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VENERAÇÃO DE FÃ-CLUBES GANHA NOVAS CAMADAS NA CONTEMPORANEIDADE Entre as paixões e os perigos da idolatria, comunidades se transformam e expandem o lugar de clientela, mas ainda são essenciais para longevidade midiática dos ídolos Por Rafael Alef Quem nunca teve um ídolo? De atores de novela, às estrelas do futebol e da música, uma coisa é certa: a presença de fãs que os admiram. Com as evoluções tecnológicas, esses devotos seguidores estão cada vez mais próximos de seus ídolos, acompanhando o que comem, o que vestem e o que pensam pelas redes sociais digitais. Muitos se conectam por meio de comunidades do ciberespaço, para compartilhar gostos e experiências, mas essa conexão pode passar do ponto. A invasão de privacidade e a adoração sem limites são algumas das linhas que não devem ser cruzadas pelos famosos fandoms, mas que ainda estão presentes nessa relação. Mas, afinal, o que é ser fã atualmente? Muito além do consumo de produtos licenciados, os seguidores adquirem novas habilidades e passam a produzir conteúdo a partir das personas tão veneradas. Esse processo, em prol da reafirmação do amor, se torna uma forma importante de capital e pode até virar profissão.
PAIXÃO PRODUTORA O estudante de Pedagogia, Mateus Las Casas, tem 24 anos e é um grande entusiasta da atriz e cantora estadunidense, Selena Gomez. Desde 2010, cultiva uma paixão por colecionar mídias físicas e, no fim do último ano, passou a investir na carreira de influenciador digital com a página no Instagram, Rare Collection. “A ideia veio de uma busca por conexões com outros colecionadores. É um espaço muito acolhedor onde trocamos indicações e compartilhamos esse amor por colecionar”, explica. O que começou como um hobby, e inicialmente estava restrito aos produtos da cantora favorita, se expandiu, demandou estudo e uma reorganização na rotina. “Aprendi muito sobre taxas de importação porque não conhecia de imediato. Também tive uma troca bacana com outros colecionadores que entendiam melhor o processo”, relata.
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Em cerca de sete meses, foram 121 publicações, entre postagens no feed, stories e IGTV. Mateus produz fotos e vídeos para mostrar as particularidades da arte de cada produto, detalhes de acabamento e localidade e até fazer um ranking de faixas prediletas. Esse processo é bem recebido e traz motivação para investir no crescimento do perfil. “Os seguidores interagem bastante e querem saber como compro e cuido das mídias físicas. Em uma página como essa, é preciso manter a inovação para não perder o engajamento”, explica. Esse perfil de prosumidor (aquele que além de consumir, passa a produzir), muito popular atualmente, foi essencial para o encontro da professora Priscila Ribeiro e do radialista e editor de vídeos, Lucas Alves. Ambos se
Por Matheus Rocha conheceram em sessões de teatro musical e transformaram o amor de fã em trabalho, com a criação do fã clube Wicked Family e, posteriormente, o portal Mundo dos Musicais, dedicado à cobertura de produções desse gênero no Brasil e no mundo. “Criei um fã-clube para o ator Bruno Sigrist [estrela da série musical Julie e os Fantasmas], e o segui até o teatro quando assisti à peça Rock In Rio – O Musical, em 2013. Conheci o Lucas e muitas outras pessoas que tinham fã-clubes nessa época, não fazia ideia que esse mundo [do teatro musical] existia”, recorda Priscila. A união de adoradores resultou em homenagens para o elenco da peça, com a produção de bottons personalizados e cartões postais entregues na última sessão do espetáculo. No ano seguinte, com a chegada do musical Wicked, Priscila resolveu dar continuidade ao projeto com a criação da página Wicked Family, dedicada a todo o elenco e produção do espetáculo no Brasil. O perfil bateu a marca de 6 mil seguidores somente no Instagram. “Comecei a pegar todas as postagens do elenco e repostar na página. Também colocava avisos de sessões populares e, com isso, migramos para grupos no WhatsApp e Facebook”, explica Priscila. Quando a peça chegou ao fim, se questionou, junto a Lucas, sobre o que viria a seguir e, já conhecidos por grande parte dos atores, se uniram para a criação do portal. “Antes, tínhamos a visão da plateia e, depois [no portal], começamos a gravar conteúdo de bastidores. Acompanhávamos o ator desde a chegada ao teatro, preparação com a maquiagem, até ele subir ao palco”, detalha Lucas. A página, pensada como um grande fã-clube com coberturas de fã para fã, hoje, conta com uma equipe de oito pessoas e quase 45 mil seguidores combinados entre YouTube e Instagram. Os atores passaram a respeitar o grupo de fãs como um veículo de divulgação, o que aumentou a credibilidade da página e abriu portas para novos acessos nos bastidores das produções teatrais.
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Essa relevância dentro do universo do teatro musical no Brasil trouxe uma perspectiva diferente. Agora, como um portal de notícias, recebiam informações privilegiadas e que não podiam compartilhar em imediato, para não prejudicar as produções. Com esse acesso e a confiança de produtores, criaram espaços ainda mais compartilhados, como o evento “Mundo dos Musicais Convida”. Em parceria com os teatros, organizaram sessões exclusivas, com direito a sorteio de brindes e encontro com o elenco. “Todo mundo subia no palco e tirava uma foto profissional com os atores. Rolava essa integração das pessoas que gostavam do musical e do elenco, mas nunca tiveram a oportunidade de conhecer e conversar um pouco”, explica Lucas.
PorA Matheus Rocha de todos esses processos, porém, não é fácil. Sem manutenção patrocinadores e com carreiras paralelas à vida de fã, essa comunidade contribui para a divulgação e popularidade de pessoas e produtos, mas não recebe muito em troca. O amor é a motivação mais forte, mas não cobre trajetos, ingressos e, principalmente, o tempo investido. “Para o trabalho com o blog eu separava um tempo no meu horário de descanso. No início foi tranquilo, mas tive momentos em que eu trabalhava tanto durante o dia que, nesse horário, o que eu menos queria era editar mais”, relembra Lucas.
Selena Gomez atende fãs em Toronto. Foto: George Pimentel/WireImage.
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IMPACTO SOCIOEMOCIONAL Aos 27 anos, a mestranda em Ciência e Tecnologia das Radiações, Fran Dutra, dedica parte de seu tempo para acompanhar fielmente as novidades do grupo de K-Pop, BTS. Há cinco anos, conheceu o trabalho da banda por indicação de uma amiga e, desde então, se apaixonou pelos integrantes e suas músicas. “Eu estava em uma fase desanimada, sem muita perspectiva com a vida e uma amiga disse: acho que se você começasse a acompanhar o trabalho deles teria uma nova fonte de alegria no seu dia a dia”, relata. Com uma forte presença nas redes sociais, o BTS mantém uma interação constante com os fãs ao redor do mundo. Entre programas de variedade e novos trabalhos musicais, os oito integrantes cultivam essa conexão e se transformam em uma válvula de escape em meio aos dilemas da atualidade. “Ter essa fonte de conteúdo constante é uma coisa que me ajuda a lidar com toda essa maluquice que vivemos. Sei que vai sair algo novo e me deixar feliz por acompanhar”, diz Fran. As mensagens de amor próprio e liberdade de expressão nas músicas do grupo se tornaram aliadas da estudante, que também conheceu muitos amigos através do amor pela banda. “Eles falam muito em se amar, se aceitar e não seguir os padrões da sociedade, e isso me tranquiliza. Eles abriram a minha visão sobre entender e valorizar o que eu quero na vida e porque eu quero”, explica. Em formação para uma carreira como pedagogo, Mateus Las Casas também se sente influenciado positivamente pelas filosofias da cantora Selena Gomez. “Sou fã dela desde os 13-14 anos, então cresci acompanhando e isso teve uma influência no meu desenvolvimento como pessoa. Ela fala muito sobre tratar o próximo com bondade e acho que apliquei isso na minha vida”, reflete. Essas filosofias também alcançam o engajamento social dos seguidores. Em janeiro de 2021, os armys, como são chamados os fãs do grupo BTS, arrecadaram, em campanha de doação para compra de oxigênio em Manaus, norte do Brasil, cerca de 58 mil reais. A ação surgiu por influência dos posicionamentos do grupo. O BTS, que é parceiro da UNICEF desde 2017, reiterou recentemente o seu compromisso com a organização, com doação de um milhão de dólares para a campanha Love Myself, que visa o bemestar de jovens ao redor do mundo.
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Beatlemania em Forest Hills, 1964. Foto: Mirrorpix/Getty Images.
PERIGOS DA IDOLATRIA O engajamento de fãs e suas comunidades é uma das principais moedas de capitalização para a indústria do entretenimento. Se, no passado, a mesma era movimentada pela compra de livros, camisetas, álbuns físicos e ingressos de shows, hoje, se alimenta dos altos números de seguidores e seu engajamento. Quanto maior a presença nas redes sociais digitais e em interações com o público, maior a adoração. Essa conexão, motivada pela identificação e projeção, é potencializada pela distância entre ambas as partes e pode ser associada aos ‘neurôniosespelho’. Descoberta pelo neurofisiologista italiano Giacomo Rizzolatti, a teoria de que o nosso cérebro repete as ações que observamos se encaixa com o impacto e absorção de mensagens propagadas de ídolo para fã. A popularidade, no entanto, pode ser prejudicial. Muito se questiona sobre o que é calculado e o que é espontâneo, já que o fã é um comprador em potencial. Cada vez mais os nomes com maior popularidade na mídia emitem posicionamentos robóticos e que podem afetar seu apelo inicial: a originalidade. O jornalista Raphael Vidigal, experiente em trabalhos como produtor e repórter cultural para o jornal mineiro Hoje em Dia e para a Rádio Itatiaia, acredita que, no passado, os fãs se portavam menos como clientes e os artistas não tinham essa obrigação de agradar a todo tempo. “Hoje, parece haver uma tendência reversa: se o artista não atende ao que o fã deseja, é porque o artista não tem condições para tal”, explica.
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Compartilhando desse pensamento, a jornalista Carolina Braga, idealizadora e editora do portal Culturadoria, destaca o sucesso de Juliette, vencedora da última edição do Big Brother Brasil, como um exemplo de adoração que pode se tornar uma prisão. “Vivemos em uma sociedade muito volátil, em que o fã pode deixar de ser fã, caso ela [Juliette] perca a autenticidade e fique mais com a cara de uma marca”, pontua. Essa prisão em que o ídolo só pode agradar se agrava com facilidade. Recentemente, a cantora brasileira Luísa Sonza precisou deixar o país após constantes ataques nas redes sociais. A artista, que teve um relacionamento intensamente acompanhado pela mídia nacional, sofreu com comentários machistas, acusações e até ameaças de morte, feitos pelos fervorosos fãs de seu ex-marido, o comediante Whindersson Nunes. A toxicidade na internet acaba cruzando limites e preocupa até mesmo fãs inseridos nesse contexto. “Vejo pessoas de 13 anos brigando no Twitter e me preocupo em como aquilo vai afetar as relações fora da internet”, diz Fran, sobre alguns fãs do grupo BTS. Essa rivalidade, constante em torcidas e fã-clubes, deixa claro que não se pode fazer tudo em nome do amor por um ídolo. Grandes admirações têm diversos pontos positivos e podem levar a lugares nunca imaginados, no entanto, precisam ser conduzidas com respeito e senso de responsabilidade para não ultrapassar seus benefícios e se transformar em obsessão.
AFINAL, O QUE É MPB? O cenário musical no Brasil é cada vez mais múltiplo. Será que os gêneros mais ouvidos hoje são reconhecidos como a nova Música Popular Brasileira? Por Mylene Alves
Um dos principais instrumentos usados na MPB é o violão. Foto: Unsplash.
