode ser explicado de forma lógica e que, na Itália, é conhecido como “cultura del progetto”. Mais do que um estilo estético ou formal, é um jeito de pensar, de olhar para o mundo, de resolver problemas. Significa conseguir o máximo com o mínimo esforço; valorizar a dimensão local do projeto; perceber o problema que ele pretende resolver dentro de um ecossistema maior e mais complexo de fatores. É por isso que fazer design hoje não é mais somente uma questão funcional ou

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5. Nome do projeto: Beside (Lado B) Ano: 2011 Tipologia: Azulejo Design: Massimiliano Adami Produção: Refin Ceramiche Descrição: O projeto Beside é pura revolução! Nele, a textura traseira presente nos azulejos que é utilizada para fixar a peça na argamassa, se torna uma inovadora decoração na parte frontal. 6. Nome do projeto: Vaso Vago Ano: 2008 Tipologia: Vaso Design: Paolo Ulian Produção: UP Group Vaso irregular criado a partir do corte digital de 3 chapas de mármore Carrara. O desenho do corte consegue um aproveitamento de material próximo de 95% das chapas.

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7. Nome do projeto: Cabide Cevo Ano: 2012 Tipologia: Cabide Design: Giulio Iacchetti Produção: Interno Italiano O cabide Cevo é um dos produtos desenhados por Giulio Lacchetti e comercializados por Interno Italiano. A marca, fundada em 2012, pretende resgatar tradições, processos e materiais tipicamente italianos, envolvendo pequenas fábricas nacionais para a execução de todas as peças. Fotos: divulgação

estética. Nossa maior responsabilidade é expandir os horizontes culturais dos nossos tempos, imaginar novos cenários, propor novas configurações. O amigo e professor italiano, Stefano Caggiano, disse acertadamente, que um bom produto de design é como um instrumento musical: sua forma finita e sua estética são nada, se comparadas à música que pode ser produzida por ele. É nisso que o design italiano se destaca ainda hoje e é isso que as faculdades italianas ensinam aos seus alunos: que a dimensão imaterial do projeto vale, muitas vezes, mais do que a forma final de um produto; que as emoções mais intensas que os objetos carregam residem em detalhes que vão muito além da forma e da função.


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Design & Itália por Kátia Pêgo

O design italiano se desenvolveu em função das diversas pequenas indústrias, que produziam peças específicas para determinados produtos. Sendo assim, possuíam portfólio limitado e excelência na fabricação. Por fim, a rede formada por essas empresas produzia objetos de alta qualidade. Tal estratégia permitiu o reconhecimento da Itália como um dos “berços” do design entre as décadas de 1960 / 1970. Quando se vive na Itália é possível observar que o desenho funcional, prático e estético faz parte do seu cotidiano. O surpreendente conjunto arquitetônico; o traçado urbano; os tram (bonde); móveis; utensílios de cozinha; vestuário e seus acessórios; os supercarros e as simples garrafas de água mineral de Pininfarina; as icônicas Vespas e os produtos Alessi nas vitrines me fazem recordar das aulas do curso de Design. Por isso, dizem que, na Itália, se “respira” Design. Atualmente, o Design - que caracterizou as últimas décadas e gerou grandes empresas com reconhecimento mundial - faz parte da economia da cidade. Ainda sim, encontramos a presença de pequenas empresas familia-


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Castello del Valentino Foto: flickr.com/photos/flaviocb

res e artesanais, que preservam a qualidade e tradição em meio à produção em massa das indústrias globalizadas. Felizmente, tal preservação contagia a academia e os movimentos dos jovens designers que, a cada ano, apresentam, no Salão Satélite da famosa Feira de Móveis de Milão, seus protótipos, executados com extremo profissionalismo e entusiasmo, e que, certamente, estarão na ala comercial das edições futuras. Paralelamente à feira, ocorrem várias exposições. Dentre elas, destaco a “Exposição dos Designers Autoprodutores”que, além de propor soluções inovadoras, atuam em uma rede de colaboração, que envolve o uso compartilhado de laboratórios e maquinários, a troca de experiências e novas abordagens para os “refugos” produtivos.


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Eu vivo em Turim (FIG. 2), norte da Itália, no Piemonte, cidade industrial emoldurada pelos belíssimos Alpes e cortada pelo Rio Pó, que oferece uma infinidade de estímulos ao conhecimento, à inovação e à criatividade. Museus e muita história construída fazem da cidade um lugar propício ao estudo do Design. Do topo dos 167 metros da Mole Antonelliana (FIG. 3), (obra inicialmente concebida para abrigar uma sinagoga e que, atualmente, é o Museu do Cinema), podemos ver toda a cidade, com seu traçado, suas muralhas medievais, seus edifícios singularmente monocromáticos, que provocam reflexões para brasileiros que possuem um olhar tropical. Turim também é conhecida por guardar o Santo Sudário, uma relíquia da medieval Igreja católica em uma igreja Renascentista, a Duomo di San Giovanni Battista (do séc. XV). Podemos ainda compreender como a mais longínqua dinastia da Europa, os Savoia, foram o ponto de partida da unificação moderna da Itália, com o Palazzo Reale no centro e a Venaria Reale na periferia.

Mas, os estudantes de design de Turim têm uma fonte particular de inspiração: o Parco Valentino – antiga residência dos Savoia, às margens do Rio Pó – que abriga o Castello del Valentino, patrimônio mundial da UNESCO, e atual sede do Departamento de Arquitetura e Design do Politecnico di Torino (POLITO). É nesse ambiente inspirador que estudo o Design Sistêmico, metodologia desenvolvida por meu orientador, Luigi Bistagnino. Apesar de sua formação em arquitetura, considero-o um grande Designer, de uma competência realmente impressionante, tanto no âmbito acadêmico quanto no profissional, ganhador de vários prêmios, inclusive o Compasso D’Oro. O Design Sistêmico compreende o projeto de uma rede de relações produtivas, na qual todas as “saídas” (output) de um sistema (o produto é apenas um dos output) são considerados como “entrada” (input) para outro, em um determinado território, tendendo então, à emissão zero. Sua abordagem considera o homem como centro do projeto, e não o produto. Apesar de

Eataly Foto: panoramio.com


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parecer simples, isso requer uma profunda mudança. Significa que devemos nos confrontar com problemas reais, e não com a concretização de necessidades induzidas - restritas à manutenção do status quo que, como podemos constatar, acarreta consequências devastadoras para o meio ambiente e para o ser humano. Como resultados de sua aplicação destacam-se: o favorecimento de produtores e consumidores, o aumento do fluxo econômico, a geração de novos negócios e oportunidades de emprego, a valorização dos recursos, do homem e das culturas locais, concomitantemente, e em longo prazo.

