REVISTA DE EDUCAÇÃO DA ESE DE FAFE
VARIA 003 00
colar não é uma fatalidade e as “O insucesso escolar
003
crianças não estão destinadas a ser boas boa ou más alunas, tudo depende do funcionamento da escola e da sua interação com o meio social e as características da própria criança.”
VARIA
A Problemática do Insucesso Escolar. Revisitar algumas questões.
Victor Sil
003
VARIA
Revista de Educação da ESE de Fafe Número 3 ISSN 2182-2964 2015-2016 Janeiro Direção Dulce Noronha
Coordenação m
José Carlos Meneses
275 – Varia
A Problemática do Insucesso Escolar. Revisitar algumas questões.
Victor Sil
276 – Varia
Há hoje, sem dúvida, muitas e diferentes razões para estudar o insucesso escolar, o qual merece também
ser
analisado
e
perspetivado em virtude da sua importância social crescente. Numa
primeira
abordagem
o
insucesso escolar apresenta-se-nos
Resumo
como um conceito teórico evidente e facilmente objetivado como sendo uma situação em que não se atingiu um
objetivo
educativo
(De
Landsheere, 1992) em que “cada criança é considerada boa ou má aluna em função dos resultados obtidos e dos progressos efetuados no cumprimento dos programas de ensino” (Benavente, 1976, p. 9). Neste sentido, a apresentação de resultados e de valores percentuais e/ou
globais
de
alguns
indicadores visíveis
dos
do fracasso
escolar dos alunos, caracterizados por
reprovações,
abandonos,
repetências, atrasos, dificuldades de aprendizagem, insucessos (Benavente,
retenções,
nos
exames,
1976;
etc.
Fernandes,
1985; EURYDICE, 1995, Sil 2004) traduz inúmeras vezes a forma mais vulgar de utilização da expressão “insucesso escolar”.
277 – Varia
Porém, o termo insucesso escolar é claramente
mais
representativo realidades
abrangente de
e
e
diferentes
de
diferentes
perceções, conforme seja utilizado pelos alunos, pelos pais ou pelos professores (Montagner, 1998, Sil 2004),
assumindo
diversas educativo
consoante em
configurações o
análise
sistema e
as
respetivas práticas de avaliação e de certificação dos alunos.
278 – Varia
As situações de repetência e de abandono prematuro do sistema educativo
são
exemplos
tipificam
a
forma
institucionalmente insucesso
A Problemática do Insucesso Escolar. Revisitar algumas questões
se
escolar
que como
exprime dos
o
alunos,
traduzindo ambas as situações a inadaptação dos alunos às normas da
instituição
escolar.
A
e,
portanto,
o
escolar,
são
inadaptação insucesso
pois
conceitos relativos (Grácio, 1995) sendo importante sublinhar o facto
Metodologia Palavras-Chave
de que a noção de insucesso
Insucesso Escolar, Sociocultural, Oportunidades, Reprodução social, Socioinstitucional, Eficácia da escola
(Isambert-Jamati, 1974) cujo sentido
escolar
é
uma
noção
relativa
se torna significativo no seio da própria instituição escolar e em relação aos objetivos da escola e
Victor Sil
dos seus programas (Rangel, 1994).
IESFafe
Neste
sentido,
parece-nos
importante desde já focalizar de forma breve o contexto educativo nacional para referenciar que em Portugal o insucesso escolar tem sido
entendido
“como
a
incapacidade que o aluno revela de atingir os objetivos globais definidos para
cada
ciclo
de
estudos”
(EURYDICE, 1995, p: 47) (Resposta da
Unidade
Portuguesa
da
EURYDICE
ao
pedido
de
Informação
EU-92-004-00
da
279 – Varia
Unidade Europeia da EURYDICE,
em relação ao emergente conjunto
1992), podendo assim dizer-se que
de situações de insucesso escolar
há insucesso escolar quando alguns
que gradualmente se apresentam
dos objetivos da educação escolar
como uma ameaça para a ordem
não são atingidos, criando-se uma
social e económica.
relação implícita entre o aluno e a instituição 1976,
escolar
Sil,
resultado
2004, traduz
(Benavente, 2007),
uma
cujo
realidade
educativa bem atual.
na
instituição
escolar
desde o seu nascimento, o que nos leva a questionar sobre a razão porque não se constituía então como um problema relevante. Esta
questão
é, pois, um conceito tão relativo quanto difícil de definir, não sendo menos difícil tentar explicar os seus fatores e as suas causas.
