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CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 3
6 EDITORIAL Quem É Que Falava Em Sonhos 16 ATUALIDADE Acting Basic ou Acting Smart 30 ATUALIDADE Your Start Missing ... 42 CINEMA 48 HIP HOP PZ 56 PHOTOREPORT Portugal Fashion Fall 68 HOMOGENEO 40 X Abril 84 PROVOC’ARTE O Velhinho É Que Sabe
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12 VROTEIRO + VER, OUVIRE LER 18 PHOTOREPORT Idiot Week 34 PHOTOREPORT Mural da Lionesa 44 IDIOTAS AO PALCO 53 PELO PORTO Crónica 64 INTERVENÇÃO As Origens do Skinhead 76 LA FOUINOGRAPHE 82 GUIA De Um Jovem....
Direcção: João Cabral // Nuno Dias Textos: Ana Meira Ana Catarina Ramalho Ana Luísa Carvalho Bernardo Alves Bruno Manso Carmo Pereira Carolina HardCandy Mariana Vaz Nuno Dias Nuno Di Rosso Patrícia (Pseudónimo) Ricardo Branco Rui de Noronha Ozório Tiago Moura Tish Estagiarios: Ana Santo Andreia Carvalho Diogo Moreira Gonçalo Ribeiro Rui Castro Design: João Cabral // Nuno Dias IDIOT, Gabinete de Design® Capa: Mr.Dheo Ilustração dos artistas na Idiot Week: Mr.Dheo God Mess Eky One Fotografia: Aline Fournier Lígia Claro Video: CTRL N Rita Laranjeira Todos os conteúdos são da responsabilidade de: IDIOT, Gabinete de Design ®
Cada redactor tem a liberdade de adoptar, ou não, o novo acordo ortográfico (*) NENHUMA ÁRVORE FOI SACRIFICADA NA IMPRESSÃO DESTA MAGAZINE!
www.IDIOTMAG.com NUNO@IDIOTMAG.COM CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 5
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CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 7
Nuno Dias
QUEM É QUE FALAVA EM SONHOS? DIZEM QUE NOS PRIMEIROS MINUTOS APÓS ACORDARMOS NOS ESQUECEMOS DOS NOSSOS SONHOS - SE NOS LEMBRARMOS DELES NOS PRIMEIROS 5 MINUTOS DE ESPERTINA, AÍ LEMBRA-NOS DELES DEPOIS. EU HOJE TIVE UM QUE NÃO ME ESQUECI. E O QUE OS SONHOS TÊM DE BOM, AO CONTRÁRIO DOS PESADELOS, É QUE ALÉM DE UMA LEMBRANÇA VÍVIDA QUE NOS DEIXAM, TRANSMITEM TAMBÉM SENSAÇÕES. POIS EU HOJE TIVE UM DESSES. NÃO PASSA DE UM SONHO, MAS NÃO QUERO ESQUECER ESTE SENTIMENTO. NÃO QUERO ESQUECER QUE O TIVE, NEM NUNCA PERDER ESTE SENTIMENTO EM MIM. SERÁ ISTO MAU, AGARRARME A ESTE SENTIMENTO QUE NÃO PASSA APENAS DE UMA ILUSÃO? SERÁ MAU PERMITIR QUE TAL INIMAGINÁVEL SENSAÇÃO - UMA LEMBRANÇA DESENCADEIE UMA SUCESSÃO DE FAÍSCAS NO MEU CÉREBRO, QUE ME FAZ SENTIR FELIZ? SERÁ QUE SENSAÇÕES DESTE GÉNERO ME FAZEM PENSAR SER FELIZ, ENQUANTO QUE ME DESVIAM A ATENÇÃO DO QUE REALMENTE ME FAZ FELIZ, E TODOS OS DIAS ME FAZ MUITO FELIZ? E O QUE JÁ DEIXOU DE SER UM SONHO E JÁ É UMA REALIDADE PARTILHO, ENTÃO, COM TODOS. ESTES DOIS ANOS LUTÁMOS E FIZEMOS ESTE PROJECTO CRESCER. SOZINHOS, AJUDADOS. FIZEMOS COISAS FANTÁSTICAS, COMO TAMBÉM COISAS CORRERAM MAL. HOJE SOMOS MAIS ADULTOS E LANÇAMOS PARA O MUNDO A NOTÍCIA DO DIA, A DATA DO ANO. DIA 26 DE ABRIL ABRIMOS PELA PRIMEIRA VEZ AS PORTAS PARA O MUNDO E, NO CENTRO COMERCIAL BOMBARDA RECEBEMOS TODOS QUE NOS QUEIRAM VISITAR, CONHECER E DIZER QUE JÁ ESTEVE, NA PRIMEIRA LOJA DA IDIOT. E O QUE É ISSO LOJA DA IDIOT? FALAVAM TANTO QUE AGORA ASSALTAM O CENTRO DE UM CENTRO, COM SEDE DE CAPITALISMO? NÃO. É UMA LOJA ONDE EXPLORAREMOS DIARIAMENTE O SENTIDO DA ARTE, DA CULTURA E DA PARTILHA. PRIMEIRAMENTE ROUPA COM SERIGRAFIAS NOSSAS E DE ARTISTAS QUE NOS ENCHEM O CORAÇÃO. CADA UMA DIFERENTE DA OUTRA. ÚNICA. PEÇAS DE JOVENS ARTISTAS, JOALHARIA, CALÇADO, PINTURAS, PORQUE NÃO? NO FUTURO, WORKSHOPS E SENSIBILIZAR OS MAIS NOVOS PARA A IMPORTÂNCIA DA CULTURA EM CADA UM. É //UM CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS 9 FUTURO BONITO NÃO É? E QUEM É QUE FALAVA EM SONHOS? //
Fedor @ Idiot Week, Exponor
Ana Catarina Ramalho
Nas Galerias de Paris (na foto)! Todos precisamos de uma pequena pausa, ao longo do dia, em que podemos disfrutar um pouco do que esta nossa cidade nos traz. E com a melhor, companhia, certamente! À semelhança de uma cantina, podemos escolher um prato de peixe ou carne, com acompanhamentos à escolha. //
De 1 a 22 de abril, no Clube dos Fenianos Portuense, terá lugar o Ciclo de Cinema – Um Olhar sobre o Cinema Português. Orientado pelo jornalista Manuel Vitorino, poderão ser vistos Porto da Minha Infância, no dia 1 (de Manoel de Oliveira); É o Amor, no dia 8 (de João Canijo); Tabu, dia 15 (de Miguel Gomes) e, no dia 22, Capitães de Abril (de Maria de Medeiros), todos às 18 horas. 12 // www.IDIOTMAG.com
No teatro Sá da Bandeira, um antigo conto de Charles Perrault ganha vida: Capuchino Vermelho estará em cena até dia 13 de abril. De 3 a 13 de abril, Ode Marítima, de Álvaro de Campos, sobe ao palco do Teatro Nacional de São João, com a interpretação de Diogo Infante. Nos dias 4, 5, 11 e 12 de abril Os Idiotas com Aldo Lima, José Pedro Gomes, Jorge Mourato e Ricardo Peres, também estarão no Teatro Sá da Bandeira, um espetáculo a partir da muito conhecida companhia inglesa Idiots of Ants. De 25 de abril a 18 de maio, Noite de Guerra no Museu do Prado sobe ao palco do TNSJ. Em mês de revolução, esta peça traz o coração e celebra a resistência.
No dia 12 de abril A Naifa atua no auditório do Teatro do Campo Alegre. Após o sucesso de Não Se Deitam Comigo Corações Obedientes, a banda portuguesa traz-nos o último álbum (novembro 2013) As Canções d’A Naifa, canções de outros autores que o grupo foi tocando como suas, ao longo dos seus dez anos de existência.
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TV. Looking. Os actores Jonathan Groff, Frankie J. Alvarez e Murray Bartlett interpretam, nesta série de comédia/drama de Michael Lannan, três melhores amigos gay a viver as experiências da rodada São Francisco. No HBO. CINEMA. O Congresso. O israelita Ari Folman traz-nos este filme de animação/ ficção científica que conta a história de Robin Wright, uma actriz afastada do meio que vende a sua imagem para ser usada durante duas décadas, sem quaisquer limitações. Estreado o ano passado em Cannes, conta com as participações de Robin Wright, Paul Giamatti e Harvey Keitel.
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Blu - Soul Amazing (Part 3). Já cá tínhamos deixado um cheirinho: abram alas ao terceiro e último volume de ‘’Soul Amazing’’. O melhor de Blu está aqui.