Torino Foto: culturaeculture.it

Podemos constatar a viabilidade dessa abordagem aqui mesmo, em Turim, por meio de empreendimentos de sucesso como a M**Bun e a Eataly, ambas baseadas na filosofia slow food, em palavras chave como sustentabilidade e responsabilidade, com atenção à origem e ao processamento das matérias primas, com valor de produtos saudáveis. A M**Bun oferece sanduiches, saladas, sopas e pratos feitos com alimentos produzidos no Piemonte. A Eataly é um mercado formado

um grupo de pequenas empresas que comercializa massas, vinhos, pães, doces e utensílios de cozinha, convivendo com restaurantes e com a cultura tradicional italiana. Sua proposta é obter os melhores produtos artesanais, reduzindo o peso da cadeia de distribuição e criando uma relação de contato direto entre o produtor e o distribuidor final, evitando os intermediários. É muito gratificante poder vivenciar a história do design na Itália. Melhor ainda é ver o design crescer e tomar novos rumos. Mas, o insuperável, é poder constatar que a peça mais viva e influenciadora dos movimentos atuais do design, nessa parte do mundo, é justamente a valorização regional. O Brasil, reconhecidamente o país da diversidade e de fortes tradições tem, nesse sentido, “a faca e o queijo” nas mãos - esse último, pelo menos em Minas Gerais, literalmente. Finalmente, agradeço à FAPEMIG pela concessão da bolsa de doutorado e à UEMG pela confiança a mim depositada.


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Design para toda a vida por Eraldo Pinheiro

Em Milão, há uma instituição que reflete sobre os movimentos do design, denominada “Triennale di Milano”. A exposição mais importante se chamou “IL DESIGN ITALIANO OLTRE LE CRISI AUTARCHIA, AUSTERITÀ, AUTOPRODUZIONE”, com texto à disposição na internet*. Em tradução livre: “O DESIGN ALÉM DA CRISE: AUTARQUIA, AUSTERIDADE E AUTOPRODUÇÃO”. Falam, respectivamente, dos anos 1930, entre guerras, da crise do petróleo, nos anos 70, e a partir dos anos 2000, no qual estamos imersos. Questão de reflexão: chegará o dia em que compraremos o download de produtos e, numa impressora residencial, copiaremos produtos úteis ao nosso cotidiano?


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1. Bastardo Designers: Fernando e Humberto Campana Fábrica: Edra 2. Misturador V Designer: P. Starck Fábrica: Axor Fotos: divulgação * site: www.triennale.it/it

53º Salão do Móvel - Milão

O Salão do Móvel, que ocorreu entre os dias 7 e 13 de abril, no centro de exposições de Rho, em Milão, na Itália, é considerado o maior evento do design mundial. Durante os seis dias, a cidade atraiu arquitetos e designers de todo planeta, em torno dos lançamentos dos maiores fabricantes e grifes de design de móveis, luminárias, peças de banheiro e cozinha. Além da mostra, os 325 mil visitantes que passaram por lá também participaram de diversos eventos espalhados pela cidade.

Na realidade da feira, com mais de 38.000m2 de pavilhões e 300 eventos espalhados, entre showrooms e instalações pela cidade, sentimos de perto a crise nossa de cada dia. Pelo menos uma empresa importante fechou e deixou saudades. Alguns showrooms de Milão se transferiram para dentro das fábricas. As instalações de rua, grandes shows, desapareceram. Os stands ficaram mais modestos. Algumas empresas saíram da feira e foram para a rua; outras fizeram o oposto. Certo é que há movimento! Associações de empresas que resultaram em harmonias pró-excelência. Principalmente quando a indústria moveleira busca, no mercado do luxo, seus parceiros, possivelmente menos abalados. Louis Vuitton faz a capa da chaise de Le Corbusier para a Cassina. A Bizassa, grife de pastilhas de revestimento, lança um especial com os desenhos de Emilio Pucci; a cadeira Wishbone ganha tecidos de Paul Smith.


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3. Uncle Jack Designer: P.Starck Fábrica: Kartell Foto: divulgação

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4. Cama Mamy Blue Designer: Roberto Lazzeroni Fábrica: Poltrona Fraus Foto: divulgação


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5. Padrão Alba com estampa Emílio Pucci Fábrica: Bizassa Foto: divulgação

6. Undercover Sofa Designer: Anna Von Achewen Fábrica: Zanotta Foto: divulgação

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Não é à toa que quem ainda conseguiu fazer suas instalações em palácios e igrejas monumentais foram a Baccarat, Hermés e no universo do design propriamente dito, a indefectível Moooi holandesa na Zona Tortona, o grande show com uma belíssima exposição de fotos, criando cenários para peças absolutamente surpreendentes. Os parceiros da indústria automobilística também ocorreram, como Zanotta + Lamborghini, excelência em revestimento em couro dos carros sofisticados. Dentro das fábricas, o que vimos foi uma extensão no mix de produtos. Grandes empresas deixaram de fazer


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O céu é o limite. 7. Pylon Design: Disel Fábrica: Foscarini Foto: Eraldo Pinheiro 8. Instalação da Kartell Precious Kartell Our e Cobre Foto: divulgação 9. Namaste Designer: J.M. Massaud Fábrica: Kartell Foto: Eraldo Pinheiro

apenas móveis – o produto por excelência dos Salone dei Mobili – para ampliar o mix com tantos outras peças que fazem parte do dia a dia das pessoas: produtos de mesa, banho, calçados, bolsas, adornos e, principalmente, iluminação. Tudo garantido pelas estrelas da criatividade, que conseguem nos injetar um sopro de energia. Neste momento, o que inova surpreende. E cabe o respeito aos reloads. Novas formas de inovar, com produtos já lançados, através de pesquisas de revestimentos. É ai que surgiram os revestimentos dourados e cobreados.

