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REVISTA DE EDUCAÇÃO DA ESE DE FAFE

VARIA 005

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“O retábulo da capela da Casa da Companhia situa-se situa num bom nível de interpretação regional, enquadrando-se no Barroco Nacional.”

VARIA

O estilo Barroco Nacional do retábulo da Capela da Casa da Companhia de Jesus (Paço de Sousa, Penafiel) José Carlos Meneses Rodrigues


005

VARIA

Revista de Educação da ESE de Fafe Número 5 ISSN 2182-2964 2015-2016 Janeiro Direção Dulce Noronha

Coordenação m

José Carlos Meneses


342 – Varia

O estilo Barroco Nacional do retábulo da Capela da Casa da Companhia de Jesus (Paço de Sousa, Penafiel)

José Carlos Meneses Rodrigues


343 – Varia

As capelas privadas aumentam no século XVIII por razões religiosas, não fora o esplendor do Barroco a exigir esta atitude e, também, por demonstração de poder económico dos segmentos sociais privilegiados. A capela da casa da Companhia (de

Resumo

Jesus),

como

denominada,

ainda não

hoje

figura

é nas

Memórias Paroquias de 1758. Mantém um frontispício barroco, com frontão curvo interrompido, um retábulo

com

a

invocação

da

padroeira – Imaculada Conceição -, azulejos da época e caixotões lisos. Uma pequena sacristia contém um retábulo de feição barroca onde sobressai, entre imagens colocadas posteriormente,

a

metáfora

da

morte, uma caveira, tão apelativa do espírito barroco. Condizente com o Barroco Nacional (finais

do

século

XVII

até

ao

primeiro quartel do século XVIII), restam-nos

dúvidas

que

não

deixaremos de investigar: os artistas que intervieram na sua feitura, assim como no retábulo da sacristia: entalhadores,

ensambladores,

imaginários e douradores que, pela


344 – Varia

nossa interpretação, serão regionais mas muito próximos dos esquemas eruditos.


345 – Varia

Nem

sempre

os

melhores

espécimes artísticos se encontram nas igrejas paroquiais. Há capelas públicas e privadas que provam a existência de retábulos de talha integrados

nas

coordenadas

estilísticas da época.

O estilo Barroco Nacional do retábulo da Capela da Casa da Companhia de Jesus (Paço de Sousa, Penafiel)

O exemplo em causa, com a invocação de Nossa Senhora da Conceição,

situa-se

proximidades dos beneditinos do mosteiro

de

Paço

Paroquiais

: Barroco Nacional; Concílio de Trento; retábulo; talha; santos

de

Sousa

(Penafiel) que, curiosamente, não é mencionado

Metodologia Palavras-Chave

nas

nas de

1758

Memória (ANTT

-

Dicionário Geográfico). Que se terá passado? Um estudo de caso a merecer a nossa atenção até pelas desavenças

existentes

entre

as

duas congregações. Relembremos que, no ano seguinte, os Jesuítas

José Carlos Meneses Rodrigues

são expulsos por Pombal de todos

IESFafe Investigador CEPESE

constituírem uma frente ideológica

os

territórios

opositora

aos

portugueses

objetivos

por

daquele

governante. O

Concílio

de

Trento,

marca

indelével do património artísticoreligioso, até aos nossos dias, as visitações

aos

templos,

as

coordenadas do Barroco Nacional e a leitura do retábulo são os pontos que desenhamos para este estudo.


346 – Varia

À

Dr.ª

Filomena

Alpendorada,

proprietária da casa e da capela, a nossa gratidão por nos ter permitido o acesso à capela, em 2007.


