especial copa
Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social do UniBH Ano 31 • número 195 • Julho de 2014 • Belo Horizonte/MG
Da dúvida à saudade Enquete do IMPRESSÃO revela sentimentos paradoxais do povo de BH diante da Copa
Alex Moura
Teve Copa, e ela, como tudo em nosso país, dividiu opiniões. A priori, aqueles que enxergam a competição apenas pelo viés esportivo, não têm nada a reclamar. O futebol apresentado pelas seleções, na maioria do tempo, agradou. Muitos times eliminados voltaram para casa com a sensação de dever cumprido. Mais do que isso, com sentimento de êxito, pois haviam feito o melhor, a vitória não esteve ligada ao resultado final, mas, sim, às atitudes, à forma como se entregaram em cada bola, em cada lance. E para o belo-horizontino, o que o maior torneio de futebol, organizado pela FIFA, representou? A reportagem do IMPRESSÂO, durante o evento, foi às ruas para saber a palavra que o morador da capital mineira atribuiu à competição. Dez repórteres entrevistaram, em diversas áreas da cidade, mais de 900 pessoas, com um pedido: “diga o que a Copa significa para você
em uma única palavra”. Teve de tudo: elogio, crítica, resposta-padrão (exprimida sem muito pensar, dada apenas para encurtar o infortúnio), mas recebemos também várias respostas inusitadas. Nas 914 entrevistas, 265 palavras diferentes foram citadas. Festa, com 55 ocorrências, foi a palavra preferida. A segunda – e que confirma como o evento gerou os sentimentos mais distintos (a derrota da seleção brasileira pode ter interferido também, mas é algo difícil mensurar) –, foi Decepção (44 citações). 31 pessoas escolheram Emoção e Alegria para definir o certame. Neymar (26), Magia (25), Feriado (23), União (22) e Futebol (20) vêm a seguir. O “Top Ten” é fechado com as 19 pessoas que simplesmente responderam Nada. Na faixa intermediária, muitos entrevistados relacionaram a Copa ao prazer, lembrando palavras como Entretenimento (12), Bar (8), Cerveja (7), Diversão (7), Folga (6). Outros foram mais pessimistas, citando Roubalheira e
Corrupção (ambos com 17), Palhaçada e Vergonha (com 10), Roubo (9) e Despreparo (5). Palavras inusitadas não faltaram: 4 pessoas citaram Zoeira, outras 4 optaram por Bosta e 3 disseram Foda. Entre as 199 palavras citadas uma única vez, destacamos algumas curiosidades: Viaduto, Extremidades, Forró, Fuleco, Legalzinha, Mordida, Prorrogação, Tatuagem, Treta e Vértebra. E os jogadores foram pouco lembrados entre os quase mil entrevistados: além de Neymar, citado acima, surgiram apenas Podolski (com 2 ocorrências), Paulinho e Messi (com 1 cada). O melhor do mundo, Cristiano Ronaldo, passou em branco. Participaram da enquete: Alex Moura, Arthur Möller, Barbara Germano, Edu Oliveira, Emerson Araújo, Izabella Borges, Izabella Medeiros, Ludmila Bernardes, Maíra Leni e Wilson Albino.