Must de 2014

Além da mistura de matérias, como polímeros, tecido, madeira e metal numa mesma peça. Para falar de continuidade, observem a onipresença do uso da madeira certificada, beneficiada através de copiadoras 3D.

A volta às origens do mobiliário ancestral em madeira soma-se à tecnologia e aos novos materiais que surgiram enquanto as florestas remanejadas cresciam. Karim Rashid resumiu esse caminho com maestria, numa escultura de três metros de altura, em que reproduz o próprio rosto entitulada Globalove. O que sugere, poeticamente, é que os 360 graus das copiadoras sejam também uma postura ética de olhar para o mundo como um todo. E, de forma oposta, em peças mínimas: Eugeni Quitllet, na família de cadeiras e mesas Tabu para a Alias, propõe o mesmo. Mas as imagens falam por si. Apresentamos aqui o show do design, que brilha apesar das crises. Porque, quando entramos em casa, precisamos de um mínimo de identidade e bem estar. De conviver com produtos de design que possam fazer dos momentos mais simples os mais belos e reenergizantes.


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Itália,

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a cultura que influenciou o design no mundo por Pâmilla Vilas Boas Um navio abarrotado de imigrantes. Muitos morreram pelo caminho devido às condições precárias. Os que desembarcaram passaram a trabalhar em serviços manuais. A partir de 1880, com a abolição da escravatura, muitos italianos vieram para o Brasil fugindo do regime político ou por causa da crise econômica que assolava o país. Apesar dessa imagem da “chegada” dos italianos ser comum no cinema e nas novelas brasileiras, a contribuição italiana para arte e cultura vem antes mesmo da grande migração de 1988 e fez parte da constituição do Brasil como explica o professou doutor da USP, historiador e crítico de arte, João J. Spinelli, “Pesquisando, descobri que a primeira referência sobre o Brasil foi feita pelo italiano Américo Vespúcio. Foi ele quem, pela primeira vez, chegou até o continente e viu as terras brasileiras”, explica. Em 1584, por ordem de Felipe II, rei da Espanha, ergueu-se, na embocadura do estuário de Santos, a Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande. O projeto era do italiano Giovanni Battista Antonelli, arquiteto militar que acompanhava a esquadra espanhola do Almirante Diogo Flores Valdéz. Antonelli projetou e construiu fortificações na Europa e na América Latina, na segunda metade do século XVI. O projeto de Vista e elevação da Igreja de São Miguel, em 1756, foi realizado pelo padre italiano Giovanni Battista Primoli. Estudos recentes apontam, como explica Spinelli, que o estilo neoclássico foi introduzido no Brasil por volta de 1753 pelo desenhista italiano Antônio José Landi. “Toda vez que se fala em neoclássico no Brasil a imagem que vem é a da missão francesa de 1816. É o que lemos nos livros. Muitos estudos recentes reconfiguram esse pensamento e quase provam que a missão francesa introduziu o estilo no Rio de Janeiro. José Landi foi um dos pioneiros a pesquisar a flora e fauna amazônica. Ele introduziu o estilo neoclássico antes da missão francesa. Ele sugeria que introduzissem elementos da cultura brasileira somados ao neoclássico italiano”, completa. A chegada em massa dos italianos se deu entre 1871 e 1920. Spinelli explica que, dos cerca de 3 milhões e 390 mil imigrantes que chegaram ao Brasil, mais de um milhão e 373 mil eram italianos. A presença dos italianos era tão forte, principalmente em São Paulo, que a escritora Gina Lombroso relatou, em 1908, suas impressões sobre a cidade: “Ouve-se falar o italiano mais em São Paulo que em Turim, em Milão, em Nápoles, porque ao passo que entre nós se fala o dialeto, em São Paulo todos os dialetos se fundem sob a influência dos vênetos e dos


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toscanos, que são a maioria, e os da terra adotam o italiano como língua oficial. São Paulo dispõe de umas 50 escolas italianas, numerosíssimas sociedades italianas de música e pintura. Vinhos, pães, automóveis, roupas, tecidos, livros, anúncios, tudo é em italiano” (VERSACI, 1991, p.61) Antonio Piccarolo militante e fundador do Partido Socialista Italiano, em 1904, foi convidado para dirigir o jornal Avanti! publicado em São Paulo na língua italiana. Em um de seus escritos relatou: “tinha –se a impressão de estar na Itália para onde, juntamente com a língua, são transplantados os costumes, as festas populares que nos fazem lembrar nossa terra de origem”, explica Spinelli. Spinelli ressalta que muitos dos italianos que chegaram ao Brasil se tornaram empresários. “Temos a imagem de que eram pobres, que vieram trabalhar em cafezais. Mas vieram pessoas preparadas, que tinham formação e trabalharam na construção civil. Os primeiros grandes edifícios de São Paulo foram feito pelas italianas,

chamados fachadistas, os que davam o acabamento das fachadas”, completa. Um exemplo desse pioneirismo foi a “Fábrica de Móveis Federico Oppido & Irmão”, criada em 1900. Federico Oppido nasceu na província da Basilicata na Itália e se transferiu para o Brasil em 1888. Descendente de uma família de pintores e artesãos, foi desenhista, fabricante de móveis e decorador de interiores em São Paulo. Ele produziu obras para particulares, artistas, arquitetos, políticos e industriais. De acordo com Spinelli, os irmãos Oppido foram os pioneiros na pequena indústria de móveis e introduziram o processo de envergar a madeira. Spinelli explica que, do ponto de vista econômico, os italianos fizeram parte da industrialização e urbanização do Brasil até a grande depressão de 1929, quando a imigração praticamente cessou no país. Posteriormente, o governo de Getúlio Vargas fechou as escolas dos imigrantes e restringiu o direito de voto.