347 – Varia

Portugal foi dos primeiros países a adotar

o

corpo

legislativo

dos

decretos conciliares de 1564, na época do cardeal D. Henrique,

A eficácia de propaganda imagética do Concílio de Trento (1545-1563)

sendo da sua iniciativa a publicação dos decretos, primeiro em latim, e depois em vernáculo (Polónia, 2014: 133). A doutrinação dos jovens .e o batismo dos escravos são aspetos que revelam uma clara orientação tridentina e a preocupação com uma realidade

tipicamente

peninsular,

designadamente a portuguesa, cuja textura social quinhentista se revê com

o

elemento

esclavagista

(Polónia, 2014: Recuando

ao

percecionamos

século o

impacto

XVI, do

Concílio de Trento que perdurou até aos nossos dias: arquitetura e arte sacra são avaliadas pelo que nos é dado conhecer nos templos, apesar de todas as vicissitudes por que passaram, mormente as alterações e as depurações a que foram sujeitas a talha e a imaginária. De uma forma clarividente, a arte tem uma capacidade muito própria de captar

os

diversos

aspetos

da

mensagem, traduzindo-os em cores, formas e sons que estimulam a intuição de quem os vê e ouve, sem privar a própria mensagem do seu


348 – Varia

valor transcendente e também do

Os

seu halo de mistério.

meio

A decência exigida aos templos, aos

convertem-se

altares,

encomendadores e mecenas. Na

às

pinturas,

às

alfaias

crentes,

afirmando-se

artístico

de

dizer

em

como Deus,

artistas,

a

fruição do sentimento do divino e do

honestidade dos rostos; a perfeição

belo arrastam-se os preceitos e

dos corpos e o ornato dos vestidos

gostos

para as imagens sagradas; a atitude

recurso constante à figura humana

perante as imagens indecentemente

como modelo de Cristo, da Virgem

pintadas

que

e dos santos. Na XXV sessão do

seriam enterradas nas igrejas, eis o

Concílio de Trento (1563), sobre a

quadro prolífico a que obedeciam

invocação,

párocos e fregueses na sequência

relíquias dos santos, e sobre as

das visitações (Ferreira-Alves, 1989,

santas

imagens

I: 45.

devem

ter-se

religiosas,

aos

ou

paramentos;

envelhecidas,

do

Renascimento

a

veneração

com

e

afirma-se e

as

que

guardar-se,

sobretudo nas igrejas, imagens de Cristo, da Virgem Maria Mãe de Deus e dos outros santos, e honráNas igrejas, ermidas e capelas só

las e prestar-lhes a veneração que

podiam existir imagens da

lhes são devidas [...] (Gouveia,

Santíssima Trindade, Cristo e seus mistérios (Paixão, Morte e Ressurreição), da Virgem e seus mistérios, dos anjos e santos canonizados ou beatificados. A disposição das imagens nos altares seguia regras: o maior destaque para a de Cristo, depois a da Virgem e a de S. Pedro; não existindo imagens de Cristo ou da Virgem, o lugar principal reservava-se ao patrono da igreja.

2000, 2: 462). Sobre as imagens sagradas, com grandes

repercussões

até

ao

século XVIII, a Igreja apoderou -se nesse período do comando da arte religiosa, a fim de a expurgar das notas tidas por censuráveis e de promover

uma

iconografia

de

combate, de testemunho e de catequese” como

(Flávio

reação

aos

Gonçalves), ataques

da

Reforma protestante e seus efeitos. Tudo se refletiu no seio do mercado


349 – Varia

das

artes,

fossem

os

Seiscentos,

concebido

como

artistas

suporte

e

envolvidos na produção destinada

quadros

e

ao culto, uns e outros dependentes

ganha gradualmente autonomia até

de uma vasta estrutura de vigilância

quase tornar-se no objecto central

a que as Constituições Sinodais

da encomenda.

encomendantes

ou

os

dos bispados deram corpo de lei e os visitadores episcopais prática de regras (Serrão, 2014: 103-104). Existiu

sempre

imagens

imposições

de

esculpidas,

de

Trento,

determinando o espírito do terceiro dos elementos fundamentais da

deriva

Contra-Reforma, entre o final de

iconoclástica que se manifesta em

Quinhentos e o raiar de Oitocentos,

relação à imagem de diferente

comprovam

modo: iconoclasma inconsciente,

exterior,

auto-flagelador, destruidor do outro,

consegue

corretivo

predominância católica, fiel a Roma,

por

uma

As

enquadramento

razões

morais,

muito

e

propiciatório,

constituído

do

valorização

através

políticas e estéticas, de intuito esconjuração

a

com

do do

expressão no

rei

do

qual que

de de

se

foi

a

poder Portugal

medo, apagamento da memória,

(Calado, 1989: 132). A arte do

exegese,

“cultura

sagrado e para o sagrado foi a

utópica.