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No Brasil, temos um “gênero” musical conhecido como Música Popular Brasileira, a MPB. Surgido na década de 1960, este estilo ganhou grande importância em acontecimentos históricos, como a ditadura militar (19641985). Mas, apesar de ainda ser o único conhecido por essa nomenclatura, será que, no cenário musical atual, essa ainda é a música popular entre o povo brasileiro? Essa MPB, que tem figuras como Milton Nascimento, Elis Regina, Caetano Veloso e Chico Buarque entre seus personagens principais, engloba, principalmente, a produção fonográfica dos anos 60 e 70, com destaque para Tom Jobim e todos que foram considerados seus “filhos”. A Bossa Nova e a Tropicália estão envolvidas, são dois estilos que, como afirma o cantor e compositor Rodrigo Borges, levaram nossa música para o mundo. Em um resumo do que é o gênero, Luiz Flávio Lima, jornalista, diretor e apresentador do programa Hypershow, da Rede Minas, explicou que a MPB é um desdobramento do que a Bossa Nova propôs na década de 50, incorporando a sofisticação sonora. Tem também uma proximidade grande com o jazz, na forma de construção harmônica, que era diferente do que, até então, a música brasileira trazia. Muitos estudiosos da área, como Martha Ulhôa, PhD em Musicologia, explicou em seu artigo “Nova história, velhos sons: notas para ouvir e pensar a música brasileira popular”, preferem se referir às canções associadas como Música Brasileira Popular, o que dá um sentido diferente a essa identidade musical, mais amplo. São músicas que, por não serem eruditas, são populares. Normalmente, trazem consigo raízes antigas da nossa formação cultural e com contribuição de vários aspectos colonizadores. Para entender melhor, nesse mesmo artigo, Martha diz que a formação musical brasileira é fruto de estratégias de dominação e de táticas de sobrevivência que vieram dos jesuítas e dos “ameríndios”, respectivamente. O cenário histórico na época em que nasceu a MPB não era dos melhores, a ditadura militar no Brasil dificultou a propagação dessas canções por meio da censura imposta, principalmente, aos artistas mais engajados politicamente. “Essa turma precisava se comunicar e extravasar o sentimento de opressão por meio da criação musical, usando muitas metáforas para tentar driblar a censura. Esse momento de muita repressão acabou gerando uma liberdade artística e criativa muito grande, no sentido da criação, não no sentido da possibilidade de escoamento dessa expressão”, explica Rodrigo Borges.
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UMA NOVA MPB? Tendo noção da significância da MPB para nosso cenário musical, buscamos saber sobre estilos que, atualmente, ocupam os topos dos rankings brasileiros musicais e suas relevâncias culturais. Será possível termos um novo gênero em que se encaixaria o título de “Música Popular Brasileira?”. Segundo o professor Rodrigo Borges, usando a terminologia proposta por Marta Ulhôa, de chamar por Música Brasileira Popular, a produção musical no Brasil é muito diversa e rica. Temos o sertanejo universitário, com uma representatividade cultural e de mercado grande, temos o funk como um ritmo e estilo nascidos no coração do povo, o samba, que sempre esteve por aqui, o hip hop, que veio como uma resposta ao hip hop estadunidense, e a própria MPB, que vem se transformando, realizando fusões e gerando até gêneros derivados. Todas essas vertentes da música brasileira são relevantes e, para Rodrigo, têm um paralelo com a MPB dos anos 60, por sua representatividade, por atingirem as massas e por dialogarem com o povo. Se olharmos pela perspectiva representativa, do envolvimento com questões socialmente importantes, na visão do apresentador Luiz Flávio, o hip hop/rap pode se destacar, mas não é o único. “Mais marcadamente, que chega de uma forma mais constante, até porque tem a ver até com a linguagem e com a motivação do gênero, eu acredito que o rap tenha um envolvimento político maior. Mas dizer que é só ele é uma injustiça, porque os outros gêneros têm representantes que fazem uma cobrança política”, explicou o jornalista. Luiz dá a entender que o que é classificado como popular não é apenas sobre um gênero musical, mas sobre pessoas que decidem usar seu lado artístico para contribuir com voz para lutas sociais. A jornalista e compositora, Brisa Marques, tem opinião parecida. “O que eu vejo é que, atualmente, os movimentos do hip hop e do rap são movimentos que têm conseguido quebrar esses paradigmas, esses tabus e, de alguma forma, não só subvertem essa lógica, mas também a transformam, sendo quem são de verdade. O Emicida pra mim é um grande exemplo atualmente, não só pela música”. No entanto, a Música Popular Brasileira é mais que representatividade e engajamento político, tem o lado artístico que busca carregar nossa cultura e o que os artistas são, em sua individualidade. Assim, o ponto em que todos os nossos entrevistados concordam é que a produção musical no Brasil é amplamente diversa, e seria injusto, talvez até incorreto, escolher um que tomaria o título de “Música Popular Brasileira dos dias de hoje”.
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A MPB, como gênero que conhecemos, ainda vive, não vai ser substituída, mas sim transformada, foi o que entendemos em nossas conversas. “Certamente, se procurarmos, ainda vamos encontrar exemplos de músicos que têm uma proposta parecida com a música dos anos 60, que busca ter uma letra politizada em alguns momentos, busca um certo lirismo, uma poesia bem feita, elaborada, harmonias bem construídas. Mas, mesmo os artistas que têm essa abordagem, vão incorporar elementos que são de uma linguagem mais atual. Essa história de que o samba vai morrer é antiga, e o samba está aí até hoje, então acho que para a MPB a coisa caminha pro mesmo lado”, reflete Luiz Flávio.
RANKING ATUAL
Sertanejo e funk são os ritmos mais tocados no Brasil hoje. Análise: Mylene Melo.
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O gênero até então conhecido como MPB não figura entre as 50 músicas mais tocadas no Spotify dos brasileiros atualmente, onde as primeiras posições são ocupadas pelo sertanejo e pelo funk. As músicas dos campeões do momento viralizam muito, inclusive com expansões multiplataforma, como dancinhas no TikTok. Mas, para Rodrigo Borges, isso se trata de segmentos musicais com alcances diferentes, não necessariamente superiores ou inferiores. “Alguns contam com público maior, atingem fundamentalmente ouvintes mais jovens, e outros que atingem todas as idades. Acho que a MPB se encaixa nisso, de atingir um público que pode ser menor nesse momento, mas que ao mesmo tempo é mais amplo, indo desde um adolescente até uma pessoa com mais de 60 anos”, conclui o professor. Esses dois gêneros em alta, por mais populares que sejam, podem enfrentar duras críticas. Foram tidos, muitas vezes, como produções de baixa qualidade por alguns artistas e críticos. A compositora Brisa Marques não concorda com tal afirmação. “Não acho que a gente possa julgar uma forma de expressão artística como boa ou ruim, é muito raso pensar o mundo dessa maneira dicotômica. Fazemos parte de um complexo mais amplo de rede e de fios que estão interligados, a existência de uma expressão artística não anula a existência de outra.” Buscando entender o porquê desse “preconceito” com o sertanejo e o funk, ouvimos de Luiz Flávio Lima, jornalista cultural, que muitas dessas músicas são produzidas de forma comercial, voltadas para o consumo, para o que o público quer. E, quando se tem, do outro lado uma música mais conceitual, com outros pensamentos de produção, em algum momento os gêneros se chocam.
NO MUNDO DIGITAL Como citado, muitas vezes o sucesso das músicas é altamente influenciado por sua reprodução nas redes sociais e demais plataformas. Hoje, quem se dá melhor no cenário musical é quem entende e implementa melhor as distribuições em tempos de plataformização. “A geração mais jovem, que compreende esse tipo de comunicação e essa ferramenta da melhor maneira, consegue ter uma audiência bem maior, certamente. A lógica do algoritmo é predominante no mercado em detrimento da qualidade artística, da própria produção artística enquanto valor estético. Funciona dessa forma hoje em dia e, certamente, artistas da MPB, mesmo tendo muita audiência, tipo Caetano, Milton, que são nomes consagrados, em números quantitativos não se comparam aos números que, por exemplo,
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artistas como a Anitta têm, que utilizam muito melhor, de forma mais natural e, muitas vezes, com muito mais investimento, as redes sociais”, explica Rodrigo Borges. Perguntamos à compositora Brisa Marques se essas mudanças de consumo afetaram também a maneira de produção. “Acho que ainda está em transformação, mas mudou completamente, hoje em dia são raras as pessoas que escutam um disco inteiro, o negócio é lançar single. É tudo mais rápido, tem que falar em 15 segundos, postar em 30 segundos, e fazer algo que dure 1 minuto é querer atenção demais”, conta ela. Luiz Flávio Lima, diretor e apresentador do programa Hypershow da Rede Minas, por sua vez, nos falou sobre outro lado: a possibilidade de uma carreira independente. “As plataformas digitais acabam sendo uma grande saída, porque antigamente era uma dificuldade absurda conseguir gravar, deixar registrado o trabalho de alguma forma… não era fácil ter um LP independente”. E agora, segundo ele, os artistas têm uma possibilidade maior de ter uma carreira independente, mais estruturada, conseguindo localizar seu público.
AFINAL, EXISTE UMA NOVA MPB? Bom, que o mercado musical se transforma é inegável. Então, assim como as músicas conhecidas como MPB “perderam” espaço dentre as mais ouvidas para o sertanejo e o funk, podemos imaginar que esse cenário continuará passando por mudanças. O título de “música popular brasileira” não pode ser cedido a outro gênero, mas a música brasileira popular engloba tudo que, de alguma forma, nos representa e conquista seu espaço. Assim, a música brasileira popular não pode ser representada por um só gênero no país todo. Ela é diversa, multidimensional, é regional, aberta ao mundo e às tecnologias, aos estilos que vêm de fora. Música brasileira é uma mistura, somamos todos os estilos e devolvemos para o mundo uma arte única.
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MALANDRAGEM É SER QUEM QUISER, FALAR O QUE QUISER A importância de ‘malandras’ como MC Drika, Elza Soares e Cássia Eller no combate ao machismo e às bases patriarcais Por Sarah Rocha Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, as mulheres recebem 77,7% do rendimento dos homens, ou seja, 22,3% a menos. A diferença salarial pode ser vista como um dos reflexos de poder na sociedade, o que faz com que as mulheres precisem falar mais alto para serem ouvidas. Em 1879, as mulheres conseguiram o direito de cursar uma faculdade no Brasil. Entretanto, somente em 1930 começaram a ter os direitos básicos, como o direito de votar. “Mas ainda é flagrante a dissimetria com relação aos homens, por exemplo, no mundo do trabalho (salários, cargos) ou da política (participação dentro dos partidos, disputa das eleições)”, pontua a socióloga Pérola Mathias. A mestra em filosofia, Aniele Avila, fala em seu artigo “Do samba ao funk: a malandragem feminina nas letras de canções da música contemporânea no Brasil”, que o objetivo das músicas dessas mulheres é mostrar o ponto de vista das ‘malandras’ em relação às questões sociais do Brasil que deveriam ser discutidas. Assim, artistas como Mc Drika, Elza Soares e Rita Lee encontraram na música uma forma de se expressar. “Acho que todas as artes podem ter exercido esse papel em algum momento, seja individual ou coletivamente, que, no caso, é o que interessa à sociologia. Suas formas de impacto na sociedade podem ser apreendidas de formas diversas, se a compreendermos como representação (uma das formas possíveis de se estudar a arte) ou se entendermos que as obras de arte podem criar um diálogo com seus consumidores e espectadores, ou mesmo que elas podem ser questionadoras de estruturas sociais como o patriarcado, o machismo, o racismo, o classismo. A arte pode (ou não) ser libertação, pois já vimos ao longo da história que também há formas de arte e artistas reacionários”, reflete Pérola Mathias.