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Belo Horizonte, julho de 2014
Manifestações
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O gigante acordou... e foi pro estádio Durante a Copa das Confederações de 2013, houve muitos protestos. Por que este ano foi diferente? JÉSSICA AMARAL
Durante a Copa, movimentos sociais protestaram contra a realização do torneio e lembraram dos transtornos gerados pelo evento
Edu Oliveira Izabella Borges Ludmila Bernardes Maíra Leni Wilson Albino
Durante a Copa das Confederações de 2013, houve muitos protestos. Porém, em 2014, o mesmo não ocorreu. Por quê? Quando a Brazuca rolou em São Paulo, no dia 12 de junho de 2014, para Brasil e Croácia, os olhos do mundo inteiro estavam voltados para a maior e mais importante competição de futebol do mundo, e o melhor, com o “padrão FIFA”. Um ano antes, no sexto mês de 2013, os noticiários de todo país destacavam a ida do povo brasileiro às ruas e avenidas, dando início à maior onda de protestos do século XXI em solo tupiniquim. Milhões de pessoas exigiam investimentos do governo em áreas básicas, como saúde e educação, redução do preço da passagem de ônibus, além de criticar os gastos para a realização
da Copa do Mundo. As principais capitais do país receberam as maiores passeatas da população. Crianças, jovens, adultos e idosos de diferentes classes sociais apoiaram a ação do povo, enquanto a seleção brasileira conquistava o título da Copa das Confederações, evento teste para o que viria um ano depois. Em Belo Horizonte, o principal ponto de encontro dos manifestantes foi a Praça Sete, na Região Central da cidade. Em eventos marcados pelas redes sociais, o espírito revolucionário ganhou muita força e extrapolou fronteiras. Em determinado momento, a multidão, que tinha cartazes, rostos pintados e muita vontade de virar o jogo fora do campo, caminhou quilômetros em direção aos estádios. Em algumas destas caminhadas, confrontos entre polícia e manifestantes, quebradeira, pichações e confusão fragilizaram e assustaram muitos dos que apoiavam os protestos. Ao final do evento teste para o mundial, as manifestações foram
adormecendo gradativamente, mas a sensação era de que tudo se repetiria entre junho e julho de 2014. Desde então, o tema foi discutido por especialistas na tevê, Congresso, universidades e bares, e a maioria das reivindicações de diferentes classes aconteceu na rua. Servidores públicos, ocupações populares, organizações de esquerda e famílias de vítimas da violência se reuniam nas ruas para atingir qual fosse o objetivo. Até que chegou 2014. No calendário do brasileiro, três grandes eventos: o carnaval, a Copa e as eleições. Jornalistas de todo o país receberam treinamento para cobrir as prováveis manifestações de junho. O governo, bombardeado pela desconfiança da mídia internacional, se movimentou para garantir a segurança dos brasileiros e estrangeiros que chegassem ao país, além da realização da melhor competição de futebol da história. Em Belo Horizonte, foi criado o Batalhão Copa, formado especialmente para o mundial. Se, em 2013, a
capital mineira contava com 1.580 policiais, de acordo com a Polícia Militar (PM), em 2014, cerca de 13 mil homens foram responsáveis pela segurança, sendo três mil do Batalhão Copa, três mil do Comando de Policiamento Especializado e seis mil do Comando de Policiamento da Capital, além de quase mil homens da área administrativa. “O principal passo dado pela PM foi realizar a prevenção de novos ataques dos black blocs. O nosso objetivo era priorizar a população ordeira, a família e o torcedor de bem. Ou seja, todas as pessoas que gostam de futebol, inclusive os turistas”, ressaltou o tenente-coronel Hércules de Paula Freitas. Porém, nada do que foi visto em 2014 pôde ser comparado ao registrado um ano antes, quando o mundo noticiou que “o gigante havia acordado”. Até a data de estreia da Copa do Mundo, alguns eventos foram marcados, mas nenhum tomou a proporção atingida na Copa das Confederações. Se no ano pas-
Manifestações
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sado milhares e milhares de pessoas saíram de casa para reivindicar, agora, os grupos não passavam de algumas centenas. Para a estudante de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais Carolina Campelo, a falta de foco e o medo da violência foram os principais fatores que fizeram com que a maioria da população não retornasse aos protestos. “Muitas pessoas deixaram de acompanhar as discussões relacionadas às manifestações por conta dos atos contra patrimônio público e até contra a integridade física dos participantes. Enquanto não houver uma reunião para definir estratégias e se chegar a um denominador comum, as pessoas que, de fato, pleiteiam por melhorias, se desanimam”, disse. A Polícia Militar utilizou uma técnica de “envelopamento”, idealizada em 1986, em Hamburgo, na Alemanha, para evitar que as pessoas que se concentraram na Praça Sete se deslocassem para outras regiões da cidade, principalmente em dias de jogos no Mineirão. No dia da abertura da competição, 20 pessoas foram presas durante as manifestações na cidade. Coquetéis Molotov e toucas ninjas foram apreendidos durante depredação de uma viatura da Polícia Civil, em frente ao Departamento de Trânsito de BH. Desconfiança
