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Dezembro de 2021
PRIMEIRAS PALAVRAS
Jornal Impressão
EDITORIAL
EXPEDIENTE
Por Alexandre Santos Basta uma rápida pesquisa para entender a problemática da ânsia pelo “progresso” que as grandes na-
REITOR: Rafael Ciccarini DIRETOR DO CAMPUS BURITIS: Eduardo França
ções ao redor do globo buscam desenfreadamente,
COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO: Fernanda Gomes
mesmo que isso custe a qualidade de vida da popu-
LABORATÓRIO DE JORNALISMO
lação que, em tese, é a parte constituinte mais relevante quando falamos em sociedade. Ao passo em que avançamos em aparatos tecnológicos e rompemos as fronteiras, por meio do digital, continuamos a construir muros que nos separam, não apenas em classes, mas em oportunidades. Dentre as várias privações que as classes menos favorecidas enfrentam, como a fome, a violência e a deficiência de um pleno bem-estar, outra forte problemática que podemos elencar é a desigualdade no acesso à educação e cultura. A pesquisa Cenário da Exclusão Escolar no Brasil nos apresenta que, ape-
EDITORA: Dandara Andrade EDITOR ASSISTENTE: Lucas Wilker DIAGRAMAÇÃO: Bianca Victória PROJETO GRÁFICO: LEGRA – Laboratório de Experimentações Gráficas ESTAGIÁRIOS: Alexandre Santos Amanda Ferreira Carolynne Furtado Eller Zant Íris Aguiar Luís Otávio Peçanha Mylene Melo Rafael Alef
nas no ano passado, 5,1 milhões de crianças não conseguiram frequentar o ambiente escolar, mesmo que virtualmente. Para mudar esse cenário, cabe a nós, cidadãos, o empenho em fazer a diferença, lutar para que todos tenham acesso ao saneamento básico, equidade social e à educação de qualidade. Por essa razão, estudantes do UniBH decidiram abordar temas ligados à Agenda 2030, da ONU, cujos 17 Objetivos de De-
INFOGRÁFICOS: Bianca Victória ALUNOS QUE ESCREVERAM PARA ESSA EDIÇÃO: Dryelle Scarlet Emannuelly Gomes Gracielle Sol Herculles Marques Ivan Ribeiro Ludmyla Beltrão Nilton Lopes Queren Meyer Rafael Lopes Raquel Miranda
senvolvimento Sustentável visam erradicar, ou diminuir, a disparidade na qualidade de vida entre a população mundial. Como forma de também contribuir para o acesso à cultura, os estudantes lançaram um novo olhar sobre a cena cultural da capital mineira, buscando elencar eventos e locais que vão além do tradicional. Os dossiês desta edição abrem espaço para discutir temáticas que buscam conferir visibilidade e resolver deficiências intrínsecas em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que contribui para a construção do conhecimento. Uma chamada para a ação e um convite à reflexão estão feitos. Boa leitura.
O Jornal IMPRESSÃO é um espaço de prática, experimentação e aprendizagem em Jornalismo, coordenado pela CACAU – Comunidade de Aprendizagem em Comunicação e Audiovisual do UniBH. Mesmo como projeto do curso de Jornalismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Participe do JORNAL IMPRESSÃO e faça contato com nossa equipe: Av. Mário Werneck, 1685 - BH/MG CEP: 31110-320 jornal.impressao@unibh.br
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COMBATE À POBREZA MENSTRUAL Assegurar uma vida saudável e o bem-estar das mulheres é o principal objetivo das iniciativas de luta contra a escassez de recursos de higiene menstrual Por Emannuelly Gomes e Gracielle Sol Nos últimos meses, a escassez de recursos para que as mulheres se cuidem durante o ciclo menstrual ganhou maior notoriedade. Com a pandemia da Covid-19 e a grande crise econômica surgida neste período, a dura realidade dessas mulheres de baixa renda se intensificou. Contudo, uma das principais motivações para a visibilidade dada ao assunto foi o veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) a um projeto que visava a distribuição gratuita de absorventes no Brasil. Com isso, o termo “pobreza menstrual” alcançou o pico máximo de popularidade de uma expressão na principal plataforma de buscas na internet, o Google. A partir do final de agosto, já era possível observar um crescimento significativo nas pesquisas. No entanto, entre 3 e 9 de outubro foi registrado o maior valor total para o índice de interesse do termo.
Interesse ao longo do tempo 100 75 50 25
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Dados: Google Trends. Arte: Bianca Victória.
Outra pesquisa relacionada ao tema, e que também está em ascensão, é o questionamento sobre o conceito de pobreza menstrual. Porém, para entender a ocorrência do fenômeno, precisamos compreender o que é menstruação e quais os cuidados necessários que as mulheres devem ter durante o período. A etapa faz parte da natureza de todas pessoas com sexo biológico feminino. A menstruação é a descamação das paredes internas do útero quando não há fecundação. Essa descamação faz parte do ciclo reprodutivo da mulher e acontece todo mês. O corpo feminino se prepara para a gravidez, e quando esta não ocorre, o endométrio — membrana interna do útero — se desprende. O fluxo menstrual é composto por sangue e tecido uterino. Além disso, a perda de sangue ocorre periodicamente, em função dos estímulos
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hormonais. Assim, a superfície do endométrio se rompe e é excretada pela vagina. Normalmente, a primeira menstruação ocorre por volta dos doze anos de idade. Muitas pessoas acreditam que passar por estes períodos mensais é simples. Coloca um absorvente e tudo estará resolvido. Entretanto, esses ciclos podem ser mais complexos que o esperado. O médico ginecologista, Leonardo Goodson do Nascimento, explica que certos cuidados são de extrema importância para o bem-estar geral da mulher nestes momentos que fazem parte da natureza feminina. O principal, segundo ele, seria o bem-estar físico, em especial dos órgãos genitais. O especialista enumera, ainda, quais as principais cautelas que as mulheres devem ter. CUIDADOS ESSENCIAIS PARA TODAS AS MULHERES Usar sabão neutro para lavar a vagina; Trocar o absorvente de 4/4 horas, no máximo; Não dormir com absorvente interno; Não fazer ducha vaginal interna; Ter cuidado na hora da higiene para não machucar a vulva; Alimentação saudável, evitando alimentos pesados — principalmente açúcares.
cacau
Informações: Ginecologista Leonardo Goodson do Nascimento. Arte: Bianca Victória
Ainda de acordo com o ginecologista, se essas precauções são negligenciadas, podem acarretar patologias físicas como irritações locais e corrimentos variados, provocando odores indesejados. Mas, infelizmente, não são todas as pessoas que têm condições de tratar da saúde menstrual corretamente.
POBREZA MENSTRUAL O estado de pobreza menstrual vai além das baixas condições para comprar absorventes e os demais produtos de higiene indicados. É uma circunstância que ainda enfrenta as barreiras de acesso à água, a falta de recursos e infraestrutura, como o saneamento básico, a desigualdade social e até mesmo a desinformação. Uma pesquisa realizada pela marca Sempre Livre estima que 22% das meninas de 12 a 14 anos, no Brasil, não possuem condições de adquirir produtos de higiene no período menstrual. Os números sobem para 26% quando se trata de jovens entre 15 e 17 anos. De acordo com outro levantamento, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 713 mil meninas brasileiras vivem sem banheiro
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ou chuveiro em casa. Além disso, dados da ONG Trata Brasil mostram que a falta de saneamento básico complica a rotina de cuidados sugerida pelo ginecologista Leonardo Goodson, já que 15 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada e 26,9 milhões vivem sem tratamento de esgoto. Neste cenário, torna-se inviável lidar com a menstruação quando as condições básicas são tão precárias. Em 2014, o direito à higiene menstrual foi reconhecido como um direito humano pela Organização das Nações Unidas (ONU). A falta de estrutura e condições para adquirir utensílios de cuidados femininos precisa ser tratada como uma questão de saúde pública e direitos humanos. Júlia Andreo, representante do projeto Absorver & Florescer, de São Paulo, que tem como objetivo combater a pobreza menstrual, afirma que “durante a menstruação, ter acesso aos instrumentos básicos de cuidado para esse período é fundamental. Além de prevenir doenças e infecções, obtidas pelo uso de materiais indevidos, ter os meios de controlar seu fluxo menstrual permite que essas meninas e mulheres possam viver suas vidas com normalidade, sem precisarem estar em situações em que não podem sair de casa para o trabalho e escola, por conta do sangue menstrual. Possuir um absorvente vai muito além da saúde ginecológica, ele é sinônimo de liberdade e dignidade”. Com os impactos da pandemia do novo coronavírus, que teve seu início, no Brasil, no primeiro semestre de 2020, houve um crescimento geral no número de brasileiros que estão em situação extrema de carência. Já são mais de 27 milhões de pessoas em estado de extrema pobreza, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em consequência, o aumento da pobreza menstrual também é significativo.
Pão, jornal, papelão e papel estão entre os materiais pouco seguros usados por mulheres em situação de pobreza menstrual. Foto: Emannuelly Gomes.
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Muitas mulheres, que se encontram em situação de vulnerabilidade social, precisam escolher entre a comida e os itens básicos de higiene menstrual para aquele mês, e a escolha sempre pende para o lado da alimentação básica daquela família, segundo Júlia Andreo. Ela ainda conta que essa realidade de carência financeira faz com que mulheres procurem meios alternativos para segurar seu fluxo menstrual. “Esses meios variam entre miolo de pão, jornal, papelão, papel e outros materiais pouco seguros, que usados dessa maneira representam um grande risco para infecção e doenças, colocando a vida dessas mulheres em risco todos os meses”. Tais meios podem causar, além de desconforto físico, doenças graves no corpo e na mente, colocando em risco o bem-estar das mulheres. Porém, falar sobre menstruação ainda é constrangedor para muitas delas. Apesar de Júlia Andreo e o médico Leonardo Goodson terem sido ouvidos separadamente, ambos concordam que a menstruação sempre foi vista como algo sujo e impuro, um tabu cultural completamente equivocado. No entanto, o ciclo faz parte da natureza feminina. Por isso, é essencial que o enxerguemos como algo normal, esta ideia infundada de impureza precisa ser desconstruída.
É POSSÍVEL MUDAR O CENÁRIO ATÉ 2030? De certa forma, a situação de precariedade menstrual vivida por algumas mulheres é um problema que destoa da agenda mundial de objetivos e metas a serem cumpridos até 2030, mais conhecidos como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os compromissos foram adotados durante a cúpula das Nações Unidas, em setembro de 2015, e propõem que governos, empresas, instituições de ensino e a sociedade possam agir pensando não só em tornar o presente mais próspero, mas também garantir o futuro das próximas gerações. Ligada às necessidades humanas, de saúde, educação, melhoria da qualidade de vida e justiça, o tópico saúde e bem-estar corresponde ao ODS 3, que pretende assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos. Neste tópico, se inclui a questão da pobreza menstrual e o que podemos fazer para beneficiar as mulheres que passam por isso. O primeiro e mais hábil meio de contribuir para a diminuição da precariedade menstrual é garantir o acesso a absorventes. Alguns países, como a Escócia, a Inglaterra e alguns territórios estadunidenses, possuem leis que asseguram a distribuição de produtos menstruais. No Brasil, porém, o presidente Jair Bolsonaro (PL) — em 7 de outubro — barrou o projeto de Lei nº 4968/19, já aprovado pelo Senado, que previa a distribuição gratuita de absorventes para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação vulnerável e presidiárias. Bolsonaro justifica a medida alegando que o Congresso não previu fonte de custeio para essas ações.
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Garantir a distribuição gratuita de absorventes é um dos meios mais hábeis de garantir a segurança e o bem-estar das mulheres em situação vulnerável. Foto: Pexels.
A suspensão do projeto não causou boa repercussão para o governo Bolsonaro na mídia e nas redes sociais. No entanto, impulsionou a movimentação de diversas ações que incentivam o combate à pobreza menstrual com o propósito de reverter a situação. Projetos recolhem arrecadações e doam para pessoas e comunidades carentes. “Isso é o básico do básico, e deveria ser uma lei. O projeto não precisaria existir se todas as pessoas tivessem acesso às condições básicas”, é o que diz Mariana Madureira, uma das representantes do projeto Dona do Meu Fluxo, parceria entre a Korui Ciclos de Vida e a Raízes Desenvolvimento Sustentável — instituição da qual Mariana faz parte. Sem fins lucrativos, a associação nasceu em 2017, quando as fundadoras entenderam a gravidade da pobreza menstrual. Além de distribuir coletores menstruais para mulheres em situação de vulnerabilidade social, o programa desenvolve workshops que apresentam diversos temas associados ao corpo e à saúde feminina, em que todos, até mesmo homens, podem participar. Já realizaram ações no Vale do Jequitinhonha e, por duas vezes, na Amazônia, em parceria com a Natura, quando mobilizaram comunidades de mulheres que trabalham com as castanhas para os produtos da marca de cosméticos. No entanto, trabalham de variadas formas, realizando, também, editais para que as pessoas que queriam participar se inscrevam. Além disso, contam com parceiros locais para chegar até as comunidades desejadas. Apesar de ser um projeto de abrangência nacional e meios sustentáveis, o Dona do Meu Fluxo esbarra em alguns obstáculos. “Nós temos um diferencial maravilhoso, o coletor menstrual é mais ecológico, mais sustentável, uma alternativa mais avançada do que o absorvente comum. Mas, ao mesmo tempo, não podemos distribuir para pessoas que não têm condições básicas de higiene, por ser um produto que a gente introduz dentro do
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canal vaginal. Se ele não estiver devidamente higienizado, ele pode levar a uma infecção”, relata Mariana Madureira. Felizmente, existem outros projetos, e apesar de ser incipiente, a representante da iniciativa conta que parcerias podem acontecer. Os projetos trocam conhecimentos e, quando necessário, repassam as demandas que fogem do seu público.