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MALANDRA SOB O OLHAR DO HOMEM Segundo o relatório Por Elas Que Fazem a Música 2021, da União Brasileira de Compositores (UBC), 79% das mulheres na música já sofreram discriminação de gênero e 53% jamais receberam valores de direitos autorais, porque não tinham músicas tocando em algum lugar ou não eram associadas à UBC. “Vejo que tem muita mina com talento, mas com pouco apoio para representar. As empresas e as indústrias não investem”, lamenta Aline Lopes, cantora de rap. Essa falta de apoio às mulheres, de acordo com a socióloga Pérola Mathias, talvez venha do fato de “que toda produção cultural e artística é significativa no sentido de revelar características de seu contexto social, bem como se comunicar com ele no tempo presente, ainda que seu alcance no momento de sua criação seja sempre limitado, seja pelos meios pelos quais é difundido, se há ou não barreiras de classe, raça e gênero para seu consumo.” No começo, as músicas sobre mulheres malandras somente eram feitas por homens, então, ser malandra podia significar muitas coisas. Uma delas seria a esperta, que é mostrada em um trecho do texto da mestra Aniele Avila, em que fala da música “Beija, me beija, me beija’’, de Martinho da Vila, gravada por ele em 1989. “Ela até enxágua, o enxuga, mas, aparentemente, só o faz para comê-lo, quer se acabar de prazer, quer curtir o sexo. Nessa canção, nas entrelinhas, vislumbramos outro elemento malandro: a esperteza feminina, a estratégia calculista da malandra para ‘abater’ o seu oponente e usar dele para obter prazer”.
AS MALANDRA QUE CANTAM Entretanto, muitas mulheres conseguiram, ao longo da história da luta feminista, se destacar como exemplos de força de vontade e talento, para ‘ser o que quiser’, inclusive inspirar outras com suas músicas, mulheres que Aniele Avila chamou de ‘malandras’. Em 1976, Rita Lee lançou o disco Refestança, que fez sucesso com a música Ovelha Negra, ocupando a primeira posição nas paradas. “Sobre as minas malandras da época, a Rita Lee é uma das maiores. Ela ‘metia um louco’. Eu ainda escuto as músicas dela. Aquela música Ovelha Negra é tudo pra mim, com certeza teve muita mina que se libertou dessa coisa estipulada de mulher ter que casar e ter filho a partir de suas músicas, elas mudaram a geração da época”, concordou a artista Aline Lopes. Em 2000, Elza Soares recebeu o prêmio de Melhor Cantora do Milênio pela BBC. “Elza Soares, que enfrentou a pobreza, o machismo, um casamento,
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quando era praticamente criança, violência doméstica, a perda de filhos, mas que fez de seu talento sua força. Creio que essa história seja expressa por ela na forma como canta no disco ‘A mulher do fim do mundo’”, reafirma Pérola Mathias. Não se pode esquecer de Cássia Eller e a música Malandragem. Com um refrão que dizia: “Eu só peço a Deus, um pouco de malandragem, pois sou criança, e não conheço a verdade, eu sou poeta e não aprendi a amar”. Música feita por Cazuza, com melodia de Frejat, em 1988, mas que só ganhou repercussão na marcante voz de Cássia em 1994. “Cássia Eller, uma intérprete brilhante, tímida fora dos palcos, se transformava em outra figura quando cantava. Talentosa e versátil, a cantora sempre deixou claro que se via mais como intérprete do que como compositora”, afirmou o jornalista Mateus Pereira Silveira, ao Letras.com.
Capa de disco da Cássia Eller, gravado no Rock in Rio de 2001 e lançado em 2006, pela MZA Music em parceria com a Artplan. Imagem: reprodução.
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Capa de Deus é Mulher, 33º disco de Elza Soares, lançado em 2018 pela DeckDisc. Imagem: reprodução.
A sociedade sempre apresentou às mulheres um único caminho, casar e ter filhos, contudo, algumas mulheres ao longo da história rejeitaram parte ou toda essa ideia. “O papel da música na identificação de ser mulher é entender que são várias vivências, não existe um papel só, existem vários e, então, vai ter mina que vai ser criada para escutar, que ela tem que casar e ter filhos, ela não vai aceitar aquilo ali, vai desfazer de tudo pra criar uma visão nova. Mas, vai ter mina que vai entender que aquilo é importante pra ela, não vai sentir que aquilo é algo imposto e vai ser feliz assim. É justamente isso de poder explorar as identidades, variadas vivências, não uma fórmula só de ser mulher, somos múltiplas, diversas, acho que a música trabalha bem nisso, do rap, MPB ao funk, essa pluralidade nossa”, defende Aline Lopes. Lourdes Sales, socióloga, ao ser questionada sobre como a música pode influenciar sobre o papel da mulher na sociedade, cita Núbia Lafayette, com o lançamento de “Casa e Comida”, no ano de 1972. “Sem dúvida, a letra desta música, como tantas outras do gênero, trouxeram à baila este tema bastante relevante. Era preciso ressaltar que mulheres são seres integrantes da espécie humana e, como tal, requerem bem mais que bens materiais para sua completude. Acredito que muitas mulheres foram incentivadas a exigirem o tratamento adequado à sua condição de ser humano.
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Ou seja, o direito à liberdade de expressão, liberdade de escolher a forma de adquirir seu sustento e, acima de tudo, direito à atenção, carinho e respeito”, enfatiza Lourdes. Infelizmente, hoje em dia, muitas mulheres ainda não se sentem vistas ou ouvidas, então o que fazer a respeito para melhorar essa situação? “A partir do momento em que se escuta que existe um outro modo de vida, isso te abre um caminho, falo isso por mim, quando eu fui conhecer e vi que existiam várias outras minas no rap. Hoje em dia, quando ainda escuto, isso me faz abrir a mente, faz eu acreditar mais em mim mesma, me faz acreditar que eu não sou nenhuma alienígena ou estranha por, às vezes, querer quebrar um padrão, aquilo que o meu redor, a minha família tentam me impor e eu não aceito. Aí eu posso não ter essas minas no meu convívio, mas através da música eu me conecto com elas”, reflete Aline. Pérola Mathias também acha que “ tanto na produção, como na recepção musical, a música pode ser um espaço de elaboração da subjetividade, de diálogo, de rompimento de grilhões sociais. Ela pode ajudar a mulher a ter voz, criar sua própria narrativa”. Atualmente, vemos muitas mulheres cantando funk, fazendo suas narrativas com um conteúdo sexual elevado, como isso pode ajudá-las a se conhecerem melhor e a seus corpos também? “É poder se expressar mais. Quanto mais a gente puder falar dos nossos desejos, sem sentir culpa disso, ou ser julgada como puta, safada ou frígida. Eu só estou vivendo. Os caras podem fazer às revoadas, eles vivem cantando sobre isso, eu também quero. Quanto mais a gente puder fazer isso e falar disso nas músicas, mais a gente se empodera, se torna dona. E entender que não tem nada de errado, a gente é ser humano também, temos o direito de curtir. Temos que entender também que não tem o corpo ideal, apesar das músicas de muitos caras ressaltarem isso, de que a mulher tem que ter peitão e bundão. Eu posso ser uma grande gostosa que dança pra mim ou pro outro, dar pra quem eu quiser, e eu não sou menos por isso. E essa ideia de ser menos prazerosa no sexo está ligada à vibe do momento, a esse autoconhecimento que a mina tem de poder se entregar, poder relaxar”, explica a cantora Aline Lopes. Para a socióloga Pérola Mathias, o funk é o espaço mais “óbvio” dessa malandragem. “Certamente, foi impactante ver Tati Quebra Barraco e Valesca Popozuda cantando e dançando, com afirmações de que elas eram as principais vozes numa relação afetiva ou sexual. MC Carol é uma das cantoras que mais me impactam hoje em dia”, pontua. Uma das mais famosas no funk atualmente é a Mc Drika que, segundo a Spotify, está no topo. Só a música “E Nós tem um Charme Que É da Hora” já acumula 34 milhões de streams e foi reproduzida 90 milhões de vezes no YouTube. Lourdes Sales, também socióloga, defende a tese de que “o grande mal da humanidade é que, dentro das convenções sociais, a natureza não é levada em conta. Compõe-se o cultural sem se levar em conta o natural, e este fato é o grande vilão das relações humanas. Contudo, percebese que as convenções sociais nunca lograram êxito sobre a natureza, o que tem que ser é, ponto final. A hipocrisia é que sempre posou de bela, empurrando para dentro do armário aquilo que a sociedade conservadora nunca conseguiu engolir. A liberdade de expressão pertinente à música tem auxiliado em grande escala na quebra destes tabus”.
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magem: reprodução.
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Detalhe de Aline Lopes no clipe ‘Princess Mob Show’, produzido pela videomaker Amanda Dantas, lançado em 2020, no YouTube.
Aline Lopes lançou ‘Princess Mob Show’, em abril deste ano, no YouTube. Nesta música, ela acredita se mostrar como malandra. “Um trecho que me representa muito é ‘deixa eles assustar com as minas que é mó porreta, não teme a treta não, então vacilão me respeita’”. Na música, Aline também fala sobre os caras malandros: ‘meio problemático, meio esquema tático, segue amassando tudo que nunca se adaptou, princess mob num é caô, chegou e já conquistou, pensamento avançado que já te hipnotizou. Latina americana, latina americana’. Ela acredita que, com músicas como essa, possa inspirar outras mulheres, afinal, “a ideia da música é isso, nós também sabemos fazer o corre”. “Contudo, defendo a tese de que, para extirpar o conservadorismo da sociedade brasileira, necessário se faz criar mecanismos que possam combater para além do preconceito de gênero, é preciso combater primeiro a ignorância estrutural que, do meu ponto de vista, é a origem de todos os males, não somente da sociedade brasileira, mas de toda a humanidade”, finaliza a socióloga Lourdes.
LUZ, CÂMERA, AÇÃO! Cineasta destaca que o audiovisual é uma ferramenta poderosa para tratar de questões sociais e políticas magem: reprodução.
Por Alexandre Santos
Detalhe do trailer de Baronesa, filme de Juliana Antunes, vencedor de mais de uma dezena de festivais brasileiros e internacionais.
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Você sabe quem são os irmãos Lumiére? Considerados os pais do cinema, Auguste e Luis Lumiére, que são naturais da cidade La Ciotat, no sudeste da França, foram os responsáveis por patentear o cinematógrafo, criado por Léon Bouly em 1892. O aparelho era capaz de captar imagens em movimento e projetá-las. Os irmãos passaram a produzir e apresentar pequenas produções, a priori, ao público francês, que mais tarde deram origem ao cinema que conhecemos hoje. A transmissão do primeiro filme aconteceu no dia 22 de março de 1895. “La Sortie de L’usine Lumière à Lyon”, que em tradução livre quer dizer “A saída da Fábrica Lumiére”, documentava a saída dos funcionários da empresa da família após um dia de trabalho. O cinema foi se aprimorando e chamando a atenção de artistas, oriundos do teatro e do ilusionismo, que acreditavam que o cinema seria uma nova oportunidade de praticar sua arte. Com isso, George Meliés, em 1902, lançou o filme “Viagem à Lua” que, na época, chamou a atenção pela qualidade dos efeitos especiais. Com o tempo, assistir um filme se tornou muito mais que dedicar um pedaço do nosso tempo ao entretenimento, mas imergir no universo retratado e entender a fundo os contextos social e histórico evidenciados, viver as dores, dilemas e conquistas dos personagens e, de alguma forma, se sentir representado pelo o que se vê na tela. Talvez essa não seja uma característica exclusiva dos cinemas e sim da arte em geral, mas o que não se pode negar é o alcance em massa que a conhecida sétima arte possui. Por isso, o audiovisual é uma ferramenta fundamental para conferir voz a comunidades marginalizadas e angariar visibilidade para lutas e causas, que se fazem cada dia mais necessárias na sociedade em que vivemos. O cinema aproxima o espectador dos “heróis” e os convida à reflexão.