Biografia Involuntária dos Amantes, de João Tordo. “Numa estrada adormecida da Galiza, dois homens atropelam um javali. A visão do animal morto na estrada levará um deles — Saldaña Paris, um jovem poeta mexicano de olhos azuis inquietos — a puxar o primeiro fio do novelo da sua vida. Instigado pelas confissões desconjuntadas do poeta, o seu companheiro de viagem — um professor universitário divorciado — irá tentar descobrir o que está por trás da persistente melancolia de Saldaña Paris. A viagem de descoberta começa com a leitura de um manuscrito da autoria da ex-mulher do mexicano, Teresa, que morreu há pouco tempo e marcou a vida do poeta como um ferro em brasa. O narrador não poderia adivinhar (porque nunca podemos saber as verdadeiras consequências dos nossos actos) que a leitura desse manuscrito teria o mesmo efeito sobre a sua vida.” In Bertrand online // Tish
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POR ENTRE TODA A FUZINESS QUE SE VEM A GERAR SOBRE OS NOVOS TERMOS-SENSAÇÃO: O ‘ACTING BASIC’ E O ‘NORMCORE’, É PRECISO, ANTES DE MAIS DELONGAS, ESTABELECER QUE ESTES DOIS TERMOS NÃO SÃO SINÓNIMOS. ‘NORMCORE’ BASEIA-SE NA ADAPTIBILIDADE DO INDIVÍDUO, TANTO ESTILISTICAMENTE COMO EM TERMOS DE ATITUDE. OU SEJA, PARA UM CONCERTO DOS ‘ROLLING STONES’ ESCOLHE-SE UMA DETERMINADA INDUMENTÁRIA E INTERIORIZA-SE UM ‘JE NE SAIS QUOI’ DE ROCK ‘N’ ROLL NA PONTA DA LÍNGUA. SE, DEPOIS DISSO, O DESTINO FOR O NOVO RESTAURANTE GOURMET DA CIDADE, A SITUAÇÃO REQUER OUTRO TIPO DE ROUPA E DE COMPORTAMENTO. ‘NORMCORE’ É: UMA POSTURA. ‘NORMCORE’ NÃO É: UMA TENDÊNCIA DE MODA; NÃO SE DEFINE COM TÉNIS BRANCOS E JEANS BÁSICOS. ‘NORMCORE’ É FLEXIBILIDADE, É ADAPTAÇÃO, É PERSONALIDADE, É ‘SER’ MAIS DO QUE ‘TER’, DEFINE A VONTADE DO INDIVÍDUO SE INSERIR EM DIFERENTES COMUNIDADES, EM DIVERSOS AMBIENTES E COM DIVERSAS PESSOAS. ESCREVEM-SE INFINITAS LINHAS, ENCHEM-SE INFINITOS BLOGUES, MAS A CONFUSÃO PERMANECE. COM A EXPANSÃO ULTRARRÁPIDA QUE, HOJE, EXISTE DE INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO, NADA MAIS FARIA SENTIDO DO QUE A VONTADE DE ABRIR OS BRAÇOS E TENTAR TOMAR O MUNDO DA FORMA MAIS RÁPIDA POSSÍVEL: A ADAPTAÇÃO. CAMALEÕES. Ana Meira
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‘Acting basic’ é algo diferente do anterior conceito. ‘Acting basic’ é a arte genial de ser exatamente igual a bilhões de pessoas no mundo. Isto é, o que diferencia atualmente um indivíduo do outro é o seu conteúdo, o seu ser inerente, o seu recheio intelectual e emocional. Por isso, o que existirá de mais desafiador do que alguém que se quer mergulhar, anonimamente, na multidão, mas que se destaca pela sua maneira de agir ou pensar? Na realidade, ambos os conceitos foram adaptados e transportados para a moda. ‘Normcore’ definirá aqueles que se adaptam às situações de forma a estarem esteticamente enquadrados. ‘Acting Basic’ define aqueles que optam por usar o que de mais usual e básico possa existir. É preciso dominar a arte da normalidade, a arte de se afirmar através da normalização. Isto parecerá, talvez, desajustado à realidade em que vivemos. Somos tantos e tão diferentes. Somos tantos e tão sedentos de destaque. A pergunta é: como é que nos tornamos ‘one in a million’? Com tanta informação, com um acesso tão rápido e fácil a tudo o que se passa no mundo inteiro, a capacidade
de nos distinguirmos uns dos outros já não pode passar pela diferenciação através da extravagância. Isto porque já imaginaram quantos ‘extravagantes’ existem? Temos que ser mais e melhor. Temos que ser inteligentes, temos que ser espantosamente interessantes, temos que ser arrojados e astutos. O que nos diferencia é a nossa atitude discreta, sóbria, de nos imiscuir por entre os outros. Sendo assim, a capacidade de ser realmente diferente, realmente cintilante, é mais complexa do que seria de outra forma. Isto porque, é necessária a astúcia estética para sair à rua a vestir o que mais milhões de pessoas vestem, mas de forma brilhantemente coordenada. Para além disto, exige-se que se seja suficientemente interessante para se afirmar pela sua atitude e pelas palavras que nos saem por entre os lábios. Isto é realmente um grande salto, aceitar que a distinção não pode ser feita de forma leviana. Porque somos muitos, somos demasiados. A verdadeira distinção requer muito esforço, bom senso e inteligência. Cada vez é exigido mais de nós, mas não será esta exigência uma mudança positiva? // CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 17
@ EXPONOR 18 // www.IDIOTMAG.com
roulote: MrDheo CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 19
carrinha: Fedor 20 // www.IDIOTMAG.com
skatepark: ASN
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“Las Rides”: MrDheo
God Mess 22 // www.IDIOTMAG.com
workshop de stencil
fingerboards: Yellowood CULTURA E TENDĂŠNCIAS URBANAS // 23
Escolas de danรงa 24 // www.IDIOTMAG.com
Dance Planet Gaia
Eky One CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 25
Esgrima
Zoo Gang 26 // www.IDIOTMAG.com
Skate Park
Multipla Escolha: Escalada e Rapel CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 27
Mariposa Massagens 28 // www.IDIOTMAG.com
Slackline
Tributo a Michael Jackson CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 29
EVERYBODY QUANDO TINHA 13 ANOS, FUI À BIBLIOTECA DA MINHA ESCOLA E REQUISITEI TRÊS LIVROS: 1984, O VELHO E O MAR E A FESTA DE MRS. DALLOWAY. LEMBRO-ME DE NÃO TER GOSTADO DOS DOIS PRIMEIROS, MAS TAMBÉM ME RECORDO DE SENTIR UMA FORTE LIGAÇÃO COM A HEROÍNA DE VIRGINIA WOOLF E OS SEUS PENSAMENTOS MAIS ÍNTIMOS. NÃO ACHO QUE, NAQUELA TENRA ALTURA, NÃO TENHA RETIRADO PRAZER DA LEITURA DE HEMINGWAY OU DE ORWELL POR ACHAR O MEU INTELECTO SUPERIOR AO DELES OU AS SUAS TEMÁTICAS MENORES. OLHANDO PARA TRÁS, E NÃO TENDO SIDO TENTADO A LER NOVAMENTE QUALQUER DOS ROMANCES, NÃO GOSTEI, PORQUE NÃO POSSUÍA MATURIDADE SUFICIENTE PARA OS PERCEBER. NEM VICE VERSA. Tiago Moura 30 // www.IDIOTMAG.com
Existe, talvez mais que nunca, um certo estigma em torno da parcela do mundo literário dedicado ou dirigido aos jovens adultos. A massificação de um sem número de sagas literárias (cf. Harry Potter, O senhor dos anés, Os jogos da fome, Crepúsculo) levou a que o público em geral esquecesse, talvez, a importância do género e o incrivelmente vasto universo de emoções a ele associado. A cotovia de Harper Lee, a estrada do Kerouac, o centeio do Salinger, as obras das irmãs Brontë e da Jane Austen são todos indubitavelmente clássicos da Literatura e a sua in-
fluência nas páginas da nossa memória coletiva é magnífica e todos eles inscrevem-se no mesmo género literário que a saga de J. K. Rowling. Todos estes livros acompanharam gerações atrás de gerações à maioridade, ensinando pela experiência subjetiva do narrador ou da personagem principal o modo como o mundo opera e, ainda hoje, na era do Gif e dos défices de atenção, é mais que fascinante sentir como a estrutura de valores de Jane Eyre e de Emma contrastam ou espelham os nossos sistemas valorativos. Será um exercício impossível negar a magnitude e complexidade das personagens que habitam as páginas destes livros. Nos momentos que se vivem, e talvez fruto do cinismo dos que não se deixam apaixonar pelos mundos criados por Tolkien e Rowling, a literatura para jovens adultos é equiparada aos romances da Margarida Rebelo Pinto, por ser um produto de rápido consumo e fácil acesso. As listas dos livros mais bem sucedidos são lugar comum para obras do género e este pequeno facto é um importante sinal não só das novas artérias que as camadas mais jovens construíram com a Literatura, mas também de como estas narrativas são universais. O fenómeno é tal que conseguimos observar a difusão de algumas fronteiras literárias: se é da natureza de um romance do género ser liderado por uma personagem jovem, como explicamos o sucesso da obra O centenário que fugiu pela janela e desapareceu, de Jonas Jonasson, junto do público mais jovem, e cujo herói é, tal como o título indica, um pouco mais velho que o Harry Potter ou até Holden Caulfield? Se, por outro lado, é o lado da demanda - o bildungsroman CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 31