A ação da PM dividiu a população belo-horizontina. Para alguns, foi uma tentativa de cercear o direito de se manifestar garantido pela
legislação brasileira, como explica o sociólogo e cientista político Rudá Ricci. “Os protestos criaram grande desconfiança pública em relação aos gastos governamentais, que, até então, eram percebidas como normais. Finalmente, colocaram em questão os impactos sociais das obras públicas e a questão da habitação popular. A ação das PMs durante a Copa foi um descaso com o Estado de Direito”, relatou. Diante de inúmeros questionamentos relacionados à ação durante a realização da Copa do Mundo no Brasil, a PM mineira ressaltou que o objetivo não era impedir os protestos: “Independentemente do número de pessoas que saíram às ruas em 2014, posso afirmar que o trabalho da polícia seria o mesmo. O efetivo estaria presente para garantir a segurança e a ordem seja qual fosse a situação. O que precisamos entender é que a PM é a favor da paz, segurança e respeito ao patrimônio. Isso foi passado para todos os nossos policias”, completou o tenente-coronel Hércules, comandante do Batalhão Copa. Nos últimos doze meses, vários movimentos sociais que se propagaram e ganharam adeptos com a ajuda da internet se uniram para questionar o dinheiro gasto em obras para a realização do torneio de futebol. Um deles é o Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (COPAC), organizado por pessoas vitimadas direta ou indiretamente pela competição, como os que perderam moradias ou emprego. De acordo com o COPAC, mais de 400 famílias ficaram sem traba-
Manifestantes cobram a democratização do futebol
lho e cerca de quatro mil empregos indiretos foram extintos durante o tempo em que a feira do Mineirinho ficou fechada, além da população que foi desalojada para obras do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC). “É preciso ter claro que estamos lidando com uma mudança geracional, o que inclui a forma de protestar. Estamos lidando com a geração das redes sociais, que não se mobiliza em organizações permanentes, mas como ‘enxames de abelhas’. O contato ou convite é direto, via smartphones, e a adesão é pessoal, dificilmente grupal. Cada um chega com sua demanda ou protesto, o que faz de cada cartaz uma manifestação, formando um enorme mosaico. Foi assim nos EUA, Europa, Ásia, África e América Latina nestes primeiros anos do século XXI”, completou Rudá Ricci. O papel da mídia
Outro fator levantado para explicar o distanciamento da maior parte da população em relação aos protestos é o trabalho feito pela mídia. Segundo Fidélis Alcântara, representante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), houve um alarde extremado por parte da imprensa. “A mídia gerou uma forte criminalização dos atos, reforçando as questões da violência e dos tumultos, enquanto simultaneamente escondia ou confundia as pautas das manifestações. Em seguida, o grande aparato de repressão montado e divulgado para as manifestações. Em Minas Gerais, 80% de
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todo o contingente da Policia Militar foi transferido para a capital, enquanto a grande mídia noticiava a compra de novos equipamentos, novas táticas de enfrentamento e preparo das tropas” relatou. Para a socióloga Maria Cristina Leite, mesmo não tendo um foco principal, as manifestações contribuíram para mostrar uma nova postura do povo brasileiro. “Elas mostraram que o povo, ao contrário do que diz o senso comum, tem a capacidade de manifestar suas insatisfações e disposição para fazer isso coletivamente e publicamente. Mesmo que de forma difusa, diferente dos movimentos sociais tradicionais organizados, essa foi uma experiência muito positiva, um sinal, um alerta para os políticos, uma amostra de que não estamos satisfeitos com o estado das coisas”, relatou. Mesmo com o fracasso retumbante da seleção canarinho dentro das quatro linhas e toda movimentação feita pelo povo, todas as discussões levantadas durante um ano no Brasil contribuíram para o amadurecimento e o desenvolvimento das questões sociológicas da nação, como afirma a estudante Carolina: “Sem dúvida o Brasil tem muito a agradecer com a realização da Copa. Por exemplo, a geração de empregos e turismo sendo extremamente elevados. Tanto se falou sobre caos aéreo, violência, perigo de ausência de entrega correta dos estádios, mas conseguimos fazer tudo da melhor maneira possível. Por conta disso, fica o pedido: Copa 2018 no Brasil, por favor”.