CINEMA REFLEXO Segundo o portal Exibidor, o estudo “Demanda de diversidade: garantindo o futuro do movimento”, divulgado pelo Movio, aponta que as produções que apresentam grupos minoritários recebem quase duas vezes mais a presença dos mesmos nas salas de cinema. Por exemplo, a pesquisa revela que o longa “Pantera Negra”, da Marvel, obteve 40% a mais de bilheteria do público negro em comparação a ‘Vingadores: Guerra Infinita”, filme da mesma saga. A graduanda em Marketing, Graziele Tizoni (21), que é apaixonada e frequentadora assídua das salas de cinema da capital mineira, acredita
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que os filmes conseguem abordar questões, para muitos, ainda consideradas tabus em nossa sociedade. Dessa forma, educando e fomentando o debate público. Para a professora do curso de Cinema do Centro Universitário UNA, Carla Maia (40), o audiovisual é uma ferramenta poderosa para tratar de questões sociais e políticas. Ela explica que o alcance desse meio é muito grande. “É uma arte de massa, para as massas mais populares, por essa razão, ao passo que serve para alienação e diversão, o audiovisual também pode ser aproveitado para politizar, tudo isso dependendo, é claro, do filme e do diretor”, completa. A cineasta elucida que o cinema é um campo de visibilidade, que aproxima o público da arte popular e, por consequência, de questões sociais tão importantes em um país desigual como o Brasil. Carla Maia já está no mercado audiovisual há 16 anos. Ela conta que começou a trabalhar em 2005, com curadoria, e na programação dos festivais de cinema e produção de filmes. Carla, que em 2011 chegou a dirigir um longa, também já atuou como coordenadora do Festival Fórum Doc BH, organizado pelo Quintal, programa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atualmente se dedica à docência, ajudando na formação dos novos profissionais do cinema.
CINEMA LOCAL Quando falamos no potencial que o cinema possui em conferir representatividade, é importante lembrar que esse poder não se restringe apenas a comunidades, lutas e causas, mas também de povos, culturas e tradições. Por essa razão, o incentivo à produção local é imprescindível. Não é mistério que cidades como Rio de Janeiro e São Paulo sempre receberam mais investimento no audiovisual. Não por acaso, a história do cinema brasileiro está diretamente interligada a essas capitais. A primeira sala de cinema brasileira foi aberta, em 1887, na capital carioca. O primeiro filme? Uma gravação da Baía de Guanabara que rendeu o título de “pioneiros” no cinema do Brasil aos irmãos Paschoal e Affonso Segreto. O segundo filme produzido no Brasil, que foi rodado em São Paulo, se tratava de uma gravação da comemoração da unificação italiana.
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O cinema local é importante para ampliar os espaços de visibilidade, contribuindo para que as comunidades consigam se enxergar. É o que salienta a cineasta Carla Maia. “Que a gente consiga contar as nossas histórias por nós mesmos e multiplicar olhares, fazendo com que a realidade se torne mais complexa, plural e com pessoas diferentes”, enfatiza. A professora acredita que, além de exaltar a importância da arte e da cultura, investir nesse setor é incentivar o fluxo financeiro. “O cinema local sempre foi muito importante, até porque é uma atividade econômica, e desenvolvê-la é gerar renda e emprego, isso é bem importante”, ressalta. A docente da UNA lamenta o fato da produção cinematográfica brasileira estar concentrada no eixo Rio-São Paulo. Para ela, é preciso que sejam implementadas políticas de descentralização efetivas, de modo que as produções locais sejam sustentadas, contribuindo tanto para uma maior distribuição de renda, quanto para haver maior diversidade de olhares e histórias. “É assim que a gente resiste a essa tendência do poder hegemônico, que tende a homogeneizar gostos, opiniões e o direito à diversidade. A diferença é uma coisa que o cinema pode ajudar a construir’’, elucida a professora.
POR TRÁS DAS CÂMERAS Cartaz de A Cidade Onde Envelheço, filme de Marília Rocha, gravado em Belo Horizonte e lançado em 2016. Imagem: reprodução.
O cineasta belo-horizontino, Sávio Leite (50), trabalha com audiovisual
há 27 anos, na produção de documentários, vídeoarte e, principalmente, animações. Sávio também é professor no Centro Universitário UNA, onde leciona disciplinas como cinema de animação, cinema de vanguarda e mercado cinematográfico há 12 anos. O professor já escreveu cinco livros, sendo quatro deles dedicados ao cinema de animação. Em entrevista, Sávio explica como se dá a captação financeira para as obras e quais são os processos de seu trabalho. “Primeiro você tem a ideia, que pode vir de um livro lido, de um caso que te contam, uma música que você escuta. Essas ideias estão soltas por aí e cabe ao artista saber captar e trabalhar em cima disso”, relata.
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O segundo passo elencado pelo profissional é registrar no papel, organizando todas as ideias em um roteiro cinematográfico, que é diferente de escrever um texto de literatura, por exemplo. O roteiro cinematográfico serve para narrar os filmes por meio de imagens. O desafio do produtor é unir a primeira imagem com a segunda, e assim sucessivamente. A partir disso, o cineasta deve buscar viabilizar essa história. O mais comum hoje, no Brasil, é inscrever o roteiro em um edital e, quando aprovado, partir para a produção, divulgação, festivais e mostras. “Durante muito tempo nós estivemos no ‘boom’ desses editais, desde 2003 pipocaram muitos editais, inclusive específicos do cinema de animação, mas o que acontece é que agora esses mesmos editais tendem a ficar escassos, já que estamos vivendo um período político que não privilegia a cultura”, pondera. O cineasta confessa que trabalhar com cinema não é lucrativo, mas afirma que a satisfação de ver seu trabalho finalizado e reconhecido em festivais e mostras de várias partes do mundo não tem preço. “Nada anula o prazer de ver seu filme sendo exibido no mundo inteiro. Eu conheço mais de 20 países que, de outra forma, eu jamais teria a oportunidade de conhecer. Por exemplo, eu já fui para a Armênia. Quando é que você vai tirar férias e diz: ‘vou para Armênia?’ Então, eu conheço muitos países, como Finlândia e até Noruega”, finaliza o cineasta belo-horizontino. Você pode conferir a entrevista completa com o professor e cineasta, Sávio Leite, no podcast abaixo. No bate-papo, Leite fala sobre sua profissão, como se dá a captação financeira e quais são as etapas de criação de uma produção cinematográfica.
BH NAS TELAS Assim como Sávio Leite e Carla Maia, que participaram desta reportagem, um bom número de cineastas, artistas e produtores culturais de Minas Gerais, dispostos a criar e desenvolver projetos cinematográficos na capital mineira, estão ganhando espaço. Pensando nisso, a Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte lançou, em 2019, o BH NAS TELAS. O programa se divide em cinco eixos: política de preservação, difusão, formação, captação e investimento. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento do cenário audiovisual de Belo Horizonte, e tem a missão
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de contribuir para a democratização, viabilizando o acesso a equipamentos, e angariar visibilidade para as produções desenvolvidas e rodadas no município. O projeto é mais uma iniciativa que visa colaborar com o cinema belohorizontino, que vem crescendo a cada dia e conquistando seu espaço e reconhecimento no cenário audiovisual brasileiro e mundial, como é o caso das produções “Baronesa”, “No Coração do Mundo” e “Elon não acredita na Morte”, exemplos de produções cinematográficas de sucesso que foram rodadas por aqui. Os filmes de BH vêm se sofisticando cada vez mais, por isso, separamos uma lista com algumas produções belo-horizontinas que participaram de mostras e festivais de cinema pelo Brasil e pelo mundo.
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SLAM, POESIA, EDUCAÇÃO E RESISTÊNCIA A rua também educa: coletivos urbanos e movimentos sociais são espaços de fala, educação, democracia, escuta e aprendizagem Por Iris Aguiar “Primeiramente gostaria de pedir licença, Vim demonstrar minha presença, Prazer, Iris Aguiar Poeta, jornalista, resistência E essa arte de recitar É isso que eu vim te mostrar” Educar vai muito além do que é ensinado dentro das escolas. A educação escolar é, sim, essencial, mas não a única forma. Segundo Paulo Freire, no livro Pedagogia da Autonomia, o conhecimento é proveniente de uma curiosidade humana de entender o mundo e as coisas à sua volta, e a educação tem um papel fundamental para o pensamento político, e é a partir disso que ela deve se pautar. Não existe ensino sem educação, assim como não existe cidadão sem conhecimento político. Os movimentos sociais, políticos e coletivos urbanos, realizados fora das instituições tradicionais, são também uma forma de ensinar e agregar aos cidadãos conhecimentos necessários, que envolvem cultura, sociedade, política e economia. “Nos últimos anos, temos vivenciado muitas experiências políticas a partir da ocupação das ruas. Temos aprendido como a rua pode ser o lugar de protesto, de encontro e de discussão, ainda que tenhamos muito que aprender enquanto sociedade para discutir com o outro. A filósofa Hannah Arendt já dizia sobre a importância da discussão nos espaços públicos e do perigo social da perda desses espaços”, diz a professora Cleidiane Oliveira, também mestre em educação. A educadora explica que é importante separarmos movimentos sociais de coletivos urbanos. Enquanto os movimentos sociais são maiores e possuem uma proposta de intervenção política mais definida, os coletivos são mais plurais e, ainda que também estejam permeados pelas questões políticas, não possuem um projeto de ação política bem definida.
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Os coletivos urbanos são importantes ferramentas de formação do sujeito, principalmente por não reduzirem a sua proposta de formação a um projeto escolarizado. A formação nesses espaços acontece em um processo de autodeterminação dos sujeitos que não depende da “tutoria” de um professor, mas se dá numa proposta mais horizontalizada e dialógica de aprendizado. Um dos coletivos urbanos é o slam. Tal movimento se caracteriza pela competição de poesia falada. O termo do inglês, ‘slam’, significa bater, mas também pode significar ritmo e batida. O movimento, também conhecido como poesia falada, tem teor autoafirmativo, identitário e de ocupação de espaços públicos. No slam, os poetas recitam suas poesias, modulando suas entonações e dando ritmo à apresentação.
O esporte da poesia falada. Foto do primeiro Festival Literário Nacional (Flin) do Governo do Estado da Bahia. Imagem: SESC/Divulgação.
O QUE É O SLAM? O slam surgiu nos anos 1980, nos Estados Unidos. Muitos o chamam de “esporte da poesia falada”. Ele faz parte do gênero palavra falada, que contempla também a literatura que é pensada para ser declamada ou falada em público. São exemplos os trovadores e os griôs, da cultura africana, que possuem, entretanto, objetivos diferentes do slam. O trabalhador da construção civil, e também poeta, Mark Smith, teve a ideia de fazer uma “batalha de poesias”. Mark pensou em utilizar a lógica da competição de poesias faladas como forma de chamar atenção para o texto e para a performance dos poetas. Junto com seu grupo, Chicago Poetry Ensemblange, ele criou o Show-Cabaré-Político-Vaudevilliano.