grande arma desta realidade.

superior”,

afirmação

de

afirmação

Destruir para conservar valores,

O interesse revelado pela inusual

afirmar estratégias, impor critérios

fortuna artística que foi a produção

“supremos”, atestar o primado de

tridentina em Portugal alarga-se

uma iconofilia “superior” – quanto

também à influência tida pelas

trabalho

os

novas tipologias de figuras, usos e

historiadores de arte que estudem a

costumes etnográficos de povos dos

sério

de

vários continentes tocados pelas

comportamento destruidor, e os

Expansão. As obras de arte sacra

mecanismos do gosto e do primado

dos retábulos refletem não só as

estético que lhe estão subjacentes,

novas

a asserção de Serrão (2014: 120)!

litúrgicas

existe

essas

para

estratégias

O retábulo de talha, que segue com a aprovação dos eclesiásticos de

esforço

orientações conciliares, testemunhal

estéticas mas de

e um

uma

realidade imperial, cheia de citações


350 – Varia

coloniais verosímeis, algo que a experiência

de

visu

na

Lisboa

cosmopolita do fim do século XVI e do século XVII alimentava, com a presença constante de todas as raças e credos. Assim, demonstram as provas multiplicadas de exotismo na arte do tempo, reveladora de um singular apego à orientalização dos costumes representados, como se vê numa obra maior, o conjunto de telas dedicadas à vida e milagres de São Francisco Xavier, pintadas por André Reinoso e um colaborador, cerca de 1619, nos espaldares do arcaz da sacristia da igreja jesuítica de São Roque, em Lisboa (Serrão, 2014: 126).


351 – Varia

A visita pastoral e, ou, delegada da diocese, pelo menos de três em três anos, e a urgência da revisão das constituições

diocesanas,

no

sentido de procurar as penas de excomunhão,

As visitações em busca da decência

Polónia

são

releva

aspetos

(2014:

que

135).

A

distinção da visita portuguesa reside nos comportamentos que o visitador impõe,

devassando,

indagando

sobre o estado do templo, a ação do clero e o comportamento religioso dos fiéis (se iam à missa, se cumpriam os sacramentos…). Não

se

ficavam

por

aqui

as

obrigações dos visitadores, pois deveriam ainda ver: i)

As igrejas por dentro e por fora,

coros,

cemitérios

e

outros edifícios paroquiais; ii)

Como se governa a Igreja no espiritual e no temporal;

iii)

Se reparam o material dos templos;

iv)

Se tratam com asseio os altares;

v)

Se guardam com reverência o Santíssimo Sacramento;

vi)

Se

o

devoção

povo e

assiste

com

silêncio

aos

ofícios divinos e se neles intrometem profanidades e outros abusos;


352 – Varia

vii)

viii)

Ver se a Igreja é servida de

arte, que sugerissem uma falsa

seus ministros;

doutrina

Inquirir

com

grande

interpretações

perigosamente

erradas

junto

diligência acerca da vida e

daqueles

que

não

fossem

costumes dos eclesiásticos e

instruídos.

Os

nossos

artistas

seculares,

seguem, discretamente, os novos

que

não

verificando-se incorrem

adultérios,

em

incestos,

padrões

do

Maneirismo,

filtrado

através de estampas, condicionado

amancebamentos,

pela

desonestidades, sacrilégios

afirmou

ou feitiçarias.