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Gringos
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Turistas fora do padrão População de BH e, principalmente, comerciantes se surpreenderam com o perfil dos visitantes que vieram ao país assistir ao Mundial Jéssica amaral
Eles vieram: cidades brasileiras receberam quantidade recorde de turistas, porém o perfil dos visitantes é bem diferente do que era esperado
Emerson Araújo Wilson Albino
É famosa a vocação de BH para o turismo de negócio. Mas como a cidade reagiu à invasão de torcedores apaixonados e, muitas vezes, de bolsos vazios? O governo fez seu levantamento oficial e os números realmente impressionam pelo volume de turistas que estiveram no país durante os 30 dias de evento. Segundo a Polícia Federal, o Brasil recebeu cerca de 700 mil visitantes. A questão é que muitos desses viajantes não correspondem ao “padrão Fifa” de turista, que se hospeda em hotéis, visita museus e contribui, de fato, para a economia do país. Uma grande parcela, dormiu em praças e praias, comeu em restaurantes populares e aproveitou uma espécie de “Lado B” da Copa do Mundo. Sul-americanos foram os que mais utilizaram esse “pacote classe econômica”. Ainda que as pessoas nascidas no Brasil tenham traços de todas as raças, os olhares entregam tudo. Fora isso, existem as manias, os gestos e os sotaques. Então, inde-
pendentemente da aparência, um brasileiro conhece outro de longe. Não tem jeito. São essas as palavras de Sérgio Pacheco, 41 anos, taxista. De acordo com Sergio, durante a primeira semana de junho de 2014, ele experimentou uma sensação única. Aliás, o sentimento mais esquisito de toda sua vida. “Transportei e convivi com gente de muitas nacionalidades diferentes. Tanto que cheguei a me sentir estrangeiro em meu próprio país. A sensação de que o forasteiro era eu ficava mais evidente quando saía uma pessoa do meu carro e entrava outra emitindo sons que pareciam qualquer coisa, menos palavras”, diz. Taxista há quase uma década, Sergio diz ter se preparado para o evento. Cuidar do visual, manter o veículo brilhando e estar sempre à disposição para corridas extras são atitudes corriqueiras de quem está nesse ramo. Na Copa, o que os cursinhos “relâmpago” de inglês e espanhol não deram conta, os aplicativos para celular, a paciência e as mímicas resolveram e bem, explica. Sérgio afirma que só conseguiu lucrar alguma
coisa na primeira semana dos jogos. Recusa-se a revelar números. Quando perguntado se valeram a pena os investimentos no curso de línguas, fica sério e diz que não. “Para um evento que foi divulgado em mais de 160 países, eu esperava mais, muito mais retorno. Para se ter uma ideia, nos últimos 10 dias de evento o que se viu foi um monte de aventureiros. Gente só com uma mochila pedindo infor-
“ Transportei e convivi com gente de muitas nacionalidades diferentes. Tanto que cheguei a me sentir estrangeiro em meu próprio país.” Sérgio Pacheco
mações, lotando os restaurantes populares e, à noite, fazendo arruaças. Fala-se que o Brasil lucrou muito. Mas gastaou tantos bilhões para promover uma sucessão de erros e decepções do início ao fim”, afirma. Outro taxista, no entanto, viu o Mundial de forma bem mais positiva. Divino Lopes Ramos, 57 anos de vida e com mais de 20 na profissão, lembra que ter tanta gente diferente em seu país foi um aprendizado positivo, por mais que “não entendesse uma vírgula”. Diz que a Copa lhe rendeu boas histórias que nem os pequenos prejuízos com uma corrida ou outra poderiam apagar. “Tinham uns gringos meio doidos que davam sinal e vinham abrir a porta do meu lado, parece que a mão deles é inversa. Estava ficando louco com isso, porque eles já abriam a porta falando um monte de coisa e eu não entendia uma vírgula daquela ladainha. Com tempo, a gente acabava entendendo e conseguia entregar todo mundo em casa, mesmo aqueles que tinham bebido um pouco além da conta. Acho que era importante ficar
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Gringos
Segundo nossos entrevistados, os Argentinos que vieram ao Mundial não foram os mais simpáticos