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No Brasil, o slam chegou por volta de 2008. Um dos primeiros grupos de competição de poesia surgiu por meio da artista Roberta Estrela D’Alva que, em São Paulo, criou a Zona Autônoma da Palavra (ZAP! Slam). Outro grupo que surgiu logo após, em 2012, foi o Slam da Guilhermina, que também acontece em São Paulo. Muitas outras comunidades de poesia falada foram criadas posteriormente, como Slam Capão, Slam da Norte, Slam Paz em Guerra, Slam Resistência, Slam Caruaru, dentre muitos outros ao redor do Brasil. As poesias faladas, geralmente, têm caráter de resistência. Os poetas, também conhecidos como ‘slammers’, recitam seus textos em competições ou em apresentações. O movimento é um forte aliado das causas sociais, porque viabiliza que diversas temáticas ganhem visibilidade, como as pautas feministas, negra, LGBTQIA+, indígena, de pessoas com deficiência, anticapitalista, ambientalista. A cada dia a poesia falada tem alcançado um público maior e qualquer pessoa pode ser um slammer, basta saber escrever uma poesia e recitar. Os temas são livres, não existem limitações. As poesias falam de tudo e variam de assunto, podendo retratar dor, amor, natureza, família; mas é comum escutar muitos textos de resistência, já que a maioria dos poetas escrevem sobre suas realidades, como uma forma de denunciar e contar, através de versos, os problemas sociais, econômicos, culturais e até mesmo psicológicos que estão presentes em nossa sociedade, que diversas vezes não abre espaço para essas discussões. O surgimento de grupos de poesias voltados a causas sociais específicas são uma prova da importância social do movimento que protesta e também educa. Alguns grupos conhecidos são:
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“Os slams são coletivos muito potentes, que enaltecem a mistura de textos e política. Política, aqui, não em uma dimensão partidária, mas numa concepção mais ampla que diz do ato de nos situarmos e nos reconhecermos enquanto sujeitos que atuam no/sobre o mundo a partir da relação com outras pessoas”, explica a mestre em educação, Cleidiane Oliveira. A professora também afirma que as rodas de slams convocam a juventude para o centro de discussões muito relevantes como feminismo, machismo, racismo e lgbtqiafobia, construindo nesses sujeitos processos intensos de autonomia. “Dizer-se nas rodas de slams é, como diz um amigo meu, simples, mas revolucionário”, pondera.
AS COMPETIÇÕES Existem competições nacionais, em que poetas de todo o país podem se inscrever, e internacionais, que reúnem os campeões de cada país que possui batalhas de poesia. Atualmente, o slam está espalhado por todo o território nacional, e um levantamento realizado em 2019, pelo Slam BR, indica que existam cerca de 210 comunidades de slam no Brasil. São nessas comunidades que acontecem as competições que levam os ganhadores às competições estaduais. As batalhas são estruturadas e acontecem durante o ano todo. No fim do ano, promovem uma final que vale uma vaga para participar dos Campeonatos Estaduais (SLAM SP, SLAM MG, SLAM RJ, SLAM BA, etc.). As(os) vencedoras(es) de cada campeonato estadual serão as(os) representantes no Campeonato Nacional de Poesia Falada – SLAM BR, que ocorre, anualmente, em São Paulo. A pessoa que ganha essa competição adquire uma vaga para representar o país na Copa Mundial de Poesia Falada, na França. A poeta que participou e ganhou o campeonato mundial de 2019 foi a mineira Pieta Poeta. Apesar de existirem diversas competições, as regras básicas geralmente são as mesmas. Nas competições, os poetas que se apresentarão no dia têm três minutos para recitar sua poesia, o artista não pode utilizar instrumentos musicais, cenários ou figurinos em sua apresentação. A avaliação é do público, o organizador da competição escolhe pessoas aleatórias da plateia para avaliar os slammers, as notas variam de 0 a 10. É comum, nas competições, o organizador pedir que os jurados avaliem com notas fracionadas, já que os décimos fazem diferença em caso de empate. São descontados décimos da nota caso o artista passe do tempo permitido de apresentação. Antes da primeira rodada, e entre uma rodada e outra, são convidados poetas para recitar poemas.
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Na competição, existem algumas ações características da interação do público com os slammers. Normalmente, quando o poeta traz em seu poema críticas à sociedade que causam um impacto positivo na plateia, usa-se dizer “uou” ou balançar sua mão com os dedos anelar e médio abaixados. Quando um jurado dá uma nota muito baixa e o público discorda da avaliação, é comum a audiência gritar “credo”, como forma de demonstrar o descontentamento.
Público atento ao slam na Bienal do Livro no Ceará, em 2019. Imagem: Bienal do Livro/Secretaria de Cultura do Ceará/Divulgação.
SLAM DENTRO DAS ESCOLAS A poesia falada, além de uma competição, é um espaço livre, educativo e democrático de fala e escuta. O slam permite o empoderamento individual, a superação de barreiras como a timidez e a falta de espaço para expor sua poesia. Esse espaço é importante para a educação, já que gera um local de fala para aqueles que têm sua voz negada e silenciada em vários outros espaços. A competição serve como um cenário para a exposição de críticas, causas sociais e é um plano de fundo para debate de discussões de extrema relevância para a sociedade. O slam nas escolas é uma demonstração de democracia, de respeito às diversidades e um exercício de escuta e aprendizado. O PlugMinas, por meio do Núcleo Valores de Minas, do Centro Interescolar de Cultura, Arte, Linguagens e Tecnologias (CICALT), realizou, em 2017, o 1º Slam Interescolar Nacional. O evento contou com a participação de estudantes de Belo Horizonte, Uberaba, Sarzedo, Ibirité, Juiz de Fora, Vitória (ES) e São Paulo (capital). Os alunos de Belo Horizonte eram de 12 escolas estaduais da capital mineira.
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A partir de uma iniciativa interna, o Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) - Campus Betim também realiza competições periódicas, além de abrir espaço para apresentações de slams, de forma lúdica, em seus eventos. O Slam Resistência, como foi chamada a competição, realizado na instituição pública, foi idealizado por uma professora de história do IFMG, com o apoio de alguns estudantes. As primeiras competições aconteceram em 2019 e tiveram uma grande participação dos estudantes, tanto para recitar poesias quanto para serem jurados ou plateia. Apesar da pandemia e da suspensão das aulas, aconteceram competições online que contaram com um grande público e engajamento. Leticia Rezende, ex-estudante da instituição, que foi jurada em duas das competições realizadas pela escola, conta que conheceu o slam em 2019. Apesar de não participar como poeta, sempre se encantou com a forma como os poetas se expressavam. “Era um arrepio atrás do outro. De verdade. Os poetas têm um talento incomparável e falam sobre assuntos extremamente relevantes”, relata. Letícia ressalta que gosta muito dos temas que retratam os problemas na política e em relação às questões de gênero. Para ela, a aproximação entre slam e política é uma maneira de protestar contra o que grande parte da população não concorda. Já sobre as questões de gênero, Letícia acredita que é uma forma de dar voz e retratar, nem que seja apenas em partes, o que mulheres e grupos LGBTQIA+ sofrem diariamente com intolerâncias por parte da população. João Victor Cardoso, aluno do IFMG, participou das batalhas como poeta. O estudante conta que conheceu o slam no mesmo período que conheceu as batalhas de rima, entre 2017 e 2018. “Pesquisei na internet e descobri o Slam da Guilhermina, SLAM Grito Filmes e o Slam das Minas, por exemplo. Inevitavelmente, acabei me apaixonando”, confessa João. O aluno só esteve presente fisicamente em batalhas de rima, mas nunca havia ido a um slam, só assistido pela internet, até que começou a fazer parte de um movimento no IFMG Betim. João Victor relata que se sentiu muito feliz quando soube que sua escola realizaria uma competição de poesias.
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“O slam me trouxe um fôlego novo, uma vontade perdida de ir para a escola e, consequentemente, me interessei e me aprofundei ainda mais nos estudos de História, Sociologia, Filosofia e Geografia - disciplinas que sofrem ataques constantes, visto que formam o senso crítico de uma pessoa”, afirma. João Victor escreve poesias desde meados de 2018. Ele diz que o rap foi o responsável por fazer com que ele escrevesse poesia. Segundo ele, o rap é uma escola. O estudante conta que escutou esse gênero musical por anos, até que um dia decidiu fazer como os artistas e rabiscou alguns versos. “Minha primeira apresentação foi na escola, no segundo semestre de 2019. Me senti empolgado em participar. Ao mesmo tempo, nervoso e trêmulo instantes antes de ir ao centro da roda recitar. No dia, todos os poetas estavam nervosos e inseguros”, relata. João conta que pensava se os outros gostariam do que ouviriam de sua boca. Mas depois percebeu que se gostassem ou não, ele estava trazendo um ponto de vista sobre uma sociedade desigual, estruturada na exploração, no racismo, no machismo e isso sempre desagrada alguém. O aluno explica que sua poesia era um recorte do dia a dia em forma de versos, “um pedaço de realidade numa tinta poética”. O que ele mais queria é que as pessoas o entendessem, ainda que discordassem. João compreende que o slam é um importante movimento para todos que participam e assistem. “A poesia falada possui um caráter político, sempre tocando nos temas mais espinhosos, urgentes e pulsantes do hoje e do ontem. É um chamamento para pensar o agora e o futuro, pois no slam, seja o do Grito Filmes ou o do IFMG Betim, é denunciado o racismo, o machismo, a homofobia, entre outras coisas. O slam é um movimento social necessário, porque ele dá voz a movimentos sociais importantes”, opina. “É um espaço de debate, mas com um diferencial: a poesia. Ele resgata a poesia que estava perdida nos escombros da realidade, nas pernas do tempo. É a pura arte, o fino da flor, pois mescla a pungência da realidade da esquina com o afiamento dos versos bem encadeados”, finaliza o estudante, poeticamente, claro.
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“Refúgio em cama de pregos ser vate é ser vidro: frágil frugal, o teto sufoca então empurre-o e desenhe mais chão o abandono é munição para quem guerreia contra si mas pasmem, o bom mesmo é viver de asma beber confusão! Trabalhar em excesso e ser obrigado a simpatizar com o caixão Tempo é oportunidade, de dinheiro? Não mas de atar os laços, lavar os cacos e pregá-los novamente a fronte para que não entrem cavalos de Tróia”. João Victor Cardoso
PLATAFORMIZAÇÃO: SERVIÇO OU DESSERVIÇO À CULTURA? “O menos importante é pensar se é possível circular cultura nesse meio, e sim pensar o que acontece com a cultura quando ela é inserida em um sistema de plataformas”, reflete a pós-doutora em Comunicação, Lorena Tárcia Por Luís Otávio Peçanha O desenvolvimento tecnológico foi essencial para a globalização da informação, fazendo com que qualquer pessoa com dispositivos conectados à internet consiga ter acesso a notícias, músicas, conteúdos de entretenimento, educação e serviços. Com o passar dos anos, cada vez mais pessoas consumiam conteúdos disponibilizados de forma gratuita nas redes. O desenvolvimento tecnológico ainda estava por entregar um dos dispositivos que mais auxiliaria nesse crescimento: o smartphone.
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A usabilidade prática e ativa dos smartphones, somada à ascensão das redes sociais online, fez com que a cultura pudesse atingir, de uma forma mais direta e objetiva, públicos que, anteriormente, sentiam dificuldade ou desinteresse por consumir tais conteúdos. Um dos maiores impactos desse alcance é conseguir atrair a atenção dos jovens, que são os que mais utilizam as mídias sociais, de acordo com uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial (2019).