O insucesso escolar tem estado presente
Neste contexto, o insucesso escolar
A procura de explicações para a problemática do insucesso escolar tem
sido
uma
preocupação
constante ao longo das últimas décadas (Sil, 2004, 2005, 2007).
conduz-nos,
primeiramente, ao facto de que a igualdade
de
oportunidades
na
educação nem sempre existiu, para, em seguida, observarmos que a existência de um grande número de analfabetos era uma realidade que não ameaçava o funcionamento económico
e
a
ordem
social
estabelecida.
Estar em situação de insucesso implica uma multiplicidade e uma enorme variedade de causas cuja localização pode centrar-se ao nível do aluno e do seu ambiente restrito, ao nível da sociedade à qual pertence e ao nível da própria escola e do sistema educativo.
A alteração destes fatores verificase com a introdução da escola gratuita
e
obrigatória
e
o
consequente aumento da população escolar,
trazendo
para
primeiro
plano a ineficácia da própria escola
Assim, será importante perceber que o insucesso escolar não é uma fatalidade e que as crianças não
280 – Varia
estão destinadas a ser boas ou más alunas,
tudo
dependendo
do
funcionamento da escola e da sua interação com o meio social e as características da própria criança.
Estamos, assim, perante um conjunto de três realidades que deverão ser tidas em atenção no estudo do insucesso escolar: o aluno, o meio social e a instituição escolar (Benavente, 1976; Sil, 2007), pelo que será na relação entre estas realidades que deveremos procurar e evidenciar os fatores de insucesso e as suas causas explicativas.
281 – Varia
Durante
a
primeira
metade
do
século XX psicólogos como Binet, Simon, Terman, Köhler, Jensen, Spearman,
Stern
ou
Wechsler
debruçaram-se sobre a definição da
A questão dos fatores Individuais
inteligência, bem como sobre o estudo da relação entre o QI e o sucesso escolar dos alunos (Husén, s/d)
o
que
fez
responsabilidade
com do
que
a
insucesso
fosse imputada ao próprio aluno e se procurasse no QI a causa do seu sucesso/insucesso,
o
qual
é
explicado em função das maiores ou
menores
capacidades
dos
alunos, pela sua inteligência, pelos seus dotes naturais (Benavente & Correia,
1980;
Tavares,
1998;
Peixoto, 1999). Este
conjunto
de
explicações
psicológicas
individuais
implementado nas décadas de 1950 e 1960 no âmbito da corrente genética que aborda o insucesso escolar em termos de perturbações e deficiências intrínsecas ao próprio indivíduo, analisa as prestações escolares diferenciada,
de
uma
atribuindo
forma essas
diferenças a capacidades inatas do próprio indivíduo (Husén, s/d; AlvesPinto, 1995).
282 – Varia
Sendo a escola vista como um
talentos” (Husén, s/d; Alves-Pinto,
espaço
dessas
1995)
(Alves-
estratos sociais mas que estiveram
revelador
capacidades
individuais
não
na
considerado como insucesso do
programas destinados a facilitar o
aluno,
acesso
a
inexistência
de
ao
da
nestes
Pinto, op. cit.) onde o insucesso é
é
origem
explorados
realização
ensino
de
dos
alunos
a
meios
determinadas aptidões inatas ao
dotados
próprio
influencia
sociais desfavorecidos. Dá-se assim
negativamente o seu rendimento
origem a uma plena valorização do
escolar (Fernandes, 1991).