tranquilo e pensar que poderia ser eu ou um filho meu precisando de ajuda em outro país. Então, tentei ser prestativo mesmo que tivesse um pequeno prejuízo”, conta. Divino lembra ainda de alguns casos pitorescos. Um de seus preferidos é de um chileno que resolveu ir da Toca da Raposa até a Savassi a pé, para economizar um dinheiro visando assistir ao jogo das oitavas de final. “Era um grupo que estava no treino da seleção deles e queria ir pra Savassi festejar com os outros. Como não cabia todo mundo no carro, ele disse que ia caminhando mesmo e pediu pra explicar mais ou menos o caminho. Levei os outros e tinha até me esquecido do rapaz. Fiz umas quatro ou cinco corridas no centro e o encontrei de novo, horas depois, ali perto da Raul Soares, todo acabado. Falei pra ele entrar e dei uma carona pra ele, pela persistência. A gente diz que brasileiro é que não desiste nunca, mas esse sim fez por merecer”, arremata entre gargalhadas.
R$ 10, e alguns deles pagavam sem reclamar. Aí eu fazia “um a mais”, o que ajudou a me manter nessa época. Brasileiro é mais malandro e, agora, tudo volta ao normal. Se depender da boa vontade de torcedor no Mineirão e no Independência, eu ia morrer de fome”, diz. Questionado se não achava desonesta essa prática, Eduardo se esquiva e diz que tudo é uma questão de esperteza. “Tem que ser esperto, né, cara, não pode ficar pensando só no lado dos outros também. Claro que quando eu vendo um latão a R$ 10 eu tenho um lucro bem maior, mas era um caso ou outro, nada de mais. Na maioria das vezes, eu vendia
ao mesmo preço de todo mundo e dava umas voltas quando via que a coisa estava ruim pra mim. Não obrigo ninguém a comprar, eu ofereço e boto o preço. Desonesto é roubar, eu só tinha uma estratégia de mercado”, conta. Lojistas em geral não alegaram ver grande diferença no movimento durante esse período. Contam que puderam ver alguns casos de visitantes tentando pagar com sua própria moeda ou mesmo tentando se informar sobre pontos da cidade bem específicos. Mas se existe algo em que a maioria dos entrevistados concordou, foi sobre os “campeões de simpatia” na Copa: os colombianos.
Salvando a pele
Eduardo Santos, 27 anos, trabalhou com os gringos de uma forma diferente e fez jus ao controverso jeitinho brasileiro. Autônomo, vendeu cerveja nas imediações da Savassi durante os jogos e diz ter faturado bem mais com os gringos do que em seus pontos convencionais, os estádios de futebol. “De início, eu não gostei da ideia da Copa, até por que o pessoal faz um cerco danado em torno do Mineirão, não deixa a gente vender nada lá. A polícia tomou mercadoria minha na Copa das Confederações do ano passado e eu fiquei esperto, tentando achar um jeito de fazer um dinheiro nessa época. Aí apareceu a Fan Fest e essa reunião do pessoal aqui na Savassi, que salvou minha pele. Ia lá pra pracinha e vendia a cerveja a R$ 5, normal. Dependendo do freguês, eu pedia
Torcedores comemorando o bom desempenho da seleção de Costa Rica
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“Era um pessoal muito divertido, tranquilo, e que só queria fazer festa mesmo. Eles tiveram um jogo aqui na cidade no início da Copa e chegaram alguns dias antes, vinham aqui na padaria pra comer alguma coisa e pareciam achar tudo ótimo, encantavam mesmo a gente. Aqui, pelo menos, não teve nenhum caso de tentarem roubar alguma coisa e nem de sair sem pagar. Eu só não entendia o que eles falavam direito, porque era muito rápido. Mas sempre conseguimos descobrir o pedido fazendo alguns gestos, e tudo deu certo Não gostei muito dos argentinos porque tinham nariz em pé. Mas também não criaram problema nenhum pra gente”, conta Zilda Amorim, 48, funcionária de uma panificadora no bairro Prado. O irrepreensível sucesso do mundial se deve muito mais aos brasileiros que construíram essa história com trabalho e dedicação do que a meia dúzia de engravatados suíços que ditaram normas e apareceram nas fotografias. A Copa do Mundo foi para o Brasil muito mais do que se esperava e ajuda a provar, para nós mesmos, a força que o brasileiro tem. Apesar de faltar um planejamento de primeiro mundo, conseguir abusar do talento na hora do improviso. Com a ginga característica do nosso povo, a Copa se realizou de modo impecável. As manifestações tropeçaram na violência de uma minoria e parecem ter perdido identidade.. E não há 7x1 que invalide isso. Perde-se um hexa, ganha um país mais confiante. Os efeitos do Mundial sobre cada setor serão sentidos, de fato, a médio e longo prazo, mas o reconhecimento da soberania e competência, apesar de um ou outro revés, é imediato.