O QUE É A PLATAFORMIZAÇÃO? A palavra plataformização deriva da palavra “plataforma”, e faz referência à proliferação de inúmeras plataformas digitais, sendo a Google e o Facebook as pioneiras nesse quesito. A criação de tais plataformas foi importante para possibilitar a divulgação mais rápida dos mais diversos conteúdos e o contato direto entre os usuários. Lorena Tárcia, doutora e pós-doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e professora do UniBH, define o fenômeno da plataformização como uma conexão de plataformas que atuam como um dispositivo para envolver informação, pessoas e dados. Essa movimentação das redes e das conversações acontecem no entorno de plataformas privadas, que provêm de grandes empresas de mídia, como Google e Microsoft, por exemplo. Lorena explica que esse processo se dá em várias perspectivas, como na educação, em que várias escolas são dependentes das plataformas Google, que dominam todos os dados por meio de seus algoritmos. Além disso, a professora ressalta como esse domínio reflete em um ciclo que envolve as mesmas empresas, em que vemos plataformas como o Instagram, que está vinculado ao Facebook e ao Twitter e, com isso, monopoliza não apenas conversas como a distribuição de informação. “Não é apenas para criticar e demonizar, devemos buscar estudar e compreender o que pretendemos com essas plataformas, fazer uma avaliação crítica delas e ter uma alfabetização para o uso dessas plataformas”, completa. As mídias sociais, inclusive, desempenham papéis muito distintos dentro do mesmo processo, visto que cada uma tem tipos de públicos, publicações e conteúdos diferentes. Todas, porém, têm uma coisa em comum: fazem parte, ativamente, do incentivo à cultura.
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As gigantes Google e Facebook dominam as mídias sociais digitais. Imagem: Flickr.
MÍDIAS SOCIAIS E CULTURA Atualmente, existe uma imensidão de mídias sociais diferentes, cada uma com um objetivo aparentemente distinto para a usabilidade, publicação de fotos, divulgação de textos, intercâmbio entre pessoas, divulgação de perfil profissional, entre outros. Essa variedade abriu portas para vários usuários desfrutarem de suas diferentes funções para criarem os próprios conteúdos. Não é difícil de pensar em pessoas que ficaram conhecidas pelas redes sociais e ganharam notoriedade com seu próprio conteúdo, seja pelo entretenimento ou pelo conhecimento. Também é importante ressaltar que artistas já conhecidos também recorreram às mídias sociais e suas plataformas, principalmente em períodos de pandemia, para ter um contato mais direto com seu público. “As redes sociais não existem por si”. Lorena Tárcia explica que a usabilidade dessas mídias deve ser trabalhada do ponto de vista sóciotécnico-cultural-cognitivo. Existem redes tecnologicamente disponíveis para prover acesso, enquanto cidadão, para debates e conexões com outras pessoas, porém, o importante é a maneira como nos apropriamos dessas plataformas. Com isso, Lorena quer dizer que o acesso a conteúdos culturais vai depender da forma de utilização dessas redes. Se nos apropriarmos delas como meios de promoção cultural, então sim, é possível consumir esse conteúdo. Porém, não podemos esperar que tais plataformas sejam inócuas, que elas produzam cultura e que circulem sem nenhuma interação e apropriação desse material.
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“O menos importante é pensar se é possível circular cultura nesse meio, e sim pensar o que acontece com a cultura quando ela é inserida em um sistema de plataformas”, afirma. Segundo a professora, as redes sociais não promovem os conteúdos, as pessoas inseridas nestes meios é que devem definir se esse incentivo à cultura vai existir ou não em um primeiro momento. Quando elas definem o que vão consumir, elas são desapropriadas da forma que a cultura pode circular.
“Não devemos ver como causa e consequência. As redes sociais precisam ser pensadas nessa perspectiva: uma ambiência de conexão em que estamos inseridos, onde há disputa de poder, convergências e divergências que movem a rede, é onde a cultura acontece. A cultura precisa ser pensada nesse universo como uma relação sócio-cultural, visando uma apropriação para expansão de pensamento, debates e discussões”, afirma Lorena.
Artistas como Marcelo D2 e Emicida, conhecidos cantores de rap no país, aderiram à onda de streaming que vivemos, ingressaram na plataforma Twitch
e
começaram
a
fazer
transmissões com conteúdos próprios, muitas vezes voltados à música, apresentando trabalhos, conversando com os espectadores e criando uma relação mais próxima com o público. Fernando
Medeiros,
apresentador professor
de
da
NBA Educação
ex-BBB, Brasil
e
Física,
usa sua página no Instagram para compartilhar treinos, conduzidos por ele, para incentivar seus seguidores a se exercitarem, além de compartilhar sua rotina como atleta e conteúdos sobre basquete, atraindo adeptos ao esporte.
A FORMAÇÃO DE INFLUENCIADORES
A plataformização fez surgir uma nova onda de produtores, os influencers. Imagem: Digital Agency Network.
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A internet e as redes sociais abriram grandes portas para a criatividade das pessoas que buscam criar e compartilhar seu próprio conteúdo, criando sua independência e fazendo a abordagem da maneira que se sentirem mais confortáveis enquanto buscam maior alcance. Os influenciadores são muito presentes nos dias atuais e cumprem um papel muito importante para a cultura, mesmo que muitas vezes alguns não percebam isso. Independente do conteúdo do perfil, a pessoa, quando ganha determinada visibilidade e reconhecimento pelo trabalho, se torna uma formadora de opinião. Ana Carolina Nagem (23), aluna de Psicologia na universidade FUMEC, uniu a formação com a urgência de trazer temas sociais à discussão para começar a produzir conteúdo relacionado a pautas raciais, com grande enfoque nas tensões entre a saúde mental da população negra.
A estudante de psicologia, Ana Carolina Nagem, usa as redes sociais para levantar questões sociais. Imagem: Reprodução @nagemxx.
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A influenciadora tem como principal plataforma o Instagram que, de acordo com ela, já contava com a praticidade de ser uma rede social usada previamente para a vida pessoal. “Com a facilidade do aplicativo, e interação com quem já estava me seguindo e me conhecia, achei que seria um bom lugar para começar”, ressaltou. Tendo começado a produção no início da pandemia, Ana explica que os influenciadores têm um papel fundamental na ampliação de pautas importantes, trazendo à tona assuntos delicados e urgentes na sociedade. Além disso, ela explica que, quando pessoas com influência estão compartilhando sobre o que gostam, lugares onde frequentam, ou até indicando filmes e livros, estão ajudando a abrir mais espaço para a cultura. Possibilitando, assim, uma maior visibilidade para autores, e até atraindo um público para uma peça ou influenciando na compra de um livro. Os formadores de opinião são peças fundamentais do processo de plataformização da cultura, sobretudo pelo fato deles serem vistos como fontes de informação, principalmente pelos seus seguidores. Sua responsabilidade é enorme, pois é necessário ter bastante cuidado com o que é veiculado em seu perfil, pois divulgar informações erradas, por exemplo, pode ser um malefício enorme para sua imagem e, também, um desserviço à cultura. Ana reforça, também, a responsabilidade social envolvida no papel dos influenciadores com seu conteúdo, e explica os cuidados tomados durante a criação das postagens. “Meus principais cuidados são deixar bem claro que muito do que falo é sobre minha experiência individual como mulher negra, tentando sempre reforçar a pluralidade que é ser negro no Brasil. Em segundo lugar, busco embasar todos meus posts em relatos e notícias verdadeiras, me preocupo muito com a fonte de tudo que compartilho, sempre conferindo veracidade”, pondera. Júlia Melo (24) também é outro exemplo de formadora de opinião mineira que surgiu a partir do Instagram, plataforma que considera ter uma boa visibilidade. Formada em Medicina e tendo iniciado as postagens há cerca de um ano, Júlia mostra seu dia a dia como médica generalista, além de dar dicas de cabelo, skincare e transição capilar.
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CULTURA
A médica Julia Melo produz conteúdo sobre saúde e estética. Imagem: Reprodução @_juliamelo.
Na sua opinião, os influencers são uma ferramenta de marketing e formação de opinião importante, visto a proximidade que as redes sociais estabelecem entre influenciadores e público, criando uma relação parecida com uma “amizade”. “Mistura um pouco de admiração com curiosidade, acho que esse papel se torna importante a partir do momento em que as pessoas te seguem e consideram como um espelho”, ressalta. No que se refere à influência dos influencers na cultura, a médica pontua que esses atores são como o “antigo grupinho popular no colégio”. “Todo mundo quer “ser eles”, agir como eles, ser amigo deles. Só que hoje em dia isso passa a ser a distância. E o que move a cultura em massa é essa vontade de pertencimento. Então, se muitas pessoas de referência são ligadas à causa X ou se comportam de um jeito específico, isso movimenta outras pessoas a seguirem o mesmo propósito para se sentirem parte do grupo de interesse”, analisa. Júlia reforça que opta por se comunicar com uma linguagem clara e descontraída, pois isso cria uma relação de proximidade com os seguidores. Além disso, ela afirma que se preocupa muito com seus conteúdos, tomando cuidado para sempre ter boas fontes, principalmente ao falar de assuntos mais densos. “Nenhum tipo de conteúdo informativo pode ser construído sem embasamento”, salienta.
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POPULAÇÃO INVISÍVEL E A PANDEMIA Exercício Fotográfico realizado por Eller Zant, do 5° período do curso de Publicidade e Propaganda do UniBH, sob orientação da professora Lili Batista Por Eller Zant Aqueles que já foram esquecidos pelo governo, que são invisíveis aos olhos de muitos, sofrem além do preconceito e da solidão. Sofrem, ainda, com a falta de proteção e recursos para se protegerem do vírus. Enquanto muitos reclamam do uso da máscara, do distanciamento e do uso do álcool em gel, para eles não há espaço para tais reclamações. Enquanto pensam na violência que podem sofrer, na fome e no frio que não dão trégua, o vírus se torna só mais um dos seus problemas. Será mesmo que temos o que reclamar? Mesmo com os privilégios que temos e, muitas vezes, não reconhecemos, enquanto muitos enfrentam a mesma guerra, mas sem armamento e coletes?
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
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EXERCÍCIO FOTOGRÁFICO
OS ENSINAMENTOS POR TRÁS DE UM FILME “Monstro”, da Netflix, gira em torno da história de Steve Harmon, jovem julgado por um crime em Nova York Por Ana Maria Rocha Afro-americanos são presos cinco vezes mais do que americanos brancos, de acordo com dados do Bureau of Justice Statistics - Estatísticas do Gabinete de Justiça (uma Agência do Governo Federal dos Estados Unidos). Cerca de um terço da população carcerária no país são pessoas negras.
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CRÍTICA
Uma parte da população sabe o grande recorte e separação social que impulsiona a população negra americana para uma das piores condições sociais, que consequentemente a “leva” para criminalidade. Essa realidade é representada em alguns filmes estadunidenses, que relatam a desigualdade racial e o racismo. O filme “Monstro”, baseado no clássico moderno de Walter Dean Myes, é do gênero drama/tribunal, produzido no ano de 2018 e lançado no ano de 2021, na Netflix. O longa é dirigido e escrito por Anthony Mandler, responsável por videoclipes de vários artistas, como Rihanna, Beyonce e Jay Z.
Kelvin Harrison Jr, em cena de O Monstro, da Netflix. Imagem: reprodução.