talento do indivíduo, dos seus dotes,
aluno
que
Com efeito, a forma como nessa época
era
equacionada
a
problemática do insucesso escolar, não
atendendo
sociocultural
à
dos
diversidade alunos
e
considerando apenas a existência
pertencentes
pertencendo à sociedade, através da escola, a responsabilidade de fazer o necessário para que se operacionalizassem
medidas
promotoras da democratização do ensino (Sil, 2004).
sem
Se, como vimos, o facto de grande
cultura, faz com que seja uma
parte das crianças abandonarem os
incumbência da escola a função de
estudos
fazer aceder à cultura os indivíduos
mercado de trabalho é tido como
pertencentes
estratos
algo de normal até aos anos 40/50,
desde que mostrassem capacidade
exprimindo-se institucionalmente o
para tal.
insucesso
de
estratos
populacionais
a
esses
No entanto verifica-se a existência de um grande número de indivíduos que, embora originários de estratos sociais
modestos,
apresentavam
bons resultados escolares mas não prosseguiam os estudos.
através
para
ingressarem
escolar da
dos
repetência
no
alunos e
do
abandono prematuro do sistema educativo (Grácio, 1995), em que a perceção
inicial
do
próprio
insucesso está ligada a aspetos específicos de origem afetiva e psicopatológica, o período do pós-
Esta realidade está assim na origem
guerra até á década de 1960 vem
da
da
mudar esta situação assistindo-se
existência de uma “reserva de
ao “boom” da educação (Duarte,
convicção
generalizada
283 – Varia
2000), passando esta a ter um
No entanto, progressivamente, as
importante e significativo papel no
políticas educativas e as ideias
desenvolvimento económico, pois o
sobre a criação da igualdade de
progresso
da
oportunidades em educação foram
escolarização andariam a par e o
construindo o seu caminho nas
importante seria a rentabilização
sociedades ocidentais a partir dos
dos talentos (Duarte, op. cit.).
anos
e
aumento
Tal consideração articula-se com alguns dos princípios definidos pela OCDE (1962) na sua conferência mundial sobre
ensino
onde
se
referiu que tal “como os progressos técnicos aumentam a eficácia das máquinas, a educação aumenta a eficácia dos trabalhadores” (p: 5) numa otimização da gestão do potencial de aptidões (Van Haecht, 1994)
que
cria
a
ilusão
de
transformar a sociedade a partir da própria escola.
A visão do indivíduo tal como é apresentada pela “teoria dos dotes” ao veicular a ideia de criança dotada ou não dotada, perdeu, hoje em dia, todo o seu crédito entre a comunidade científica, embora ainda permaneça bem viva em certas mentalidades.
1960
e
a
equação
da
problemática do insucesso escolar alterou-se profundamente.
284 – Varia
A procura de uma explicação que não
se
centrasse
apenas
nas
características individuais do aluno e permitisse dar uma resposta à problemática do insucesso escolar, demonstrando que este fenómeno
A questão do “handicap” sociocultural
afeta particularmente as categorias socialmente desfavorecidas e que, de certo modo, introduz na análise do
funcionamento
escolar
explicações
do de
sistema ordem
sociológica, fez com que no final da década de 1960 e princípio da de 1970 se desenvolvesse a teoria do “handicap” sociocultural (Husén, s/d; Benavente & Correia, 1980; Rangel, 1994; Van Haecht, 1994; AlvesPinto, 1995; Tavares, 1998; Peixoto, 1999; Sil, 2004). Esta teoria, segundo a qual o insucesso estaria ligado à origem social do aluno e à sua maior ou menor bagagem cultural à entrada para a escola, procura explicar o insucesso
escolar
fundamentalmente em termos de défices, categorizados segundo o conceito de “handicap” ou privação sociocultural (cultural deprivation) pressupondo a ideia de que uma criança proveniente de um meio dito desfavorecido não dispõe das bases
285 – Varia
culturais necessárias ao sucesso
“handicap” sociocultural continua a atribuir ao aluno e à sua família a
escolar (Sil, 2004).
responsabilidade principal pelo
O próprio ambiente familiar revela-
insucesso escolar.