quadrando-se com a sociedade que

Nos dois séculos seguintes ao Concílio de Trento (Paiva, 2000, 2: 252), a maior parte dos bispos empenhou-se ativamente e com zelo na efetivação das visitações, procurando dignificar o estado de conservação

das

igrejas

e

a

decência dos locais e objetos de culto,

fazendo

respeitar

as

imposições tridentinas e, ou, sendo impelidos a respeitá-los (las), pondo igualmente

cobro

a

vastos

privilégios de isenção da visita prelatícia de que gozavam certos cabidos

e

ordens

militares,

travando-se, em relação a este último aspeto, difíceis e prolongadas contendas. A censura das sagradas imagens,

a

partir

da

segunda

metade do século XVI, generalizase,

ou

proibindo-se

os

aspetos

heréticos ou impuros da obra de

intolerância a

e

crise

rigidez

que

interna,

mas

aderira à Contra-Reforma. Entretanto, multiplicam-se casos de imagens mais antigas consideradas indecentes à luz dos princípios conciliares e que foram mutiladas, enterradas ou pura e simplesmente destruídas. Censuram-se obras de arte

coevas,

por

alegado

incumprimento das normas, seja alegando formosura dissoluta ou erros teológicos, levando os padres encomendantes

e

os

artistas

envolvidos ao Santo Ofício, como sucedeu, em 1634, com Domingos Vieira, o Escuro, por causa de um painel

de

Nossa

Senhora

da

Conceição destinado ao retábulo da igreja do Monte da Caparica, o qual foi mandado parcialmente raspar, dado que a composição gerara um grande escândalo na representação de Duns Scoto e de São Tomás de Aquino,

acendendo

a

velha


353 – Varia

polémica

sobre

mariano

o

entre

imaculismo

dominicanos

e

franciscanos (Serrão, 2014: 120). Ao longo dos séculos XVII e XVIII, se

o

visitador

não

registasse

incongruências,

afirmava

primeiramente ter visitado a capella major

altares

colatrais

images

santos olios e achar estar tudo decentemente

venerado

(Rodrigues, 2004, III: 422.). Num estudo de 1822 sobre a comarca de Sobretâmega (Oliveira, 2000:

223-225.),

próximo

da

período

extinção

muito

do

foro

eclesiástico (1833) - apresentamos somente os dados referentes aos quatro

concelhos

incluídos

na

nossa tese de doutoramento: oito indiciam

um

cenário

decente;

quatro carecem de reforma de imagens;

três

necessitam

de

reforma nos altares; somente uma igreja

(S.

Pedro

da

Lomba,

Amarante) é anotada com danos causados pelos franceses; treze requerem

reforma

capitulada/determinada, desconhecendo-se a sua natureza, insistência resistências visitadores.

que

denuncia

às prescrições

dos


354 – Varia

Durante

o

Maneirismo

(Kubler,

1988: 4.), os arquitetos em Portugal não são obrigados a selecionar apenas entre exemplos italianos, já

Barroco Nacional: uma manifestação sui generis portuguesa

que se apresentavam oportunidades da Europa Setentrional, espanholas, locais

e

permitindo

ultramarinas, a

não

arquitetura

daí

resultante uma classificação fácil por mera influência ou apenas através da biografia do edifício. O interior

do

edifício

maneirista,

enriquecido somente pelo requinte de

proporções,

e

o

exterior

friamente racional subsistem, sem outra ornamentação, por cerca de um século, como se preservados pela

interrupção

temporal

sob

domínio espanhol, quando o tempo histórico parece ter parado em Portugal de 1580 a 1640. Contudo, a partir do último terço do século

XVII,

os

portugueses

começam a decorar profusamente estes interiores nus com a nova talha dourada, e os exteriores com festões e volutas em granito. No desenvolvimento do Barroco, os austeros perfis de arcos e de abóbadas

reticuladas

são

festivamente ornados de curvas de sanefas de talha pendentes dos muros, como tapeçarias ou tecidos


355 – Varia

bordados, para suavizar e disfarçar

Corresponderá,

a disciplina agreste das gerações

emancipação

anteriores.

1640

O

caráter

ilusionista

dessas

composições torna-se rapidamente o objetivo almejado, encontrando total expressão arquitetónica no gosto áulico de D. João V, que dizia: Meu avô deveu e temeu; meu pai deveu; eu nem devo nem temo (Serrão, 2003: 84). Mas dentro do português há que registar

e

analisar

o

período

Nacional, peculiaridade trasladada para o interior do espaço sacro e baseada na arte da talha ao sabor das colunas pseudo-salomónicas e dos

remates

de

arquivoltas

concêntricas, lembrando os portais românicos, conceito a rever no

e

por

certo,

à

cultural depois

de

aos

condicionalismos

económicos favoráveis de finais da mesma

centúria,

permitindo

um

mecenato alargado e a autonomia do

entalhador,

reconhecido

publicamente como artista capaz de encenar e iludir espaços, impondose a talha à sintaxe organizativa do suporte inspirado, em boa medida, nos

manuais

de

arquitetura.