Pode-se dizer que a premissa do filme está relacionada com o ditado popular: “diga-me com quem tu andas e te direi quem tu és”. A história narra a vida de um jovem negro de 17 anos, aspirante a cineasta, que acaba se envolvendo com pessoas erradas e, logo, termina preso por um crime que “não cometeu”. Com isso, é necessário que ele prove a sua inocência diante de um sistema judiciário extremamente racista. O filme faz questão de deixar bem nítida a situação financeira da família do protagonista, dando um certo contraste à vida na prisão de Nova York. Steve Harmon (Kelvin Harrison Jr.) é o protagonista de toda a trama, e o filme conta a história do seu ponto de vista, como se ele mesmo tivesse dirigido e narrado em primeira pessoa. A narrativa é contada de maneira
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CRÍTICA
não linear, deixando os telespectadores em dúvida com relação à sua culpa ou inocência. Será que Steve Harmon é um monstro como aponta o nome do filme ou ele é apenas um rapaz que estava no lugar errado na hora errada? Por ser um filme de drama social, ele apresenta vários conceitos e ideias e é uma história muito relevante para os dias atuais, principalmente se lembramos do acontecimento do dia 25 de maio de 2020, em Minneapolis, estado do Minnesota, Estados Unidos, quando o cidadão George Floyd foi brutalmente assassinado por um policial no meio da rua. A obra de Anthony aborda como é a vida e os olhares de julgamento que qualquer jovem negro recebe em uma sociedade racista e que possui, consequentemente, um sistema estruturalmente racista. Como drama de tribunal, o diretor nos faz pensar que existem duas posições dentro de um júri e que as coisas não são tão simples quanto as leis nos fazem acreditar, principalmente para os negros. É um longametragem reflexivo e poético. O filme apresenta mais uma situação de discriminação racial no sistema governamental de um país, algo, infelizmente, tão comum, que perdemos a conta de quantas vezes acontece com vários jovens negros ao redor do mundo. A percepção desses acontecimentos se materializou nas ruas dos EUA pelo movimento Vidas Negras Importam - Black Lives Matter, presente desde 2013 no país, com protestos antirracistas contra a violência policial. Costuma-se entender o racismo de forma rasa, em uma única faceta, de aversão de pessoas brancas às pessoas negras, identificado nas relações interpessoais, mas o problema não é só esse: está em um enorme de conjunto de desigualdades sociais, que pode ser percebida por meio das estatísticas.
O protagonista de Monstro é um jovem aspirante a cineasta. Imagem: reprodução.
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CRÍTICA
OS “MONSTROS” NO BRASIL Quando trazemos as reflexões provocadas pelo filme para o Brasil, podemos evocar uma construção histórica e social de discriminação e exploração contra pessoas afrodescendentes, que se inicia já no século XVl, com o transporte de escravos de países africanos comandados por portugueses. O Brasil é um país racista. Não tem como abordar tal questão sem que tenhamos essa percepção bem nítida. Os casos de racismo no Brasil também fazem relação com a violência policial, com um aumento de casos que começaram a gerar reações na sociedade em forma de repúdio. Nesta feita, a consciência coletiva parece aumentar. Com a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, também houve comoção em grande escala pelo Brasil. Nós utilizamos a realidade americana para afirmar que há um certo conformismo na sociedade brasileira como um todo diante de uma questão tão séria. É horrível perceber que grande parte da população espera algo acontecer em um país de primeiro mundo para tomar alguma atitude, sendo que 78% dos mortos pela polícia, em território nacional, são negros, segundo dados divulgados pelo G1, em 2021. A realidade brasileira escancara a urgência por uma sociedade mais comprometida. Não é preciso esperar mais casos de racismo para denunciar um cenário já problemático e insustentável. Que sejamos comprometidos com a nossa diversidade racial e que filmes como “Monstro” sejam feitos para questionar nossas estruturas.
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CRÍTICA
O LEGADO DE BORN THIS WAY
Lançado há 10 anos, o segundo álbum de Lady Gaga mantém relevância e reforça visão e impacto da cantora americana Por Rafael Alef Domingo, 12 de setembro de 2010. Vigésima sétima edição do Video Music Awards pela MTV. Lady Gaga subia ao palco para receber o prêmio de vídeo do ano pelo videoclipe da canção Bad Romance. Em um vestido feito inteiramente de carne, Gaga recebeu o troféu das mãos da cantora Cher, e em seu discurso de agradecimento fez o anúncio mais importante da noite: seu próximo álbum, a ser lançado no ano seguinte, foi batizado como “Born This Way” (em tradução literal, “Nasci Assim”). Me lembro de tampar a boca com as mãos quando a ouvi cantar um trecho da faixa título. “Eu sou linda do meu jeito, porque Deus não comete erros. Estou no caminho certo, baby. Eu nasci assim”, cantou, em lágrimas, diante da plateia. O lançamento oficial da faixa aconteceu cerca de 5 meses depois, dias antes da 53ª edição do Grammy Awards, em que a cantora também se apresentou ao vivo. Aos 16 anos, vivendo no armário e sendo filho de pais conservadores, eu definitivamente não poderia fazer um grande escândalo sobre tudo aquilo. Mas, naquele momento, jamais imaginaria que através de minha pequena TV analógica, acompanhava o início de uma das eras mais influentes na história da música. A conexão da comunidade LGBTQIA+ com Lady Gaga está além de seus feitos na indústria musical. Assumidamente bissexual, a cantora sempre esteve presente em discussões de pautas da comunidade e é reconhecida como um dos grandes ícones queer no cenário mainstream. Em 2009, durante um discurso na Marcha Nacional pela Igualdade - sediada em Washington, capital dos Estados Unidos - a cantora definiu o momento como “o mais importante de sua carreira” e cobrou o recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que cumprisse com as promessas de sua administração sobre igualdade e inclusão. “Como uma mulher na música pop e com os fãs gays mais lindos do mundo, eu me recuso a
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CRÍTICA
aceitar qualquer comportamento misógino e homofóbico na indústria musical”, destacou. Acredito que esse posicionamento escancarado, em defesa a uma comunidade marginalizada pela sociedade, rapidamente a catapultou de estreante para ícone pop e isso refletiu em seu trabalho como artista. Qualquer entusiasta de cultura pop sabe que, assim como no cinema, a sequência de um primeiro álbum de sucesso é decisiva na relevância e estabilidade dos próximos anos na indústria. Com Born This Way, Gaga não decepcionou. O álbum, desenvolvido em cerca de dois anos, foi lançado em 23 de maio de 2011. Com 17 faixas em sua versão especial, foi baseado na conexão que a cantora desenvolveu com seus fãs, os Little Monsters, e nas experiências dolorosas de sua vida, apresentando temas como liberdade, aceitação e igualdade de gênero. Sem dúvidas, foi um divisor de águas que transformou dor em arte. Em sua primeira semana de lançamento, Lady Gaga em sessão de autógrafos do álbum Born This Way. Imagem: Kevin Mazur/WireImage.
vendeu mais de 1 milhão de cópias somente nos EUA. Liderou paradas de sucesso ao
redor do mundo e teve uma recepção positiva pela crítica especializada. Além de emplacar os singles de trabalho Born This Way, Judas, The Edge of Glory, You & I e Marry the Night, entre as músicas mais tocadas do ano. O lançamento se tornou um grande evento midiático. A cidade de Nova York foi tomada por fotos promocionais do álbum. De metrô à taxis e outdoors gigantes, só se falava em Lady Gaga, o que contribuiu para a ascensão de sua persona midiática.
Carro plotado para divulgação do álbum BTW, em 2011. Imagem: Kevin Mazur/WireImage.
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CRÍTICA
Estação Bay 50th Street, Nova York, 2011. Imagem: Michael Hurcomb/Stills & Motion.
Junto com o sucesso, também recebeu inúmeras críticas. Judas foi vista como um afronte ao cristianismo. A faixa, que foi lançada antes do álbum completo, chegou às principais plataformas na terça-feira da Semana Santa de 2011, ação apontada como provocação por líderes religiosos. A referência à Maria Madalena no videoclipe da faixa, em que Gaga é apedrejada em praça pública, contribuiu para o mito popular que associava a cantora ao satanismo e práticas anticristo. O álbum foi banido temporariamente em países como o Líbano, por utilizar temas como religião e diversidade ao longo de seus 62 minutos de duração. Também foi palco para incansáveis comparações com Madonna, já que a faixa Born This Way remete ao grande sucesso dos anos 80, Express Yourself, lançado pela rainha do pop. Durante os dois anos de promoção, Gaga fez de tudo. Apareceu em programas de TV ao redor do mundo, deu inúmeras entrevistas, ganhou prêmios e embarcou em uma turnê mundial prevista para 119 apresentações. A quantidade massiva de aparições, ao meu ver, também teve efeitos negativos. Ao fim do ciclo de promoção, a imagem da cantora sofria de uma certa saturação, em que muito se questionava quanto ao que era verdadeiro e o que não passava de táticas midiáticas. O show ao vivo do álbum teve as últimas 21 datas canceladas após um acidente no palco em que a cantora fraturou o quadril. Com cirurgia feita logo em seguida, a fratura tirou a cantora dos holofotes e deu início a um período recluso para recuperação. Mesmo com o cancelamento na reta final, o show arrecadou quase 190 milhões de dólares e figura entre as maiores arrecadações por artistas femininas. Antes do acidente, Gaga também fez sua primeira e única passagem pelo Brasil. Com shows no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, não vendeu todos os ingressos previstos, mas comandou noites memoráveis em solo nacional. Ainda no país, visitou o Morro do Cantagalo, na Zona Sul do Rio. A cantora se divertiu com as crianças, cantou algumas canções para o projeto Espaço Criança Esperança e bebeu uma cerveja em um bar local.
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CRÍTICA
Sua conexão com as crianças no Brasil remete ao trabalho feito pela fundação que leva o nome do álbum. A Fundação Born This Way foi criada em 2012, em parceria com sua mãe, Cynthia Germanotta, e há 10 anos promove projetos sociais voltados para o desenvolvimento e acolhimento de jovens. Um dos grandes trabalhos desenvolvidos pela ONG foi o Brave Born Bus, veículo posicionado em locais onde a artista se apresentava, que ofertava atendimento psicológico para o público. Cynthia, que atua como presidente da fundação, contou em entrevista ao programa norte-americano Today Show, que a ideia da fundação veio da intensa conexão de Gaga com seus fãs em meio à sua ascensão como estrela pop. “Minha filha e eu começamos a fundação com um objetivo simples: fazer do mundo um lugar mais bondoso e corajoso”. No mês em que o álbum completou 10 anos, a prefeita de West Hollywood, Lindsey P. Horvath, concedeu à Gaga a chave da cidade em celebração ao seu legado. O dia 23 de maio foi oficializado como o Born This Way Day. Dias depois, a cantora anunciou um relançamento do álbum para o mês de junho, que vai contar com releituras de seis faixas, agora interpretadas por artistas e aliados da comunidade LGBTQIA+. Todos esses desdobramentos da marca Born This Way embasam uma ideia bem clara: Lady Gaga é mais que uma diva do pop. Seu trabalho é desenvolvido para mudar narrativas e ultrapassar limites. Mesmo quando se perde em sua própria ambição, a cantora não deixa de lado sua missão principal: inspirar uma nova geração de jovens pelo mundo que precisam de uma aliada. Em resposta sobre o seu trabalho como produtor no álbum, Vincent Herbert, se referiu ao projeto como o “Thriller do Século 21”, em alusão ao álbum de Michael Jackson, que está prestes a completar 40 anos. Talvez ele realmente seja, mas essa análise vamos reservar para 2051.
por Lorena Gomes
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OPINIÃO
FUTEBOL, RELIGIÃO E POLÍTICA
Três dos assuntos mais discutidos e polêmicos no país são vistos, com frequência, juntos, dentro e fora dos gramados Por Luís Otávio Peçanha “Futebol, religião e política não se discutem!”. Essa frase é extremamente conhecida no país. Essa máxima diz respeito a assuntos que são estritamente pessoais, por isso torna-se tão difícil desenvolver uma discussão. Mas, na realidade, quando avaliamos o cenário do futebol, a frase pode ser alterada para: “futebol, religião e política se discutem e se misturam sim”. O futebol, que é composto primordialmente por seres humanos, vai conter, de forma intrínseca, essas características, desde a criação de um clube até a manifestação das torcidas nas arquibancadas, com faixas, gritos e com hinos. Tudo isso faz parte da construção da identidade de um clube, da sua ligação com sua origem, seus fundadores, seu povo e sua cultura. É comum encontrarmos pessoas que definem o esporte por suas competições, pelos grandes jogadores, jogadas geniais, a atmosfera criada pela torcida, as camisas históricas duelando entre si dentro de campo e tudo que, somado, se complementa no show que é o futebol. Mas, ao mesmo tempo, é possível enxergar uma certa dificuldade em
assimilar
como
os
demais
assuntos
estão
presentes
no
futebol e como eles complementam ainda mais sua grandeza. Por isso, neste artigo, vamos lembrar de histórias e episódios marcantes do mundo da bola para exemplificar essa mistura.