se assim incapaz de proporcionar à criança
o
conjunto
de
bases
culturais e linguísticas necessárias à sua progressão escolar, provocando um atraso da criança e fazendo com que o desenvolvimento de diversos programas de “compensação” ou de “remediação” (O mais conhecido e famoso é o programa “Head Start”, concebido nos Estados Unidos, nos anos 60, para a implementação, em larga
escala,
de
ações
de
compensação educativa destinadas a crianças em idade pré-escolar (dos 2 aos 4 anos), centrando-se assim no desenvolvimento cognitivo e socio afetivo como forma de compensar
o
sociocultural
das
provenientes desfavorecidos
“handicap” crianças
de ou
de
No
entanto,
o
facto
de
não
podermos considerar o “handicap” como hereditário (Rangel, 1994) remete-nos para a importância do papel da escola enquanto instituição social,
bem
como
para
a
desmotivação social das classes culturalmente mais desfavorecidas, fazendo com que a própria noção de “handicap” sociocultural não seja suficiente para explicar o insucesso escolar,
conduzindo
assim
ao
desenvolvimento de vários estudos e
investigações
de
carácter
explicativo nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e em França.
meios
A repercussão destes estudos foi
minorias
determinante, não só no âmbito da
étnicas.) que visem compensar os
sociologia
défices culturais da criança se
também
tornem uma realidade.
educativa
da no
educação
âmbito
mundial
da
mas política
(Husén,
s/d;
Rangel, 1994; Alves-Pinto, 1995) dada a posição preponderante dos Embora rompendo com as
Estados Unidos, quer ao nível da
explicações de carácter genético e
cooperação internacional, quer ao
de carácter psicológico do
nível da produção e da investigação
insucesso escolar, a teoria do
científicas (Heyneman, 1986).
286 – Varia
Sendo a escola dos anos 1960 perspetivada como o instrumento ideal de que a sociedade dispunha para assegurar a igualdade de
A questão da igualdade de oportunidades
oportunidades
entre
elementos,
os
americanos
e
os
seus
investigadores ingleses
dessa
década tiveram como objetivo fazer o ponto da situação da igualdade de oportunidades
perante
o
ensino
(Alves-Pinto, 1995). A análise do conceito de igualdade de
oportunidades
na
educação
remete-nos primeiramente para o que se entende por igualdade e oportunidades.
Assim,
a
possibilidade de todas as crianças começarem a sua escolaridade em igualdade
de
circunstâncias,
o
tratamento igualitário de todos os alunos dentro da escola ou o prosseguimento de uma política de ensino
visando
“uma
maior
igualação dos resultados escolares” (Husén, s/d, p: 23), conduzirão a uma
maior
igualação
socioeconómica participação
e
mais
a
uma
ativa
nas
decisões sociais. O estudo desenvolvido nos Estados Unidos por James S. Coleman, mundialmente
conhecido
por
“Relatório Coleman” (Coleman et.
287 – Varia
al., 1966) é o primeiro estudo
Neste sentido, a abordagem da
empírico
igualdade
de
grande
alcance
de
oportunidades
é
destinado a estabelecer em que
equacionada não em termos de
medida um sistema nacional de
igualdade de acesso mas como
ensino (o dos Estados Unidos)
igualdade de sucesso.
aplica o princípio da igualdade.
James S. Coleman ao definir a sua como
investigação em termos de sucesso
resposta a um pedido do Congresso
escolar procura saber qual a relação
Americano, no âmbito da discussão
entre “entradas” (entrada = recursos
de uma lei sobre os direitos dos
disponibilizados) e “saídas” (saída =
cidadãos, propunha-se determinar
sucesso / insucesso do aluno),
em que medida as escolas praticam
(Conforme Alves-Pinto, 1995), isto
a igualdade de oportunidades na
é, torna essencial e fundamental
educação, utilizando critérios que
saber se à saída da escola o aluno,
passam geralmente por ser bons
seja qual for a sua origem social, se
indicadores da qualidade de ensino.
encontra suficientemente preparado
Este
estudo,
que
surge
Autores como Husén ou AlvesPinto,
referindo-se
ao
Relatório
e em pé de igualdade com os seus colegas para enfrentar a sociedade.