A

dilemática do individual-coletivo é a ênfase no domínio oficinal da talha dourada e da retabulística que se dissemina

por

todo

o

país,

proveniente da cultura maneirista da segunda metade do século XVI, ampliando-se na centúria seguinte (Moura, 1993, 8: 106-107).

entendimento de Natália Marinho

A intensa plasticidade do tratamento

Ferreira-Alves (2001: 38). De facto,

converge com o adensamento da

situado entre o último terço do

noção

século

pelos artistas, imprimindo-lhe uma

XVII

e

o

primeiro

do

de

volume

seguinte, o estilo Nacional faz um

dinâmica

percurso

meio

pseudo-salomónica e o remate de

estética,

arquivoltas concêntricas constituem

caraterizando um dos vetores do

a grande alteração retabulística, a

limiar do Barroco em Portugal,

partir do último terço do século XVII.

século

de de

praticamente dominância

porventura o de maior relevância, de acordo com a sua especificidade e o grau de difusão alcançado.

irresistível.

desenvolvida

A

coluna


356 – Varia

torsa – análoga ao crescimento É o traço identitário, com uma estrutura mais escultural que arquitectónica, dinâmica, onde o acanto relevado se integra numa unidade orientada para a grande manifestação inteiramente barroca na história da arte portuguesa

helicoidal das plantas - associa-se, na arte pagã, a pinhas e parras, símbolos báquicos da imortalidade, sentimento dos primitivos cristãos nos relevos dos sarcófagos e nos mosaicos. Oriundas da Grécia, são transportadas para Roma, onde Bernini, mais tarde, redescobre o

(Smith, 1963: 69).

extraordinário

potencial

do

seu

dinamismo plástico ao incorporá-las no

baldaquino

de

S.

Pedro,

concluído em 1663. Sem o primeiro terço demarcado,

A mísula, que suporta a coluna,

como

dramatiza a base com imagens,

o

de

feição

berniniana,

lavrada com cinco, seis espiras

veiculando

iguais,

interpretativa

esquema

é

fundamental e,

neste

curiosamente,

prossecução sublinhando-se

no a

com

a dos

plasticidade artistas

que

intervêm nos retábulos.

joanino,

utilização

da

salomónica em esquemas eruditos do rococó, na cidade do Porto. O enquadramento das colunas e o respetivo remate proporcionam aos flancos o desenvolvimento de uma profundidade próxima de uma visão arquitectónica nos exemplares de maior dimensão.

Outro

elemento

estrutural

do

retábulo nacional é o trono, que comunica ao centro do retábulo uma profundidade e animação teatrais, possibilitando aos dignitários da Igreja, em Portugal, a expressão rigorosa exposição

tridentina. do

Destinado

à

Santíssimo

Sacramento ou apenas a uma imagem devocional torna-se, depois

Expressão do dinamismo barroco

de 1680, uma constante da arte

(Moura, 1993, 8: 107), a coluna de

ratabular portuguesa. O trono de

fuste espiralado tem um simbolismo

cinco degraus aparece em Lisboa

que se inicia na arte helenística.

na entrada de 1619, no arco dos

Símbolo da vida pela sua forma

alfaiates, sustentando Salomão na


357 – Varia

sua glória, evento que pretende

O trono possui uma funcionalidade

apelar – à semelhança do que se

como centro do mundo, o lugar

fazia em Antuérpia e em Bruxelas –

inacessível da montanha; a sua

à benevolência do sucessor de

verticalidade

Filipe II, no tocante aos anseios

correspondem à ascese até Deus. A

políticos

dos

unidade do retábulo transmite-se à

portugueses (Martins, 1991: 18-58.).