O CLÁSSICO OLD FIRM A cidade de Glasgow, a maior da Escócia, é berço de dois dos maiores clubes do país: Rangers e Celtics. “Old Firm”, ou velha firma, é o apelido dado a um dos clássicos mais antigos do futebol mundial, com mais de 420 partidas disputadas, sendo a primeira datada em 28 de maio de 1888. O embate é marcado não só pela grande rivalidade existente entre os clubes, mas também pelas questões extracampo, mais especificamente, as questões político-religiosas que envolvem o duelo.
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OPINIÃO
Uma das questões mais conhecidas pelos adeptos do futebol é o embate religioso que afasta os dois clubes, mesmo que da mesma cidade. O Celtic é um time que carrega a identidade católica, já os Rangers carregam a identidade protestante, clube inclusive mais restrito que seus adversários com a representatividade de atletas. Durante o século XX, havia um boato que dizia que os Rangers não aceitavam atletas que não fossem protestantes na equipe, o que não era verdade. Porém, após a Primeira Guerra Mundial, o clube passou a adotar uma medida mais restritiva, aceitando atletas não-protestantes, desde que eles não manifestassem sua fé. Um episódio que ficou marcado na história do embate foi pauta de um vídeo do canal Peleja, no YouTube. No quadro Radar Peleja, há uma imagem em que um jogador do Celtic fez um sinal da cruz enquanto estava em frente à torcida rival.
Rangers e Celtic em campo, a maior rivalidade do futebol escocês. Foto: Vagelis Georgariou/Action Plus.
FRONTEIRAS POLÍTICAS O ano é 2019, mais especificamente final de maio. A final da Europa League, segundo maior campeonato de clubes do mundo, estava prestes a acontecer, e para os adeptos ao esporte, um presente maior ainda: a final seria um clássico londrino.
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OPINIÃO
Arsenal e Chelsea, dois grandes clubes de Londres, se enfrentariam na partida que decidiria o campeão da competição na temporada 19/20, porém, para um dos destaques do Arsenal, o cenário não era tão favorável assim. O jogador Henrikh Mkhitaryan, meio-campista armênio, sofreu, ali, um dos momentos mais frustrantes de sua carreira como jogador. A União das Associações Europeias de Futebol - UEFA, organizadora da competição, decidiu sediar a final em Baku, no Azerbaijão, cidade que tem conflitos históricos com a Armênia, país de origem do jogador. Os conflitos existem desde os primórdios da União Soviética e se devem pela disputa de um território que se encontra entre os dois países, Nagorno-Karabakh. O ódio entre as partes é tanto que existe uma proibição de armênios entrarem no Azerbaijão, fato que assustou o jogador. Mesmo após várias conversas entre UEFA e a federação do país, que asseguravam a segurança do atleta, Mkhitaryan divulgou, por meio de um tuíte, a decisão de não jogar a final por medo da situação. Esses episódios são apenas alguns exemplos de como questões políticoreligiosas são presentes no esporte, como elas fazem parte do espetáculo. Um questionamento que vale a pena ser levantado, quando pensamos na presença de tais assuntos, é o futebol como palco de tais manifestações e, também, como um local em que tais questões podem ter uma maior visibilidade, por se tratar do esporte mais assistido do mundo.
Henrikh Mkhitaryan, meio-campista armênio. Foto: Getty Images.
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OPINIÃO
VISIBILIDADE TRAZ RESPONSABILIDADE O futebol, por ser o esporte mais assistido do mundo, é composto por atletas que são conhecidos mundialmente, até por pessoas que não acompanham o esporte, e clubes que também seguem a mesma linhagem, tendo uma responsabilidade gigante com sua imagem e com o que defendem. Mario Marra, comentarista esportivo dos canais ESPN e ESPN Brasil, explica que uma das maiores capacidades do futebol é a de promover debates, despertando um senso crítico em pessoas que não têm tanto conhecimento ou conexão com determinados assuntos. “O principal fator é dar luz a movimentos sociais, causas humanitárias e ações positivas”, afirmou. O futebol nada mais é do que um reflexo da nossa sociedade, logo, muitas coisas que acontecem na vida real são carregadas para dentro do esporte. Por conta disso, infelizmente não é preciso pensar demais para se recordar de episódios negativos como intolerância religiosa, racismo, xenofobia, homofobia e intolerância política, e engana-se quem pensa que tais atrocidades acontecem apenas em ligas “inferiores” ou menos conhecidas. As maiores ligas e competições do mundo já foram palco para inúmeras agressões, ações que ultrapassam qualquer tipo de provocação de jogo e que alcançam o nível de crime. Visto isso, cabe aos clubes e aos jogadores, que também se encaixam como celebridades, influenciadores e formadores de opinião, aturarem e se manifestarem de maneira convicta. “As manifestações [de jogadores e clubes] são bem-vindas, devem ser estimuladas, o problema sério é que muitas vezes elas ficam apenas nas manifestações”, explica Mário. A afirmação do comentarista ajuda a visualizar situações que são vistas muitas vezes no futebol, em que um clube entra em campo com uma faixa “não ao racismo” ou adicionam um patch no uniforme contra a homofobia, mas mesmo assim, situações desse tipo voltam a acontecer.
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OPINIÃO
“As punições para racistas, por exemplo, são muito brandas, o ideal é que elas fossem mais verdadeiras. Mas a culpa não é de quem carrega a faixa, e sim de quem pune com timidez”, ressalta.
STREAMING, DEMOCRATIZAÇÃO E PIRATARIA 82% dos assinantes de conteúdo on demand afirmam ter reduzido o consumo de conteúdo pirata por causa da tecnologia Por Amanda Ferreira Nos últimos anos, o setor do entretenimento passou por diversas adaptações, dentre elas, a chegada dos serviços de streaming e on demand. No Brasil, especificamente, tal transformação trouxe inúmeras contribuições para a população. Em tempos de pandemia e distanciamento social, em que ficar em casa não é apenas uma opção, mas uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), plataformas de streaming de vídeo, como Netflix, Globoplay e Amazon Prime conquistaram espaço fixo no dia a dia dos brasileiros. Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de assinantes da Netflix. A plataforma, que atingiu a marca de 200 milhões de assinaturas no fim de 2020, conta com 16,364 milhões de usuários brasileiros, representando quase metade de todos os assinantes da América Latina, de acordo com a estimativa da Comparitech, site britânico de pesquisas e comparativos de serviços de tecnologia. Mas, o que simboliza esse cenário? Qual sua influência em outros serviços, como na TV por assinatura e TV aberta, por exemplo? E os benefícios advindos dessas novas modalidades? Antes de tudo, é necessário entendermos o que são esses serviços e como eles funcionam.
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OPINIÃO
O QUE É STREAMING? Streaming é a tecnologia que faz a transferência de dados pela internet, sem que o usuário precise fazer download dos conteúdos para acessálos. Se, antes, era preciso comprar DVDs, alugar, baixar, ou até mesmo esperar passar na TV, hoje é possível ter acesso a uma incontável seleção de filmes, séries e vídeos, de forma instantânea, desde que exista uma conexão com a internet. É chamado de on demand, ou sob demanda, em português, todo o conteúdo que pode ser acessado no momento em que a pessoa deseja. Na TV tradicional, por exemplo, não é possível assistir a um programa fora do horário de exibição. Essas tecnologias permitem consumir filmes e séries em qualquer lugar e a qualquer momento, de forma rápida e a um custo mais acessível. Empresas como a Netflix cobram somente uma mensalidade para acessar um grande acervo de conteúdos audiovisuais nacionais e internacionais.
A QUEDA DA TV POR ASSINATURA Segundo dados divulgados pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a TV paga no Brasil encerrou 2020 com 14.856.453 contratos ativos. Em comparação com os números de anos anteriores, a queda foi de 2.658.023 clientes. Isso equivale a 151 assinantes a menos por hora, ou 2,5 a cada minuto. Tais números podem evidenciar a insatisfação da população em assistir programações repetitivas e nada atraentes, em que se cobra um valor alto para ter pacotes “engessados”, com canais específicos que, na maioria das vezes, o consumidor sequer assiste. Um cenário muito semelhante a este tem sido o da TV tradicional.
Com a popularização dos serviços de streaming, TV por assinatura perde 2,5 clientes por minuto no Brasil. Imagem: Unsplash.
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OPINIÃO
O HÁBITO DA TV ABERTA Se, hoje, podemos decidir o momento em que iremos desfrutar destes conteúdos e temos um catálogo com opções diversas à nossa disposição, por que ainda consumimos os canais da televisão aberta, por exemplo? A resposta é simples. A proposta dos serviços é complementar, e um não anula o outro. Podemos assistir Caldeirão do Huck em uma tarde de sábado logo após uma maratona da série favorita na Netflix, por exemplo. Desde a implementação dos canais por assinatura, as emissoras de televisão locais vêm sofrendo com a perda de público diária, mas isto não significa que não exista uma audiência fiel. Os grupos mais jovens têm uma preferência pelo conteúdo via streaming. Mas a TV aberta, por outro lado, ainda é a preferida do publico mais velho, que não abre mão do programa favorito em uma noite de domingo ou dos noticiários diários, que se tornaram um hábito cultural. Pensando nisso, os grandes veículos de comunicação, como a Rede Globo, por exemplo, têm se reinventado e apostado no serviço de streaming on demand, com o lançamento da Globoplay, em 2015, a plataforma digital que une a programação da TV tradicional brasileira com a TV por assinatura, sob a proposta de “tudo em um só lugar”. Existe algo mais democrático que a liberdade de escolher como e quando acessar o que deseja?
A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENTRETENIMENTO Filmes, séries e documentários, além de serem uma fonte de entretenimento, trazem conhecimento e reflexões importantes para a população. Apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos, o acesso ao cinema no Brasil não é democrático. O preço dos ingressos é elevado e as salas se concentram nos grandes centros urbanos, deixando de lado as pequenas cidades. E é aí que entra a importância do streaming para essas pessoas. Seja em um smartphone, computador ou televisão, basta ter acesso à internet e uma assinatura em alguma das empresas que ofertam o serviço que o entretenimento da família já está garantido em qualquer lugar do mundo. Fator que foi determinante para redução da pirataria no país.
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OPINIÃO
Consumir conteúdo audiovisual via streaming ficou mais acessível do que ir ao cinema. Imagem: Unsplash.
A NETFLIX NO COMBATE A PIRATARIA Se a população tem acesso a um conteúdo de qualidade, que lança séries e filmes ao mesmo tempo no Brasil e Estados Unidos, isso torna a pirataria menos atraente. É o que confirma a pesquisa realizada pela empresa de análise de mercado, Alexandria Big Data, que entrevistou 1.596 pessoas no Brasil, sendo 83% delas assinantes de algum serviço de streaming. Dessas, 82% disseram ter diminuído o consumo de conteúdo pirata por causa da tecnologia. Antes, a burocracia para se ter acesso a uma produção cinematográfica era muito maior. Os filmes demoravam para sair dos cinemas e chegarem até as nossas casas, além do alto valor cobrado pela unidade, seja na compra ou no aluguel, induzindo as pessoas a buscarem alternativas, recorrendo a pirataria. As transformações tecnológicas não vêm para exterminar as anteriores e sim para sofisticar, aprimorar e evoluir. A competitividade é sim algo importante na realidade brasileira e totalmente saudável, e é primordial entendermos isso para estarmos abertos ao progresso.