Coleman, observam que alguns
Neste contexto e tal como nos
destes critérios eram absolutamente
refere
concretos e diziam respeito aos
igualdade
de
elementos
educação
implica
materiais, tais
como:
Husén
(s/d,
p:
24)
“a
oportunidades
na
não
só
a
bibliotecas, laboratórios, materiais
existência de escolas em que reine
escolares,
a igualdade, como a de escolas (...)
etc.
enquanto
outros
como o conteúdo dos programas de
cuja
estudo, dos métodos pedagógicos e
handicaps (...) nas crianças de
das modalidades de agrupamento
origens sociais diferentes”.
eram-no
menos.
Outros
ainda,
como a competência e as atitudes do corpo docente, eram bastante vagos.
influência
permita
superar
288 – Varia
igualitária de oportunidades, quer ainda
Como tal, a importância da
oportunidades educativas, onde não há apenas que assegurar a igualdade de acesso à escola, mas garantir oportunidades idênticas de sucesso, permitindo a participação de todos num contexto de democratização do ensino e da integral igualdade de oportunidades de sucesso (Lima, 1987), remetenos para a investigação sociológica dos anos 70 (Boudon, 1973), a qual demonstra a inexistência de uma relação de linearidade entre a igualdade de oportunidades educativas e a igualdade de oportunidades sociais (Canário, Alves & Rolo, 2001).
A procura de explicações sobre as causas das (des)igualdades dos escolares
e
das
motivações educacionais de acordo com os grupos sociais inicia-se com a desconstrução (Duarte, 2000) da problemática
da
igualdade
perspetiva
da
escola
enquanto reprodutora de conflitos
conceção de igualdade de
resultados
na
de
oportunidades e com o repensar do papel da escola e das suas funções, quer ao nível da própria conceção
sociais.
289 – Varia
Cabe à sociologia da educação repensar
o
papel
debruçando-se
da
sobre
escola,
as
suas
funções e sobre o seu papel de
A questão da reprodução social
reprodutora
de
conflitos
sociais
(Duarte, 2000) conducente a uma abordagem, no âmbito da teoria da reprodução enunciada por Bourdieu &
Passeron,
e
cujas
teses
privilegiam todo um conjunto de mecanismos do tipo cultural como sendo
fatores
explicativos
das
desigualdades no rendimento dos alunos, evidenciando a sua herança cultural como sendo a dimensão marcante
do
insucesso
escolar
(Bourdieu & Passeron, 1975; Van Haecht, 1994; Duarte, 2000), o qual é assim explicado por factores socialmente
condicionados
que
amplificam, na escola, as distâncias entre as classes sociais. Sendo evidente o contributo dado pela teoria da reprodução (Bourdieu &
Passeron,
1975)
para
desmistificar a ideia de uma escola neutra,
acima
classicistas,
de
interesses
ajudando
na
compreensão e no entendimento das
causas
de
elevadas
percentagens de insucesso entre as classes
mais
(Duarte,
2000),
desfavorecidas verifica-se,
no
290 – Varia
entanto, que as teorias de Bourdieu
o
&
inevitavelmente
Passeron
privilegiam
os
meio
escolar, será
o
que
conducente
mecanismos de tipo cultural, como
não apenas ao insucesso mas
fatores
também à exclusão da escola e
explicativos
das
desigualdades no aproveitamento
consequentemente
dos alunos (Duarte, op. cit.). É
social.
à
exclusão
assim posta em relevo a herança cultural, considerada como uma dimensão decisiva em termos de sucesso escolar, já que é via escola que cada indivíduo herda a classe social do seu progenitor.