- que define o género em questão, como distinguimos a demanda de Sal Paradise, pelas estradas americanas, da existência amaldiçoada de Mrs. Dalloway? E, em última instância, é a presença do Fantástico no género que o distingue da Literatura dita adulta, como distinguimos a magia de H.G. Wells dos 100 anos de solidão de Gabriel Garcia Márquez? Um exemplo de obras que nascem, claramente, no universo da literatura para jovens adultos e depois acabam por apelar a uma audiência vasta é o trabalho de John Green. Autor norte-americano, define-se como autor para jovens e defende a importância do género na modelação da mentalidade dos seus leitores. As suas obras publicadas focam, normalmente, personagens adolescentes, ainda na escola ou na universidade, e segue-as numa série de episódios que se por vezes parecem habitar no mesmo universo literário da Margarida Rebelo Pinto, o virar da página é capaz de apresentar um mundo completamente diferente. Conhecido pelas obras A culpa é das estrelas, À procura de Alaska e Cidades de Papel, Green possui uma escrita incrivelmente acessível e pessoal capaz de obrigar o leitor a ler um dos seus livros de uma só vez. Tal como Green, as obras de Matthew Quick e Junot Diaz habitam num planisfério semelhante de tipologia narrativa: A breve e assombrosa vida de Oscar Wao é um maravilhoso livro sobre as diferentes gerações de uma família de emigrantes dominicanos na América, contado no mais insinuante e, por vezes, sensual do tons; Forgive me, Leonard Peacock (ainda sem tradução portuguesa) é um relato por vezes desencorajador da decisão de um jovem em terminar a sua vida. A noção de que existe uma fórmula dentro deste género literário não está incorreta, mas está errado diminuir o seu engenho com esse argumento, uma vez que toda a Literatura está assente em 32 // www.IDIOTMAG.com
estruturas narrativas que são repetidas desde os tempos clássicos. Dado o interesse da indústria cinematográfica em capitalizar no género, hoje em dia, estamos a passar por um período de saturação (compreensível), mas é importante sublinhar que quase todos os títulos que referi foram adaptados ao cinema.
Recentemente, voltei a ler o Mrs. Dalloway. Aconteceu por acaso e foi uma experiência relativamente rápida, mas aconteceu algo que não estava há espera: já não senti tanta simpatia pela heroína. Quando pousei fotografias: o livro mais do que pensar no que haAlan Harvey via lido, comecei a pensar no porquê
de ter achado aquela mulher tão íntima ao eu adolescente. E talvez seja essa a maior beleza da Literatura em geral, e deste género em particular; a capacidade de nos transportar e nos fazer revisitar um momento da nossa história tão vividamente e analisar o caminho que o separa do Presente. // CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 33
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MURAL DA LIONESA, LEÇA FOTOGRAFÍA MARTA CUNHA E MARINA ALVES
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Draw CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 37
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MAR 40 // www.IDIOTMAG.com
Utopia
Miguel Januรกrio CULTURA E TENDร NCIAS URBANAS // 41
JOVEM E BELA
de François Ozon (2013)
Para Isabelle, perder a virgindade é como largar um fardo – despachar uma tarefa e pensamos sobre esta relação com o sexo: afinal ela é uma jovem extraordinariamente bonita a quem propostas podem surgir. Sabíamos que Jovem e Bela era um retrato de uma jovem de 17 anos em quatro estações, mas não sabíamos necessariamente que ela se prostituía. François Ozon, como o título anunciaria, está a filmar a beleza e a juventude no seu esplendor em sincronia com a reflexão da sua perda; de facto, é difícil ficar indiferente ao rosto de Marine Vacth e aos seus olhos profundamente melancólicos, olhos esses que estão em perfeita harmonia com as quatro canções que são escolhidas para este retrato de Isabelle.
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Crítica por:
Ricardo Branco
Salvaguardando belos planos que o filme tem de Isabelle, é um terreno árido este o de Jovem e Bela que se torna impenetrável ao espectador e o deixa a deambular sobre um complexo de édipo muito ténue e quase escondido e perdido na narrativa da longa-metragem. É um filme bonito e com uma estética interessante, mas que peca pela forma como desenvolve a sua personagem e na forma que procura que ela cresça e assimile os acontecimentos: debatendo-a com a morte e com a velhice numa aproximação seca e sem qualquer profundidade. Sempre a melancolia dos seus olhos - que vamos absorvendo ao longo das quatro estações - e no final o acordar, a primavera e o renascer. //
OBEDIÊNCIA
Craig Zobel (2012)
Sandra leva o fardo da noite complicada que se aproxima: é sexta-feira e ela ficou sem bacon devido à negligência de algum dos seus funcionários – gerir um dos restaurantes de uma cadeia alimentar famosa parece algo de complicado e rígido; Becky surge com um telemóvel novo para ocupar o seu lugar numa das caixas – em contraste com Sandra ela é jovem e bonita. A noite aproxima-se complicada, no entanto não devido à falta de mercadoria, mas sim a um devaneio singular. O ecrã anuncia em grandes letras logo nos primeiros segundos da longa-metragem que estamos perante uma história baseada em factos reais e talvez seja isso que nos leva a sentir este filme como perturbador ou, diria até, assustador – contudo a mise-en-scène não
corre tão bem como poderia ter corrido. O elenco é bem selecionado e as prestações de Ann Down e de Dreama Walker são provavelmente o elemento mais funcional e até entusiasta do filme de Craig Zobel - que ainda que se lance sobre uma história inevitavelmente interessante, a concretiza de uma forma insípida. Antes de Obediência, Zobel realizou um documentário e talvez isso se reflicta neste seu novo filme – não num sentido positivo, mas na sensação de estarmos perante uma remontagem televisiva e jornalística instalada no desenrolar dos 90 minutos de longa-metragem que nem deixa espaço para qualquer crescimento de personagem. Obediência era uma boa promessa com elementos que de facto importam: questões pertinentes que se levantam no tratamento desta “partida de telefone”, mas ainda que as tente apontar, nunca as enfrenta de frente deixando-se divagar pelas imagens num filme sem qualquer ponto de vista. //
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REFLEXÕES SEM LÁPIS AZUL
cen·su·ra
substantivo feminino 1. .Ato ou efeito de censurar. 2. Crítica severa, repreensão. 3. Exame oficial de certas obras ou escritos. 4. Corporação a que compete esse exame. 5. Pena eclesiástica que priva os fiéis dos bens espirituais. “censura”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Tenho vinte e cinco anos e a cabeça cheia de ensinamentos sobre o que foi o vinte e cinco de abril. Talvez se o tivesse vivido, todas estas ideias teriam outro corpo, outra verdade, mas para falar/escrever sobre ele apenas me posso basear no que vejo, ouço e leio. E ainda bem que assim é, poder ler o que os outros nos deixaram, conseguir escrever sobre o que me apetecer. Não me consigo pôr na pele daqueles que, durante anos, viveram sob uma ditadura na qual falar verdade era ter uma arma apontada à cabeça. Nestas situ44 // www.IDIOTMAG.com
ações é a cultura o principal refúgio das vozes caladas pela pressão, mas hoje em dia, é esta que se torna cada vez mais sufocada pelos paradigmas da sociedade. Este mês celebram-se os quarenta anos do 25 de abril, revolução que rompeu com a ditadura instalada em Portugal desde os anos 30. Portugal ficou velho, não se renovou, fechou portas à mudança e viveu encarcerado, por quarenta e um anos, na sua própria cabeça. Muitos foram perseguidos, torturados e exilados por terem uma opinião diferente da que imperava no país. Servia, assim, a cultura para desanuviar o espírito e, escrevendo, indiretamente sobre o governo. Muitos dramaturgos e compositores recorriam à figura de algo que pudesse encobrir a sua opinião, a sua luta. Tal como, por exemplo, Natália Correia que, na sua peça D. João e Julieta recorre ao mito do Don Juan para criticar a sociedade machista da época. Este facto é ainda mais notável na sua peça O Homúnculo que, após editada, foi apreendida pela PIDE.