1 e 2. Dos cerca de 3 milhões e 390 mil imigrantes que chegaram ao Brasil, mais de um milhão e 373 mil eram italianos. 3. Muitos dos italianos que chegaram ao Brasil se tornaram empresários Fotos: Flickr Creative Commons


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Os desafios da relação Brasil e Itália na contemporaneidade “O design italiano foi criado por sonhadores”, afirma a designer Fabíola Bergamo, que descobriu sua ascendência quando foi fazer mestrado na Itália, em 1986. Ela explica que havia o sonho da indústria do pós-guerra e o sonho dos arquitetos, que se juntaram para evoluir e criar peças cada vez mais interessantes. Na época, ainda não existiam escolas de design. Esse pioneirismo se traduz na indústria italiana que, de acordo com Fabíola, se reflete até mesmo na postura dos funcionários. “Eles adoram um desafio. Um de meus professores à época desenhou uma peça em um guardanapo, explicou para o funcionário por telefone e ele descobriu o mecanismo. Aqui no Brasil ainda tem a postura do não dá para fazer. É mais difícil ser designer aqui”, compara. Fabíola ressalta que o design italiano tem duas principais vertentes: uma mais conceitual e outra mais minimalista. Sua grande dificuldade, ao voltar para o Brasil, foi com-

preender o mercado. Na década de 1980 o mercado brasileiro valorizava produtos mais opulentos e volumosos, diferente do que ela havia estudado na Itália. “Os irmãos Campana trabalharam durante quase 30 anos e ninguém queria produzi-los no Brasil, por que o trabalho era muito conceitual, com formas mais finas. Eram sofás mais retos que não tinham essa coisa do veludo, do strass, essa coisa volumosa. Só depois que eles fizeram sucesso na Itália é que foram bem aceitos no Brasil”, relata. Para ela, na década de 1980, a influência do design italiano no Brasil ainda era muito pequena. “Nesse período, os brasileiros visitavam pouco o Salão do Móvel. Teve uma mudança bem significativa nas últimas duas décadas, com a visitação dos brasileiros e a utilização do que eles viam lá como referência aqui”, ressalta. Fabíola considera que não é possível falar de design italiano e sim em indústria. “Na Itália tem designer que não é italiano, mas desenha muito pra indústria, como


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Philippe Starck, por exemplo. A referência italiana está mais relacionada à postura da indústria e essa filosofia de valorizar o trabalho do designer, que ainda falta no Brasil. A Itália no Brasil, o Brasil na Itália Um novo ponto de convergência entre o design brasileiro e o Itáliano foi proporcionada com a inauguração da Fiat Design Center Latam no Brasil, que trabalha em conjunto com os outros centros de design do Grupo Fiat Chrysler na Europa e nos Estados Unidos. O centro é a única área de concepção de design da Fiat na América Latina. A inauguração da unidade em Betim (Minas Gerais) ocorreu em 1976 e hoje é a maior planta da Fiat no mundo, com capacidade para produção de 800 mil veículos por ano. Foi nessa fábrica que foi construído o primeiro veículo da marca no país, o Fiat 147. De acordo com o responsável de design no Design Center Latam da Fiat, Paulo Nakamura, já nos primeiros anos da Fiat no Brasil, havia uma área suporte de design implantada. “Porém, com o crescimento contínuo das exigências do mercado e o aumento da velocidade de respostas exigidas pelos consumidores, tornou-se necessário o fortalecimento da área de design”, explica. Com a criação do Polo de Desenvolvimento Gionanni Agnelli em 2002, criou-se

a estrutura do Design Center, que conta com uma equipe capaz de realizar todas as etapas de desenvolvimento de design, desde a criação e a modelagem virtual, até a modelagem física e pré-engenharia. A Fiat Design Center Latam conta com todas as especializações necessárias para a criação dos automóveis da marca: designers para os shapes e formas dos internos e externos, designers gráficos para personalização, HMI (Human Machine Interface) instrumentos, além de designers com especialização em moda para a escolha e a definição de cores e tecidos. A estrutura total conta com mais de 110 profissionais, compreendendo também as atividades de matemáticas, suporte técnico e modeladores de protótipos. Nakamura explica que o Design Center tem como o foco o conhecimento do mercado, do cliente brasileiro e latino-americano, para traduzir isso em modelos que possam atender essas novas exigências, seja em tempo, em qualidade e criatividade. Nakamura ressalta que há autonomia no desenvolvimento de design dos modelos destinados aos mercados brasileiro e latino-americano. Ele explica que, como o design está no DNA da Fiat como empresa, a marca da italianidade se revela em todos os produtos, porém sem deixar de levar em consideração as


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4. Model Shop 5. Studio Design 6. Fiat Uno Way Fotos: divulgação Fiat

exigências e características do mercado e do consumidor brasileiro. Segundo Nakamura, é essa relação que marca produtos com a criatividade e jovialidade brasileiras, mescladas com a esportividade e tradição italiana.

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“Nos nossos desenvolvimentos, além das pesquisas e tendências do nosso mercado, temos como base manter ao máximo o DNA italiano da Fiat – a identidade da marca. Mantemos contato constante com o Centro Stile da Itália para, além de trocar ideias e avaliar os projetos, ter um intercâmbio de informações para atualização, bem como com nossos colegas de outros países. Somos uma empresa que privilegia o design em todas as etapas de desenvolvimento dos nossos modelos. Na Fiat, criatividade e conhecimento funcionam como catalisadores da inovação, que é um dos nossos valores permanentes”, relata. Nakamura ressalta o exemplo do Novo Uno que, segundo ele, foi um dos grandes sucessos Fiat Design Center Latam e um dos grandes desafios. O objetivo era manter a identidade e todas as características de sucesso do Uno e elevá-lo a um novo patamar, com novas tecnologias, novos processos produtivos e seguir as tendências do design mundial. “Redesenhar o Uno, um carro icônico, com design revolucionário, inovador e que se manteve em produção por tanto tempo, realmente não seria um trabalho fácil. Para isso, mergulhamos no universo dos proprietários e dos potenciais clientes que queríamos trazer para o nosso caro. Através de pesquisas, detectamos como o consumidor enxergava o Uno e definimos a linha que marcaria todo o design. Surgiu o conceito de ‘round square’, que permeou todo o desenvolvimento. O sucesso do Novo Uno não está só no design inovador, mas também nas novas cores que desenvolvemos e que ajudaram a colorir um pouco mais as nossas ruas, além de um conjunto de adesivos e apliques para que o consumidor pudesse personalizar o seu Novo Uno”, ressalta.