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A Copa e eu
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A Copa do Mundo é nossa! Com o IMPRESSÃO, não há quem possa... Emerson araújo
Emerson Araújo
Assistir à Copa do Mundo in loco é o sonho de todos os amantes do futebol. A grande maioria dos brasileiros, no entanto, sempre passou longe dessa possibilidade, até os mágicos meses de junho e julho de 2014, quando o Mundial foi realizado no solo da pátria mãe
gentil. E alheios às promessas de violência e manifestação, milhares de ‘nativos’ congestionaram o site da FIFA e se debulharam na luta para conseguir um ingresso e assistir aos craques do planeta bola bem de perto, ali mesmo no Estádio Mineirão. Era a chance única para muitos conseguirem o tão desejado ticket
e estarem presentes na grande festa do futebol. E a disputa era árdua para comprar o passaporte para ‘El Dorado’. À medida que a competição se afunila, torna-se praticamente impossível garantir uma cadeira nas Arenas “padrão FIFA”. Por dois fatores simples: a quantidade de convidados do governo, da organi-
zação, dos atletas, do clero e de todos que têm alguma influência e, principalmente, o valor das entradas, que é bem acessível na primeira fase, mas vai exponencialmente atingindo preços impraticáveis para um trabalhador “não coxinha”. Não quis ofender, desculpa qualquer coisa. Coube ao nosso Estado abrigar sete partidas do Mundial, duas da Seleção Brasileira. Se havia a incerteza de receber o escrete canarinho em Belo Horizonte, ela se dissipou quando o time de Felipão garantiu a primeira posição em seu grupo e enfrentou os chilenos nas oitavas de final. Após Júlio César e as traves garantirem a classificação nos pênaltis, o time voltou ao estádio para enfrentar os alemães pela semifinal. E um estrondoso 7x1 por parte dos rivais deu fim ao sonho do hexa dentro de casa. O Mineirão foi palco de um ‘Mineirazzo’. E a história do futebol escreveu uma nova página triste para o povo brasileiro, mas inesquecível para o mundo da bola. A partir de agora estão convidados para ver as impressões que três repórteres do IMPRESSÂO tiveram ao ver um jogo de Copa do Mundo no quintal de casa.