CONHEÇA ALGUNS PROJETOS: Dona do meu Fluxo — Projeto social nacional, nasceu na união da Korui Ciclos de Vida e da Raízes Desenvolvimento Sustentável. A iniciativa, além de promover workshops sobre os tabus da menstruação, oferece coletores menstruais em comunidades necessitadas. Para ajudar: acesse a página do projeto.
Região Sul Absorvendo Necessidades (Blumenau - SC): a iniciativa vai ao encontro da população carente da cidade para doar utensílios de cuidado básico. Para ajudar: Pix: E-mail - absorvendonecessidades@gmail.com Absorventes do Bem (Porto Alegre - RS): a iniciativa arrecada e distribui absorventes para população em situação vulnerável. Para ajudar: pontos de coleta da cidade e via Pix. “Eu Menstruo”: campanha feita pela Prefeitura de Pelotas (RS), faz a arrecadação de absorventes para necessitados. Para ajudar: acesse o site da prefeitura para encontrar os pontos de coleta na cidade.
Região Sudeste Absorvendo Amor (Rio de Janeiro - RJ): a ONG doa absorventes e oferece palestras sobre saúde para alunas nas escolas públicas do Rio de Janeiro. Para ajudar: Pix: CNPJ - 40.127.752/0001-32 Absorvendo o fluxo (Botucatu - SP): o projeto social faz a doação de absorventes reutilizáveis para pessoas em situação de rua nas regiões de Botucatu e Barra Bonita. Para ajudar: Pix: projetoabsorvendofluxo@gmail.com Absorver & Florescer (São Paulo): o grupo compra e recebe absorventes, que são organizados em kits individuais e direcionados para instituições que atendem pessoas em vulnerabilidade social ao redor da cidade. Para ajudar: Banco Nu Pagamentos | Ag.: 0001 | Conta 8913a9352-5 | CPF: 527.387.468.88 Cruz Vermelha (Centro de Belo Horizonte - MG): recolhem doações, que podem ser entregues na sede da entidade, localizada na Alameda Ezequiel Dias, 427, no Centro de BH, de segunda a domingo. Para se informar: 3239-4227. ES Solidário (Vitória - ES): a campanha do governo recolhe doações de absorventes, alimentos e itens de higiene. Para ajudar: basta levar os itens em uma unidade do Corpo de Bombeiros ou na Defesa Civil do município.
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Eu tô de Chico (Niterói - RJ): a iniciativa oferece absorventes e peças íntimas para projetos sociais no Rio de Janeiro e em Niterói. Para ajudar: doações de itens de higiene, calcinhas e absorventes nos pontos de coleta. Flores de Resistência (Periferia de Belo Horizonte - MG): o projeto distribui itens básicos para a saúde da mulher. Para ajudar: doações via Picpay. Fluxo Sem Tabu (São Paulo - SP): o grupo recebe doações por meio de arrecadação online. O dinheiro é encaminhado para outras instituições que ajudam pessoas vulnerabilizadas. Para ajudar: acesse a página do Fluxo Sem Tabu. Girl Up Marília (Marília - SP): o grupo faz a doação de absorventes na cidade de Marília, no interior paulista. Para ajudar: aceita pacotes de absorventes. Coleta na Rua Olavo Bilac, 369, bairro São Miguel - Tel.: (14) 3402-4411. Girl Up RJ (Rio de Janeiro - RJ): recolhe doação de absorventes para populações carentes da cidade. Como ajudar: via PIX, informações na página do projeto. Las Chicas de Chico (Belo Horizonte - MG): projeto social que promove a distribuição de suprimentos menstruais para mulheres em situação de vulnerabilidade social. Para ajudar: acesse a página do projeto. Mudando Fluxos (Vitória - ES): o grupo recolhe absorventes e repassa para população em situação de vulnerabilidade. Para ajudar: Pix: e-mail - mudandofluxos@gmail.com. Nós, Mulheres (São Paulo - SP): a ONG doa absorventes para mulheres presas. Para ajudar: acesse a página da Vakinha do grupo.
Região Centro-Oeste Mudando Fluxos (Ponta Porã - MS): o grupo recolhe absorventes e repassa para população em situação de vulnerabilidade. Também atua no estado do Espírito Santo. Para ajudar: Pix: e-mail - mudandofluxos@gmail.com
Região Nordeste Ciclo solidário (Recife - PE): um grupo de universitárias doam absorventes para estudantes do ensino público. Para ajudar: Pix: e-mail - campanhaciclosolidarios@hotmail.com Transferência: Banco Inter: 077 | Agência 0001-9 | Conta: 138086508 | Gabriela Peres Fonseca.
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O AMPARO É PARA TODOS? Apesar de políticas públicas nulas em Minas Gerais, mineiros e organizações não governamentais amparam imigrantes que recobram esperança Por Ludmyla Beltrão e Nilton Lopes No ano de 2015, 193 países, membros das Nações Unidas, adotaram a Agenda 2030, uma nova política global para o desenvolvimento sustentável. Seu objetivo principal é elevar a qualidade de vida e o desenvolvimento do mundo, por isso, estão estabelecidos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 169 metas a serem cumpridas até o ano de 2030. No entanto, conforme o Relatório Luz 2021 (disponível aqui), apresentado em julho, durante a Audiência Pública promovida pela Câmara dos Deputados (disponível no Youtube), o Brasil encontra-se com 80% de suas metas em retrocesso e/ou estagnadas. Sem avanços, o Brasil é digno de preocupação em relação ao décimo ODS, que visa a redução das desigualdades. Esse ODS tem sido uma das principais barreiras para o cumprimento das metas desde o ano de 2020. Acoplada ao objetivo, há a meta 10.7, que se refere especificamente ao amparo seguro e responsável dos imigrantes que, com a pandemia, têm passado por grandes desafios e diversos problemas de desigualdade. “A meta 10.7 está em maior retrocesso com a queda de 18% na contratação de imigrantes, no comparativo do primeiro semestre de 2020 com o mesmo período de 2019, e pelo fato de que o país não avançou em marcadores legais desde a aprovação da Lei de Migração de 2017. Em 2020, também diminuiu a proporção da entrada regular de população imigrante no país, já que as fronteiras terrestres permaneceram fechadas”, informa o documento. No relatório, também consta que o Governo Federal foi acusado pela Defensoria Pública da União de abrir espaço para arbitrariedades contra a população migrante e refugiada, especialmente de origem venezuelana, incluindo a deportação em massa, a negativa de acesso a serviços de saúde e a violência policial. Uma acusação que vai de contramão ao que determina a Lei nº 13.445/2017, sobre os direitos dos migrantes no território brasileiro como, por exemplo, a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade.
POR QUE NO BRASIL? Mas o que leva os imigrantes a se estabelecerem no Brasil? Alguns por motivos econômicos, outros por refúgio, questões ambientais, reunião familiar ou oportunidades de estudo. Imigrantes e refugiados chegam ao país com a esperança de reconstruir suas vidas em condições melhores. No entanto, muitos ainda enfrentam grandes obstáculos de desigualdade social e
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econômica. Conforme dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP)/SisMigra, no Brasil, 17.620 migrantes foram registrados apenas em agosto de 2021. Em Minas Gerais, o número foi de 472 migrantes registrados no mesmo mês. O especialista em Direitos Humanos e Cidadania no Contexto das Políticas Públicas, Henrique Balieiro, conta que o imigrante que desejar se estabelecer em solo mineiro poderá contar com os serviços da prefeitura, comuns à toda a população, e também com o acolhimento de abrigos e organizações da sociedade civil, como o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR). Os serviços sociais de apoio ao imigrante realizados por organizações não governamentais atuam, na maioria dos casos, em situações de emergência, fornecendo cestas básicas, abrigo, informações e uma direção para se estabelecer no novo país de acolhida. “Geralmente, essas pessoas chegam sem nenhuma referência, e a função dos abrigos é justamente trazer essa referência, principalmente para que elas não fiquem em situação de rua”, afirma Henrique. Na pandemia, a situação de muitos imigrantes se tornou complicada. Isso porque muitos perderam o emprego e não tiveram acesso ao auxílio emergencial. Para Henrique, além do fechamento da fronteira, que dificultou o acesso dos imigrantes, levando muitos a optar por caminhos irregulares, não haviam muitas redes de apoio para oferecer uma ajuda mais concisa. Segundo o especialista, vários imigrantes dependeram da ajuda de organizações do terceiro setor. E em relação à dificuldade de acesso às políticas públicas, ele afirma que essa questão se deve à escassez de informações e à falta de capacitação dos agentes públicos para o atendimento dessa população. Felizmente, a venezuelana Yenither Lisdey, de 29 anos, não compartilhou dessa realidade. Ela conta que seu companheiro, Reinaldo Nieves, de 40, migrou do estado de Aragua, na Venezuela, para Belo Horizonte, no final de 2016 e, por questões financeiras, somente em 2019, ela e o filho Dorian, de 6 anos, conseguiram se mudar para o Brasil. Um amigo do casal foi essencial para a vinda de Reinaldo ao Brasil, ele o ajudou com passagem, hospedagem e documentação para, então, poderem planejar a vinda de Yenither e do pequeno Dorian.
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Reinaldo, Yenither e Dorian, família venezuelana que migrou para a capital mineira. Foto: arquivo pessoal.
Por conta da ajuda que recebeu, e do marido já instalado em Belo Horizonte, Yenither e o filho não precisaram do acolhimento de instituições sociais, mas contaram com a ajuda do Serviço Jesuíta para resolver a documentação. “Fui para lá e encaminhei a documentação. Eles me ajudaram com isso, reservaram a data junto à Polícia Federal. Sei que eles estão ajudando muito os venezuelanos com alojamento, documentação, comida e na inserção deles no mercado de trabalho. Não sei se ainda fazem, mas quando o imigrante estava na fronteira e tinham familiares em Belo Horizonte, eles agilizavam para trazê-lo, pagavam a passagem de avião”, conta a venezuelana.
EMPREENDEDORISMO Hoje, Yenither confirma a fala do especialista em políticas públicas, Henrique Balieiro: “Não é difícil para o imigrante empreender no Brasil, a maioria dos imigrantes vão por essa via pela questão do desemprego no país e a falta de perspectiva de achar um trabalho formal”. Logo quando se mudou para a capital mineira, a família decidiu abrir um empreendimento de brownies, cookies e comida venezuelana. Formada em Turismo na Venezuela, ela encontrou mais lucro no ramo alimentício ainda em seu país de origem. “Quando Reinaldo veio para cá, eu pensei em estruturar meu empreendimento, comecei a estudar certas coisas de culinária e empreendedorismo, para quando eu chegase aqui eu ter mais coisas para fazer”, conta Yenither. Após diversos testes, atualmente o empreendimento do casal, chamado Dorian Cacao Venezuela, totaliza onze produtos para serem comercializados, entre doces, salgados e até a farinha típica venezuelana, chamada Pana. Yenither conta que, de tempos em tempos, a família tem contato com o Serviço Jesuíta e tem acompanhado alguns de seus programas de assistência, inclusive, ganhou da organização uma máquina que precisavam em seu negócio.
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Empreendimento de comida venezuelana leva o nome do filho do casal. Foto: arquivo pessoal.
DESIGUALDADE E EXCLUSÃO SOCIAL Apesar das conquistas do empreendimento e da estabilidade no novo lar, nem sempre as experiências no Brasil foram tão boas para a família de Yenither. Ela e o filho afirmam não terem sofrido nenhum tipo de discriminação, mas a venezuelana relembra que, no começo, quando seu marido migrou para Belo Horizonte e conseguiu um emprego, ele percebeu que estava sendo vítima de desigualdade no trabalho. “Para um brasileiro que estava fazendo o mesmo trabalho que ele, pagavam um valor e, para ele, queriam pagar um valor inferior. Depois que ele mudou de trabalho, começou a trabalhar na Uber e realizar serviços por conta própria, aí essa questão mudou. Eu vejo que isso acontece muito, a questão dos valores pagos. Tem muito trabalhador que faz um serviço e para o brasileiro tem um valor maior, enquanto para o venezuelano tem um valor menor”, declara a empreendedora. A exclusão social tem sido a realidade de muitos trabalhadores imigrantes no Brasil, bem como a dificuldade do exercício dos direitos sociais. Para o especialista Henrique Balieiro, também ocorre muito a discriminação por parte dos próprios funcionários das empresas que, por presenciarem o empenho do trabalhador imigrante frente a escassez de trabalho e sua única fonte de renda, acabam enxergando-o como um concorrente. “Muitas empresas ainda não valorizam essa multiculturalidade, que é positiva, e sobretudo a discriminação acontece entre os próprios funcionários com o imigrante. Às vezes, a empresa faz o processo de inserção laboral deles, porém, não tem um acompanhamento e existe essa discriminação entre os próprios colegas”, diz o especialista.
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De acordo com o relatório sobre a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro, apresentado pelo Ministério da Justiça, em 2018, os imigrantes brancos representavam 16,8% dos cargos de direção e gerência, enquanto os de cor preta eram 0,4%. Este relatório afirma que a maioria dos imigrantes negros trabalham em áreas de produção, bens e serviços industriais, que exigem menos qualificação. Além da discriminação no alcance das oportunidades, o problema da mão de obra menos qualificada também é consequência da dificuldade da revalidação de diplomas no Brasil, então muitos imigrantes não conseguem atuar na área em que se profissionalizaram, aponta o especialista, Henrique Balieiro.