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Leonardo Da Vinci Genialidade que ainda inspira projetos pelo mundo por Pâmilla Vilas Boas

Criador

Leonardo Da Vinci é considerado o maior gênio da história. O italiano, nascido por volta de 1519, foi uma das figuras mais importantes do Renascimento, tendo se destacado como cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico. É ainda conhecido como o precursor da aviação e da balística. Filho “ilegítimo” de um notário e de uma camponesa, passou a maior parte do início de sua vida profissional em Milão. Trabalhou posteriormente em Veneza, Roma, Bolonha e, por fim, na França. É também um dos primeiros a exercer a função de designer, graças a sua multidisciplinaridade e a aplicação de estudos em desenhos e projetos para a concepção de pinturas, esculturas e inventos. Ele descreveu os fenômenos com desenhos extremamente detalhados, como o estudo do chamado o Homem Vitruviano - com detalhes da


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anatomia do corpo humano que sugerem o design do primeiro robô da história, chamado de “o robô de Leonardo”. Muito à frente de seu tempo, o artista produziu protótipos que simulavam o voo dos pássaros e tentou aplicar esses estudos em planos de várias máquinas voadoras. Chegou a projetar um helicóptero, movimentado por quatro homens, um tanque de guerra e o uso de energia solar. A maior parte dos seus projetos não chegou a ser construída em vida. Um exemplo dessa genialidade é a ponte Golden Horn, desenhada em 1502 e que, somente em 2001, pode ser executada.


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De acordo com o artista norueguês Vebjørn Sand, que teve a ideia de executar esse projeto, muitos dos cadernos de Da Vinci só foram “redescobertos” na década de 1950 e parte de seu trabalho ficou obscura por muitos séculos. Vebjørn se apaixonou pelo projeto e o levou para o Ministério dos Transportes da Noruega, com o objetivo de estudar uma maneira para construí-la. “Vi pela primeira vez o desenho da ponte em uma exposição na Suécia, em meados de 1990. Eu senti que tinha descoberto algo tão incrível como um trabalho inédito de Mozart. O desenho é pequeno e não tem muita informação, mas eu podia ver um potencial incrível. Com a análise de computador, fomos capazes de esclarecer os pontos fortes e fracos estruturais do projeto”, relata. Para Vebjørn Sand, Da Vinci tornou-se o ícone do Renascimento europeu por sua curiosidade e variedade de interesses, que o tornaram um gênio em todas as disciplinas. Leonardo era fruto do pensamento renascentista, onde as disciplinas de arte, ciência e tecnologia convergiram pela primeira vez após a Idade das Trevas na Europa. “Ele não nasceu em meio à opulência, mas desenvolveu todos os seus talentos ao mesmo tempo, a partir de suas habilidades poderosas para observar o mundo natural”, relata. Estudiosos contemporâneos debatem os aspectos do gênio de Leonardo e existem

muitas perspectivas, mas Vebjørn acredita que isso se dá pelo fato de Da Vinci ser totalmente desenvolvido em ambos os lados do cérebro. “Ele era imaginativo, intuitivo, creio que tinha dotes físicos, como uma visão extraordinária, que o ajudaram a ver as forças naturais de forma sistemática. Ele entendia a mente como um dom divino de compreender o universo”, completa.

Criação:

A ponte Golden Horn, projetada em 1502 por Da Vinci, foi rejeitada pelo Sultão Bajazet II (1512), de Constantinopla (Istambul), que acreditava que sua construção não era possível. 500 anos depois, o “The Leonardo Bridge Project”, um projeto de arte pública, vem promovendo a construção da ponte em diferentes partes do globo. O trabalho em Istambul, onde Da Vinci originalmente destinou o projeto, já começou e deverá ser inaugurado em 2015. A ponte terá 240 metros, como projetado, e vai combinar o granito, previsto por Leonardo, com materiais modernos e ambientalmente sustentáveis. Já a ponte construída em Oslo, na Noruega por Vebjørn Sand objetiva produzir reinterpretações do desenho com materiais locais, em colaboração com artesãos e arquitetos em comunidades de todo o mundo. Vebjørn construiu duas pontes de gelo destinadas a derreter: uma na Antártida e outra na Groelândia, representando a situação frágil da cobertura de


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gelo da Terra. De acordo com o artista, a próxima versão da ponte será construída na França, ainda este ano, no Chateau du Clos Lucé em Amboise, no Vale do Loire, onde Da Vinci morreu. “Gostaria muito de construir o projeto em todos os continentes. Cada ponte pode ser exclusiva em sua paisagem física e cultural através do uso de materiais e colaborações criativas com artesãos locais”, afirma. A ponte é baseada em três princípios estruturais: o arco pressionado, a chave de arco de pedra e a curva parabólica - que Leonardo usou para dar mais solidez estrutural para a ponte, explica Vebjørn. “Sua geometria fica mais bela como uma ponte para pedestres. As análises de computador mostraram que precisaria ser muito grande para suportar as vibrações de automóveis. Assim, a construímos para pedestres e bicicletas. A forma como os arcos parabólicos

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apoiam as forças laterais dão ao projeto sua forma clássica”, ressalta. Vebjørn explica que foi um longo processo para realizar algo verdadeiramente original. Ele criou desenhos para expressar a geometria junto com arquitetos, engenheiros estruturais, comunidades locais e estudiosos de Leonardo. “Para mim foi uma emoção, como artista, colaborar com Leonardo Da Vinci e tornar o projeto real. Eu tive que escavar profundamente o pensamento de Leonardo e, em seguida, tentar o meu melhor para interpretar seu desenho - como uma peça de música - na paisagem contemporânea. E como música, espero ser capaz de ‘tocar’ sua sinfonia em todo o mundo , para que outras pessoas , em outras culturas , também possam desfrutar de sua beleza”, ressalta.