Neste sentido, existe uma correspondência significativa entre a estrutura social do sistema
Desenvolve-se assim a noção de
educativo e a divisão social das
uma escola que ignora os valores
classes (Bowles & Gintis, 1976), ou
próprios dos alunos provenientes de
seja, os estabelecimentos escolares
classes sociais desfavorecidas, o
assentam sobre princípios de
que naturalmente irá provocar um
hierarquização e de
conflito cultural onde determinadas
compartimentação que requerem os
classes sociais são privilegiadas em
mesmos tipos de atitudes que as
detrimento
requeridas nos locais de trabalho,
de
outras
mais
desfavorecidas, numa tendência de
fazendo com que a escola se
reproduzir a estrutura das relações
estruture à semelhança da
de classe, contribuindo assim para a
empresa, com a existência de uma
legitimação da hierarquia social,
correspondência entre os seus
onde o estrato dominante transmite
níveis hierárquicos, fazendo com
aos seus filhos um capital cultural
que as diferenças verificadas na
(Van
escola não sejam mais do que o
Haecht,
Torres,
1994;
1997;
Morrow
Bourdieu,
&
1999)
propiciador de sucesso escolar. Obviamente
que
as
crianças
provenientes dos estratos sociais desfavorecidos não possuem este capital cultural, sendo-lhes estranho
próprio reflexo das diferenças sociais, contribuindo o próprio sistema educativo para a reprodução social dos diferentes estratos sociais.
291 – Varia
O sucesso e o insucesso escolares são, pois, determinados por razões sociais em que a família, o meio e o estrato sociocultural estão na sua origem. É neste contexto que, de acordo com Bowles & Gintis, “a educação reproduz
a
desigualdade
pela
justificação dos privilégios e pela explicação da pobreza pelo fracasso individual” (1976, p: 114) levandonos a refletir sobre a forma como os sistemas educativos se continuam a mostrar pois
se
extremamente “o
seletivos,
sistema
educativo
privilegia os privilegiados” (Grácio, 1995, p. 449) essa seleção é exercida de uma forma socialmente diferenciada, em que os alunos dos meios
socioculturais
desfavorecidos
são
penalizados
não
e
mais os
mais
conseguem
ultrapassar os níveis de insucesso escolar em que se encontram (Sil, 2004).
292 – Varia
Uma
das
explicações
para
a
problemática do insucesso escolar surgida a partir dos anos 70 tem a ver com a própria escola, com os
A questão socioinstitucional
mecanismos que operam no seu interior (Benavente & Correia, 1980) e com o seu funcionamento e organização, onde a necessidade de diversidade e de diferenciação pedagógica é sublinhada pela teoria socioinstitucional que evidencia o carácter
ativo
da
escola
na
produção do (in)sucesso escolar dos alunos (Sil, 2004, 2005, 2007). Responsabilizar
a
escola
pelo
(in)sucesso escolar dos alunos não significa uma referência à instituição em si, ao edifício onde o processo ensino-aprendizagem é melhor ou pior desenvolvido e organizado, mas essencialmente a toda uma estrutura de carácter administrativo e pedagógico que implica também a elaboração
de
uma
análise
a
questões como a avaliação dos alunos,
a
professores,
colocação ou
a
dos
falta
de
equipamentos e/ou infraestruturas, a
inexistência
de
uma
efetiva
abertura da escola à comunidade ou ainda
à
educativas
análise e
de
realidades sociais.
das ensino
políticas e
às
293 – Varia
A escola é encarada como sendo o
dos professores ou a construção de
principal agente de transformação
uma estrutura curricular uniforme
dos alunos, vindo a ganhar dada
poderão também ser considerados
vez mais importância na ascensão
como explicadores do insucesso
social dos
escolar
jovens
dos
estratos
sociais mais modestos.
Esta importância assumida pelo acesso às posições sociais mais elevadas produziu numa elevação geral do nível de aspiração e colocou a escola no centro dos sistemas de ascensão social (Grácio, 1982), o que fez com que a escola tenha sido pressionada para assumir um papel cada vez mais decisivo na preparação dos seus alunos para a vida ativa.