ESPERANÇA Apesar dos momentos difíceis, Yenither enxerga a migração de sua família como uma transição tranquila e esperançosa. Segundo ela, o maior desafio que teve que lidar ao morar e empreender em outro país foi a saudade dos familiares da Venezuela e o idioma. Para Yenither, ter uma empresa implica em conversar com o cliente, ler informações e conhecer o caminho para o crescimento do empreendimento e, por isso, é muito importante dominar a língua local, o que ela conseguiu somente depois de um ano e meio. “O Brasil dá muita facilidade para o empreendedor, pelo menos em relação ao MEI [Microempreendedor Individual], no meu país não tem essa figura jurídica, você sequer entra no mercado com sua empresa. Lá é necessário fazer um registro mercantil e, para obtê-lo, precisa de muito dinheiro, de um advogado, um contador e muito mais coisas do que aqui. No Brasil, a gente entra em um aplicativo, faz a solicitação e pronto. Já está apto para trabalhar. Aqui é fácil ter acesso a uma maquininha de cartão, na Venezuela não precisa somente do registro mercantil, tem que pagar mais um bom dinheiro”, compara Yenither. A experiência de cada imigrante é única, Yenither e sua família tiveram a sorte de poder contar com o amparo de amigos e, segundo a venezuelana, de um povo acolhedor e interessado em ajudar. Mas nem todos aqueles que migram de seus países de origem compartilham dessa realidade ou sequer são assistidos por uma organização social. Apesar de ter migrado em uma época em que o Brasil não está em seu melhor momento, Yenither afirma que, para o imigrante que vem de situações muito difíceis economicamente e emocionalmente, o Brasil é a maior tranquilidade que as pessoas podem ter. O acesso à comida, serviços públicos e a possibilidade de ter a esperança de atingir suas metas e de saber que é possível realizar sonhos é, para ela, a maior vitória, poder ter o direito de sonhar. “A maioria dos jovens recém-formados na Venezuela estão procurando um país onde possam viver porque não há tranquilidade. No Brasil, tem muitos recursos para viver e conquistar. O brasileiro não pode esquecer as coisas que tem pelas coisas não tão boas que estão acontecendo”, afirma a empreendedora. Comparando à crise socioeconômica, política, humanitária
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e migratória que se passa na Venezuela, Yenither conta ter encontrado a tranquilidade no Brasil. “Quando eu cheguei aqui percebi que eu vivia estressada na Venezuela. Um mês depois que consegui entender que minha vida normal na Venezuela era só estresse e, aqui, o brasileiro não tem tanto isso. Pode estudar, desfrutar da sua família, ter uma vida. E quando você vem de um país em que é muita coisa que você tem que conseguir para viver no dia a dia, você já sente a diferença, a tranquilidade. Vimos, neste pouco tempo que estamos aqui, que muitas coisas no Brasil mudaram, os preços aumentaram e muitos falam ‘o Brasil vai virar Venezuela’, mas não, vocês não estão nem na ponta do caminho, acho que não vai ser assim para vocês e nem para nenhum país da América Latina”, finaliza Yenither.
OUTRAS REALIDADES Apesar do feliz relato de Yenither, nem todos os imigrantes possuem experiências tranquilas ao chegar em solo brasileiro. O venezuelano Javier Castillo, de 39 anos, natural da cidade de Valência, no estado de Carabobo, migrou com a esposa Arianny Moralles, de 40, e os filhos Fran e Ranny, de 16 anos, para Belo Horizonte, há cerca de dois anos. Ele conta que passou por situações muito difíceis no período em que chegou ao Brasil, mas ainda assim teve sorte de receber ajuda. A família não foi amparada por nenhum projeto social, vieram auxiliados pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que os ajudaram a passar pelos maiores desafios. “Quando estávamos cruzando a fronteira da Venezuela para o Brasil, fomos roubados. Furtaram nossas malas com todos os pertences pessoais e depois tivemos complicações para seguir todos os processos sem dinheiro. Tivemos muitas dificuldades, mas a igreja nos apoiou. Chegamos sem dinheiro nenhum, sem muita roupa e sem lugar para morar”, conta Javier. A maior motivação para a vinda da família venezuelana ao Brasil foi o problema de saúde de Fran. O garoto sofria de um grave problema respiratório e precisava de uma cirurgia que, segundo Javier, era impossível de ser realizada na Venezuela. Fran já passou pela cirurgia e passa bem. Agora, Javier, que trabalha como professor de dança latina, sonha com uma condição financeira melhor. “Nossa vida mudou, estamos melhor que quando estávamos na Venezuela. Mas estamos nos esforçando muito para ter nossas próprias coisas aqui, nossa casa própria. Embora as coisas fossem diferentes no meu país, nós tínhamos nossa casa lá, aqui não, estamos em uma casa alugada e é muito ruim, já que o custo do aluguel é muito caro para a entrada de dinheiro que tenho no trabalho. Estamos procurando crescer e aprender muitas coisas no Brasil para não ficarmos dependentes só de um trabalho e uma casa alugada”, afirma o venezuelano. No dia 28 de setembro, um grupo com 74 indígenas venezuelanos, da etnia Warao, chegou em Belo Horizonte. Os refugiados foram colocados no
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Abrigo São Paulo, no bairro Primeiro de Maio, Região Norte da capital, destinado ao acolhimento de pessoas em situação de rua. Conforme nota da prefeitura da cidade, a decisão do abrigo foi tomada para garantir o acolhimento do grupo em um espaço temporário, mas que garantisse questões essenciais como segurança, acesso a itens de higiene e permanência de todo o grupo em um único espaço. No entanto, segundo relatório da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, os indígenas venezuelanos encontram-se “amontoados em local insalubre, separados por uma tela de proteção dos demais abrigados”. Alguns refugiados testaram positivo para Covid-19 e um bebê de 1 ano e 7 meses veio a óbito, vítima do novo coronavírus.
Abrigo São Paulo, onde imigrantes indígenas são mantidos em condições insalubres. Foto: DPMG/Divulgação.
A Defensoria Pública afirmou que os direitos dessa população estão sendo violados no abrigo, “abrigados em local irregular, sem estrutura adequada para abrigar famílias e principalmente para povos tradicionais”, e afirmou ser um desrespeito à legislação, tendo em vista a falta de política pública municipal de acolhimento de migrantes. O prazo para a Prefeitura de Belo Horizonte apresentar um plano de remanejamento dos refugiados terminou no dia 12 de novembro. Em contato com a Assessoria de Comunicação da Prefeitura, tivemos acesso ao plano de ação: “O grupo segue acolhido provisoriamente no Abrigo São Paulo, com todo o acompanhamento necessário, até que as adequações no novo espaço sejam concluídas. Além da continuidade das ações de acompanhamento das equipes de assistência social e de saúde, como vimos informando nos últimos dias, a Prefeitura tem construído metodologias de trabalho no acolhimento e atendimento aos grupos, que apresentam especificidades sociais e culturais.
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ODS 10
Próximas ações do município: • Ampliação do número de vagas em Abrigo de Famílias, possibilitando a execução de serviço especializado de Acolhimento, Acompanhamento e Integração para a população migrante e refugiada indígena; • Repasse de R$1.641.789,29 para a execução de serviço, em parceria com o Serviço Jesuíta; • Adequação de novo espaço físico com condições de privacidade e acolhida ao grupo.” Segundo a prefeitura, uma estrutura, na região do Barreiro, está passando por adequações físicas para o acolhimento adequado do grupo. Tentamos contato com o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados de Belo Horizonte, mas nos disseram que não estavam dispostos a dar entrevistas devido a agendas externas. São diversas as realidades de pessoas que decidem migrar para o Brasil em busca de uma nova vida. Há aqueles que possuem a sorte de encontrar quem se disponibilize a acolher, diminuindo as dificuldades ao longo do caminho, aqueles que passam por golpes, não têm onde dormir ou comer, até encontrarem alguém disposto a ajudar, e também há aqueles que têm seus direitos violados e são deixados em situações que jamais alguém gostaria de estar. Seja através de situações leves e progressivas como a da Yenither, dificultosas e perseverantes como a do Javier, ou em condições como a dos 74 indígenas venezuelanos, é perceptível que eles nunca perdem a esperança. Isso porque, apesar das dificuldades no Brasil, eles vêm de situações financeiras e emocionalmente difíceis no país de origem e acabam enxergando possibilidade de crescimento no território brasileiro. De todo modo, a partir de todos os relatos, é evidente que há igrejas, pessoas e organizações não governamentais abertos a oferecer ajuda, mas não se pode esquecer que há uma grande deficiência no sistema público, principalmente nas políticas públicas do município. Não é dever de pessoas comuns amparar o imigrante e o refugiado e sim do município, no entanto, a realidade tem sido outra.
ONDE PROCURAR AJUDA O imigrante que precisar de ajuda pode solicitá-la no Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, localizado na Avenida Amazonas, 641 - Oitavo Andar - Centro, em Belo Horizonte. Os horários de atendimento funcionam de segunda à sexta-feira, das 10h às 16h. Telefone: (31) 3212-4577. Também podem buscar atendimento no Serviço de Atenção ao Migrante da Prefeitura, no BH Resolve, situado na Avenida Santos Dumont, 363 Centro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.
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ODS 7
ACESSO À ENERGIA LIMPA PERMANECE COMO UMA PREOCUPAÇÃO MUNDIAL Brasil se tornou referência no avanço de energia limpa na América latina, podendo chegar em 2050 com energia solar gratuita pelo país, de acordo com a EPE – Empresa de Pesquisa Energética Por Rafael Lopes e Raquel Miranda Um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Energia Limpa e Acessível, tem o intuito de incentivar os países, ligados à Agenda 2030, a oferecerem para a população serviços de energia com acesso universal, confiável, moderno e a preços acessíveis. O ODS 7 aborda a facilitação do desenvolvimento de atividades geradoras de renda baseadas no domicílio, o alívio da carga das tarefas domésticas e o investimento em fontes de energia renováveis. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ultrapassa a casa de dois milhões o número de pessoas consideradas sem acesso à energia no país. A má gestão do setor energético não é problema desconhecido para a população que, em 2001, sofreu muito com os danos causados pelo apagão e falta de distribuição de energia. Após a crise de abastecimento energético, o governo se viu obrigado a racionar o uso de energia e gasto de água em todo o país para tentar reverter os possíveis desastres que esse déficit poderia causar no sistema majoritariamente hidráulico, investindo também na criação de novas formas de captação e geração de energia limpa. Indicador 7.1.1 - Percentagem da população com acesso à eletricidade Proporção da população com acesso à energia elétrica-2019 100.0 99.0 98.0 97.0 96.0 95.0 94.0 93.0 92.0 91.0 90.0
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Gráfico, com informações do IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, mostra a proporção da população com acesso à eletricidade em cada estado brasileiro. Arte: Bianca Victória.
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ODS 7
HORÁRIO DE VERÃO Uma iniciativa que era usada pelo governo brasileiro para tentar economizar e reduzir o uso de energia hidráulica era o horário de verão, que foi utilizado pela primeira vez no governo Getúlio Vargas, e suspendido pelo atual governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). O horário de verão é a prática de adiantar os relógios em uma hora nos meses da primavera e verão, com o objetivo de economizar energia nas regiões que mais recebem luz solar nesse período do ano. Segundo o presidente Jair Bolsonaro, a escolha de suspender a prática do horário de verão seria para otimizar e aumentar a produtividade do trabalho, porém, em sua última declaração sobre o tema, foi cogitada a volta do projeto caso fosse interesse da população. “No momento, eu sei que para alguns setores aumenta o faturamento, porque as pessoas ficam mais tempo frequentando o comércio, isso a gente pesa aqui também. Mas no momento não tem clima, apoio popular, para a gente voltar com o horário de verão”, disse Bolsonaro durante coletiva realizada em agosto de 2021. Especialistas do setor elétrico que são a favor da volta do horário de verão argumentam que, diante da gravidade da crise atual, qualquer economia de energia, mesmo que menor, é bem-vinda, além do horário de verão ser também benéfico para gerar mais venda no varejo e nos bares, segurança nas ruas e dar a possibilidade de as pessoas praticarem exercícios físicos com melhor aproveitamento de espaços públicos.
HÁ ALTERNATIVA Ao longo dos anos, diversas iniciativas foram surgindo para disponibilizar para a população o acesso à energia sustentável e necessidades básicas. Dentre essas iniciativas, uma ação mudou a vida de milhares de pessoas: o projeto Litro de Luz. Uma organização com mais de 15 capítulos do movimento global Liter of Light, nascido nas Filipinas em 2011, inspirado na solução criada, em 2001, pelo mecânico brasileiro Alfredo Moser, a “Lâmpada de Moser”: garrafa pet no telhado, abastecida com água e alvejante, que por meio da refração proporciona uma iluminação equivalente a uma lâmpada de 60 watts. A Litro de Luz teve início, no Brasil, em 2014, e já impactou mais de 17 mil pessoas diretamente com o apoio constante de 200 voluntários. Sempre ensinando e montando as soluções em conjunto com os moradores das comunidades mais vulneráveis do país, o projeto atua em centros urbanos e áreas rurais, incluindo comunidades tradicionais, como ribeirinhas, quilombolas e indígenas. O projeto tem como missão melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio de soluções sustentáveis de iluminação e empoderar agentes de transformação. Com isso, eles levam como principais valores o comprometimento, a sustentabilidade, o profissionalismo, a confiança e a empatia.
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ODS 7
A organização ganhou grande visibilidade depois de ter aparecido na Rede Globo quatro vezes, nos programas Fantástico, Estrelas, Caldeirão do Huck, em 2019, e reprise do Caldeirão do Huck, em 2020. A assessoria da instituição ainda afirma que participar desses programas foi muito importante para o projeto, pois até nos tempos atuais têm empresas e doadores que os procuram por ter conhecido a iniciativa pela televisão.
Litro de Luz no programa Caldeirão do Huck, em 2019. Foto: reprodução Caldeirão do Hulk.
Hoje, existem diversas outras fontes de energia disponíveis no mundo, faltando apenas investimento governamental para que fiquem disponíveis para a população com uma distribuição gradual e justa. Quando pensamos em energia e sustentabilidade, devemos considerar a situação de cada país, o que pode ser investido e a importância desses fatos nos dias atuais. O aproveitamento de recursos renováveis é essencial para a manutenção do nosso planeta de modo sustentável, garantindo um futuro com segurança energética para nossos familiares. Utilizar tipos de energia limpa, como a solar, significa pensar adiante e contribuir para que, a longo prazo, os índices de poluição e espalhamento dos gases de efeito estufa diminuam e não afetem a nossa atmosfera.