Fervorosamente perdida Isabelle Boaventura
Nunca fui admiradora de esportes. No meu mundo, onde a lei privilegia o sedentarismo, o futebol é considerado uma perda de tempo danada. Sou daquelas que torce por um time por influência – e certa pressão psicológica – do pai. Por isso, não poderei fazer uma análise técnica do jogo Colômbia x Grécia, citando nomes de jogadores e lances inesperados, muito menos algo que fará o leitor entender aspectos interessantes da ginga no futebol internacional. O que se segue é apenas o registro da experiência incrível que foi assistir, de pertinho, a uma partida de Copa do Mundo no meu país, no meu Estado e na minha BH. Dentro do Estádio Governador Magalhães Pinto, logo quando atravessava os corredores que contornam as entradas para a arquibancada, sentia-me como se estivesse indo à entrega do Oscar. Os convidados, elegantíssimos, saltam de suas enormes limusines e milhões de
fotógrafos esperam, atentos, para registrar em flash aquele momento. Milhões de luzes piscavam entre tantos torcedores enlouquecidos com o soar do hino da nação que os representava e apresentava seu futebol-arte. Rostos emocionados, o patriotismo que eu sempre quis ver no olhar dos brasileiros, o amor pelo seu país. Futebol é um momento mágico, quando o torcedor ao lado compartilha de seu sofrimento e da sua alegria como se estivesse ao lado do melhor amigo de infância. Os torcedores da seleção sul-americana eram maioria. Tinha grego vestido de gladiador e colombiano dançando o hit do último carnaval. Por apoio a nuestros hermanos, torci, fervorosamente, para a Colômbia. No auge da minha infância, não conseguia entender o significado da Copa de 2002, quanto mais sua grandeza. Meu pai e eu combinávamos de assistir aos jogos de madrugada. Ele acordava e tentava me chamar todas as vezes, mas eu resmungava e voltava a dor-
mir. No dia seguinte, chorava e pedia para ele tentar novamente na próxima noite, e assim foi durante todo o campeonato. O jogo da final foi bem cedo e eu consegui ver o Brasil levantar a taça do penta. Porém, desde então, não tive mais esse interesse. Em 2014, foi diferente. O jogo seguia, em meios a cervejas, risadas e conversas entre gringos se expressando em portunhol. Eu permanecia atenta aos lances que pouco entendia, mas me maravilhava com a sensação de poder contar aos meus netos que eu estava lá, que presenciei a “Copa das Copas”, aquela que o Brasil sediou. Eu vi meu país recebendo atenção e os elogios que merece. A Grécia até tentou, mas a Colômbia venceu por três a zero. Na saída, colombianos cantavam, riam e comemoravam. Um deles me parou e disse que os gregos estavam tristes e cabisbaixos. Sorri, pois sabia que nesse jogo, e na Copa, meu país sairia vencedor, por ter proporcionado tal alegria ao povo brasileiro.
A Copa e eu
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Histórias e gerações
Emerson Araújo
Em 25 anos de vida, já fui ao Mineirão umas 200 vezes. Apaixonado por um time da cidade, lembro-me da primeira vez no estádio para ver um glorioso Cruzeiro e Caldense, disputado pelo Campeonato Mineiro de 1999. Desde então, muita coisa se passou, já vi jogos decisivos, títulos, derrotas humilhantes e vivi emoções indescritíveis no gigante da Pampulha. Mas um jogo de Copa do Mundo fez tudo o que vivi, todas as lembranças, parecer um re-
trato velho e amassado esquecido num álbum qualquer. A entrada no estádio foi burocrática a ponto de fazer inveja aos gênios da Minas Arena. Após 40 minutos numa fila interminável, sob um sol escaldante, tudo certo. E lá estava eu, munido de uma camisa do Brasil (para tentar uma trocar com algum belga), com meu inglês de filmes e seriados norte-americanos e botando fé na mímica para me comunicar com qualquer um. Mais brasileiro que isso, impossível. O duelo entre Bélgica e Argélia era a estreia
das duas seleções na competição. A Argélia, como franco-atiradora, e a Bélgica com a responsabilidade de honrar os elogios feitos à sua ótima geração, com jogadores extremamente badalados por seus desempenhos nos principais clubes da Europa. Dando uma olhada no estádio, tudo era diferente de tudo que eu já tinha me deparado. A torcida belga espalhada, mas reforçada pelos brasileiros. Já os argelinos, mais concentrados em um setor do estádio, conseguiam ecoar seu “One, two, three, viva l’Algerie!” em alguns momentos, também apoiados por quem vestia amarelo. Assistir a futebol de qualidade e de forma imparcial deve ser a melhor experiência que se pode ter nesse esporte. O jogo em si, todos sabem como ficou, vitória belga de virada, por 2x1. Mas a diversão foi muito além do que se passava dentro do gramado. Foi a prova cabal de que o gol é só um detalhe. Te entendi, Parreira! O grande episódio do dia foi mesmo a tentativa incessante de conseguir uma camisa da Bélgica. Pena foi constatar que o futebol brasileiro não tem mais aquele prestígio de outrora. Os belgas não se interessavam pela troca, e eu posso jurar que eles entendiam muito bem o que eu dizia. Daí comecei a tentar uma peruca do Fellaini, famoso jogador do país que ostenta um black power de fazer inveja. Também sem sucesso. Resignado com o insucesso da missão, ficará para sempre a sensação de ver a história do futebol sendo escrita debaixo do meu nariz. E isso, aliado a duas ou três dezenas de gringos bêbados que conversei (ou ao menos tentei) no estádio, fica como o verdadeiro legado da Copa.