1. Autoretrato Leonardo Da Vinci Imagem: divulgação 2. Ponte de gelo construída na sede das Nações Unidas em Nova Iorque para chamar a atenção das autoridades sobre a gravidade do aquecimento global. Foto: Unger Franke 3. Ponte construída em Oslo, capital da Noruega. Foto: Knut Bry 4. Projeto da ponte Golden Horn desenhado por Leonardo Da Vinci em 1502. Imagem: The Biblioteque Institute of Paris 5. Ponte de gelo construída na Antarctica e destinada a derreter. Foto: Nils Lund


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Teatro de peças imóveis O projeto de iluminação do Museu de Ciências Naturais da PUC é quase um ambiente cênico por Pâmilla Vilas Boas Um jogo de luz e sombra torna ainda mais real a experiência de se mergulhar no passado. A iluminação recria, com perfeição, o amanhecer, o sol a pino e o anoitecer do cerrado com seus animais típicos. A delicadeza da luz, que ilumina cada peça arqueológica como se fosse única, revela formas e ressalta texturas. É um equilíbrio, uma incidência de luz forte no crânio do carnotaurus, espécie de “touro carnívoro”, que viveu na Patagônia (Argentina), há 80 milhões de anos e o sombreamento que vai esmaecendo até o final dos ossos. Realizar o projeto de iluminação de um museu pode parecer algo simples, mas de fato não é. A Templuz, em parceria com o Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), desenvolveu um projeto de iluminação que mostrou ser possível criar um ambiente cênico com peças que revelam um passado de milhões de anos.


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1, 2, 3 ,4. Jogo de luz e sombra ilumina cada peça como se fosse única. Fotos: Ludimila Loureiro

“O museu tem suas particularidades. Você não apresenta uma peça por pleno de luz, você não explode a luz. Trata-se de recuperações geológicas que o tempo destruiu. Às vezes, é preciso enaltecer uma parte e esconder outra. O grande segredo é o equilíbrio de luz e sombra. Quando você consegue esse equilíbrio, o projeto está perfeito. É quase um ambiente teatral com peças imóveis”, explica o engenheiro do Museu, Charles Duarte. A Lighting Planner da Templuz, Paola Duarte, responsável pelo projeto de iluminação do museu, explica que o grande desafio foi traduzir, em LED, o desejo de iluminação cênica dos curadores e responsáveis pela montagem das exposições. “Foi preciso criar as cenas e as possibilidades de sensação nos expectadores, já que o LED ainda é um produto que se encontra em constante desenvolvimento no mercado. Além disso, foi preciso atender a necessidade de segurança, eficiência energética e modernidade do conceito do projeto”, relata. Charles explica que, ao testar a iluminação, foram realizados inúmeros exercícios em cada nicho do museu, de modo a atender a necessidade de luz e sombra específicos a cada um. “Isso é um projeto de iluminação: a luz estando tão perto uma da outra tem que atender a cada especificidade. Acredito que os especialistas passaram isso

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para a Paola. Quando ela colocou tudo em termos tecnológicos, as coisas foram fluindo naturalmente”, ressalta.

Incêndio

Em janeiro de 2013, um incêndio de grandes proporções destruiu parte do acervo do Museu. Charles explica que foi provocado por uma pane elétrica. Um curto circuito na iluminação deu início ao fogo, que se espalhou pelo Museu. De acordo com o engenheiro, o novo projeto elétrico se preocupou em proteger os circuitos com uma fiação completamente antichamas, cabos especiais e toda instalação é externa. “A Templuz colocou tudo o que existia em termos de iluminação. Uma espécie de caixinha de coisas boas. Foi o que fizemos dentro do caos que estava aqui”, relata.

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5, 6, 8. A iluminação é capaz de criar um ambiente cênico que valoriza as nuances de cada peça. 7. A lendária Preguiça gigante, uma das peças mais importantes do Museu. Fotos: Ludimila Loureiro

Paola ressalta que há alguns anos, a Templuz mantém uma parceria com o setor de infraestrutura da PUC para auxiliar no desenvolvimento de propostas luminotécnicas em projetos especiais. “Nesse projeto, o engenheiro Charles entrou em contato conosco para ver se poderíamos auxiliá-lo na elaboração de uma iluminação com eficiência energética, inovadora e que fosse em LED, já que, antes do incêndio, a iluminação do museu era convencional e de alto consumo. A demonstração foi realizada no laboratório de luz da Templuz, exemplificando as possibilidades e soluções que poderíamos atingir com os produtos disponíveis no mercado”, ressalta. Paola explica que o objetivo foi unir o desejo e as expectativas dos curadores do museu com as técnicas e conhecimentos da projetista de iluminação. “Creio que o bom resultado veio em função de um trabalho a quatro mãos por parte das duas equipes (PUC e TEMPLUZ) que, em sintonia, foram capazes de expressar e traduzir o propósito do trabalho”, completa.


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Descanso e descontração sem sair de casa por Ana Cláudia Ulhôa


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Fotos: Rodrigo Tozzi

Uma área para relaxar e se divertir com amigos e familiares, dentro da própria casa. Segundo a arquiteta Márcia Mundim, investir em um espaço íntimo, que proporcione conforto e segurança para o convívio com pessoas próximas, se tornou uma das grandes tendências da vida contemporânea. Mas, para criar um ambiente adequado é necessário conciliar layout, decoração e iluminação. Como exemplo, Márcia cita o projeto que elaborou para uma residência no Bairro São Bento, em Belo Horizonte, MG. A arquiteta foi contratada para desenvolver um espaço de lazer com varanda, deck e spa, para que os donos da casa pudessem oferecer recepções e, ao mesmo tempo, descansar.