BH SUSTENTÁVEL Em Belo Horizonte, a prefeitura da cidade investe cada vez mais em ações para combater o desperdício de energia, integrando energia renovável em toda cidade, buscando reduzir o impacto ambiental e econômico para os cofres públicos. Foi inaugurada, no dia 7 de maio, uma usina fotovoltaica que, segundo estimativas, poderá reduzir 20% do consumo do prédio da prefeitura, com economia mensal de 8 mil reais. Seguindo as projeções, a economia, em 10 anos, pode chegar a 10 milhões de reais. A usina de 65 kWp foi implantada pela empresa mineira Broenergy, selecionada por meio de edital do Fundo Municipal de Defesa Ambiental (FMDA), no valor de R$180 mil, e o projeto foi aprovado pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente (COMAM). A troca do medidor foi realizada pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).
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ODS 7
Usina fotovoltaica instalada no topo do prédio da Prefeitura de Belo Horizonte. Foto: Divulgação PBH.
A usina ocupa uma área de 400 metros quadrados, seguindo os cálculos das medidas do telhado da sede da prefeitura, um dos símbolos arquitetônicos da capital mineira, construído há quase 100 anos. Para o secretário-executivo do Comitê Municipal sobre Mudanças Climáticas e Ecoeficiência, Dany Silvio Amaral, a instalação da usina fotovoltaica na sede da prefeitura está em consonância com o Plano de Reduções de Emissões de Gases do Efeito Estufa de Belo Horizonte (PREEGE), cuja meta é reduzir em até 20% as emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2030. Segundo Guilherme Parreiras, diretor de marketing da Broenergy, responsável pela implantação das placas solares na PBH, “a importância da energia limpa, energia solar fotovoltaica, é que ela provém de uma fonte renovável, diria até inesgotável, o sol. Além disso, esses recursos utilizados estarão disponíveis para gerações futuras, a energia limpa não causa impactos, como o aumento do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, não emite gases de efeito estufa e tampouco agrava o aquecimento global”. A Broenergy começou a ser pensada há 6 anos, com dois amigos e engenheiros, André Novais e Thomas Chianca. Eles decidiram realizar uma viagem de volta ao mundo. Passaram por mais de 60 países em um ano e 9 meses. Além da parte cultural, a ideia da viagem era trazer um novo tipo de negócio para o Brasil e, dentro de tudo que eles observaram e aprenderam, enxergaram no fotovoltaico um caminho relacionado à sustentabilidade, economia e meio ambiente. A empresa já tem mais de 450 contratos assinados, um deles com o hospital Paulo de Tarso, que fica no bairro São Francisco, em Belo Horizonte. De acordo com Gleidson Viana Barbosa, Coordenador de Facilities do hospital, com a implementação das placas solares, o valor gasto em energia reduziu pela metade, de R$ 40 mil para R$ 20 mil mensais. Sendo um hospital que atende, em média, 120 pacientes por dia, e não realiza procedimentos cirúrgicos, por ser focado em reabilitação e fi-
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nanciado por doações, a mudança da fonte de energia permite que o dinheiro economizado seja investido em melhorias e desenvolvimento de novas modalidades de atendimento.
Hospital Paulo de Tarso economiza R$ 20 mil mensais ao usar energia solar. Foto: divulgação.
EM CASA Além de grandes empresas utilizarem energia solar, parte da população também já está conseguindo acesso à essa tecnologia, como José Leocádio Gomes, morador da Região Leste de Belo Horizonte. Gomes instalou as placas fotovoltaicas em sua residência na década de 90, para o aquecimento da água. Segundo ele, o valor kw/h que a CEMIG cobrava era um valor muito mais barato que nos dias atuais. “Quando eu fechei o contrato, eu estava construindo a minha casa, em 1995, e gostei da ideia já de início, de sustentabilidade, de não ter que utilizar energia elétrica para o chuveiro. Então, eu e meu cunhado resolvemos investir e fomos atrás da Pantho, uma das empresas pioneiras de BH em aquecimento solar, e resolvemos adquirir para não ter gastos”. Gomes relata que, na época, o investimento era muito alto, porém não estava preocupado no retorno financeiro, e sim com a sustentabilidade e a tranquilidade de que, se ocorresse de um poste cair na rua, não ter que tomar banho gelado. Atualmente, o morador da capital tem um sistema de 600 litros de água aquecida pela placa solar residencial, além de também ter um sistema de aquecimento de piscina. Na piscina, Gomes usa uma tecnologia que veio de Israel. São placas de borracha que também ficam no telhado e precisam de um motor. Com isso, ele passa a água da piscina pelas placas de borracha e ela volta já aquecida. Outra forma sustentável utilizada por Gomes em sua residência é um ionizador de água. É um aparelho que fica na piscina e converte energia do sol em energia elétrica, gerando um positivo e negativo por baixo da aparelhagem, fazendo com que haja circulação de corrente pela água, o que mata fungos e bactérias da piscina. Segundo ele, houve uma economia de 70% com produto químico desde que adquiriu o ionizador.
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ODS 7
A energia solar é totalmente limpa e renovável, não gerando nenhum resíduo ou impacto negativo ao meio ambiente. O tempo médio de vida útil dos equipamentos ultrapassa facilmente os 25 anos e exige pouquíssimas intervenções para manutenção. O Brasil, país tropical localizado entre a Linha do Equador, recebe uma quantidade absurda de radiação solar todos os anos, capaz de gerar mais energia do que poderíamos consumir, mas para que essa realidade seja disponível para todos, precisamos de mudanças nas políticas públicas e maiores investimentos nos setores, abrindo mão da utilização massiva de energias fósseis.
VIDA DEBAIXO D’ÁGUA: CONSERVAR É GARANTIR O FUTURO
ODS 14
Projeto Tamar é referência mundial com a conservação de tartarugas marinhas na costa brasileira Por Hérculles Barcelos e Ivan Ribeiro
Tartaruga marinha sendo devolvida ao oceano, após a realização de estudos e instalação de métodos de rastreamento. Imagem: reprodução Projeto Tamar.
A Agenda 2030 é um programa da ONU - Organização das Nações Unidas, dividido em 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). O programa foi assinado por todos os 193 países que possuem relações com a organização, num pacto global, em 2015, na sede da ONU em Nova Iorque, Estados Unidos. A Agenda 2030 tem como objetivo resolver, ou pelo menos amenizar, os problemas destacados por cada um dos 17 ODS.
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VIDA DEBAIXO D'ÁGUA 6 Conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento saudável.
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Conservar pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas, de acordo com a legislação nacional e internacional.
Proporcionar o acesso de pescadores artesanais de pequena escala aos recursos marinhos e mercado.
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Regular a coleta e acabar com a sobrepesca ilegal e não regulamentada.
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METAS ODS 14 Proibição de certas formas de subsídios à pesca.
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cacau Informações: Agenda 2030. Arte: Bianca Victória.
Nesta reportagem, mais especificamente, será tratada o ODS de número quatorze, intitulada Vida Debaixo D’água, que busca meios de proteção aos ambientes aquáticos, visando garantir a conservação e o uso saudável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento. Segundo o artigo “Plastic Pollution Affects Sea Life Throughout the Ocean” (em tradução livre: “A poluição do plástico afeta a vida marinha em todo o oceano”), publicado no Pew Research Center, portal especializado em pesquisas e tendências que “moldam o mundo”, cerca de 13 milhões de toneladas de lixo plástico são jogadas todos os anos nos oceanos, o que representa aproximadamente 80% de toda a poluição marítima e isso, com o tempo, pode acarretar no colapso da vida marinha, que já é bastante afetada pela poluição. De acordo outro estudo, da ONG Ocean Conservancy, com a pandemia do novo coronavírus, 94% dos voluntários recolhedores de lixo dos oceanos encontraram materiais descartáveis como máscaras e luvas. Estima-se que foram coletados quase 110 mil objetos de proteção individual, conhecidos como EPIs, somente no ano de 2020. A bióloga Maria Luiza de Teixeira Souza explica a importância da preservação da vida marinha. “Ambientalmente falando, sabemos que os seres vivos, em sua maioria, são dependentes da água durante seu ciclo de vida, inclusive nós, humanos. Essa relação entrelaçada comprova a importância de assegurar a qualidade da água para manutenção de toda a biosfera. A falta dessa conservação pode ocasionar em déficit de gás oxigênio disponí-
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vel na atmosfera, já que as algas marinhas são responsáveis pela produção de 54% do oxigênio do mundo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Florestas; além do desequilíbrio da cadeia alimentar, pois, com a poluição, seres fotossintetizantes, como fitoplâncton e algas pluricelulares, morrem e os animais que se alimentam deles ficam prejudicados diretamente pela falta de alimentos e baixa taxa de oxigênio dissolvido na água”. Ainda segundo Souza, alguns animais terrestres também são atingidos, já que se alimentam de animais marinhos. Aves, ao tentarem capturar peixes em um mar em que houve um acidente de derramamento de petróleo, também sofrem, porque suas penas ficam encharcadas dessa substância, o que dificulta o voo e a manutenção da temperatura do seu corpo, além disso, a famosa fala “não vou usar canudos para salvar as tartarugas” precisa ser reformulada, já que qualquer plástico, não só canudos, pode ser confundido por águas-vivas e as tartarugas ou outros animais podem acabar mortos por sufocamento ao se alimentarem desse lixo. “O esgoto derramado no mar é problema também, porque serve de matéria orgânica para proliferação exacerbada de algumas algas que liberam toxinas na água. Pensando ainda em outras áreas afetadas pela poluição dos ambientes marinhos, pode-se destacar a diminuição do turismo, afetando a economia local e também pesquisas científicas”, complementa a bióloga. É de conhecimento geral, ou pelo menos deveria ser, a importância da preservação da vida debaixo d’água. Além de ser o produto natural mais essencial à vida, na água ainda habitam espécies que são responsáveis pela alimentação de centenas de milhões de pessoas, fonte de renda de outros tantos, bem como objeto de pesquisa mundial. Cuidar da água e do que habita nela é cuidar de pessoas. A preservação deve ser tópico de todos os países, esse é o motivo da ONU ter introduzido esse ODS na Agenda 2030. Para que haja um norte de como esse tipo de proteção pode ser feita, procuramos o Projeto Tamar, que atua de forma conservacionista na proteção de tartarugas marinhas ameaçadas de extinção, garantindo a elas probabilidades muito maiores de sobreviver. Um momento clássico e que é bastante conhecido é a caminhada das tartarugas que acabaram de nascer na areia dos mares espalhados pela costa brasileira até a água, onde iniciam suas vidas.
HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DO PROJETO A Fundação Projeto Tamar é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, e co-executora do PAN - Plano Nacional de Ação para a Conservação das Tartarugas Marinhas no Brasil do ICMBio/MMA, sendo responsável por grande parte das ações previstas. O Tamar surgiu em 1980, como nome Projeto Tartarugas Marinhas, mas começou a ser idealizado alguns anos antes, em 1977, quando um grupo de estudantes da Faculdade de Oceanografia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ao fazerem uma pesquisa exploratória em uma praia isolada do território gaú-
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cho, observaram que a areia estava bastante remexida e que haviam muitos rastros até o oceano, mas inicialmente não perceberam que se tratava de uma tartaruga marinha indo desovar na areia, sem qualquer tipo de acompanhamento. Pouco tempo depois, em uma dessas explorações, acompanhados de pesquisadores do Museu Oceanográfico do Rio Grande do Sul, é que foi entendido o que se passava ali e, neste momento, pesquisadores enxergaram a necessidade de um projeto de proteção à vida das tartarugas marinhas. O nome Tamar foi adotado devido à combinação das sílabas iniciais das palavras tartarugas e marinhas, a substituição foi devido às placas utilizadas pelo projeto para classificarem e identificarem as tartarugas serem pequenas. Inicialmente, o Projeto Tamar buscava garantir proteção às tartarugas marinhas em terra, no momento de sua desova e eclosão dos ovos. Com o passar dos anos, também foram adotadas medidas preventivas com pescadores e trabalhos socioeducativos com a população. Desde então, o Projeto Tamar é referência mundial na conservação marinha, sendo fonte de inspiração para a criação de diversos outros projetos espalhados pelo Brasil e pelo mundo.
RELAÇÃO DO PROJETO COM A PESCA Após a realização de estudos, foi descoberto que, ocorriam e ainda ocorrem, diversos incidentes na pesca, nos quais os pescadores acabam, muitas vezes de maneira involuntária, capturando tartarugas marinhas em redes e outros equipamentos. Segundo o artigo “A pesca artesanal e as tartarugas marinhas no litoral paraibano: aspectos etnozoológicos e conservacionistas”, publicado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), cerca de 60% dos pescadores já tiveram episódios de pesca acidental, variando entre 1 e 200 tartarugas capturadas por cada um. A maior inimiga das tartarugas marinhas é a rede de espera, sendo cinco vezes maior o índice de acidentes comparado a outras técnicas. Outro dado crucial é a taxa de mortalidade dos animais em caso de captura acidental que, segundo os pescadores, é de 50%. A pesca é, também internacionalmente, a maior ameaça à extinção das tartarugas. Estudos realizados pela ONG Conservação Internacional (CI), em conjunto com universidades norte-americanas, estimam que, durante as décadas de 1990 e 2000, morreram 85 mil tartarugas marinhas por pesca acidental em todo o mundo. No Brasil, de acordo com pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizada pela bióloga Suzana Machado Guimarães, há uma taxa de 5,3 tartarugas afetadas a cada mil horas de pesca. Por esses motivos, o Tamar realiza diversas ações em busca de uma diminuição do número de incidentes, além de preparar os pescadores para que, em caso de pesca acidental, as tartarugas tenham mais chances de sobrevivência. Atualmente, o projeto trabalha em cinco frentes: monitorar a interação das tartarugas marinhas com a pesca; desenvolver e apoiar pesquisas acerca
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da interação das tartarugas marinhas com a pesca; avaliar as medidas mitigadoras existentes, e desenvolver novas medidas, quando necessário, e fomentar a implementação dessas medidas junto à frota pesqueira comercial; além de apoiar ações que visem o desenvolvimento da pesca responsável e apoiar a criação dos fóruns pertinentes ao tema da captura acidental de tartarugas marinhas. Além dessas abordagens, o projeto já conseguiu mudanças permanentes, como a obrigatoriedade do uso de anzóis circulares, medida tomada pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços por meio da Lei 9605/98.