Nesta peça, a autora pretendia atingir o governo português: a ação decorre no palácio do Rei Salarim em Mortocália, subentendendo-se Salazar e Portugal, respetivamente. Os ideais de Deus, Pátria e Família, advogados por Salazar, são também parodiados nesta peça através da figura de um bispo, de um bobo catedrático e um general que se preocupa mais com a terra do que com a guerra. Socorria-se, assim, da base de mitos em que cuja origem estivessem ligações à realidade que circunda o autor. E era a partir destes que o autor criava um novo mito, reescrevia-o, sobre as malhas de uma censura pronta a usar a tonalidade azul do seu lápis. A cultura sufoca, presa por dogmas e, em tempo de crise, a cultura é sempre posta de lado, a última a salvar de um navio que, lentamente, se afunda. É a ela que lhe tiram direitos, a sua voz e palavras, o direito à expressão. Mas o que é um país sem cultura? É um país sem memórias, sem um legado a deixar ficar, sem uma identidade. É necessário preservá-la, lutar por ela, desatar-lhe as mãos, deixá-la gritar e criar, criar, criar. As artes têm o poder de transmitir conhecimento, de unir e desenvolver um país. Falta é que todos vejam isso e não apenas uma pequena faixa da sociedade que aguenta a cultura à tona da água, não a deixando afogar. // Ana Catarina Ramalho CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 45
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texto: Mariana Vaz
A CONFUNDIR AS PESSOAS
“NÃO É TODOS OS DIAS QUE HÁ CROQUETES”. E TAMBÉM NÃO SERÁ TODOS OS DIAS QUE PODEMOS DISFRUTAR DE TEMAS COMO “O QUE ME VALE ÉS TU.”, “SEM PONTA POR ONDE SE LHE PEGUE” , “SOFÁ EFERVESCENTE“ E O MAIS RECENTE HIT “CARA DE CHEWBACCA ”, SE NÃO FOSSE PAULO ZÉ PIMENTA, DE COGNOME PZ.
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Produtor, editor, escritor e cantor autodidacta, são vários os projectos sob a alçada atenta de PZ que desde 2004 se lançou no mundo da música através da sua própria editora, a Meifumado. Após dois álbuns editados, é com a ajuda instrumental do músico Db que, possivelmente despoletando esta ou aquela quezília conjugal pelo país fora, PZ lança a nova sensação musical do youtube “Cara de Chewbacca”. Depois da história de amor entre um homem e os seus “Croquetes”, o autor dá-nos a conhecer o dilema mental de quem vive encurralado entre o corpo perfeito da namorada versus a sua cara “de Chewbacca”. Segundo PZ, a ideia surgiu a partir da capa do álbum de hip hop “Retroactivo”, lançado por Db no Bandcamp, em que a faixa (do mesmo album)“Onde está Gaiolin?” serve de pano de fundo. “Aquilo prendeu-me logo; eram beats instrumentais muito oldschool. A capa desse disco tinha um gajo com uma cara de Chewbacca. Foi aí que tive a ideia para a música. Fiz o refrão, fiz a história, mostrei-lhe e ele gostou.” “O Cara de Chewbacca foi um bocado inspirado no hip hop de Gaia. Até faço um tom de voz um bocadinho diferente. ” A partir daí, de câmara
de filmar em riste, a prima à mão e uma cara de Chewbacca encomendada na Amazon em punho, PZ começa a fazer o clip pelas suas próprias mãos: “...Fiz um teste na varanda de casa, estava a partir-me a rir mas correu bem”. Com quase 300 mil visualizações, o vídeo tem feito sucesso tanto na rádio como na TV , apoiado pela Antena 3 e apresentado em programas como “5 para a meia noite” e “Costeleta de Adão”. Ele marca a primeira parceria entre os dois músicos – Pz e Db Agora a Chewbacca volta a sair à rua em concertos com djing e live act, onde Db e PZ, com Dj Thundercutz no scratch, actuam em conjunto. Segue-se para a dupla o tema “Tu és a minha gaja”, lado B do Max “Cara de Chewbacca”, a sair em vinil. Para quem já conhece “Anticorpos” e “Rude Sofisticado”, os dois últimos trabalhos de PZ , “Cara de Chewbacca” não é mais do que a cereja no topo do croquete. De facto, apesar de explorar diferentes sonoridades ao longo do percurso, PZ, em “Croquetes”, tema incontornável do útimo álbum editado em 2012, foge também um pouco para o ritmo do hip hop. “Gosto do nonsense e de brincar um bocadinho com o género. A música parece um hip hop sério, o beat e tudo... mas depois fala de Croquetes....” “As músicas surgem, muitas vezes, do seguinte modo: primeiro faço o beat e depois começo a improvisar por cima, e surge-me uma palavra. Neste caso disse “croquetes” naquele momento chave e, em vez de descartar a coisa, assumi a história de amor que um gajo tem pelos croquetes.” Fora alguns clips como “Autarquias ” e “Croquetes”, muita da produção vídeo de Pz não pôde contar com o glamour de uma equipa técnica extensa. Mas nem por isso a prata da casa deixa de brilhar. Uma câmara, criatividade e um ou dois takes fazem o truque para ilustrar faixas como “O que me vale és tu”, “Passeio” ou “Mundo”. CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 49
“Muitos vídeos são feitos por mim (...) ...eu a fazer umas danças, umas coreografias, a improvisar... Em “Mundo”, fiz um tutorial de Motion Graphics que metia 3 naves espaciais com o mundo atrás...” Musicalmente, as influências são as mais diversas. Através da Meifumado, editora/ produtora que partilha com o irmão Zé Nando Pimenta, os dois lançam artistas nacionais de vários estilos como Mind da Gap, We trust, Peixe, Small Trio e Expeão, entre outros. “Estive ligado à música mas fui sempre autodidacta, mesmo na Universidade, a tirar Som e Imagem. Foi aí que fiz o PPlectro. Nos tempos livres fazia música sempre.” PPlectro é o seu primeiro projecto a solo com instrumentais puramente electrónicos. Segue-se Paco Hunter, juntamente com o irmão, em que a música country, a funk e os blues se combinam num estilo muito próprio. “Na Meifumado editora, tentamos apesar dos nossos poucos recursos fazer uma coisa a sério.“ É, mais uma vez, pela Meifumado Fonogramas que se prevê para o final de 2004 a saída de um novo álbum de PZ. “Queremos ter uma coisa física para assinalar isto.