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Fotos: Rodrigo Tozzi

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A área trabalhada por Mundim possuía um total de 366m² e uma varanda em formato de “L”, com 120m². O primeiro passo foi criar um layout setorizado, conforme as necessidades de uso. “Delimitei o espaço da varanda e da piscina e especifiquei um grande deck em madeira Cumaru, substituindo o gramado existente. Um spa com frigobar e luz cromoterápica também foram agregados ao local”, explica. Em seguida, ela definiu o material que seria utilizado. “Concebi um ambiente extremamente relaxante e, ao mesmo tempo funcional, através da escolha de materiais que proporcionam aquecimento ao espaço. Apostei na madeira como a estrela principal, pela nobreza, aconchego e sensação de um lugar onde quero estar e ficar”, conta.


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Por último, Márcia pensou na iluminação, pois “a luz é tão importante quanto qualquer outro detalhe em um ambiente. Ela deve ser especificada de acordo com o conceito do espaço, para que haja harmonia. Uma iluminação sem estudo e planejamento pode matar qualquer ambiente”, afirma.

Fotos: Rodrigo Tozzi

Para desenvolver um projeto luminotécnico adequado, Mundim realizou uma parceria com a Templuz. A lighting planner da loja, Aline Lobo, foi a responsável pelo projeto, que teve como objetivo produzir uma iluminação que proporcionasse um ar intimista ao local. Aline começou instalando luminárias embutidas no forro da varanda, para obter um acabamento mais limpo. O deck seguiu o mesmo conceito e recebeu luminárias com lâmpadas 1x50w embutidas no piso, valorizando o espaço.


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O gramado foi retirado, ficando apenas a palmeira e alguns arbustos. Para destacá-los, a lighting planner instalou projetores circulares em blocos de cimento, com lâmpadas refletoras PAR38 em cada uma das árvores. O paisagismo também foi pontuado por espetos para jardim, que usam lâmpadas 1x50w PAR 20. De acordo com Aline, o maior desafio foi desenvolver duas funções luminotécnicas diferentes em um mesmo espaço. “Uma das soluções foi adotar o uso de balizadores em LED no Deck e na escada de madeira, valorizando esse local de relaxamento, que é voltado para a varanda da residência. Também promovemos a fusão entre estética e funcionalidade, usando peças IP65 com alto índice de resistência e 100% vedadas”, disse.

Fotos: Rodrigo Tozzi

O resultado, segundo Márcia Mundim, é um ambiente limpo, trabalhado pela iluminação, que dá um ar cênico ao local. “Em qualquer projeto, a somatória de todos os detalhes faz toda a diferença: layout, materiais, mobiliário, iluminação, dentre outros. Cada um deve ser estudado com muito cuidado para que o resultado final atenda as expectativas do cliente. Nesse, em específico, todas as cordas foram afinadas, dando ao espaço sofisticação, praticidade e funcionalidade”, conclui.

Márcia Mundim é Designer de Interiores com especialização em Marketing para produtos e serviços e graduada em Arquitetura e Urbanismo. Esta formação com visão de mercado proporciona à profissional a avaliação mais completa dos anseios dos clientes, com bagagem e experiência para traduzir os sonhos e as necessidades em espaços customizados e cheios de personalidade.


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Recuperação pela arte por Ana Cláudia Ulhôa

Ao ver a imagem de seis metros de altura de uma menina japonesa com um vestido que trazia a frase “311 is not over”, Cleiton Barbosa Marques, de 29 anos, ficou confuso e, ao mesmo tempo, curioso. Mesma sensação que Carlos Maick Alves, 28, teve ao se deparar com uma foto gigante de um saxofone em um fundo completamente preto. Até fevereiro deste ano, nenhum dos dois rapazes tinham tido a oportunidade de apreciar uma obra de arte tão de perto. Agora, eles e mais 106 pessoas do regime fechado e 35 do semi-aberto da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados de Santa Luzia (APAC) poderão descobrir como é ficar diante de pinturas, fotografias, desenhos e obras criadas em meios digitais. A ideia de levar cultura aos recuperandos da APAC surgiu da convivência de Flávio Tófani, mais conhecido como Tio Flávio, com as pessoas que se encontram presas nesse local. Fundador do projeto Tio Flávio Cultural, que promove palestras gratuitas para a disseminação de conhecimento, Tófani foi convidado, em dezembro de 2013, para realizar um bate-bapo com os residentes desse presídio.

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“Quando eu cheguei, não conhecia a APAC e gostei demais. Achei que investir nesse tipo de ressocialização, baseada na confiança e na humanização, é bem melhor para a sociedade do que um presídio comum. Aí, eu fiz a proposta de trazer algumas atividades”. Primeiro, Flávio realizou palestras motivacionais e de empreendedorismo para dar aos recuperandos a oportunidade de trabalhar por conta própria ao final de suas penas. Depois, organizou a visita de atletas de jiu-jitsu e muay thai para ensinar a todos como ter disciplina e autocontrole. Por último, Flávio pensou em criar uma exposição itinerante com os painéis do projeto Mural Templuz dentro de algumas penitenciárias que adotam o método pregado pela associação, como Santa Luzia, Nova Lima, Manhuaçu e Sete Lagoas. O programa desenvolvido pela Templuz, realiza anualmente, uma exposição com 12 obras de arte, que se revezam a cada mês na fachada da loja, na Av. Nossa Senhora do Carmo, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ao ver todas aquelas lonas enormes, com

imagens que discutem os mais diversos temas, Tófani não teve dúvidas - procurou o grupo e fez a proposta. “A Templuz é uma parceira há bastante tempo, ela sempre abre espaço para fazermos palestras. Quando eu vi os painéis, pensei: Poxa! Se eu levo um painel desses para uma pessoa que não tem acesso a esse tipo de informação, a gente vai estimular a criatividade, o talento, essas coisas todas”. O jeito mais eficaz que Tio Flávio encontrou para despertar esse interesse nos recuperandos foi instalar as obras sem qualquer tipo de identificação. A pintura “311 is not over”, do artista plástico japonês 281 Anti Nuke, foi acomodada no sistema semi-aberto. Já a fotografia “Sax”, do tailandês Piyatar Hemmatat, foi para o fechado. “Colocamos primeiro uma semana sem falar nada, para estimular a curiosidade. Agora, vamos começar a trabalhar com eles sobre o que é isso”, explica. O recuperando do sistema fechado, Carlos Maick, conta que não entendeu bem quando viu aquela lona com um saxofone gigante pendurada na parede. “Eu perguntei: O que