INTEGRAÇÃO DO PROJETO COM A SOCIEDADE Como todo projeto de sucesso, o Tamar entendeu a importância de se relacionar bem com a sociedade em geral, utilizando da máxima de que é preciso cuidar primeiro das pessoas para que elas possam cuidar da natureza. Esses trabalhos são realizados de formas distintas, com uma parte voltada a ações de conscientização, informação e sensibilização ambiental, para que cada vez mais pessoas possam compreender a importância da atuação do projeto, e outra parte que está ligada ao apoio de diversas atividades com caráter não predatório de subsistência, além de também possuírem ações de valorização de práticas e costumes regionais, como danças e artesanatos. O projeto também possui uma estrutura para receber visitantes e curiosos, que buscam entender melhor o trabalho que é feito nos locais. Os locais que possuem ambientes de visitação são: Ubatuba/SP, Praia do Forte/BA, Florianópolis/SC, Oceanário de Aracaju/SE, Vitória/ES, Arembepe/BA e Fernando de Noronha/PE. Há, nessas visitas, o projeto Biólogo Por Um Dia, no qual visitantes auxiliam nas atividades do Tamar, como na alimentação das tartarugas, essa atividade também possui uma versão online que pode ser acessada por qualquer pessoa através de um agendamento prévio.
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Visitante alimentando uma tartaruga sob a supervisão de um funcionário do Tamar. Reprodução: Projeto Tamar.
PESQUISAS APLICADAS PELO TAMAR O site do projeto conta com explicações técnicas do trabalho realizado com as tartarugas que podem ser divididas em algumas partes. A primeira é a observação das praias de desova de setembro a março, período em que os pesquisadores passam todas as noites observando e catalogando toda a ação das tartarugas, desde a contagem de ninhos e ovos até possíveis transferências para locais mais seguros e próximos à sede do projeto na cidade em questão. A segunda abordagem é a catalogação de todas as tartarugas encontradas, através de um anel metálico inserido nas nadadeiras direitas, sejam em áreas de desova, em incidentes de pesca ou até mesmo por mergulho em alguns locais como Fernando de Noronha. A terceira maneira é a análise das áreas de alimentação das tartarugas, que geralmente é feita com a inserção de técnicos junto aos pescadores, nas quais eles recebem orientações para soltar e salvar as tartarugas que acidentalmente forem capturadas. Essas pesquisas garantiram a devolução de mais de 35 milhões de tartarugas ao oceano, além da obtenção de dados sobre características de desova e eclosão, áreas de alimentação e ciclo de vida, juntamente com a catalogação desses animais. Com a explosão tecnológica do final do século XX, que cresce cada vez mais neste início de novo milênio, surgiram várias ferramentas de rastreamento e análise. Uma delas é a telemetria, que é responsável por mapear, via satélite, o deslocamento das tartarugas. Essa tecnologia é fundamental para entender a migração, áreas de alimentação e várias outras características do comportamento dos animais, o que permite ao projeto conseguir entender melhor os hábitos das tartarugas. Um estudo realizado no nordeste brasileiro mostrou que tartarugas-oliva percorreram cerca de 4.500 km entre a costa brasileira e a costa de Cabo Verde num período de 110 dias, isso permite ao projeto mapear e entender melhor a forma com que elas
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vivem e se deslocam. A primeira vez que a ferramenta foi utilizada no Brasil foi em 2001, no Ceará. O projeto também realiza estudos com sistemas de localização e movimentação.
Telemetria permite rastrear as tartarugas. Reprodução Projeto Tamar.
ATUAÇÃO DO PROJETO NA COSTA BRASILEIRA Como já mencionado anteriormente, o Projeto Tamar teve seus primórdios no litoral do Rio Grande do Sul, mas obviamente, assim que foi definida a intenção do projeto, ficou claro que era absolutamente necessário estar onde as tartarugas estão. Com isso, houve a criação de diversas sub-sedes, atualmente presentes em 23 localidades, distribuídas em oito estados brasileiros, entre zonas costeiras e ilhas oceânicas dos estados: Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. O projeto cuida das cinco espécies de tartarugas marinhas encontradas no Brasil: Tartaruga Cabeçuda ou Mestiça, Tartaruga Verde ou Aruanã, Tartaruga de Pente ou Legítima, Tartaruga de Couro ou Gigante e Tartaruga Oliva. Todas elas estão ameaçadas de extinção.
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Presença do Tamar no Brasil Fernando de Noronha
Pipa
Ponta dos Mangues Pirambu Aracaju Abaís
Mangue Seco Sítio do Conde Costa do Sauípe Praia do Forte Arembepe
Guriri Pontal do Ipiranga
Trindade
Povoação Regência Vitótia Farol de São Thomé AquaRio Ubatuba Beto Carreito World Florianópolis
Presença do Projeto Tamar no litoral brasileiro. Informações: Projeto Tamar. Arte: Bianca Victória.
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BH BUSCA GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar aponta que 55,2% da população brasileira sofreu com algum tipo de insegurança alimentar em 2020 Por Alexandre Santos
55,2% da população brasileira sofreu com algum tipo de insegurança alimentar em 2020. Imagem: Secretaria Especial do Desenvolvimento Social/ Reprodução Flickr.
Promovida no dia 25 de setembro de 2015, em Nova York, a reunião da cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) não foi “apenas” mais uma edição, mas entrou para história como o dia em que a agenda para o desenvolvimento sustentável do planeta foi acordada. No evento, que reuniu representantes dos 193 países que integram a organização, ficou combinado o compromisso de criar medidas, planos, reformas e programas que contribuam para a erradicação de diversas mazelas das sociedades modernas, como redução das desigualdades, produção e consumo de energia limpa e acessível, educação de qualidade e a fome. No Brasil, a Constituição Federal, desde 2010, garante a todo cidadão o direito social à alimentação de qualidade. Apresentada pelo deputado Antonio Carlos Valadares (PSB/SE), em abril de 2003, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi aprovada apenas em 2010, quando alterou o 6º artigo da Carta Magna brasileira. Mas por que isso ainda não acontece? Segundo a jornalista e vereadora de Belo Horizonte, Iza Lourença (PSOL), a fome, hoje, pode ser considerada uma epidemia no Brasil, visto que 55,2% da população brasileira experimentou algum tipo de insegurança alimentar no último trimestre de 2020 em razão do período pandêmico. Os dados se tornam ainda mais assustadores quando revelado que 19 milhões de brasi-
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leiros chegaram a passar fome. Esses números foram informados pela Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN). De acordo com o estudo dos lares que enfrentam insegurança alimentar, 10,7% das famílias de pessoas pretas e 7,5% das famílias de pessoas brancas enfrentam a forma grave da fome. A desnutrição grave também está presente em 11,1% dos lares liderados por mulheres. Além disso, a dificuldade alimentar está presente em 7,7% dos lares chefiados por homens. Na capital de Minas Gerais, segundo um estudo realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e divulgado pelo CadÚnico, 80 mil famílias, o que representa 10% da população do município, sofrem com a pobreza e com acesso precário à alimentação de qualidade. Para a nutricionista Daniele Adjuto, toda medida que visa combater a fome está, diretamente, relacionada às medidas públicas, sendo assim, a especialista afirma que cabe a “nós” cidadãos cobrar uma postura dos governantes. É fundamental que essa seja uma questão na hora de escolher os representantes que vão ocupar os cargos públicos. A especialista reforça que é nossa responsabilidade “votar direito” e cobrar que os políticos tenham um olhar atento às medidas que zelem pela qualidade na alimentação da população. “Nós precisamos sempre olhar para as pessoas menos favorecidas, que não têm acesso aos alimentos como deveriam. Essa questão é relacionada às políticas públicas, mas nós, cidadãos, também precisamos pegar essa responsabilidade pra gente”, opina a profissional.
ODS DA FOME O segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável tem por finalidade a erradicação da fome, além de alcançar a segurança alimentar, melhoria da nutrição e promoção da agricultura sustentável. O ODS, que faz parte da Agenda 2030, foi elaborado na Reunião da Cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU). A meta é extinguir todas as formas de desnutrição, dobrar a produtividade agrícola, a renda de pequenos produtores, com ênfase em mulheres, indígenas, pescadores e pastores. Também está entre as finalidades do ODS a manutenção genética de sementes e plantas, por meio de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, como acordado internacionalmente. Para que isso aconteça, os países integrantes da cúpula devem aumentar o investimento e reforçar a infraestrutura rural, pesquisa e extensão dos serviços agrícolas. Além de corrigir e prevenir as restrições ao comércio agrícola.
SEGURANÇA ALIMENTAR: O QUE É? O termo abrange aspectos sociais ligados à qualidade da alimentação das pessoas em uma comunidade, referente ao acesso físico, social e econômico permanente a alimentos seguros, nutritivos e em quantidade suficiente
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para atender às necessidades do organismo humano. Tudo isso levando em consideração a qualidade nutricional necessária para o desenvolvimento de uma vida saudável. Questionada sobre a diferença entre segurança alimentar e segurança nutricional, a nutricionista Daniele Adjuto explica que a segurança nutricional se refere à qualidade de produção do alimento que, posteriormente, será consumido pela população. Questões como o valor nutricional, o benefício desse alimento para o nosso corpo e, até mesmo, a higiene na manipulação dos mesmos estão relacionadas. Já a segurança alimentar refere-se às políticas públicas e sociais que visam garantir o acesso da população aos alimentos de forma digna e com qualidade.
10,7% das famílias de pessoas pretas enfrentam a forma grave da fome. Foto: Ação para o Desenvolvimento/adbissau.
A ORIGEM DO TERMO O termo, que possui origem militar, nasceu em decorrência da Primeira Guerra Mundial, como uma estratégia de dominação. Os países envolvidos passaram a perceber que seria possível controlar as nações concorrentes caso o abastecimento de alimentos fosse dominado. Com isso, os países menores passaram a entender que, mais do que nunca, era necessária a produção independente de alimentos de qualidade para a população. Afinal, a dependência do setor agrícola em outros países, naquele momento, significava a dependência de todo o país. O problema veio novamente à tona na Segunda Guerra Mundial, que expôs as sociedades ao redor do globo a uma série de fragilidades, motivando a
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criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), cuja finalidade é lutar pela erradicação da fome e pobreza no mundo. Alguns anos mais tarde, em 1948, a alimentação passou a ser reconhecida como um direito básico no mundo.
BH NA LUTA CONTRA A FOME E a capital mineira não ficou de fora do empenho mundial para a consolidação de cada um dos ODS previstos na Agenda 2030. Para isso, a PBH criou o “Orçamento Temático ODS’’. Segundo a prefeitura, a intenção é “mapear o alinhamento das políticas públicas municipais expressas no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG)”, e identificar quais são os gastos municipais, utilizados nas ações sociais, colaborando para a efetivação das metas e objetivos. O PPAG é a ferramenta de planejamento da administração pública que delimita quais serão as ações e programas executados pelo governo durante os quatros anos de exercício. Dentre os propósitos do PPAG está o fim da fome no município. Para isso, a PBH criou o sistema municipal de segurança alimentar que, segundo o Portal Belo Horizonte, se baseia em três pilares: o fornecimento de refeições subsidiadas nos restaurantes populares, a regulação do mercado com a finalidade de garantir o acesso barato aos alimentos saudáveis e a promoção da agricultura familiar e urbana em bases agroecológicas. Uma das ações coordenadas pela PBH é o “Banco de Alimentos”. A iniciativa recebe a doação de varejos que oferecem alimentos “que não possuem mais valor para o mercado”, mas que ainda estão em condições de serem consumidos. Esses alimentos passam por uma espécie de triagem e, em seguida, são repassados para instituições sem fins lucrativos, por onde chegam às pessoas e famílias socialmente vulneráveis. A prefeitura também coordena a ocupação de terrenos públicos, comunitários e institucionais para a produção agroecológica de alimentos. A medida integra os Sistemas Agroecológicos Comunitários, Institucionais e Escolares, contando com 191 escolas e 36 instituições. E, por fim, o Programa Municipal de Alimentação Escolar, que garante o acesso de alunos matriculados na rede municipal à alimentação saudável. De acordo com o Portal de Belo Horizonte, já foram servidas 82.566.569 refeições no sistema escolar municipal, 285.448 kg de alimentos adquiridos da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Sobre isso, a assistente social, Gabriela de Oliveira Elias, pondera que a oferta desses serviços garante a continuidade no atendimento à população que acessa esses espaços para alimentar-se. Para a especialista, projetos como esses, promovidos pela PBH, têm um papel fundamental na luta contra a fome dos menos favorecidos. A assistente social destaca ainda que, quando falamos em serviços públicos, financiados pela Política Pública de Segurança Alimentar, estamos
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falando sobre a oferta distribuída a todas as famílias que necessitam dos serviços que funcionam com orçamento público e que estão sendo ofertados pelo Estado, como um compromisso no combate à fome. “Ou seja, uma oferta contínua e que irá se caracterizar como direito daqueles que a acessam. Diante disso, a importância observada é de combater a insegurança alimentar por meio de oferta do Estado com o objetivo de diminuição da desigualdade social”, pondera. Gabriela, que também é professora, lembra que, no Brasil, temos a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), que envolve a integração dos esforços entre governo e sociedade civil e ações e programas estratégicos como: • Acesso a Água (Cisternas); • Fomento Rural às atividades produtivas da agricultura familiar; • Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); • Apoio à Agricultura Urbana e Periurbana; • Distribuição de Alimentos; • Inclusão Produtiva Rural de Povos e Comunidades Tradicionais e/ou Grupos e populações tradicionais e específicos; • Apoio a estruturação de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição, como Rede de Bancos de Alimentos, Restaurantes Populares e Cozinhas Comunitárias; • Ações de apoio a Educação Alimentar e Nutricional, etc. A profissional do Serviço Social acredita na eficiência do trabalho desempenhado pela administração municipal de Belo Horizonte e ressalta que, se houvesse investimento em âmbito nacional, o mesmo trabalho poderia estar sendo feito em várias cidades do território brasleiro. “Se espaços como restaurantes populares, banco de alimentos, assistência alimentar e outros fossem ampliados e multiplicados pelas cidades brasileiras, poderíamos ver mais resultados no combate à fome”, opina. “São ações que vão desde o campo do fomento à produção, até a comercialização, distribuição e consumo de alimentos saudáveis como forma de garantia do direito humano à alimentação adequada e o combate a todas as formas de má nutrição”, finaliza.