Tenho muita sorte em ter duas músicas que já se tornaram algo relevantes... Uma chama-se “Croquetes” e a outra “Cara de Chewbacca”... Isso é perfeito!” Para já, durante todo o mês de Abril, a “Cara de Chewbacca” pode ser avistada um pouco por todo o país, numa série de desconcertantes concertos a não perder. //
05 Abr | 22h | Fnac NorteShopping (showcase) | Porto 11 Abr | 18h | Fnac Sta. Catarina (showcase) | Porto 12 Abr | 24h | Azáfama no Bairro | Lisboa 17 Abr | 23h | Fundão Music Fest | Fundão 18 Abr | 23h | 7ª Arte | Castro Verde 19 Abr | 17h | Fnac Algarve (showcase) | Faro 19 Abr | 22h | Os Artistas | Faro 24 Abr | 23h | O Cenas | Tavira 26 Abr | 17h | Fnac Coimbra (showcase) | Coimbra 26 Abr | 23h | Beat Club | Leiria 29 Abr | 23h | Queima das Fitas | Famalicão facebook/pzpimenta
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CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 51
A Idiot Mag encontrou a Sílvia Silva no Portugal Fashion. O sorriso dela é contagiante e uma das razões pelas quais me chamou a atenção para a fotografar. Tem 20 anos, está a tirar Jornalismo na FLUP e a sua grande paixão é a moda. Esta nossa nova idiota não utiliza grandes cores no seu guarda roupa: o preto é a sua cor de eleição. Não se esqueçam do nome desta menina, pois graças à sua paixão conseguiu que o seu estágio fosse na Vogue Portugal, a revista que todos os amantes da moda conhecem. A Idiot Mag deseja-te um bom trabalho. // Bruno Manso
crónica: Nuno Di Rosso
Eram os últimos dias a que podia chamar casa a um apartamento partilhado na Gonçalo Cristovão. O edifício, que outrora tinha sido esplendoroso, recheado de famílias de bem - daquelas munidas de criadas internas, a julgar pelo pequeno quarto com banho ao lado da cozinha - estava hoje decrépito. Parte desse sentimento aristocrático ainda existia nas pessoas que o habitavam. Tal como na nobreza em tempos republicanos, o importante é manter as aparências. Proibia-se estender roupa lavada nas varandas da fachada principal, mas os ladrilhos que revestem as paredes caíam diariamente nas cabeças de quem lá passava em baixo. Raios, até o noutros tempos fulgurante Big Bem funcionava já intermitentemente nesses dias, e hoje está fechado. Como gosto de andar a pé, e o supermercado mais perto me obrigava a visitas quase diárias à Praça da República, fui vendo a construção de um pequeno restaurante chinês que me despertou
a curiosidade, talvez pela decoração quase nula, o que não é costume num chinês (quase como se não precisasse de chamariz para os clientes), ou talvez pela localização, que era das piores que poderia imaginar. Lembro-me de dizer à minha namorada: - Baby, isto deve ser bom, parece-me que é dos verdadeiros. Ao que ela me respondeu: - Estás doido, aqui neste sítio um restaurante chinês bom? Não, não tem bom aspecto. A coisa ficou assim e as saudades de comer boa comida chinesa foram aumentando. Reportagens na televisão e algumas dicas anónimas levaram-me a buscas infrutíferas na Chinatown do Norte, em Vila do Conde. Procurava o restaurante chinês dos chineses, o sítio onde a comunidade vai comer. Tinha que existir, tem que existir... nunca encontrei. Foi então que, numa das minhas visitas a Lisboa, me falaram de um restaurante chinês do qual já tinha ouvido falar, CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 53
ou lido em algum lugar qualquer coisa. Era cantonês típico - cozinha de Cantão ou Guangzhou, cidade que se orgulha de receber desde tempos ancestrais os imperadores chineses, que lá iam de propósito para se deliciarem com as iguarias locais -, era o chinês dos chineses, o céu na terra para quem gosta disto. Lá fui experimentar e superou as minhas expectativas. A comida era deliciosa e fresca, nada de coisas preparadas industrialmente, era autêntica. Aqui não suavizam a coisa de forma a ficar mais amigável para o palato europeu. Há mesmo muitos sabores e texturas que se podem estranhar, mas parte do encanto é esse, ir descobrindo o que se gosta, ou não, através de uma viagem gastronómica pela longa lista. Dos dim-sums (tapas em versão cantonesa) aos pratos principais, onde destaco a utilização de marisco fresco, entre os quais lagosta e sapateira que se podem escolher num tanque, é tudo muito, mas mesmo muito bom. Sim, os empregados, que são quase todos mulheres, são pouco simpáticos (e estou eu a ser simpático) falam pouco português, não trocam os pratos - é normal na China - e normalmente só passam cartão aos clientes chineses, muitos deles pertencentes decerto a tríades. Já lá vi homens que têm aquela cara de quem já matou gente, mas não é só por uma sensação no meu âmago que refiro isso. Chegam com as mulheres e filhos em grandes grupos, elas vão para a sala de baixo com os miúdos e eles ficam cá em cima, a beber Cartuxa tinto e a falar de negócios. Mas isso não me importa, quando vou a um restaurante quero é que a comida seja boa e que o serviço seja minimamente eficiente, e aqui é. E durante algum tempo, quase sempre que ia a Lisboa, obrigava-me a fazer uma visita (não é que me custasse) ao dito Palácio, numa atitude quase provinciana. Aquele pensamento que entristece visitava-me a cabeça: não há disto no Porto... 54 // www.IDIOTMAG.com
Pois foi quando me mudei novamente para a Baixa, passeando pela Gonçalo Cristovão a caminho de qualquer recado, que passei pelo tal restaurante chinês. Olho para a montra e leio, Grande Palácio Hong Kong, e até a imagem que está colada no vidro é igual à do Grande Palácio em Lisboa. Toca a investigar, para chegar à conclusão que pertence aos mesmos donos, e uma rápida surfada na web trouxe-me certezas. Apesar da lista ser menos extensa, tem lá muito por onde escolher. Do arroz glutinoso enrolado em folhas às línguas de pato, dos crepes vietnamitas às patas de galinha, dos raviolis de tudo e mais alguma coisa às vieiras na concha, os dim-sums estão muito bem representados e são obrigatórios, tal como as sopas que são imperdíveis.
Aliás, aconselho a que se provem vários dim-sums e se peça apenas um prato principal por cada duas pessoas, para se poder degustar mais iguarias. Nos pratos principais, destaco o cantaril com vegetais, as lulas de qualquer maneira, o pato, que convém ser desfrutado pelo menos por quatro tal é a quantidade exorbitante de comida, e um prato que adoro, vaca com molho de feijão preto picante. Sobremesas nunca comi, fico completamente satisfeito antes de lá chegar. Para quem gosta de comida cantonesa, ou para quem a quer descobrir, recomendo vivamente. Não é decerto o restaurante chinês mais elegante, requintado ou vistoso, mas é pragmático. Da comida ao serviço, até à localização, que primeiro pensei ser péssima, mas
que vejo agora tem grande sentido lógico - há sempre lugar para estacionar o carro bem perto - é tudo simples e eficiente à boa moda chinesa, mas neste caso bom. Pelo preço, que rondará os 18/20€ por pessoa, verificamos que não estamos num restaurante tipo loja do chinoca. Agora pensem quão estúpido me senti, por não ter ido experimentar mais cedo. Normalmente os nossos primeiros instintos são os mais correctos, e vou ter isso em mente no futuro. Foram três anos perdidos, órfão de boa comida chinesa só por ser idiota, no sentido pejorativo, por pensar que não encontraria disto no Porto. Bem feito! // http://www.restaurante-chines.com/ CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 55
DIELMAR
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O TEMA DA 34º EDIÇÃO DO PORTUGAL FASHION FOI “ORGANIC”. ESTE CONCEITO QUIS CELEBRAR A MODA COMO UM ORGANISMO VIVO. TEVE LUGAR NO EDIFÍCIO DA ALFÂNDEGA DO PORTO, ENTRE 27 E 29 DE MARÇO. DURANTE ESTES DIAS DE DESFILES 22 CRIADORES E 17 MARCAS, 11 DE PRONTO-A-VESTIR E 6 DE CALÇADO, APRESENTARAM AS SUAS COLECÇÕES. VIMOS QUE OS CRIADORES COMO DIELMAR E CARLOS GIL SE RENDERAM AO USO DE MULTIMÉDIA, USANDO VÍDEOS PARA A APRESENTAÇÃO DAS SUAS COLECÇÕES. A ILUSÃO DO LUÍS BUCHINHO, PEANUTS PLAYED DA KATY XIOMARA, VALSA DOS PÁSSAROS DO CARLOS GIL FORAM, ENTRE MUITOS OUTROS TEMAS, O QUE OS NOSSOS DESIGNERS NACIONAIS USARAM PARA SE INSPIRAR PARA ESTA EDIÇÃO. FIQUEM COM ALGUMAS IMAGENS DAS PROPOSTAS DOS CRIADORES PARA O INVERNO 14/15. // Bruno Manso
CARLOS GIL
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KATTY XIOMARA
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SHOES
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VICRI
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LUIS BUCHINHO
SUSANA BETTENCOURT
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God Mess @ Idiot Week, Exponor
REGGAE & SOUL. AS ORIGENS DO
ABRIL É O MÊS DA LIBERDADE, MAS É TAMBÉM O MÊS EM QUE INEVITAVELMENTE SE FALA DE FASCISMO, DITADURA, POLÍTICA, OPRESSÃO E PRECONCEITO, TEMAS IGUALMENTE TRADICIONAIS QUANDO SE FALA EM SKINHEADS. MAS ESPANTE-SE QUEM PENSA QUE NÃO É POSSÍVEL FALAR DESTA CULTURA SEM ELES. COM A AJUDA DE UM INSIDER ENTRAMOS NO MUNDO SKINHEAD DE 1969 PELA PORTA DO STAFF PARA DESCOBRIR QUE POR VEZES O QUE ACABA MAL COMEÇA BEM. Mariana Vaz 64 // www.IDIOTMAG.com