A escola torna-se, hoje em dia, cada vez mais o objeto de análise e o campo de intervenção de grande parte da investigação que assim entender
melhor
perspetiva
socioinstitucional (Sil, 2004, 2005, 2007).
procura
numa
como
aquela funciona e que influência exerce sobre os alunos. Outros fatores como a distribuição dos alunos por turma, o absentismo
294 – Varia
Uma outra questão que se nos depara é a que se prende com a eficácia da escola. Se, como já vimos, a escola é encarada como o
A questão da eficácia da escola
principal agente de transformação dos alunos, a tentativa de melhorar o seu funcionamento tornando-a mais eficaz e mais interventora ao nível
do
processo
ensino-
aprendizagem do que ao nível de uma
reforma
global,
deverá
assentar no próprio conceito de eficácia de escola. Uma escola é eficaz na medida em que concretiza o que à partida se propôs realizar (Madaus, Airasian & Kellaghan, 1980), o que pressupõe uma
análise
exaustiva
da
diversidade dos objetivos que se atribuem à escola, de entre os quais se destaca o sucesso escolar dos alunos.
Nesta perspetiva, a real explicação para o insucesso situa-se na estrutura escolar e não nas carências naturais ou socioeconómicas do aluno. Assim, o sucesso ou insucesso podem ter origem num conjunto de fatores escolares de seleção ou de integração dos próprios alunos.
295 – Varia
De entre estes fatores, o regime de aprovação/reprovação consequente
atraso
e escolar
o daí
adveniente e a estrutura curricular (Formosinho & Fernandes, 1987; Formosinho, 1988; Fernandes 1991; Tavares, 1998) são aqueles que habitualmente se enquadram nas definições mais comuns do que é o insucesso
escolar,
embora
inúmeras vezes se omita um aspeto muito
mais
significativo
do
insucesso, que é traduzido pelo abandono retomaremos
escolar, adiante,
que e
pela
exclusão da escola e consequente exclusão social. A questão da eficácia da escola levanta-nos o problema da procura efetiva de saber como tornar a escola mais eficaz, como torná-la capaz de proporcionar o sucesso de todos os alunos.
296 – Varia
As conceções sobre as causas do insucesso
escolar
dos
apresentam-nos
alunos fatores
institucionais ligados à escola, à sua organização e funcionamento, e às
Conclusão
práticas
dos
professores
(Branquinho & Sanches, 2000). Sendo
o
professor
considerado
como o eixo da articulação de qualquer estratégia que pretenda prevenir o insucesso (Grácio, 1995; Sil, 2004, 2005, 2007), as suas práticas e as suas atitudes, em particular
as
professores comportamentos
atitudes
dos
face
aos
violentos
e
indisciplinados de alguns alunos, revelam
uma
preocupação
em
aplicar as normas estabelecidas para a escola e para a sala de aula, transformando-as em fatores que podem
dar
determinante
um na
contributo
promoção
do
sucesso educativo. Esta preocupação dos professores em construir um ambiente educativo promotor de sucesso articula-se plenamente com a “questão da eficácia do ensino, a partir da qual se têm desenvolvido os principais programas destinados a melhorar a qualidade dos professores e do ensino” (Lopes, 2001, p:126).
297 – Varia
Medley (1982), referenciado por Lopes (op. cit.), defende que a eficácia da escola depende da eficácia do professor e que a otimização desta deverá ser uma finalidade central da educação, o que nos remete para as práticas dos professores e para a eficácia da própria
escola
(Sil,
2004),
objetivando-se assim a melhoria da qualidade do ensino e a diminuição gradativa
das
causadoras
do
natural
problemáticas insucesso
promoção
escolar dos alunos.
do
e
a
sucesso
298 – Varia
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REVISTA EVISTA DE EDUCAÇÃO DA ESE DE FAFE
“A escola é encarada como o principal agente de transformação dos alunos, a tentativa de melhorar o seu funcionamento tornando-a tornando mais eficaz e mais interventora ao nível do processo ensinoensino aprendizagem do que ao nível de uma reforma global, deverá assentar no próprio conceito de eficácia da escola.”
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