superfície parietal da capela-mor,

e

comerciais

e

ascensão

dando azo à igreja forrada de ouro. São cadências da originalidade da nossa

arte

amplitude

do

douramento e trono – que os portugueses levam aos continentes O trono e a tribuna veiculam todo o

asiático (Índia) e americano (Brasil).

sentido espetacular do Barroco, reproduzindo, na unidade do retábulo, a plasticidade e a dinâmica adequada às prescrições tridentinas, não havendo equivalência fora do âmbito cultural português, agora aplicado à liturgia, indubitavelmente uma das funções sociais de maior importância da época. Púlpito do sagrado, a tribuna com o trono, é palco de discursos espirituais, disponível para castiçais,

Na

decoração,

concilia-se

a

inovação com a tradição, ou seja, a plasticidade

dos

novos

ornatos

(folhas de acanto em forma de plumagem, parras e cachos de uva, aves e meninos alegóricos) com a identidade da arquitetura românica portuguesa,

as

arquivoltas

concêntricas, conceito que Natália Marinho Ferreira-Alves propõe que seja revisto.

flores e imagens, emergindo como

As colunas ornamentam-se com

componente primordial na criação

aves

das dinâmicas percebidas através

Ressurreição -, meninos fazendo a

das relações estabelecidas entre

colheita eucarística e os pâmpanos

aquele que observa e os que são

(parras e uvas). Precisamente por

observados.

ser nacional, a talha deste período

(fénices)

símbolos

da

passa por uma organização formal singular com codificações de feição popular e com raízes classicizantes,


358 – Varia

na ornamentação, num diálogo de

A ornamentação busca os modelos

conotações

o

das estampas seiscentistas italianas

douramento profuso. As folhas de

e alemãs, nomeadamente as folhas

acanto, já da tradição greco-latina,

de acanto. Johann Stapff, com

em alto relevo agregam meninos e

publicação

aves,

banco

Augsburgo, é uma das fontes para o

(painéis, mísulas e pedestais) em

acanto, embora os modelos tenham

composições

proveniência

eucarísticas

principalmente

consonantes

mísulas,

o

das

Acomodam-se formando,

às

no

movimentadas com

ascensional

com

nas vezes,

fantásticos

em

de

em

1590-1620.

As

estampas italianas reeditadas na

colunas.

segunda metade de Seiscentos por

pilastras,

Giangia, Rossi e Stefano della Bella

com

as

(1639-1650) têm prossecução em

fustes:

os

Filippo Passarini, no ano de 1698.

com maior liberdade, nos painéis da e

1670,

caráter

quartelões, nos frisos, onde correm

tribuna

em

agrupamentos

geométricos (X ou 8, na qual, a folha de acanto, imitando volutas, alinha-se em dois pares, um sobre o outro) (Rodrigues, 2004, I: 242-243).

O acanto densifica o percurso e a visão barroca, numa interação subordinada a um eixo dominante, a nova relação dos espaços interior e

situações

de

transposição

retabulística para a Galiza, como é o caso do retábulo-mor e colaterais de

Santa

Marina de

O

Rosal

(Pontevedra), de entalhador não identificado.

As

organizativas

e

retábulo-mor,

tão

exemplos enquadrá-lo

soluções

decorativas

do

próximas

de

nacionais, neste

permitem formulário

(Folgare de Lacalle; 2003, 480483.).

exterior, na ênfase decorativa da

Este é o Período Nacional onde o

talha, corporizando os exercícios

cruzamento entre a estrutura, o

espirituais lançados por Loyola, na exacerbação dos sentidos.

simbolismo

ou

a

metáfora

proporcionam um discurso no qual a escultura, já como valor crescente e dominante, está em contravenção com a estrutura, a ordem e a proporção. Cenário de profunda


359 – Varia

argúcia pela parenética inicial e metáfora agregadas que sacralizam os aspectos estruturais, cromáticos e lumínicos (Rodrigues, 2004, I: 244).


360 – Varia

Reiteramos o que atrás afirmamos: esta capela não é mencionada nas MP

1758

(ANTT

-

Dicionário

Geográfico). Lapso do pároco ao serviço dos vizinhos beneditinos? A

A capela da Casa da Companhia (de Jesus)

construção do templo, bem como o ser retábulo, o integram-se integram nos cânones

do

poderíamos

Barroco, estar

pois perante

construções “ao estilo” O retábulo em estudo [Fig. 1] integra-se, se, de pleno direito, no Barroco Nacional.