Em Portugal, estar em minoria, nunca foi fator relevante para os grupos de Skinheads no que toca a dar nas vistas do olho público. Atos de vandalismo, violência, xenofobia e abuso verbal pontuados com um “je ne sais quois” de neo nazismo, são os clássicos com que regularmente os média se regozijam. Mas de todos eles, a questão racial continua a bater recordes de popularidade ao contrário, marcando a ferro em brasa a palavra Skinhead com o estigma do racismo. Contudo, nem sempre foi assim. Apesar da má publicidade, ainda hoje ser Skinhead não implica andar de suástica ao peito a partir vidros de mesquitas, nem tão pouco tem de traduzir uma posição política. Rafael Antunes ex-Skinhead no Brasil e agora residente em Portugal, fala na primeira pessoa do singular e do plural de como é viver na comunidade Skinhead no espírito de 1969. “A filosofia skinhead no auge de 69 não era mais do que jovens normais, não havia alterações de política, era sair, beber uns copos e escutar música jamaicana. Mesmo curtir a vida... nada mais do que isso sem ideologias políticas.” Rafael faz parte do “OI!” um movimento Skinhead revivalista, que ressuscita os valores iniciais da sua génese. Completamente apolítico e centrado na música é adotado por skinheads de direita, de esquerda, negros e brancos assim como por pessoas “normais”, fora da comunidade e esforça-se por trazer de novo o verdadeiro espírito de rua. “Oi!” surge numa cena tipo “estamos aqui” - “Oi Oi!” . Na Inglaterra ainda se ouve “Oi Oi!” tipo “estamos aqui, estou aqui para fazer a mudança”. O preconceito é uma faca de dois gumes e a mudança para Portugal fez com que apesar de continuar a ouvir bandas emblemáticas do “OI” como “Cockney Rejects” (que deram o nome ao movimento), Sham 69 e “4 Skins”, Rafael, tivesse de abandonar o visual Skin. “Cá em Portugal o pessoal leva para essa cena do neonazismo, então era complicado... Andar com uma t-shirt escrita com “skinhead” era a sociedade toda a questionar, amigos meus homossexuais “Então? Vai bater na gente?”, e aí eu tinha de explicar...” Na verdade, é difícil encontrar uma subcultura urbana mais fragmentada e atribulada ao longo dos anos. A palavra Skinhead aparece
pela primeira em 1969 para definir os bandos de jovens dos bairros ingleses de classe operária e desde então, ela utilizada livremente para definir novas subculturas como a palavra “coisos” para identificar “coisas.” O movimento Skinhead original nasce a partir de duas culturas distintas. A cultura “Mod” e os “Rude Boys”, comunidade de jovens negros jamaicanos emigrados em Inglaterra nos inícios da década de 60 quando a Jamaica deixa de ser colónia britânica. Finais dos anos 50 e inícios de 60 os “Mods” reinam na cena social. Grupos de jovens de classe média reúnem-se em torno de bares, pubs, cafés... qualquer sítio onde possam exercer a arte de amena cavaqueira ao “louco” som da música moderna (Mod), Jazz, Soul e Reggae. Sempre atentos à aparência, bem embrulhados em justos fatos italianos, último grito de um abundante comércio têxtil, veneram filmes de gangsters, mafiosos, histórias de crime organizado e a boa vida praticando o se poderia apelidar como um proto-ganguismo janota. A moda pega rapidamente a todos os estratos sociais e às camadas operárias mais que ninguém. Num estilo mais casual/agressivo mas não menos cuidado aparecem os Hard Mods. Uma espécie de Mods todo-o-terreno, com uma visão intensa da coisa. Blazer dá lugar à camisa, as calças de fato às de ganga e o cabelo é cortado curto. A comunidade cresce fechada no espírito da contracultura por oposição ao domínio da letargia psicadelista “Peace & Love”. É sem sair do bairro que os Mods encontram os seus parceiros mais improváveis. A cultura jamaicana bate-lhes convenientemente às portas através dos “Rude Boys”. Esta comunidade de jovens negros vinda diretamente das ruas de Kingston, personifica melhor que ninguém a verdadeira vida de rua, com a vantagem de trazer consigo um exótico e peculiar estilo musical e sentido de moda: Calça acima do tornozelo, sapato bem engraxado, manga acima do pulso, chapéu de feltro e óculos escuros. Com um espírito reivindicativo e negócios duvidosos, vivem num regabofe musical espalhando pela Inglaterra dos anos 60 o mais puro e inalterado Reggae e Ska. O movimento Skinhead brota desta mistela cultural, Rude Boys e Mods veem na música CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 65
e festa a desculpa perfeita para a consumação dos seus interesses comuns e daí grupos exclusivamente brancos, e exclusivamente negros fundem-se numa imagem cada vez mais “axadrezada” da juventude inglesa. Levi’s 501 justas e desbotadas subidas até à cintura por finos suspensórios, camisa axadrezada, botas Dr Martens (um ou dois números acima, para maior efeito dramático), lenço de seda no bolso e chapéu de feltro por cima de um corte de cabelo curto (não menos de máquina 2) que deixa transparecer o couro cabeludo (daí o Skinhead). Este ex-libris capilar junta o útil ao agradável, mais limpo, prático e agressivo, é o mais diametralmente oposto ao desgoverno cabeludo da comunidade hippie. A violência aparece à medida que a música perde o papel preponderante no movimento e é substituída por outras questões mais inflamatórias como o futebol e a política.
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A partir de 1970 os skinheads mais antigos começam a dissociar-se do movimento não querendo ser associados com o tipo de atitudes dos novos recrutas. A cultura original começa a morrer subdividindo-se noutras mais ligadas à política e agitação social. Já quase moribundos, os partidos de extrema direita como o National Front e o British Movement veem aqui uma excelente oportunidade de cativar jovens seguidores. Não só protegem o comportamento que o resto do mundo reprova como instituem o método estalada e pontapé como forma ideal de demonstrar patriotismo. É feita uma forte ação de propaganda através de bandas, festivais e outros eventos junto das faixas etárias mais jovens utilizando a música como veículo principal. O look skinhead fica cada vez mais ligado ao fascismo a partir da altura em que em vez de serem os skins a aderir virar à direita são os fascistas que se tornam skins. “Claro que o nazismo nunca fez parte do skinhead, então para mim era indiferente... Os primeiros skinheads com quem eu tive contato eram rotulados como anti-fascistas. Mas nunca cheguei a participar nessa cena porque eu acho que skinhead e política não combina... para mim, o fascismo ou anti-fascismo já é política e política gera confusão... é uma bola de neve gigantesca.” ... vejo anarquia do Punk e o nazismo dentro do Skinhead como uma forma de chocar a sociedade. De punks anarquistas chamarem a atenção e uns levarem a sério esse anarquismo. Mesmo o nazi dos skinheads uns levarem a sério o nazismo e outros levarem apenas para uma forma de chocar...” A partir de 1978 a queda do Punk traz uma
nova apreciação pelos Skinheads de 69 salientando as suas origens inter-raciais . Surge o 2 tone (ska e punk rock) cuja cromática rivaliza com qualquer livro de palavras cruzadas. Branco e preto. Colarinho apertado nas pontas, óculos escuros, sapato preto e meia branca numa dicotomia simbólica entre tons raciais e tons musicais. A mais recente onda Skinhead está, no entanto ligada ao Oi!. Apesar de teoricamente apolítico, o movimento vê-se forçado a tomar uma direção anti-fascista para compensar a irresistível tendência dominante em colar Skinhead a tudo o que à extrema direita diz respeito. Movimentos como os RAR (Rock Against Racism), o SHARP (Skinheads Against Racial Prejudice) e o RASH (Red and Anarchist Skinheads) assim como bandas Redskins, nome para Skinheads com ideais de esquerda, foram fundados durante os anos 80 para combater esta visão unilateral. “Há os dois lados e há quem se mantenha fora da política com o mesmo estilo de som do Oi! e há quem se mantenha totalmente na cultura de 69 na cultura do Reggae, do Ska e do Rocksteady.” Apesar dos esforços o resultado hoje é um movimento subdividido em que se torna cada vez mais difícil obter uma posição neutra. A questão racial é só o começo, em locais como o Brasil onde a mistura é a norma o movimento Skinhead ainda é sinónimo de fascismo, droga e delinquência sendo cada vez mais difícil retornar ao ponto 0 onde o mais importante era a música e a liberdade das ruas. //
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ESTE MÊS CELEBRAMOS QUARENTA ANOS DA REVOLUÇÃO DE ABRIL. PARA texto: Carolina Hardcandy
AQUELES QUE NASCERAM NUM PAÍS DEMOCRÁTICO, PORTUGAL SALAZARISTA ASSEMELHA-SE A UMA DISTOPIA, UMA ESPÉCIE DE CAUTIONARY TALE QUE TRAZEMOS CONNOSCO E QUE SERVE PARA LEMBRAR-NOS QUE, POR MUITO MAL QUE ESTEJAMOS, TUDO PODERIA SER PIOR. CRESCEMOS A OUVIR HISTÓRIAS DO ESTADO NOVO COMO SE FOSSEM ESTÓRIAS DE TERROR SOBRE UM MONSTRO LENDÁRIO QUE DEVASTOU A NOSSA TERRA HÁ MUITOS, MUITOS ANOS ATRÁS.