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EMPREENDEDORISMO DE MULHERES NEGRAS: DESAFIOS E CONQUISTAS Estudo “Empreendedorismo Negro no Brasil” identificou que pouco mais da metade dos empreendedores negros(as) são mulheres Por Mylene Melo
Mulheres presentes no Fundo Agbara. Foto: Aline Odara.
Criar sua própria fonte de renda pode ser o sonho de muitas pessoas, mas com um desenrolar econômico e político complicado, o Brasil torna-se um país difícil para empreender. Contudo, com um mercado de trabalho também não muito promissor, o empreendedorismo torna-se uma necessidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) criou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. São 17 metas a serem cumpridas para fazer das nações lugares melhores social, econômica e climaticamente. O oitavo dentre esses objetivos estabelecidos é “Trabalho decente e crescimento econômico”, que busca promover o crescimento econômico, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Enquanto observa-se um nicho complexo como o mundo do trabalho e dos empreendedores, existe um ainda mais específico: o de mulheres negras empreendedoras. As lutas enfrentadas por elas podem se diferenciar das demais por suas vivências também serem diferentes. Para compreender melhor esse cenário, a Preta Hub, um espaço de criatividade, inventividade e tendências pretas, desenvolveu um estudo no ano de 2019. Com o nome “Empreendedorismo Negro no Brasil”, tal estudo identificou que um pouco mais da metade dos empreendedores negros(as) são mulheres.
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EMPREENDER NO BRASIL O relatório Doing Business, realizado pelo Banco Mundial, traz outra informação importante: o Brasil é considerado um dos países mais difíceis de empreender, ocupando a 124ª posição em um ranking fruto da análise das regulamentações aplicáveis às empresas de 190 países. Thais Ramos, criadora da De Benguela, a primeira loja no Brasil especializada em diferentes texturas de cabelo crespo natural para alongamentos e apliques, nos ajuda a entender essa realidade. “O Estado não colabora, é tudo extremamente burocrático. As divisões não são feitas de uma forma justa, então às vezes você é uma pequena empresa e é tratada como se fosse a Magazine Luiza”, explica ela. Com a experiência de ter morado na Espanha por alguns anos, Thaís ainda revela um ponto positivo em nosso mercado em comparação ao que viu no exterior. Para ela, o povo brasileiro é aberto ao novo, à criação de novos produtos, o que faz do Brasil um país de oportunidades. Já Kelcinara Ribeiro, que desenvolveu sua própria marca, a Kel Trufas, traz um outro olhar. “Hoje o empreendedorismo está forte, está na veia das pessoas, na hora da necessidade, na hora da dificuldade, o brasileiro empreende. Porque o brasileiro pode ter até dificuldade de empreender, mas ele tem sangue, ele tem vida, ele tem prazer, e quando ele começa a vender e ver que o negócio dá certo, aquilo vai trazendo mais vida para ele”, conclui.
AS MULHERES E SEUS NEGÓCIOS A empresa de Thais, De Benguelas, nasceu de uma necessidade que ela mesma tinha e, através da criação do negócio, pode também ajudar outras mulheres e homens, os levando a uma reconciliação com seus cabelos naturais. Os alongamentos em aplique, que foram produzidos inicialmente por ela, hoje já alcançam o Brasil e chegam a ser utilizados por figuras públicas como Taís Araújo e Maju Coutinho, que se tornaram clientes. Mas, apesar da De Benguelas não ter sido um negócio que iniciou por necessidade financeira, o primeiro empreendimento de Thaís, sim, nasceu de um cenário mais parecido com esse. “Eu me formei em Direito na Espanha, e quando eu decido voltar para o Brasil por conta da crise econômica espanhola, em 2012, eu chego aqui e preciso fazer alguma coisa porque eu não consigo revalidar meu diploma. Então, foi isso que me levou a empreender, foi uma necessidade por conta da minha formação”, explica ela. Já Kel, que entrou no ramo do empreendedorismo com sua empresa de trufas em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte, conta que seu trabalho com chocolates começou há 14 anos, quando uma amiga lhe ensinou algumas técnicas e sua paixão nasceu. Mas o empreender mesmo não aconteceu por um bom momento. Foi a saída encontrada quando ela foi demitida de uma empresa em que trabalhou durante oito anos. Na busca por uma solução, levou em consideração o “sangue empreendedor” que considera vir de sua família. Hoje, ela é a única pessoa em sua equipe.
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Kel revela não ter tido muita dificuldade em encontrar o público da Kel Trufas. Por conhecer muitas pessoas, dos mais variados espaços, a empreendedora consegue fazer com que seus produtos sejam conhecidos. Sobre seus diferenciais, ela garante que estão em todo o processo, mas principalmente no contato com os clientes. “Eu sempre fui muito bem recebida porque, antes de vender o produto, você tem que ser carismática, você tem que ter algo antes de oferecer o produto, e esse algo é a simpatia, empatia, alegria”, defende. Atualmente, Kel já evoluiu seus produtos. Além das trufas, ela consegue renda através da venda de chocotones, ovos de páscoa e atendimentos em festas, quando leva o “brigabar” e o “brigacone”, produzindo em tempo real durante os eventos.
SUPORTE Empreender, principalmente nos dias de hoje, pode demandar conhecimentos profundos e diversos. Não é só sobre chegar e produzir. Por exemplo, além de lidar com a divulgação de seus serviços, que hoje acontece muito de maneira estratégica nas redes sociais online, as empreendedoras têm que saber como mexer as pecinhas do financeiro e driblar os desafios que podem ocorrer. O Fundo Agbara é um exemplo para o nosso país, já que é o primeiro fundo filantrópico para mulheres negras no Brasil. Aline Odara, idealizadora e diretora executiva do projeto, disse que a ideia teve início quando ela pode ter uma noção de como era ter segurança para pagar as contas dos próximos meses e quis fazer isso por outras mulheres. “A gente fundou a Agbara em primeiro de setembro de 2020, em meio a pandemia do novo coronavírus. Uma pandemia em que as mulheres negras foram as mais impactadas. Em cinco dias, a gente já tinha 60 doadores recorrentes. E aí, rapidamente, o Agbara cresce, a gente passa a atender iniciativas de mulheres com aportes financeiros, capacitação técnica, assessoria e mentorias. De lá para cá, já prestamos 1.300 atendimentos”, conta Aline Odara.
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Encontro realizado pelo Fundo Agbara. Foto: Aline Odara.
O Fundo Agbara, atualmente, tem cerca de 250 doadores individuais e, segundo a idealizadora, há indícios de que seja o maior ciclo de doadores formalizados do Brasil. Assim, com essa arrecadação, tem sido possível contemplar, no mínimo, quatro iniciativas por mês. “São mulheres que precisam de ajuda para melhorar algum aspecto do seu negócio, adquirir algum insumo, algum equipamento”, pontua. Mas a ajuda não é só financeira. Mulheres empreendedoras podem também procurar o Fundo Agbara para aprimorar seus conhecimentos. “A gente tem que pensar em capacitar essa mulher de maneira técnica. Pensar que nós, a população negra, ainda somos a que menos tem acesso a estudos. Então, é pensar em capacitar essa mulher para os negócios”, conta a idealizadora do projeto. Para quem quer contribuir para a realização desse trabalho, o Fundo Agbara está sempre aberto a novos doadores. Assim será possível contemplar mais mulheres. Entre no Instagram @fundoagbara e fique por dentro de como tudo acontece.
MULHER NEGRA NO EMPREENDEDORISMO O crescimento da De Benguelas é visivelmente incrível, mas como mulher negra, Thaís Ramos ainda vivencia momentos excludentes. “Você começa sendo desacreditado. A impressão que eu tenho é que eu tenho sempre que conquistar os espaços”, afirma. Thaís também conta sobre um infortúnio recorrente. Quando vai a uma reunião acompanhada de seu sócio, um homem branco, não costumam olhar para ela, embora possua a maioria dos dados. Lidar com esses olhares diferentes e, mesmo assim, se manter firme, pode ser difícil, mas ter apoio e companhia de pessoas que entendem suas experiências pode trazer um alívio maior para essa caminhada. Ao entender isso, Aline Odara mostra que o jeito como o Agbara fala sobre empreendedorismo com mulheres negras é diferenciado, buscando por um olhar equilibrado
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e que não o romantize. “A gente sabe que, muitas vezes, o empreendedorismo é usado para responsabilizar essas mulheres, por uma questão de falta de políticas públicas de empregabilidade. O que falta são oportunidades de emprego, e o que é vendido para essas pessoas é: só lute que você vai conquistar o seu espaço. E não é isso, a gente sabe que não é por falta de esforço que as mulheres negras não estão conquistando seus espaços”, lamenta. Quando questionada sobre os principais problemas expostos pelas mulheres negras que chegam até o Fundo Agbara, a idealizadora do projeto conta que a falta de capital de giro e de acesso ao crédito são as primeiras, mas a falta de capacitação para lidar com áreas como organização financeira e marketing digital também são pontos fortes. Outra questão é que, normalmente, as empreendedoras fazem tudo de forma solitária e sentem falta de
uma
rede
para
trocarem
experiências,
então
o
Agbara
vem criando isso também. Kelcinara, a empreendedora por trás da Kel Trufas, fala sobre sua realidade quanto a isso. “Há uma dificuldade, há esse preconceito, mas hoje nenhum desses preconceitos, sobre ser negra, ser mulher, ser gorda, ter cabelo crespo, nenhum desses adjetivos ou substantivos, nenhum deles me impede de sair do meu ateliê e trabalhar, porque hoje eu sei quem eu sou, eu sei quem é essa mulher que está aqui dentro de mim, eu sei quem é essa mulher negra que carrega tantas coisas do passado, eu entendo e vejo que eu vim para fazer a diferença”, afirma.
Kel Trufas, empreendedora de Nova Lima/MG. Foto: arquivo pessoal.
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MAIORES CONQUISTAS Felizmente, a vida das empreendedoras negras não se resume a dificuldades e preconceitos. Existem muitas conquistas. Para Thais, a maior conquista da De Benguelas é a geração de empregos. Ela não imaginava ser parte do sustento de tantas famílias. E outra conquista muito importante foi fazer a diferença no mercado. “Ter contribuído de uma forma muito ativa para a mudança do mercado, na forma como o mercado se comporta. Eu acho que nós conseguimos convencer muitas mulheres de que esse cabelo é maravilhoso, de que os seus cabelos são lindos”, conclui ela. No fundo Agbara, a maior conquista foi ter criado a própria rede, com mulheres negras que se auxiliam, trocam experiências e se fortalecem. “Ainda mais em meio à pandemia, esse ambiente de isolamento social que foi necessário. Muitas mulheres trazem esse relato para a gente, do quão importante foi encontrar uma rede de pessoas que têm angústias, desafios e potências parecidas com as suas”, pondera. Já na Kel Trufas, muitas coisas foram conquistadas por Kelcinara nesse tempo. A principal delas é o reconhecimento pelo seu trabalho. “Hoje, para qualquer um que você perguntar na minha cidade sobre trufa, graças a Deus, eles me têm como referência”, observa.
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“AS DESIGUALDADES SOCIAIS GERAM DESIGUALDADES EDUCACIONAIS”
Em entrevistas exclusivas ao Jornal Impressão, especialistas em educação apontam os principais desafios para o acesso igualitário à educação de qualidade Por Carolynne Furtado A educação é, certamente, uma das áreas mais importantes para o desenvolvimento social dos países. Foi pensando nesse avanço, que a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 4, que preza pela educação de qualidade, presente no plano da Agenda 2030, que estabelece mais 16 objetivos. Esse plano global representa um marco histórico para que as gerações futuras possam avançar para um mundo melhor, com educação garantida a todos. As metas provocadas pelo ODS visam mudar o campo estudantil, com professores mais qualificados, acesso à escolarização nas zonas rurais, maior distribuição de bolsas estudantis e acessibilidade.
ODS 4 visa promover educação de qualidade para todos. Foto: Banco de imagem - Royalty free/ Corbis.
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo com uma diminuição na taxa de analfabetismo, o Brasil ainda apresenta 11 milhões de brasileiros que não sabem ler e escrever. Os analfabetos, como são caracterizados, são cidadãos que possuem 15 anos de idade ou mais. Dados como esses são alarmantes, visto que a população jovem tem grande influência social no país. Diante desses acontecimentos, é necessário
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redobrar os esforços para contribuir positivamente com o ODS. Em meio a todo esse caos educacional, nos últimos anos, houve o surgimento de inúmeros projetos que fazem total diferença e evitam que os 6,8% dos analfabetos avancem para dados mais assustadores.