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é aquele mural ali? Achei até que era um curso de saxofonista. Mas até hoje eu vejo isso aí e fico perdido”. Cleiton Marques, do sistema semi-aberto, diz que quando o painel chegou no seu pavilhão todos ficaram inquietos. “Ninguém sabia o que aquilo significava. Poucos aqui sabem inglês. Só depois chegou um recuperando e disse que aquela figura retratava um ataque, algo que aconteceu e matou diversas pessoas. Estamos descobrindo aos poucos. Cada hora chega uma informação. A gente está montando esse quebra-cabeças”. “Eu achei muito interessante, porque faz a gente refletir. Se pegasse e explicasse o que era, a gente não tinha tanto interesse. Agora, quando você passa e não sabe o que significa, todo dia tem aquela curiosidade”, completa Cleiton. O contato que a APAC tem proporcionado aos recuperandos com a arte gerou em Cleiton a vontade de se enveredar por esse caminho. Depois de ser condenado a quatro anos e oito meses de prisão por tráfico de drogas, e cumprir um ano e sete meses no sistema comum, o recuperando foi transferido para a APAC e começou a frequentar aulas de pintura e cantar em uma banda chamada Recuperandos do Samba. “Fiz aulas de pintura, artesanato, essas coisas. Aí chegou uma hora que eu estava fazendo obras próprias. Criei algumas coisas e achei muito legal. Na

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hora que eu sair daqui, eu não quero parar não”, afirma. Para Maick todas essas experiências foram válidas, mas a pouca afinidade com a área não o permite ter os mesmos sonhos que Marques. “Nunca tinha visto uma exposição. Achei muito bonito. Eu também fiz um curso de pintura, mas acabou que eu não aprendi nada. Eu sou desinteressado para esses negócios”, revela. No entanto, Carlos Maick garante que o método da APAC o fez mudar de vida. Preso por assalto, Carlos cumpriu um ano e oito meses no presídio de São João de Bicas I e já está há oito meses em Santa Luzia. Agora, ele aguarda o processo que irá julgar sua liberdade condicional. De acordo com o recuperando, sua única vontade, atualmente, é sair e levar uma vida correta. “No sistema comum, eles matam os seus sonhos. Lá você não muda, porque você conhece outras pessoas que estão mais aprofundadas no crime do que você. Quando eu cheguei aqui na APAC a primeira coisa que eles fizeram foi devolver o meu nome. Eu fui chamado pelo meu nome e não por um número. Mandaram eu tirar aquela roupa vermelha e deram as minhas roupa de volta. Eles devolveram a minha dignidade, me mostraram o caminho que eu tenho que seguir e aqui meus sonhos estão cada dia mais restaurados. Aqui eu me alimento de amor, de esperança, de paz e é isso que eu quero pra mim quando eu for lá pra fora”, confirma.


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1. Pinturas feitas pelos recuperandos da APAC. 2. A fotografia do artista plástico tailandês Piyatat Hemmatat está no sistema fechado. 3. Obra 311 Is Not Over do artista japonês 281 Anti Nuke, instalada no sistema semi-aberto. 4. Palestra motivacional realizada em parceria com o Tio Flávio Cultural. 5. Recuperandos em aprendizado. 6. Humberto Andrade, gerente administrativo da APAC Santa Luzia. 7. Cleiton Barbosa Marques, 29 anos, é recuperando do sistema semi-aberto. 8. Tio Flávio, responsável

Método APAC

Criado em 1974 pelo advogado paulista Dr. Mário Ottoboni, o método APAC consiste em promover a humanização das prisões, sem perder a finalidade punitiva da pena. O objetivo é evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar. Segundo Humberto Andrade, gerente administrativo da unidade Santa Luzia, a APAC se baseia em palestras, trabalho, confiança, diálogo, aproximação da família, apoio da comunidade, assistência jurídica e assistência à saúde. “São esses elementos, em conjunto, que dão possibilidades para o recuperando optar por um caminho melhor”, ressalta.

por levar os murais da Templuz para a APAC Santa Luzia. 9. Uma das telas doadas participante do projeto Mural Templuz.

Para ser transferido para alguma das 27 unidades da APAC em Minas Gerais, Andrade explica que “o detento tem que estar há pelo menos um ano no sistema comum. Só depois ele pode solicitar, através de uma carta, a transferência para a APAC. A gente remete essa carta

para o juiz de execução, ele analisa e nos dá autorização para entrevistar o preso. Lá, a gente expõe toda a nossa metodologia. Explica que aqui não existe agente penitenciário, que é totalmente baseada na confiança e que ele será co-gestor das atividades. No final, aceitando ou não, a gente faz um relatório, retorna para o juiz, que dá a decisão final”, esclarece. De acordo com Humberto o mais importante nesse sistema é ter vontade de mudar de vida. “Se ele não tiver isso bem definido, dificulta a permanência dele na APAC. A maioria dos recuperandos que estão aqui hoje já tem esse pensamento. Agora, a gente só precisa lapidar isso. A APAC só doutrina, aumenta essa vontade de continuar no caminho da certo. As oportunidades que a gente oferece aqui, o sistema comum não tem. São essas oportunidades, linkadas com o respeito, diálogo, apoio da família, que são fundamentais. Acho que essa é a diferença do sistema comum com a APAC”, conclui.


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