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Quando eu nasci, Portugal contava apenas quinze anos de democracia e esta ideia é como um anacronismo; Salazar, PIDE e censura sempre me pareceram figuras empoeiradas, antiquíssimas, fechadas eternamente no museu dos horrores. A verdade é que, depois de quarenta e um anos de ditadura, passaram apenas quarenta de liberdade e que esse tempo foi suficiente para raspar o mofo que crescia à superfície do nosso país, mas uma data como esta surge como um convite para olharmos para trás e tentarmos perceber de que modo, e a que ritmo, foi sendo construída a realidade que hoje conhecemos. Até ao ano de 1974, os portugueses viviam subjugados pelo pulso de aço do regime que controlava todos os aspetos das suas vidas. Segundo uma lógica de “o privado é público”, os comportamentos dos indivíduos eram objeto de escrutínio rigoroso e constante, nomeadamente naquilo que diz respeito à sexualidade. Alicerçada nos valores de “Deus, Pátria e Família”, a moral ditatorial tinha no casamento um dos seus maiores pilares. Homens e mulheres eram criados com o objetivo último de casar (numa cerimónia católica, ob-
viamente) e procriar. Da mulher esperava-se que conservasse a virgindade até à noite de núpcias e que tratasse dos afazeres do lar e da educação dos filhos. O homem, para quem sempre havia uma maior permissividade, poderia ter as suas experiências extraconjugais, contanto que encontrasse uma mulher “pura” e constituísse família, devendo trabalhar para sustentá-la. Estes papéis estavam estabelecidos, não só pelos discursos de poder e pela Igreja Católica, mas também pelas vias legais. Embora o Estado Novo tenha apertado as medidas de vigilância em nome “da moral e dos bons costumes”, já antes deste período todos aqueles que, por alguma razão, não se enquadravam nos modelos de comportamento tidos como “saudáveis” ou “aceitáveis” eram marginalizados e punidos. A 20 de Julho de 1912 é promulgada a lei da mendicidade que ditava que os cidadãos com mais de 16 anos que não tivessem meios de subsistência ou não exercessem habitualmente uma profissão poderiam ser julgados e punidos como vadios. O artigo 3º da mesma lei referia que “aquele que se entregar à prática de vícios contra a natureza” também deveria ser condenado a penas
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de prisão correcional com durações de um mês a um ano. Deste modo, o conceito de vadiagem alargou-se, acabando por rotular todos aqueles que viviam fora dos padrões de normalidade estabelecidos até à data e que, por isso, pareciam ameaçar um “país de brandos costumes” que se pautava pela formatação dos seus cidadãos em pequenas máquinas de trabalho e procriação. Vadios eram então todos os que viviam à margem e que representavam, portanto, um risco de “perigosidade social” ou de “contaminação moral”: era neste grupo que se encontravam os homossexuais. Com a chegada do Estado Novo são reforçados todos os esforços legais para neutralizar o poder subversivo dos “marginais”. Era preciso persegui-los, puni-los, silenciá-los e, sobretudo, condená-los à não-existência, fazê-los desaparecer. É com esse intuito que são criados os albergues e os campos de trabalho para onde eram enviadas as “ovelhas tresmalhadas” que eram apanhadas a “fugir do
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rebanho”, para que fossem isoladas do resto da população e não contaminassem ninguém com a sua “imoralidade”. A homossexualidade era o segredo que todos conheciam mas sobre o qual ninguém falava, a não ser nos discursos médicos e psiquiátricos que a encaravam como uma patologia, um desvio que deveria ser reprimido e/ou tratado para que não se propagasse. Em 1954, com a revisão do código penal, a homossexualidade passa a ser referida isoladamente, ainda que não de modo explícito: os artigos 70º e 71º proferem condenações que vão desde a liberdade vigiada ao internamento em mani-
cómio criminal para “aqueles que se entreguem habitualmente à prática de vícios contra a natureza”. Nesta realidade repressiva e inquisitória, os homossexuais viviam um clima de clandestinidade e perigo constantes, sendo a sua sexualidade relegada para os campos do secretismo e da criminalidade. Os riscos de denúncia e prisão eram imensos, mesmo nos locais supostamente seguros para os encontros, sobretudo devido aos “arrebentas”, indivíduos que os frequentavam para poderem chantagear quem lá estava, ameaçando entregá-los à polícia ou expô-los junto da família e dos colegas de trabalho caso não pagassem uma determinada quantia. E se a marginalização não começa com o Estado Novo, também não termina com a sua queda. O 25 de Abril que hoje celebramos não foi como um passe de
mág i c a que veio libertar Portugal de todos os seus interditos e estigmas. Finalmente em democracia, os portugueses não estavam ainda livres de uma mentalidade repressora que implicava a perseguição daquilo que não se conhecia ou compreendia: foram tempos de contradições, de mudanças aceleradas e continuidades teimosas. A revolução de 74 trouxe uma maior liberdade de pensamento e expressão, permitindo que se debatessem assuntos até então tidos como tabus, mas ignorou a luta pelos direitos das minorias sexuais, reproduzindo e perpetuando uma mentalidade profundamente homofóbica. Quando, em Maio de 1974, o Movimento de Acção dos Homossexuais Revolucionários publica o seu manifesto no Diário de Lisboa, rapidamente surge uma resposta agressiva e ameaçadora por parte de um dos membros do órgão máximo da revolução política em curso, o Almirante Galvão de Melo, que aparece na televisão para assegurar a moral e os bons costumes da sociedade portuguesa, afirmando que a revolução não tinha sido feita para as prostitutas e para os homossexuais. Assim, a homossexualidade foi descri-
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fotografia: Henri Bureau 72 // www.IDIOTMAG.com
minalizada apenas em 1982. Ultrapassada essa barreira que parecia outrora intransponível, a sociedade e as leis portuguesas começaram a caminhar, muito lentamente, no sentido da igualdade. Em 2001 é reconhecida a união de fato para casais homossexuais e só três anos depois é incluída a orientação sexual no artigo 13º da Constituição Portuguesa, o “Princípio da Igualdade”. Quando, em 2010, é aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, estas passam a ter os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais, com a exceção da adoção. Este ano, em 2014, quatro décadas depois do 25 de Abril, assistimos ao chumbo da lei da coadoção que iria possibilitar que as famílias homoparentais vissem os seus direitos reconhecidos. Não era, de forma alguma, a igualdade, mas era mais um passo nesta escadaria que temos subido com muito esforço e muito demoradamente. Olhando para trás e regressando, depois, aos dias que correm, verificamos que muito mudou, mas muito está ainda por mudar. Se, como escreveu Ary dos Santos, “agora ninguém mais cerra/ as portas que Abril abriu!”, pergunto-me quantos mais meses de Abril serão necessários para abrir as portas que faltam. //
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GALERIA DE STREET ART DE CEDOFEITA BY:
Em exposição: Hazul | Fedor | Mots | Alma | Go Mes | Virus | Mr.Dheo | Youth One | Eime | Draw | Maniaks | Third | Laro Lagosta | Eky One
Galeria Street Art Cedofeita by Idiot Mag “Uma mostra permanente de arte urbana com alguns dos melhores criadores nacionais” in Time Out fev.14
http://www.youtube.com/watch?v=cZBS-OYcztw VÊ O VÍDEO AQUI:
RUA DE CEDOFEITA 455, PORTO DAS 10H ÀS 22H 74 // www.IDIOTMAG.com
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Aline Fournier
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Kyle Cassel
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Sylvie Bourban Jazz Vocalist Coney Island, Brooklyn http://www.sylviebourban.com/ CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 77
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Laure Perret Singer - Songwriter Wallis, Switzerland http://mx3.ch/artist/LaurePerret
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Kaleidoscope Sound Union City, New Jersey
Anne-Catherine Berrut Violinist - Performer Kensington, London https://www.facebook.com/annecatherine.berrut 80 // www.IDIOTMAG.com
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O VELHINHO É QUE SABE! Por Rui de Noronha Ozorio
HOJE DEITO-ME, ADORMEÇO UM POUCO PESSIMISTA. POR ALGUM MOTIVO, PERDIDO NA MEMÓRIA, SENTI QUE A FELICIDADE ESTÁ EM RISCO. A EVOLUÇÃO DA NOSSA ESPÉCIE, PARECE, ATIROU-NOS PARA UMA CÂMARA DE GÁS QUE LIBERTA GASES TÓXICOS DE INVEJA E FRUSTRAÇÕES.