Vi o pior jogo da Copa. E daí? Alex Moura
A minha experiência na Copa não se resume ao dia que meu ingresso marcava para a partida entre Inglaterra e Costa Rica, no Mineirão. Começou bem antes, no fim do ano passado. Tentei vários ingressos, porém, consegui somente um. Desde o princípio achava que, pelo fato de a partida ser a terceira disputada pelas equipes, a última da fase de grupos, o jogo já não valeria mais nada, pois presumia que a Inglaterra já estaria classificada. Acertei em relação ao caráter amistoso da partida, porém, errei feio no que tange à seleção classificada. Para minha surpresa – e de todo mundo também – quem ficou com a vaga antecipada foram os “ticos”, apelido dado aos costa-riquenhos. Mas voltemos àquilo que cerca o jogo. Que, no fim, foi mais interessante do que a partida. Pra não me atrasar, coloquei o despertador para despertar 30 minutos mais cedo do que o horário em que normalmente acordo. A partida começaria às 13h, porém a recomendação é para chegar cedo. Assim fiz. Fui para o centro de BH, na Avenida Paraná peguei um possante ônibus do MOVE que me deixou na estação Mineirão, na Avenida Antônio Carlos, que fica, no mínimo, a 2 km do estádio. Enquanto comprava o bi-
lhete e, depois, no percurso, tive a companhia de vários ingleses, nada animados, pois o fiasco da seleção já estava consumado. Vi pouquíssimos costa-riquenhos. O sol escaldante não ajudava a caminhada até o estádio, parei para beber e comer algo em uma padaria, pois bancar os preços que a FIFA cobra não é pra qualquer um. Portanto, a padaria era mais viável, mesmo tendo alguns preços inflados. Eis que lá encontrei um velho amigo que também fazia uma boquinha. Enquanto lanchávamos, colocamos também o papo em dia. Barriga cheia, pé na areia. Fomos em direção ao imponente Gigante da Pampulha. E tome sol na moleira. Ah, é importante dizer que, enquanto caminhava, era possível ver vários, isso mesmo, vários cambistas vendendo ingresso na cara da polícia, que, claramente, dava uma de “João sem braço”, fingia não ver. Cheguei ao Mineirão, precisei andar pelo entorno do estádio para achar o setor do meu assento. Quando encontrei, tive que entrar em uma fila que não era padrão FIFA, pois não tinha nenhuma organização, e, enquanto permaneci nela, pude ver várias pessoas dando o famoso “migué”, furando a fila na cara dura. Nesse espaço de tempo até entrar e achar meu lugar, um fato curio-
so aconteceu. Fui ao jogo com minha camisa do glorioso West Ham United, um time mediano da Inglaterra, e eis que alguns torcedores dos “Hammers” me cumprimentaram com uma saudação da torcida deles. Cumprimentei-os e segui na fila, pois estava impossível ficar ali na Esplanada,
o calor era “ensurdecedor”. E o jogo? Ah, o jogo foi um dos piores da Copa. Um 0x0 que classificou os Ticos em primeiro do grupo. Creio que só as pessoas que estavam ali assistiram à partida, pois, no mesmo horário, em Recife, Itália e Uruguai se mordiam pela segunda vaga do grupo.
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Ensaio
Impress茫o
A hist贸ria em quatro linhas