MÃO NA MASSA O projeto Amigos do Bem é um exemplo, que surgiu em 1993 e, desde então, traz inovações e transformações para os sertões de Alagoas, Pernambuco e Ceará. Com uma variedade de programas educacionais para crianças e jovens das comunidades, essa ação conta com 4 centros educacionais, 500 bolsas de estudos, cursos profissionalizantes e 10 mil crianças escolarizadas. Um dos pontos mais altos desse projeto é contar com a administração de Luiza Helena Trajano, a fundadora do Magazine Luiza. No site oficial, eles explicam o porquê de escolher o Nordeste. “Um lugar onde milhões de pessoas nascem, sofrem e morrem, sem perspectiva de futuro. A má distribuição de renda e a situação de abandono são agravadas pela seca, condenando milhões de nordestinos à extrema pobreza”. Além de transformar a educação, o projeto também trabalha ativamente na erradicação da fome e da pobreza, de acordo com Alcione Albanesi, presidente do projeto. “Fazer o bem é a sensação de dever cumprido perante a vida. Acredito em um Brasil melhor para as futuras gerações, um país sem tantas desigualdades”, explica ela.
PENSAR O BRASIL Na busca ativa por ações que impactam positivamente a educação, também surgiu o projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O projeto articula ações de ensino, pesquisa e extensão em universidades públicas brasileiras, na busca por alternativas para se pensar o Brasil a partir de uma reflexão sistemática sobre um dos grandes desafios do nosso tempo: a educação pública. Doutora em Educação pela UFMG, Vanessa Macedo é uma das coordenadoras do projeto. Em entrevista ao Jornal Impressão, ela conta a história do projeto, promove reflexões sobre o assunto e nos ajuda a entender sua importância para o Brasil.
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Vanessa Macedo, do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil. Foto: arquivo pessoal.
COMO O “PENSAR A EDUCAÇÃO, PENSAR O BRASIL” IMPACTA A EDUCAÇÃO? O projeto nasceu em 2007, e um dos objetivos é qualificar o debate da educação do cenário público. A educação sempre se colocou como um tema estratégico para a formulação dessas nacionalidades, bem como desses projetos no Brasil. Então, a nossa missão vem dessa constatação que, nas primeiras décadas do século 20, especialmente até a década de 40, muitos intelectuais estavam discutindo educação no cenário público e, à medida que as universidades vão se estruturando, vão se estabelecendo como lugares de “pensação” desses especialistas, especialmente no que diz respeito às mídias, aos jornais, aos impressos. Então, o principal interesse que a gente estabelece no projeto é ampliar esse debate da educação no cenário em que nós temos hoje, em que nas grandes mídias não existe a presença de professores ou é pouca, bem como a de especialistas em educação. A forma que nós intencionamos em impactar é justamente na ampliação desse debate, onde a sala de aula, as experiências desses professores sejam consideradas, na medida em que discutimos sobre violência escolar, sobre evasão, sobre reprovação. Então, não diz respeito só a um cálculo econômico ou a índices de avaliações, mas diz respeito também ao modo como professores estão cotidianamente lidando com essas questões e encaminhando soluções dentro da sala de aula. É desse modo que a gente quer impactar a educação brasileira, qualificando a educação com presença do professor, com a presença das
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suas reflexões e suas experiências. A princípio, usar a presença do professor, seja como público, seja produzindo conteúdos nos jornais, revistas de educação básica e no nosso programa de rádio.
O PROJETO MANTÉM UMA RELAÇÃO COM OS 200 ANOS DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL. VOCÊ PODERIA FALAR UM POUCO SOBRE ISSO? Em 2022, nós vamos comemorar o centenário da Independência. E há 100 anos, no início do século passado, nós estávamos discutindo sobre que país é o que temos. Podemos falar sobre a Semana de Arte Moderna, podemos falar sobre diversas movimentações, nos campos da arte e da política. A gente teve um cenário forte e quente de discussões sobre qual é o país que comemoramos 100 anos atrás e sobre qual o país que queremos formular 100 à frente. A constatação que a gente tem é que esse debate do cenário da Independência está bem fraco. Com certeza a gente não vive um cenário como de 100 anos atrás, isso é óbvio, mas a questão é que a disputa dessa identidade de país, de nação, ela não está em discussão e é justamente o chaveamento que nosso projeto tem. É reconhecer que é importante se discutir no cenário público sobre qual país queremos, no sentido de como esses projetos estão sendo encaminhados, como estão sendo formulados. E no campo da educação, quais os projetos estão sendo estabelecidos no cenário público? Se podemos afirmar que 100 anos atrás a gente tinha diversas formas de pensar no ensino secundário, uma vez que ele não era completamente estabelecido, como é que ele vai funcionar, qual público vai receber? Especialmente porque, nesse momento, a gente tinha disputas no que diz respeito à formação de elites econômicas para desenvolvimento do país. Essa discussão está relativamente adormecida e esses momentos de comemorações que são contundentes com a história do país nos fazem ter o movimento de olhar para o passado e de pensar o futuro.
SOBRE AS AÇÕES DO PROJETO, QUE INCLUEM RÁDIO, GESTÃO DE MÍDIAS E SEMINÁRIOS, COMO FUNCIONAM? O que é fundamental dizer sobre as ações do projeto, que cresceram ao longo tempo, é não apenas o seminário, mas logo após nós criamos um programa de rádio na UFMG Educativa, criamos revistas, criamos também um lugar de reflexão nas próprias redes sociais, questão de mídia. E, agora, com a pandemia, surgiram duas novas ações, que são as lives e o podcast. Essas ações representam suporte de mídia. A revista é um suporte de mídia, o seminário é forma de divulgação, assim como também a rádio. Elas funcionam como uma forma de circular a informação, importante que a discussão sobre a educação seja estabelecida de diversas formas. Eu estou diretamente ligada a duas ações, que são a Revista Brasileira de Educação Básica, um periódico voltado a professores da educação básica, bem como pesquisadores que lidam com a educação básica e professores em forma-
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ção, e o podcast, que se chama “Pensar Depois da Aula”. Em cada uma dessas mídias a gente reflete como o debate da educação pode ser ampliado.
COMO FUNCIONA A PUBLICAÇÃO DOS LIVROS PELA MAZZA EDIÇÕES, QUE ABORDAM TEMAS SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL? Nós temos uma parceria longa com a editora e, a princípio, ela contribui para a circulação dos temas que falamos em nossos seminários, então o livro alonga as discussões que são feitas lá. Uma das premissas de fundamental importância do ODS 4 é a qualificação dos professores, que são o estopim para qualquer mudança social na vida de crianças e adolescentes. É necessário um olhar mais apurado para os níveis de formação na hora de lecionar, pois muitos não possuem formação na disciplina em que ensinam. Segundo as metas do Plano Nacional de Educação (PNE), até 2024, 50% dos professores do ensino básico no Brasil devem se formar em nível de pós-graduação e todos precisam receber formação continuada em sua área de atuação. É difícil falar sobre educação e não falar sobre ciência, e sobre os impactos e os avanços que ela trará futuramente. Essas evoluções têm se mostrado cada vez mais efetivas e com maior abertura para novos projetos sociais.
CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO Também em entrevista ao Jornal Impressão, Silvania Sousa do Nascimento, pesquisadora científica da UFMG, explica sobre os avanços citados por Vanessa Macedo e quais os impactos para o país e para a educação.
Silvania Sousa do Nascimento, pesquisadora da UFMG. Foto: arquivo pessoal.
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VOCÊ JÁ PUBLICOU MUITOS TEXTOS E ARTIGOS CIENTÍFICOS EXTREMAMENTE RELEVANTES. NA SUA OPINIÃO, QUAIS AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA CIÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA? Eu trabalho na área das Ciências da Educação. Uma área interdisciplinar na qual conversam, no caso da Educação em Ciências e Tecnologia, com contribuições de diferentes campos, como filosofia, sociologia, psicologia e linguística. Essa ciência investiga os processos e situações de ensinar e aprender em espaços escolares e não escolares e suas pesquisas impactam diretamente na formação de professores, na produção de espaços de aprendizagem, no desenvolvimento de materiais didáticos e paradidáticos, nos processos de avaliação individuais e sistêmicos, na produção e análise dos percursos escolares. Já as ciências, no sentido amplo, contribuem indiretamente, de meu ponto de vista, tanto na educação básica como na sociedade como um todo, ao oferecerem novas perguntas e novas soluções para nossas relações com o ambiente e com os objetos. A ciência transforma nosso modo de viver e pensar o mundo próximo e distante.
ENTRE OS PRINCIPAIS OBJETIVOS DO ODS 4, DA ONU, ESTÁ O AUMENTO DA QUALIFICAÇÃO DOS PROFESSORES. O TEMA DE UM DOS SEUS ARTIGOS MAIS RECENTES É SOBRE JOGOS ELETRÔNICOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, UMA IDEIA MUITO REVOLUCIONÁRIA PARA O MEIO ACADÊMICO. VOCÊ PODERIA EXPLICAR UM POUCO MAIS SOBRE O ARTIGO E A PROPOSTA DE ENSINO? A gamificação pode ser considerada a arte de aplicar elementos dos jogos em situações sociais diversas. Na formação profissional, essa dinâmica já é bastante aplicada em simulações de situações complexas onde a regra, a formação de alianças estratégicas para o cumprimento de uma tarefa colaborativa, a avaliação das punições e recompensas são importantes para o sucesso do desenvolvimento de um produto. Na educação, principalmente dentro do contexto da pandemia, o uso das metodologias ativas se tornou mais efetivo, e a cultura dos jogos eletrônicos entrou definitivamente nos cenários de aprendizagem. O artigo em questão analisa uma situação de formação de professores de física, no sistema remoto. Para tais profissionais, o desenvolvimento de competências que envolvem a argumentação, o pensamento computacional, a análise de sistemas complexos, facilita a construção de cenários narrativos que usam estratégias presentes nos jogos eletrônicos. No contexto do artigo foram analisadas as interações para o desenvolvimento colaborativo de um cenário de um jogo eletrônico pensando, entre outras, o desenvolvimento de habilidades específicas do campo das ciências da natureza.
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QUAIS ASSUNTOS VOCÊ CONSIDERA IMPORTANTES DE SEREM ABORDADOS EM FEIRAS DE CIÊNCIAS, QUE POSSAM POSSIBILITAR A COMUNICAÇÃO E O CONTATO CIENTÍFICO NA EDUCAÇÃO BÁSICA? As feiras de ciências compõem um dos cenários educativos que estudo. Em geral, elas estão inseridas no projeto pedagógico do professor ou da escola com o objetivo de desenvolver a análise crítica de situações complexas locais. A feira em si é o momento de mostrar os resultados de um projeto de investigação escolar. Nesse momento, as diferentes formas de comunicação dos resultados e a argumentação com o público são as principais competências desenvolvidas nos grupos de estudantes. Aplicando princípios da metodologia de projetos, os temas para uma feira de ciências podem ser diversos e os mais efetivos são aqueles escolhidos pelos próprios estudantes diante de uma realidade local. Esse exercício de análise de problemas locais é importante para dar sentido aos conteúdos escolares.
ESSES OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO IRÃO DESENCADEAR AINDA MAIS O AVANÇO DA CIÊNCIA. QUAIS SERÃO OS PRINCIPAIS DESAFIOS CAUSADOS POR TAL AVANÇO EM PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS? Os ODS terão certamente impacto na produção científica mundial, não necessariamente representando um avanço, mas uma qualificação das perguntas da tecnociência, que vem crescendo exponencialmente na medida que o poder de processamento de informações cresce. Não penso que os avanços provocarão novos desafios, e sim o agravamento das diferenças entre os países que produzem ciências e tecnologia e aqueles que as consomem. Há muitas formas de classificar os países, eu não uso a nomenclatura de países subdesenvolvidos pois ela carrega um julgamento econômico que creio não ser o atual. Pensando na Agenda 2030 da ONU, o enfrentamento às desigualdades sociais e da pobreza no planeta perpassa, como desafio, todas as economias mundiais. O maior desafio planetário não é somente científico, mas também político e social. As sociedades mais industrializadas geram riquezas e misérias, e distribuem de forma desigual tanto suas riquezas quanto suas misérias. Um exemplo pode ser dado em relação ao impacto planetário do modo de vida estadunidense. Um cidadão estadunidense tem um impacto na mudança climática representado pelo seu consumo energético muito maior do que um agricultor africano. Aquelas economias não industrializadas e que têm baixos índices de desenvolvimento humanopossuem desafios em escala muito diferente! Há muitos movimentos, inclusive oriundos de coletivos ligados à produção das ciências, que colaboram com esses países para o cumprimento dos ODS. Mas a solidariedade entre as nações é um projeto que ainda não tem caminhos bem definidos. Veja, por exemplo, o consórcio para a compra e distribuição das vacinas contra a Covid-19. O Brasil é uma das maiores economias do planeta e, hoje, não é mais considerado em desenvolvimento, ainda que se agravam problemas cruciais
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como o acesso à água, a concentração de renda ou a baixa escolarização dos trabalhadores.
TER METAS E OBJETIVOS NÃO É TUDO QUANDO EXISTEM EMPECILHOS NO AVANÇO. VOCÊ ACREDITA QUE, DE FATO, A EDUCAÇÃO PODE EVOLUIR EM TÃO POUCO TEMPO? Eu não tenho uma posição epistemológica na qual a ciência seja um motor de progresso. O desenvolvimento das ciências sempre representou uma ampla reflexão sobre o que um grupo social define como fato científico e como esse fato será tratado. Há temas eleitos politicamente pela comunidade científica em um contexto social que ocupa a agenda da comunidade com prestígio e financiamento, gerando respostas tecnológicas mais ou menos adequadas. Nem sempre as respostas das ciências representam um avanço social e os obstáculos nem sempre são de natureza educativa ou científica. As tecnologias sociais e comunicacionais contribuem muito para as melhorias educacionais e as pesquisas sobre os processos de ensino e aprendizagem trazem respostas efetivas para muitos problemas educacionais no momento. Por exemplo, o uso de combustíveis fósseis. Será que a ciência não tem uma solução tecnológica para reduzir a produção de CO2 oriundo da queima desses combustíveis? Será que o problema do analfabetismo nas mulheres pode ser reduzido apenas com uma educação de qualidade, e que qualidade é essa? Ter metas e objetivos mobilizam a discussão para construção de caminhos possíveis, do meu ponto de vista.