[Fig.1]


361 – Varia

Apresenta

um

corpo

com

três

colunas; edícula a substituir o trono; entablamento coroamento

interrompido; com

arquivoltas

correspondentes à 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª

Estrutura

colunas,

substituídas

por

fragmentos de arco na 5.ª e 6.ª colunas para acerto com o teto de masseira; três aduelas ligam as arquivoltas e a restante talha, como se existissem três arquivoltas; a estrutura

assenta

num

embasamento constituído por um banco e um sotobanco.


362 – Varia

Concordante com as exigências do Barroco Nacional: aves, meninos, parras e uvas nas colunas; folhas de acanto no embasamento e no coroamento; cabeças aladas no

Ornamentação

friso interrompido do entablamento e no coroamento. Composições: i)

menino e ave nas colunas [Fig. 5];

ii)

cabeça alada, aves e acanto nos painéis do banco do embasamento [Fig. 6];

iii)

meninos

entrelaçados

em

acanto nas mísulas [Fig. 2]; iv)

sobrepujando

o

sacrário,

meninos emaranhados em acanto

e

segurando

um

diadema [Fig. 8]; v)

meios-corpos (grotescos) no embasamento [Fig. 1].


363 – Varia

O

retábulo

da

capela

integra

imagens conforme as regras ditadas pelo

Concílio

de

Trento.

Nos

espaços intercolúnios, Santo Inácio

Iconografia

de Loyola é colocado no lado do Evangelho e S. Francisco Xavier no lado da Epístola, a padroeira, Nossa Senhora da Conceição, no camarim, obedecendo-se

ao

programa

iconográfico jesuítico. As incoerências verificam-se no aditamento de pequenas imagens: S. Simão, S. José, S. Francisco Xavier e S. Sebastião. No retábulo da sacristia (Cristo Crucificado),

funcionando

mais

como oratório, o Menino Jesus, S. Joaquim, e mais duas imagens (S. Gonçalo,

dominicanas?)

acrescentos

são

posteriores,

desvirtuado a leitura da caveira lembrete inegável da morte que iria ajudar as pessoas a transcender o mundo material.


364 – Varia

O entalhador quase dominava as regras mais eruditas, presumindo-se a autoria de um artista regional. Penafiel foi, nos séculos XVII a XIX,

O artista

uma vila e cidade de artistas, com o predomínio de pintores, subsistindo pelas encomendas da Santa Casa da Misericórdia, primordialmente. Relembramos

a

influência

das

escolas artísticas das cidades do Porto, Braga e Guimarães, com espécimes existentes a retratarem a erudição que as imbuía. Discriminam-se os elementos mais percetíveis

da

periferia

artística

onde se inclui o presumível autor do retábulo: i)

meninos

ligeiramente

desproporcionados, abarcando dois bojos da coluna [Figs. 4 e 5]; ii)

enrolamentos de acanto do banco quase tocando a base das colunas [Fig. 2];

iii)

cabeças ampliadas

aladas no

friso

interrompido entablamento [Fig. 7].

de


365 – Varia

Imagens a ladear o sacrário e defronte às 1.ª e 2.º colunas [Fig. 1].

Desconexões

Intercolúnios

com

peanhas subsequentes ao traço original [Fig. 4].

Porta

do

posterior,

sacrário com

acrescento de cabeça alada [Fig. 8].

Edícula substituindo o trono [Fig. 1].


366 – Varia

Estado

de

conservação

razoável. •

Pintura e douramento

Folha de ouro descascada nalgumas zonas do remate (5.ª

mísula,

no

embasamento...); deterioração do estofado de aves, com repinte; ausência de carnação nos meninos [Figs. 2, 5 e 8].


367 – Varia

Evitar

as

floreiras

pela

humidade que deteriora as madeiras [Figs. 1 e 6].