Os verbos foram trocados à nascença e quando dizes ser, na verdade pensas ter. Que posse é esta que cega e nos engana com a naturalidade do correr das horas? Temos a vida a prazo e o cronómetro ligado com suficiente bateria para, todos os dias, deixarmos de ser mais um pouco e termos um pouco mais. Nada mais fácil e aliciante que viver a ilusão de possuir tudo! A felicidade, hoje, está na medida certa do que alcanças… e quanto mais tens, mais haverá para teres. É uma bola de neve que enlouquece enquanto cresce! Já não pode haver sorrisos, já não se suporta a felicidade de ser! Quando encontramos alguém que rompe com a 82 // www.IDIOTMAG.com
regra de ter, numa sexual relação com o sorriso e o vento, percebemos de forma cruel e dura o engano em que vivemos, em que Temos as nossas vidas. Ensinaram-nos a ter objectivos de percurso que criassem metas longas e cumpridas! Sim cumpridas! E tudo o que temos de cumprir se resume a ter mais que o vizinho, que deixou de o ser, e se transformou num concorrente de um jogo de fome qualquer, disputado dentro e fora de casa. Tudo o que nos injectam, qual disco, se limita a puerilidades como ter um bom trabalho, uma gorda e burguesa carteira e muitos filhos a quem passar a chama olímpica do capitalismo envenenado.
Todos os dias somos mais individualistas, mais corruptos connosco, mais de muito menos do que já fomos, tão só porque hoje temos. E amanhã, se não tivermos? Sobra-nos o quê? Sobra a fotografia a preto e branco que nunca ganhará cor, a polaróide de termos sido! Na realidade, o que fazemos é eliminar a nossa existência, porque só um vencerá! E quando vencer, olharei ao espelho e verei uma carcaça, olharei à minha volta e estarei sozinho, orgulhosamente só! Terá valido a pena? O que daria, no fim da vida, por aquele olhar que encontro nas fotografias antigas e
que não o reconheço por entre as presentes rugas da mentira! A evolução é isto! A eliminação do Nós das gramáticas do mundo inteiro! Desde que, supostamente, começámos a evoluir que tentamos forçosamente assassinar as nossas capacidades. Hoje escrevo num computador que não me permite desenhar as letras nem criar uma relação de toque com o papel; hoje utilizamos as auto-estradas para encurtar o caminho, perdendo assim todas as fotografias de beleza natural pintadas na terra e no céu; hoje as máquinas não servem o homem, mas o substituem com a subtileza dos criminosos discretamente mais requintados; hoje as crianças engordam em frente a um ecrã e morrem todas as noites mais um pouco! Eis a evolução! Viva a Evolução! A plateia não aplaude! Todos querem morrer mais cedo, porque só assim se sentem vivos… são os mortos vivos deste reino que pretende chegar ao fim! Parabéns… estão a conseguir! De facto, somos tudo o que temos e temos tudo, menos o que importa – A Felicidade de Sermos! Sabem? Sempre acreditei que o velhinho da aldeia, que de noite fala com as estrelas, é que tinha razão… e olha, o Velhinho é que sabe! // CULTURA E TENDÊNCIAS URBANAS // 83
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INAUGURAÇÃO 26 DE ABRIL: C.C.BOMBARDA, PORTO WWW.IDIOTMAG.COM
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UM GUIA DE UM JOVEM FRACASSO PARA SE TORNAR NUM ADULTO EXCELENTE
a) pedir auxílio aos outros utentes daquele espaço; uma dessas pessoas podia ser do meu departamento e seria o fim da minha jovem carreira; b) procurar por uma réstia de papel limpa no rolo ou no caixote do lixo; não; Crónica: Tiago Moura c) limpar à mão e correr para o lavatório; novamente, não (mas entendam isto como uma metáfora para o modo como somos capazes de questionar os nossos limites em situações extremas); CH-CH-CH-CH-CHANGES: Hoje em dia, todos os d) esperar pela funcionário e pedir-lhe a ela papel; momentos pedem que tome alguma decisão aparen- isso poderia demorar horas e eu tinha de trabalhar; temente importante e, não fosse a minha profunda lealdade à preguiça que habita dentro do meu ab- A solução? Esperei que não houvesse movimento dómen, eu seria, muito provavelmente, uma pessoa no resto da casa de banho e, após assegurar-me que completamente diferente do jovem traste que sou. era aquilo que queria mesmo fazer, abri a porta e, de Não só aqui no trabalho, mas em casa ou na cama calças pelos tornozelos, cambaleei para o cubículo se(sentido literal e não referencial), a minha cabeça vive guinte o mais rapidamente possível. Foram os 5 seconstantemente em dilemas, aparentemente enor- gundos mais embaraçosos da minha vida e isto vem mes, que me castram o sentimento de estar presente. de alguém que já foi apanhado na cama - agora sim, A minha cabeça, às vezes, parece o Instagram e eu sentido referencial - por um senhor muito feliz com o estou constantemente a escolher por que filtro quero que viu e que, seguindo a Lei de Talião, deveria ficar sem uma mão (se é que me percebem wink wink). A seguir e a única certeza que tenho é sem moldura. Mas agora vejo-me frente à maior decisão que algu- hipótese de alguém entrar naquele momento e ver ma vez tive de tomar. Todas as perguntas de Geogra- a candura das minhas fêveras a passear por aquela fia que errei por falta de interesse, porque sejamos casa de banho foi suficiente para deixar cicatrizes 100% honestos: quando é que o ser humano comum emocionais que durarão uma vida, muito certamente. necessita de aplicar os seus conhecimentos sobre os A moral e a razão desta partilha extremamente diferentes tipos de ventos sazonais?, e entrevistas de pessoal? Recuperado daquele imbróglio, olhei para grupo para um trabalho medíocre para pagar as propi- o Cubículo do Inferno, ao sair, só para reparar que nas e as minhas coisitas, como diz a minha Mãe - tudo em cima da sanita estava um rolo de papel higiéniisso conduziu-me a este momento: aqui estou eu, 25 co... Ou seja, vai sempre haver aquele momento em anos, na casa de banho (muito pública, I might add) do que, depois de termos feito figura de palhaço para chegarmos ao nosso destino, voltamos atrás e repameu local de trabalho e não há papel higiénico. Riam-se, claro, até porque agora também sou capaz ramos que a resposta, mais simples e óbvia, esteve de o fazer, mas quem passou pela mesma experiên- sempre ali, por isso mais vale retirar algum conforto cia compreenderá a minha procura interior por uma luz que o resultado final foi o mesmo. Não interessa se estamos a decidir perseguir um romance falhado divina que, como seria de esperar, não chegou. Após o sentimento de ironia cair e as minhas gar- ou desistir de tentar mais uma vez ou se estamos galhadas abafadas cessarem, comecei a percorrer indecisos entre aguentar até ao fim do estágio ou ferozmente os diferentes filtros que possuía, em emigrar neste instante ou se compramos um iPhobusca de uma solução rápida para o que estava a ne ou guardamos o dinheiro para um dia de chuva. acontecer, mas esse exercício acabou rapidamente, Todas as decisões são importantes, principalmente porque nenhuma opção facilita a situação tragicó- agora, que estou a uns meros meses de deixar de mica de eu estar preso num cubículo de uma casa pertencer à elite dos que residem alegremente no de banho cheia de gente, no meio do meu horário primeiro quarto de um século de idade. A pressão de dar o próximo passo certo é tal que a resde trabalho, sem papel! Mesmo assim, e por motivos alheios à sensatez co- posta a estas dúvidas, por muito óbvia que seja, evademum, passo a enumerar algumas das soluções que -me, no meio de tantos filtros e cenários possíveis, isto eliminei mentalmente e as respetivas justificações porque mesmo sabendo que não gosto de molduras, continuam a existir imensas possibilidades! // para as não ter escolhido:
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