ANALISANDO O SEU HISTÓRICO, HÁ DIVERSAS FORMAÇÕES, INCLUINDO UMA NA FRANÇA. QUAIS AS MAIORES DIFERENÇAS DE ESTUDAR EM UM DOS PAÍSES MAIS DESENVOLVIDOS ECONOMICAMENTE? FALTA MUITO PARA QUE UM PAÍS SUBDESENVOLVIDO POSSA SE IGUALAR EDUCACIONALMENTE? Tenho participado de equipes internacionais que analisam sistemas educativos em diferentes países. Por exemplo, orientei uma investigação sobre o processo de formação de professores em Angola, um país que está em um processo de reconstrução depois de anos de guerra civil, com o desafio de reconstrução de todo o sistema educativo. É um país que, como o Brasil, enfrenta desafios econômicos, políticos e educacionais. Os países economicamente estabilizados enfrentam problemas diferentes. Na França, por exemplo, há a pressão dos grandes fluxos populacionais como do leste europeu, do norte da África, do meio oriente, entre outros. Acompanhei turmas de alfabetização multiculturais onde havia crianças de nacionalidades diferentes e matrizes linguísticas muito diversas: hundu, madarim, pashto, coreanos, árabe... este é um grande desafio educacional. É um desafio semelhante ao que enfrentamos na formação intercultural de nossas comunidades indígenas, visando a manutenção das línguas e dos modos de viver das populações originárias do Brasil. As diferenças não são muitas e sempre existiram, o que precisamos é aprender a trabalhar com e nas diferenças. Nossa educação como campo
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de investigação colabora muito com os países industrializados com propostas teóricas, como os momentos pedagógicos propostos por Paulo Freire e o letramento educacional proposto por Magda Soares. Produzimos uma educação de qualidade com respostas adequadas à nossa realidade. Temos grandes desafios, como o acesso à educação, permanência das camadas vulneráveis no sistema educativo, inclusão sociocultural, formação profissional de qualidade, valorização dos profissionais de educação. Nosso problema é de escala, a escala populacional é muito diferente, logo os problemas regionais são diferentes. Temos também um legado negativo, pois vivemos anos de descaso em relação à oferta de vagas e condições de permanência para os diferentes níveis educacionais, promovendo a retenção e a evasão de grupos sociais economicamente desfavorecidos. Nós temos o maior programa de distribuição de livros didáticos de qualidade do mundo, com um processo de avaliação e logística de distribuição modelar. Temos um modelo de formação intercultural das comunidades indígenas igualmente modelar que, como nosso SUS (Sistema Único de Saúde), é observado e modelado para países industrializados e não industrializados. Temos um problema de financiamento dos sistemas educativos que vem melhorando (se não houver retrocesso) e uma questão de oportunidades de aprendizagem que está relacionada à distribuição de renda. As desigualdades sociais geram desigualdades educacionais.
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MULHERES EM ALTA NO UNIVERSO DOS E-SPORTS
Jogadoras do esporte eletrônico transformam paixão de infância em carreira profissional e, com muita garra, lutam para driblar a falta de oportunidades e o machismo da modalidade Por Rafael Alef
Indústria de games movimenta mais de 160 bilhões de dólares por ano. Imagem: Freepik.
Se engana quem pensa que o universo dos jogos eletrônicos é coisa de criança ou só um passatempo. A indústria dos games já é avaliada em mais de 160 bilhões de dólares e revela novos talentos diariamente. Em plataformas de streaming, como a Twitch ou Facebook Gaming, inúmeros criadores de conteúdo gamer apresentam transmissões e atraem seguidores do mundo inteiro. Grande parte da audiência pode até ser voltada ao público masculino, contudo, as mulheres ganham cada vez mais espaço nas plataformas e provam que não só sabem muito de jogo, como também têm muito a acrescentar.
PAIXÃO DE CRIANÇA A engenheira física Aryane Nicéia, ou como se apresenta na web, Aryzete, aproveitava as visitas à casa de familiares para explorar a paixão pelos jogos, já que, na época, ainda não tinha os meios para tal. Mesmo depois de ganhar o primeiro console, computador destinado exclusivamente a jogos, a alegria durava pouco. A mãe, preocupada, não gostava que Aryzete ficasse muito tempo em frente às telas por ainda ser muito nova. Mas a engenheira cresceu e o gosto continuou. Criou um canal no YouTube, o Quem Dera, em 2014, focado em situações cotidianas, mas se interessou mesmo ao conhecer outros criadores que
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produziam vídeos de gameplay, em tradução literal, jogando o jogo. A produção de vídeos nesse estilo para a plataforma se provou mais complicada do que Aryzete esperava, mas no fim de 2019 foi aconselhada a tentar fazer as transmissões de outra maneira. “Comecei a fazer lives como um teste no Facebook, mas eventualmente migrei para a Twitch, onde estou até hoje”, recorda. Semelhante à história de Aryzete, a ciberatleta Danielle Andrade, popularmente conhecida na internet como Cherna, sempre foi apaixonada por jogos eletrônicos e foi com o apoio da família que conseguiu investir no sonho de se tornar uma jogadora profissional. “O meu primo foi quem me ajudou a convencer o meu pai para a compra do meu primeiro PC”, relembra. O interesse pelo mundo dos eSports também nasceu na infância da streamer, influenciadora de games e apresentadora, Carolina Trindade, também conhecida na internet como Carrie T. Nos tempos de estudante no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), passou a organizar campeonatos do jogo eletrônico, League of Legends. Aos 19 anos, fez sua estreia como streamer na internet depois de ganhar um computador mais potente. Mas desde os 11, jogando em um PlayStation 2, e até no videogame do pai, o Atari, popular na década de 80, Carrie já demonstrava que a paixão poderia ir além da diversão pessoal. Atualmente, a streamer tem mais de 30 mil seguidores espalhados por perfis no Instagram, Twitter, Youtube, TikTok e no serviço de streaming, Twitch. Com uma série de projetos encaminhados para o futuro, Carrie destaca o final do último ano como a grande virada em sua carreira profissional. “Ser uma streamer deixou de ser só um hobby e se tornou a minha principal fonte de renda”. Em 2021, a influenciadora passou a integrar a equipe do Cruzeiro eSports, oportunidade que impulsionou de vez a carreira no universo dos jogos eletrônicos.
JOGADORES IMPRESSIONAM A ascensão do público feminino no mundo gamer segue em ritmo crescente, mas tem um longo caminho a percorrer. Em abril deste ano, a 8ª edição da Pesquisa Games Brasil confirmou que 51,5% do público de jogos eletrônicos do país é composto por mulheres. Já em agosto, um dos principais nomes femininos do esporte eletrônico, a brasileira Babi, foi a mulher mais assistida do país com cerca de 120 mil horas assistidas com apenas 25 horas de transmissão. Criadora de conteúdo e influenciadora pela LOUD Games, organização brasileira de eSports, Babi tem mais de 1 milhão de seguidores na Twitch, onde faz transmissões de gameplay. Recentemente, a influenciadora estrelou um comercial para o Banco Itaú, um dos mais novos patrocinadores da LOUD. Em outubro, um vazamento massivo de informações da plataforma de transmissões Twitch tornou público os ganhos dos 100 streamers mais bem pagos no serviço de streaming. Entre a classificação, é possível encontrar
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apenas três mulheres: a canadense Pokimane, em 34º lugar, a americana Amouranth, em 48º, e a alemã Sintica, em 71º. Com a quantidade de mulheres criando conteúdo gamer de excelência na internet, as classificações e números ainda deixam a desejar. A falta de interesse genuíno por parte do público e das grandes marcas contribui para o cenário, mas jogadoras do esporte eletrônico provam que, mesmo com a falta de investimento, chegaram para ficar e não têm medo de pegar o comando. “Muitas marcas preferem usar as mulheres como token pelo corpo e para chamar atenção, e não pelas habilidades e competências no que fazem. Sinto que faltam marcas gerenciadas por mulheres no mundo do eSports. Marcas que saibam valorizar o trabalho feminino, mostrar o nosso potencial e impulsionar a capacidade de conquistar o que desejamos”, pondera Cherna.
O DESGATE NA LUTA CONTRA O MACHISMO Paralelo às dificuldades em ganhar espaço no mercado dos eSports, jogadoras de todo o mundo ainda precisam lidar diariamente com o principal inimigo para as conquistas do público feminino: o machismo. Em 2018, a proplayer (ou jogadora profissional), Cherna, foi uma das duas mulheres indicadas ao Prêmio eSports Brasil. A jogadora, que apareceu entre oito nomes na categoria Melhor Atleta de Rainbow Six: Siege, teve o momento de celebração tomado por uma onda de ataques gratuitos na internet, que quase a levaram a se afastar das redes sociais. A indicação ao prêmio veio depois da oportunidade de jogar profissionalmente pelo circuito feminino da Ubisoft Entertainment SA, empresa francesa de jogos eletrônicos com sede no subúrbio de Montreuil, em Paris. Em nota publicada cinco dias depois da divulgação da indicação, o Prêmio eSports Brasil repudiou os ataques à jogadora e reforçou que mesmo com a maioria dos atletas no esporte eletrônico sendo do gênero masculino, o crescimento das mulheres na modalidade é uma tendência global muito relevante. Casos de machismo e assédio moral ainda são comuns no mundo dos esportes eletrônicos, principalmente para as mulheres jogadoras. Em 2021, a empresa Reach3 Insights, em parceria com a Lenovo, divulgou pesquisa que buscava compreender a experiência de mulheres enquanto jogavam na web. Entre os principais resultados, o estudo aponta que 77% das entrevistadas sofrem com algum tipo de frustração enquanto jogam, apenas por serem mulheres. Outras reclamações, como propostas não solicitadas para relacionamento, questionamento de habilidades e silenciamento por parte de homens que se sentem superiores naquele espaço também foram destaque. A streamer Aryzete explica que, mesmo não gostando, ainda utiliza um nickname, ou apelido, neutro na internet, visto que muitas mulheres sofrem com o assédio de jogadores nas plataformas. Para a ciberatleta, Cherna, a solução para evitar comentários machistas foi esconder o seu gênero durante algumas partidas. Já a influenciadora de games, Carrie T, não chegou
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a esconder sua identidade de gênero, mas vez ou outra ainda precisa apagar comentários de assédio e ódio gratuito no chat de suas lives. “Esse tipo de situação é parte de uma cultura do patriarcado em que muitos homens ainda acreditam que as mulheres só devem fazer “coisas de mulheres”, como cuidar de uma casa ou esperar um homem para bancá-las. Acredito que isso vem mudando aos poucos, mas ainda sofremos com essa discriminação de gênero em muitas outras áreas e não somente nos jogos eletrônicos”, reflete Carrie. Infelizmente, jogadoras de todas as idades se encontram em uma posição em que é necessário tentar driblar comentários e ataques desrespeitosos durante suas transmissões ou participações em campeonatos. As experiências negativas começam cedo e exigem força para quem só quer se divertir e aprender mais no universo do esporte eletrônico. “Me lembro que, aos 13 anos, fui em um grupo de jogadores para conseguir uma informação sobre um jogo e um cara comentou “mostra os peitos” na minha publicação. Na época, não me abalei, mas é muito pesado saber que uma criança de 13 anos pode ser exposta a esse tipo de comentário simplesmente por gostar de um jogo”, relembra Aryzete. A streamer, que é uma mulher lésbica, também já passou por situações de LGBTQIA+fobia junto a um time onde jogava, e mesmo tentando não se abalar com os ataques, não esconde o quão desagradável é ouvir tantos comentários negativos apenas por fazer parte de um jogo.
INICIATIVAS QUE FAZEM A DIFERENÇA Em busca da erradicação de problemas intrínsecos às sociedades ao redor do globo, a alta cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) se reuniu, em setembro de 2015, para a elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O acordo se refere a uma série de medidas que buscam solucionar problemas, como a fome, desigualdade, clima, e também a igualdade de gênero. O quinto objetivo da agenda, que deve ser executada até o ano de 2030, abrange medidas relacionadas à igualdade de gênero e empoderamento de mulheres e meninas. E é com o mesmo objetivo que mulheres com destaque na cena gamer vêm desenvolvendo projetos, cuja finalidade é proteger e incluir o público feminino no esporte eletrônico. Um exemplo de trabalho que podemos destacar é o coletivo encabeçado por Aryzete, o Joga Sapatão, que conta com 15 mulheres lésbicas unidas em prol da visibilidade às mulheres LGBTQIA +. A streamer conta que, desde o início de suas transmissões na plataforma Twitch, sentia falta de ver mulheres lésbicas como ela, jogando na plataforma ou entre os grandes nomes streamers. Depois de um tempo pensando nas possibilidades de contribuição, nasceu o coletivo, que teve lançamento no último mês de agosto, em paralelo às comemorações do Mês da Visibilidade Lésbica.
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“Praticamente em todos os dias do mês, fizemos lives em conjunto para arrecadar dinheiro para a Casa Dulce Seixa, e foi extremamente divertido! Não conseguimos um público tão grande quanto eu esperava, mas foi incrível elaborar tudo isso”, destaca Aryzete.
Movimento feminino nos eSports se une em luta contra o machismo. Imagem: Freepik.
Outro projeto encabeçado pelo público feminino é a Associação Feminina Gaming do Brasil (AFGB), criada pela jogadora profissional Cherna. A proplayer, que sofreu uma onda massiva de ataques virtuais em 2018, foi à internet neste ano para expor os assédios físicos e verbais que sofreu de um antigo treinador por conta de sua sexualidade. A culpa e o medo de possíveis reações a consumiram por um tempo, mas Cherna usou sua experiência como motivação para criar o projeto visando o bem-estar de outras jogadoras. O plano, para o futuro, é criar uma corrente de proteção para que situações como a dela não se repitam e ninguém precise se calar a respeito. “Nosso objetivo é dar auxílio a todas as mulheres gamers, com advogados, psicólogos, treinos para melhoria de performances no jogo, entre muitas outras coisas e sem fins lucrativos”, explica.