Ajustamentos requeridos

Em

caso

escusar

de o

intervenção, recurso

restauradores permitindo limpeza

das

de

aos Braga,

somente

a

madeiras,

a

e

a

desinfestação

consolidação das pinturas e douramentos. •

Retirar as imagens a mais ou, em alternativa, colocar etiquetas com a informação de que não pertencem ao retábulo [Fig. 1].

Concluindo: o retábulo da capela da Casa da Companhia é riscado para o espaço em causa, situa-se num bom nível de interpretação regional, enquadrando-se

no

Barroco

Nacional. Compete aos proprietários conservá-lo de acordo com as indicações acima indicadas.


368 – Varia

Referências bibliográficas: CALADO, Margarida (1989) – “Estilo Nacional” in Dicionário da Arte Barroca em Portugal, Coord. de Paulo Pereira. Lisboa: Editorial Presença. p. 304-305. FERREIRA-ALVES, Natália Marinho (1989) - A Arte da Talha no Porto na Época Barroca (Artistas e Clientela), I vol. Porto: C. Municipal. FOLGARE DE LACALLE; Maria Cármen (2003) - “La influencia portuguesa en los retablos barrocos

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Porto: Departamento de Ciências e Técnicas do Património da FLUP, p. 480-483. GOUVEIA, António Camões (2000) – “As Artes e o Sagrado, vol. 2.” in História Religiosa de Portugal, Dir. de Carlos Moreira Azevedo. Rio de Mouro: C. de Leitores. KUBLER, George (1988) – A Arquitetura Portuguesa Chã. Entre as Especiarias e os Diamantes 1521-1706. Lisboa: Assírio Bacelar. MARTINS, Fausto Sanches (1991) – “Trono Eucarístico do Retábulo Barroco Português: Origem, Função, Forma e Simbolismo” in Atas do I Congresso Internacional do Barroco. Porto: FLUP, p. 18-58.

MOURA, Carlos (1993) – “Uma Poética da Refulgência: a Escultura e a Talha Dourada” in “História da Arte em Portugal”, vol. 8. Lisboa: Alfa, p. 106-107. OLIVEIRA, José António (2000) – [“Visitações às Igrejas da Comarca de Sobretâmega”] in Congresso Histórico 98 Atas, vol. II. Amarante: Câmara Municipal de Amarante.

PAIVA, José Pedro (2000) – “As Visitas Pastorais, vol. 2” in História Religiosa de Portugal, Dir. de Carlos Moreira Azevedo. Rio de Mouro: C. de Leitores, p. 252) POLÓNIA, Amélia () – “Receção do Concílio de Trento em Portugal: as normas enviadas pelo cardeal D. Henrique aso bispos do Reino, em 1553”. In GOUVEIA, António Camões, BARBOS A, David Sampaio, PAIVA, José Pedro (Coord. de) - O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquistas: olhares novos. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, p. 132-143. Acessível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2228.pdf>. (Cons. 13 jan. 2013).


369 – Varia RODRIGUES, José Carlos Meneses (2001) - A Talha Nacional e Joanina em Marco de Canaveses, vol. I. Santa Maria da Feira: Câmara Municipal do Marco de Canaveses. RODRIGUES, José Carlos Meneses (2004) - Retábulos no Baixo Tâmega e no Vale do Sousa (Sécs. XVII-XIX), vol. I. Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, p. 11-25. Policopiado. SERRÃO, Vítor (2003) – História da Arte em Portugal. O Barroco. Lisboa: Presença.

SERRÃO, Vítor (2014) – “Impactos do Concílio de Trento na Arte Portuguesa entre o Maneirismo e o Barroco (1563-1750)” in GOUVEIA, António Camões, BARBOSA, David Sampaio, . PAIVA, José Pedro (Coord. de) - O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquistas: olhares novos. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, p. 103-132. Acessível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2228.pdf>. (Cons. 13 jan. 2013). SMITH, Robert C. (1963) - Talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte.


370 – Varia

REVISTA EVISTA DE EDUCAÇÃO DA ESE DE FAFE

“O Concílio de Trento, marca indelével do património artístico-religioso, religioso, até aos nossos dias, as visitações aos templos, as coordenadas do Barroco Nacional e a leitura do retábulo são os pontos que desenhamos para este estudo.”

VARIA 005


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